Contribuição de Iluminação Pública e o Princípio da Isonomia Tributária

INTRODUÇÃO


O objetivo deste artigo é investigar a aplicação do princípio constitucional da isonomia tributário na Contribuição para Custeio dos Serviços de Iluminação Pública introduzida no Sistema Tributário Nacional pela Emenda Constitucional número 39/2002 aprovada pelo Congresso Nacional em 2002 que acrescentou na Constituição o art. 149-A.


No primeiro capítulo tem-se um levantamento histórico e filosófico do conceito e aplicação do princípio geral da igualdade, bem como a previsão constitucional e doutrinária de tal princípio.


Faz-se necessário investigar a origem do instituto do princípio da legalidade para uma melhor compreensão do tema e sua aplicabilidade na Contribuição para Custeio dos Serviços de Iluminação Pública.


No segundo capítulo propomos a analisar a Contribuição de Iluminação Pública: sua origem, natureza jurídica, sujeito passivo e forma de cobrança.


A COSIP apresenta várias peculiaridades em relação aos demais tributos. Analisamos com profundidade suas características e sua instituição e formas de exação.


Por fim, fizemos uma reflexão sobre a aplicação do princípio da isonomia tributária na exação da COSIP, sob o enfoque da doutrina e da jurisprudência do Tribunal de Justiça de Goiás e do Supremo Tribunal Federal.


Verificamos que o Tribunal goiano modificou seu entendimento para adequar ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal que entende que a instituição da Contribuição encontra guarida na Lei Maior.


1. ASPECTO HISTÓRICO DO PRINCIPIO DA IGUALDADE


1.1 – A igualdade na história da humanidade


Difícil é a missão de identificar a origem do princípio da igualdade. Há divergência para os historiadores. Porém, este não é o objetivo do estudo neste artigo.


O Constitucionalista José Afonso Silva (2003: p. 58), atribui a Aristóteles como sendo pioneiro da inserção do princípio da igualdade no mundo filosófico ao enunciar que “a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, dando a cada um o que é seu”.


Para o filósofo iluminista Montesquieu (1994: p.73)a democracia se perde se não houver espírito de igualdade:


“Corrompe-se o espírito da democracia não somente quando se perde o espírito de igualdade, mas ainda quando se quer levar o espírito de igualdade ao extremo, procurando cada um ser igual àquele que escolheu para comandá-lo. Então, o povo, não podendo suportar o próprio poder que escolheu, quer fazer tudo por si só: deliberar pelo senado, executar pelos magistrados e discutir todos os juízos (…). A democracia deve, portanto, evitar dois excessos: o espírito de desigualdade, que a conduz à aristocracia e ao governo de um só; e o espírito de igualdade extrema, que a conduz ao despotismo de um só (…). No seu estado natural, os homens nascem numa verdadeira igualdade, mas não podem permanecer nela. A sociedade faz com que a percam e apenas retornem à igualdade pelas leis.”


Portanto, já no século XVIII verificava a necessidade de dar tratamentos desiguais para os desiguais e tratamento iguais para os iguais, senão o sentido da democracia desvirtuaria o princípio da igualdade.


1.2 – A igualdade na Constituição Republicana


Para Alexandre de Morais (2004: p. 66-68) o princípio da igualdade deve ser entendido como diversos critérios albergados pelo ordenamento jurídico para dar tratamento idêntico a todos os cidadãos, vejamos:


“A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idênticos pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal”.


O citado professor, ensina que o princípio da igualdade se opera em dois planos distintos, frente ao legislador e frente ao intérprete:


“O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.”


Assim, a possibilidade de tratamento desigual somente pode ocorrer se previstos em lei e atendidos os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sendo necessária uma justificativa do legislador.


Ao analisarmos o art. 5º da Carta Política, verificamos que a igualdade ali apontada é a igualdade perante a lei, ou seja, lei poderá dar tratamentos diferenciados para os desiguais. O art. 5º prevê:


 “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”: (grifei)


Portanto, a constituição informa que a igualdade deve ser verificada no caso concreto diante da lei, podendo assim, o legislador dar tratamento diferente para os que dele necessita.


A cerca do tema o Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 523.737 de relatoria da ministra Dra. Ellen Gracie, assim se posicionou:


“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO DA POLÍCIA MILITAR. TESTE DE ESFORÇO FÍSICO POR FAIXA ETÁRIA: EXIGÊNCIA DESARRAZOADA, NO CASO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E LEGALIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal entende que a restrição da admissão a cargos públicos a partir da idade somente se justifica se previsto em lei e quando situações concretas exigem um limite razoável, tendo em conta o grau de esforço a ser desenvolvido pelo ocupante do cargo ou função. No caso, se mostra desarrazoada a exigência de teste de esforço físico com critérios diferenciados em razão da faixa etária. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido.” (RE 523737 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 22/06/2010, DJe-145 DIVULG 05-08-2010 PUBLIC 06-08-2010 EMENT VOL-02409-07 PP-01500)


No julgamento do aludido Extraordinário o Excelso assentou o entendimento de que é fundamental a razoabilidade para dar tratamentos desiguais.


Noutro julgamento, Suspensão de Tutela Antecipada STA 389 O STF definiu que o tratamento diferenciado para alguns grupos religiosos em aplicação de provas e concursos em datas diferentes ofende o princípio da isonomia:


“EMENTA: Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada. 2. Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em data alternativa ao Shabat 3. Alegação de inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e ao direito à educação. 4. Medida acautelatória que configura grave lesão à ordem jurídico-administrativa. 5. Em mero juízo de delibação, pode-se afirmar que a designação de data alternativa para a realização dos exames não se revela em sintonia com o principio da isonomia, convolando-se em privilégio para um determinado grupo religioso 6. Decisão da Presidência, proferida em sede de contracautela, sob a ótica dos riscos que a tutela antecipada é capaz de acarretar à ordem pública 7. Pendência de julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 391 e nº 3.714, nas quais este Corte poderá analisar o tema com maior profundidade. 8. Agravo Regimental conhecido e não provido”. (STA 389 AgR, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2009, DJe-086 DIVULG 13-05-2010 PUBLIC 14-05-2010 EMENT VOL-02401-01 PP-00001 RT v. 99, n. 900, 2010, p. 125-135)


Pode-se afirmar que a Corte Suprema, acompanhando a doutrina, entende que o sentido do princípio da igualdade é tratar os iguais de forma iguais e os desiguais de forma desiguais, desde que amparado nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 


2.  CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA


2.1 – Origem da COSIP


A origem da Contribuição de iluminação Pública é a inconstitucional Taxa de Iluminação Pública. O Egrégio Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário assim se posicionou:


“EMENTA: TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE NITERÓI. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ARTS. 176 E 179 DA LEI MUNICIPAL Nº 480, DE 24.11.83, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 1.244, DE 20.12.93. Tributo de exação inviável, posto ter por fato gerador serviço inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, a ser custeado por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais. Recurso não conhecido, com declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos sob epígrafe, que instituíram a taxa no município.” (RE 233332, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/1999, DJ 14-05-1999 PP-00024 EMENT VOL-01950-13 PP-02617)


 O Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento de que os serviços passiveis de tributação por taxas são os prestados uti singuli. No julgamento do RE 576.321 assim pronunciou:


“a Corte entende como específicos e divisíveis os serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, desde que essas atividades sejam completamente dissociada de outros serviços públicos de limpeza realizados em benefício da população em geral (uti universi) e de forma individual, tais como os de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos (praças, calçadas, vias, ruas bueiros).


Decorre daí que as taxas cobradas em razão exclusivamente dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis são constitucionais, ao passo que é inconstitucional a cobrança de valores tidos como taxa em razão de serviços de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos” (RE 576.321-RG-QO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 13.2.2009 – grifos nossos).


No mesmo sentido:


“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE COLETA DE LIXO E LIMPEZA PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. I –É ilegítima a cobrança de Taxa de Coleta de Lixo e Limpeza Pública – TCLLP, porquanto não está vinculada apenas à coleta de lixo domiciliar, mas também a serviços de caráter universal e indivisível, como a limpeza de logradouros públicos. II – Agravo regimental improvido”  (AI 639.510-AgR, Rela. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 17.4.2009).


Com a finalidade de pacificar o tema o Excelso editou em 9/10/2003 a súmula número 670, com o seguinte ter:


“O SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA NÃO PODE SER REMUNERADO MEDIANTE TAXA.”


A partir da publicação da súmula ficou inviável para os municípios cobrar a referida taxa. A saída encontrada foi pressionar os integrantes do Congresso Nacional para aprovar a Emenda Constitucional nº 39/2002. Com sua aprovação a Lei Maior ficou acrescida do art. 149-A, in verbis:


“Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002)


Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.”(Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002)


A partir da alteração do dispositivo constitucional os Municípios e o Distrito Federal foram autorizados a instituir a Contribuição de custeio do serviço de iluminação pública – COSIP ou CIP.


Portanto, a competência para criação é exclusiva dos Municípios é do Distrito Federal. Segundo a dicção do art. 149-A a Constituição, a referida contribuição deve observar a limitação do art. 150, I e III, ou seja, os princípios da legalidade, irretroatividade, anterioridade e da noventena.


A Contribuição para Iluminação Pública não se confunde com impostos, porque enquanto estes não têm suas receitas vinculadas aquelas têm suas receitas vinculadas à atividade de iluminação pública.


2.2 – Natureza jurídica da Contribuição de Iluminação Pública


A doutrina é praticamente pacífica na denominação de tributo da chamada “contribuição de iluminação pública”, pois, além de ter sido inserida no art. 149-A da Carta Política de 1988 no título de Sistema Tributária Nacional o dispositivo determina que os Municípios e o Distrito Federal, ao criá-la, devem respeitar o disposto nos incisos I e III do art. 150, do mesmo diploma Constitucional.


De mais a mais, verifica-se que a exação tributária contém todos os elementos contidos no conceito de tributo estabelecido pelo art. 3º do Código Tributário Nacional, vejamos:


“Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”


Infere do dispositivo transcrito que a COSIP atende os requisitos de tributo.


O professor Luciano Amaro (2003: p. 18) ensina que:


“Esse conceito quis explicitar: a) o caráter pecuniário da prestação tributária (como prestação em moeda); b) a compulsoriedade dessa prestação, idéia com a qual o Código Tributário Nacional buscou evidenciar que o dever jurídico de prestar o tributo é imposto pela lei, abstraída a vontade das partes que vão ocupar os pólos ativo e passivo da obrigação tributária, opondo-se, dessa forma, a compulsoriedade do tributo à voluntariedade de outras prestações pecuniária; c) a natureza não sancionatória de ilicitude, o que afasta da noção de tributo certas prestações também criadas por lei, como as multas por infração de disposições legais, que têm a natureza de sanção de ilícitos, e não de tributos; d) a origem legal do tributo (como prestação “instituída em lei”), repetindo o Código a idéia de que o tributo é determinado pela lei e não pela vontade das partes que irão figurar como credor e devedor da obrigação tributária; e) a natureza vinculada (ou não discricionária) da atividade administrativa mediante a qual se cobra o tributo.”


No mesmo sentido, o Professor José Eduardo Soares de Melo (2003: p. 46), leciona:


“Tributo é a receita pública derivada do patrimônio dos particulares, de caráter compulsório e instituído em lei, consoante as materialidades e respectivas competências constitucionais, fundamentada em princípios conformadores de peculiar regime jurídico”.


Diferentemente, a espécie não encontra unanimidade na doutrina. O jurista Ives Granda critica a denominação de contribuição (2006: pp. 46/48).


“Se é válida, porque autorizada por Emenda Constitucional, uma ‘contribuição’ que tem as características essenciais de um imposto, poderá então o constituinte reformador substituir todos os impostos por contribuições, contornando assim a vedação do art. 167, IV. E por que não poderia então instituir contribuições sem obediência ao princípio da anterioridade ao exercício financeiro de cobrança? E por que não poderia assim, aos poucos, destruir todas as garantias que a Constituição outorgou ao cidadão contribuinte?” (Comentários ao Código Tributário Nacional, Coordenador Ives Gandra da Silva Martins, Editora Saraiva, São Paulo, 4a edição, volume 1, páginas 46/48).


Para o professor Kiyoshi Harada (p. 215-218), trata-se de imposto:


Para caracterização da contribuição social ou da taxa de serviços, não basta a destinação específica do produto da arrecadação do tributo. È preciso que se defina o beneficiário específico desse tributo, que passará a ser o seu contribuinte. Se a comunidade inteira for a beneficiária, como no caso em estudo, estar-se-á diante de imposto, e não de contribuição.


Por todo o exposto, verifica-se que o tributo denominado “Contribuição de Iluminação Pública” inserido do art. 149-A da Constituição Federal de 1988 guarda semelhança com varas espécies tributárias, conforme defendido pelos autores acima.


Assemelha com as Taxas, pois, embora estas têm seu lugar para retribuir a prestação de um serviço específico e divisível ou pelo exercício do poder de polícia, a COSIP tem a finalidade de retribuir os serviços de iluminação pública suportado pela municipalidade e Distrito Federal. Não é Taxa, pois, toda a coletividade é beneficiada pelos serviços, tendo em vista a impossibilidade de divisão.


Então, pode-se inferir que assemelha com imposto. Porém, o art. 167, III, veda a vinculação das receitas dos impostos, in verbis:


“Art. 167. São vedados:


(…)


III – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvada a repartição do produto de arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente pelos arts. 198, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, §8º, bem como o disposto no §4º deste artigo;”


Desta forma, Inviável classificá-lo como imposto.


 O Supremo Tribunal Federal trata o tributo de “contribuição sui generis”, pois, não enquadra em nenhuma espécie anteriormente positivada.


3- REFLEXÕES SOBRE A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA NA EXAÇÃO DA COSIP OU CIP – CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA


 3-1 – Principio da isonomia tributária


Vimos no primeiro capítulo a origem e o histórico do princípio da igualdade. Em suma o princípio da isonomia determina que diante da lei toda e qualquer pessoa que se enquadre na mesma situação deverá se sujeita ao comando legal. O princípio é dirigido primeiramente ao legislador, proibindo-o de discriminar pessoas sem a devida razoabilidade, proporcionalidade e justificativa. De outro turno, o mesmo princípio é dirigido ao aplicador da lei, proibindo este de diferenciar as pessoas que irá submeter à lei.


A isonomia tributária é a aplicação do princípio da igualdade do âmbito da relação jurídica entre a Fazenda Pública e os contribuintes.


O princípio da isonomia ou igualdade tributária encontra arrimo na nossa Lei Maior. O art. 150, II, prescreve:


“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas, ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:


(….)


II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”


Vale destacar que o princípio em comento destina ao contribuinte e não à Fazenda Pública. Por isso, se o ente prevê uma hipótese de incidência e depois verificar que há duas situações idênticas, uma com a previsão legal outra sem previsão, não poderá invocar o princípio da isonomia tributária para cobrar o tributo.


3.2 – Isonomia tributária e a COSIP


Quanto o constituinte derivado instituiu a Contribuição de Iluminação Pública, estabeleceu que o tributo deveria respeitar o princípio da legalidade e da legalidade, irretroatividade e anterioridade e noventena. O art. 149-A determina:


“Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.”


Por seu turno, o art. 150, I e III, prevê:


“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas, ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:


I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;


(…)


III – cobrar tributos:


a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;


b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;


c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;”


3.3 – Da posição jurisprudencial


3.3.1 – Da posição do Tribunal de Justiça de Goiás


Inicialmente é importante destacar que a Constituição do Estado de Goiás, no mesmo sentido da Lei maior, consagrou como garantias do contribuinte, o princípio da isonomia.


O art. 102, inciso II, da Constituição Estadual determina:


“Art. 102 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado e aos Municípios:


[…]


II – instituir tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”


Portanto, as contribuições COSIP instituída em Goiás deverão seguir as determinações da Constituição Estadual, dentre elas o princípio da isonomia tributária.


Assim, caso o município estabelece como fato gerador o consumo individual de energia elétrica e definir valores diferenciados de cobrança para contribuintes que, em tese, utilizam igualitariamente do serviço público em questão, o legislador municipal criou injustificada desigualdade de tratamento, ferindo o princípio da isonomia tributária.


Por exemplo, se criar alíquotas diferentes em razão do consumo estaria a norma eivada de inconstitucionalidade.


Para o TJGO, em face da natureza do serviço prestado (iluminação pública), não seria possível individualizar a quantidade de energia elétrica consumida por usuário. Não seria somente aqueles que estão ligados à rede de energia elétrica os beneficiários do serviço, como quer fazer crer a lei impugnada. Todos os que de alguma forma usufruem da iluminação estaria sendo favorecido com o serviço público, estando sujeitos de forma igualitária e universal.


 No julgamento da ADIN 378-7 o Egrégio Tribunal assim posicionou:


“Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei Municipal. Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública. Necessidade de edição de Lei Complementar. Isonomia tributária. Inconstitucionalidade.


1) A regra estabelecida pela Constituição do Estado de Goiás em seu artigo 101, § 3º, inciso III, alínea “a”, reserva à lei complementar a definição das diretrizes concernentes à incidência genérica da espécie tributária.


 2) O artigo 149-A da Constituição Federal não definiu, como não poderia deixar de ser, o respectivo fato gerador, base de cálculo e contribuintes do tributo nele criado, referente ao custeio da iluminação pública, tornando imprescindível a edição de lei complementar para que o mesmo possa ser instituído pelos municípios.


3) Fere o princípio da isonomia tributária, expresso no artigo 102, inciso II, da Carta Goiana, o tratamento diferenciado entre contribuintes que se encontram em situação equivalente.


4) A Constituição Estadual estabelece (artigo 104, § 3º) a garantia de que


nenhum outro tributo, além do ICMS, pode ser criado tendo como fato gerador “operações relativas a energia elétrica”. Patente o vício constitucional decorrente da instituição da COSIP.


5) Inconstitucionalidade declarada.”


Portanto, o Plenário do Tribunal de Justiça de Goiás, se viu obrigado a mudar seu entendimento, posto que está subordinado às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal quando suas decisões têm efeitos de repercussão.


3.3.2 – Da posição do Supremo Tribunal Federal


Este era o entendimento do Tribunal até o julgamento da ADIN 387-7 em 2008. Porém com a consolidação do entendimento no STF no julgamento do Recurso Extraordinário número 576.675/SC o TJGO, na forma do art. 543-B, §3º do CPC retratou seu entendimento pacificado. A retratação em 26/01/11, foi assim ementada:


“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. CONSTITUCIONALIDADE DA EXAÇÃO RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL. ARTIGO 543-B, § 3º, DO CPC. RETRATAÇÃO. Apesar desta Corte de Justiça haver manifestado por inúmeras vezes pela inconstitucionalidade da cobrança da COSIP, a questão hoje encontra-se pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 573675/SC, em que o órgão de Cúpula declarou ser constitucional a cobrança da contribuição para custeio de iluminação pública. Assim, em observância à UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA A FIM DE assegurar a estabilidade jurídica, mister fazer um juízo de retratação, uma vez que a manutenção da decisão anterior nada beneficiaria a pacificação social, de outro modo, forçaria a interposição de recurso junto à instância superior, cujo resultado já seria conhecido. Destarte, em face da natureza “sui generis” da COSIP ,afasta-se a exigência de edição de lei complementar Nacional, por conseguinte, o vício de inconstitucionalidade formal, eis que a exigibilidade fica adstrita aos impostos. No mesmo sentido, não há que se falar em vício material, haja visa que a vinculação da cobrança do tributo ao consumo particular de energia elétrica não desrespeita o princípio da isonomia tributária ante a impossibilidade de realizar uma identificação pormenorizada de todos os usuários do serviço de iluminação pública. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE.” (TJGO, Tribunal Pleno. Rel. Des. João Ubaldo Ferreira, processo 200801290630, J 746 de 26/01/2011).


O Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 576.675/SC pacificou seu entendimento:


“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – COSIP. ART. 149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA. COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA. UNIVERSO DE CONTRIBUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O DE BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA E O CONSUMO DE ENERGIA. PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA QUE EXPRESSA O RATEIO DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO MUNICÍPIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. INOCORRÊNCIA. EXAÇÃO QUE RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. I – Lei que restringe os contribuintes da COSIP aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública. II – A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva. III – Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. IV – Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. V – Recurso extraordinário conhecido e improvido.”
(RE 573675, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 25/03/2009, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-094 DIVULG 21-05-2009 PUBLIC 22-05-2009 EMENT VOL-02361-07 PP-01404 RTJ VOL-00211- PP-00536 RDDT n. 167, 2009, p. 144-157 RF v. 105, n. 401, 2009, p. 409-429)


Segundo o acórdão Lei que restringe os contribuintes da COSIP não ofende o princípio da isonomia.


Vale destacar o foi reconhecido a Repercussão Geral no RE sob análise em 11/4/2008. Portanto, os órgãos inferiores do Poder Judiciário deverão acompanhar a decisão da Suprema Corte.


No Extraordinário o requerente aduz que o princípio da isonomia deve ser observado, embora não previsto no art. 149-A da Lei Maior, pois, trata-se de tributo sujeito a toda vedação prevista na Constituição.


Afirma ainda que não foi observada a isonomia tributária, isto porque nem todos os beneficiários pagam a referida contribuição, além do que há discriminação dos contribuintes em razão de seu consumo de energia elétrica, utilizando uma tabela progressiva.


Em sua defesa o Município embasa a utilização de tabela progressiva para observar o princípio da capacidade contributiva dos contribuintes, cobrando um valor maior daquele que utiliza mais energia elétrica, observando assim a isonomia tributária.


O ministro relator Ricardo Lewandoswki afirma que mesmo não havendo previsão no art. 149-A, a contribuição deve respeitar todos os princípios destinados aos tributos, pois, tal contribuição é um tributo.


Defende que a eleição do sujeito passivo àqueles que consumem energia não fere o principio da isonomia. Para fundamentar seu posicionamento transcrever trecho do acórdão do TJSC que aduz: Não seria possível criar postos de fiscalizações para verificar quem são os beneficiários. Como cobrar o tributo dos moradores dos municípios vizinhos?


Salienta que é evidente que o Município optou por uma tabela progressiva na exação da contribuição, porém, observou o princípio da isonomia e da capacidade contributiva.


Por fim, para o relator é aceitável supor que quem consume mais energia elétrica tem maior possibilidade de contribuição.


No mesmo sentido é o entendimento do saudoso ministro Menezes Direito. Para ele a progressividade respeita a isonomia e a capacidade contributiva.


De igual modo é o pensamento da ministra Carmem Lúcia, Eros Grau, Celso de Melo e Gilmar Mendes.


Diferentemente, é o voto do ministro Marco Aurélio que votou pela inconstitucionalidade da exação da contribuição de iluminação Pública.


CONCLUSÃO


Após o estudo pormenorizado do tema “isonomia tributária e a Contribuição para Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – COSIP”, depreende-se que a exação tributária, embora controvertida, foi pacificada no Supremo Tribunal Federal.


A criação do tributo de espécie sui generis é de origem da refugada Taxa de Iluminação Pública, declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que aliás sumulou o tema “O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa”.


A voz do ministro Marco Aurélio, da Suprema Corte, é um fio de esperança para os contribuintes, que já suporta uma carga tributário de cerca de 37% (trinta e sente por cento) do PIB – Produto Interno Público.


Observa-se, que enquanto não houver mudança de nomes no Supremo não será possível modificar o entendimento majoritário, porém, da mesma forma que houve alteração no entendimento sobre a progressão de regime na Lei de Crimes Hediondo, poderá haver também, mudança no entendimento sobre a constitucionalidade da cobrança da Contribuição, haja vista o posicionamento de decano Marco Aurélio.


 


 


Referências bibliográficas:

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Informações Sobre o Autor

Edimar Gomes da Silva

Bacharel em Direito pelo UNIDESC, Especialista em Dirieto Tributário pela Anhaguera, Professor, Advogado.


Equipe Âmbito Jurídico

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