Um jornalista norte-americano foi
bisbilhotar no Paquistão. Queria descobrir ligações espúrias entre o
terrorismo internacional e alguns ocidentais.
Seqüestraram-no. Mantiveram-no encarcerado num lugar
qualquer durante muitos e muitos dias. Pretendiam trocá-lo por
companheiros capturados. O governo americano, finalmente, admitiu que o
repórter estava morto. Uma cena dantesca, filmada. mostrava o moço sendo degolado depois de se dizer
judeu. Mais adiante, o cadáver teria sido decapitado à moda
dos frangos. O filme, enviado a um jornalista paquistanês, foi
reconhecido, finalmente. Era real.
A decapitação não é privilégio daquele
país. A história está repleta de cenas assemelhadas, recolhidas na mais remota antigüidade. Cerimônias terríveis
são relatadas por sobreviventes visitadores de tribos
especializadas em imolações afins. Aliás, Marcos Cláudio Acquaviva,
jurista dos mais eméritos que o Brasil tem, escreveu livro sobre rituais
encontradiços na Colômbia. Conta, à margem dessas coisas horríveis, espetáculos
extravagantes dentro da anomalia. Por exemplo: a família dos mortos
ilustres era sacrificada concomitantemente (Primeiro iam as mulheres, para desespero das nossas feministas).
A decapitação tem significados
múltiplos. É forma de humilhar, pois desidentifica o
cadáver. Facilita o transporte do troféu. E reduz o mutilado à condição
de animal inferior, impedindo, segundo crendice, o retorno da alma para
assombrar o algoz. Havia povos rústicos, a par disso, que
detinham a técnica de mumificação e redução das cabeças de inimigos mortos em combate. Levavam-nas
amarradas à cinta.
Pensava-se, entretanto, que o costume
havia sido relegado às calendas. Engano profundo,
porque há alguns meses apareceu a notícia de guerrilheiros
das bandas do Paquistão exibindo, penduradas pelos cabelos, cabeças de
antagonistas degolados a facão de mato.
Dir-se-á que isso não acontece na
América Latina. É mentira. Ainda se degola um ou outro por aí. E
não temos, no Brasil, o privilégio da repulsa a tal comportamento.
Já fizemos isso oficialmente, por sentença, com Tiradentes, embora
lançando a culpa aos portugueses. Espetamos num poste a extremidade
superior do mártir da Inconfidência. O resto foi pendurado à margem
das estradas Aliás, naquela época., escaparam os
moços de boa estirpe, mandados ao exterior para degustar bons vinhos até
que as coisas esfriassem. Afirma-se que a manobra foi imitada há poucos
anos.
Noticiam os jornais, após a
última rebelião em presídios organizada por um comando central da delinqüência,
cerimônia concretizada numa cela de penitenciária qualquer:paredes
pintadas de preto, inscrições dramáticas postas no teto, tudo iluminado à luz
de velas, mistura tenebrosa de vodu, cachaça, álcool de batata, casca de
frutas, maconha e drogas diversas. Vapt! Vapt! Vapt! Vai-se a cabeça do infeliz. O rito exibe ligação
atávica com os selvagens de antanho, guerrilheiros paquistaneses,
nativos colombianos e presídios brasileiros, sem perda
de atenção para certas execuções consumadas à
beira das estradas vicinais. É tudo igual? Não, é pior. Hoje, mandamos
homens ao espaço. Usamos computadores maravilhosos. Clonamos
bichos (e gente também, tenham certeza).
Colocamos o dedo nas chagas de Cristo, tentando decifrar o mistério da criação.
Mas continuamos cortando cabeças aqui e ali, cooperando, inclusive, para que as
cortem quando permitimos aos marginais explicação
consistente na repulsa aos maus-tratos que lhes dispensamos nas
prisões…
O repórter decapitado é, no pavor
em que vivemos, apenas uma cabeça a mais. O
presidente dos Estados Unidos da América do Norte faz melhor. Não precisou
recolher restos. Triturou-os, misturados nas montanhas do
Afeganistão. À sua moda, é
caçador de cabeças. Pragmático, pulveriza-as, enquanto coopera decididamente
para o término da recessão e o reequilíbrio da
economia interna americana.
Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.
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