Resumo: O dano moral ambiental coletivo é o sofrimento de indivíduos de uma determinada coletividade, em decorrência de um dano ao patrimônio ambiental. O objetivo desta pesquisa foi a identificação do dano moral ambiental coletivo decorrente de impactos ambientais causados por empreendimentos hidrelétricos, e foi realizado, através de estudo de caso com a população do município de Petrolândia – PE, atingida, pelas águas do reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaparica, em 1988. A relevância da pesquisa decorre da verificação da existência de conflitos entre empreendedores e atingidos, em razão da desconsideração, em estudos ambientais, de aspectos imateriais do patrimônio ambiental, que são de extrema importância para as populações atingidas e que podem dar origem a um passivo ambiental significativo a ser reivindicado em lides futuras.O reconhecimento da existência destes valores, de natureza extrapatrimonial, poderá contribuir para a concepção de um modelo de gestão ambiental do setor elétrico, que atue preventivamente, evitando a ocorrência do dano moral ambiental.
Palavras-chave: Dano moral ambiental coletivo. Remanejamento populacional compulsório. Usinas Hidrelétricas.
Abstract: The collective environmental moral damage is the suffering of individuals of a determined collectiveness, as a consequence of damage to the environmental patrimony. The aim of this research was the identification of the collective environmental moral damage resulting from environmental impacts caused by the hydroelectric businesses. This piece of research was done through case study with the population of the municipality of Petrolândia-PE, damaged by the water reservoirs of the Hydroelectric Power Station of Itaparica in 1988. The relevance of the research arouses after the verification of existing conflicts between entrepreneurs and affected people, due to the inconsideration, in environmental studies, of the immaterial aspects of the environmental patrimony, which are of extreme importance to the affected population and which can bring about significant environmental loss to be claimed about in the future. The recognition of the existence of these values, from extra-patrimony nature, may contribute to the concept of a model of environmental management of the electric sector, which should act preventatively, avoiding thus the occurrence of environmental moral damage.
Key words: Collective environmental moral damage, Compulsory population migration, Hydroelectric power stations.
1. Introdução
Este artigo tem a finalidade de apresentar os resultados de uma pesquisa, que buscou identificar a ocorrência do dano moral ambiental coletivo sofrido pela população do município de Petrolândia – PE, completamente submerso, em 1988, em razão da instalação e operação da Usina Hidrelétrica de Itaparica.
O dano moral ambiental coletivo é uma espécie de dano, de natureza extrapatrimonial, que atinge uma coletividade em razão da ocorrência de um dano ao patrimônio ambiental. Ocorre quando, além das lesões materiais ao patrimônio ambiental, houver ofensa a sentimento coletivo, ou seja quando a ofensa ambiental constituir dor, sofrimento ou desgosto de uma comunidade. Não tem repercussão no mundo físico, material, é de cunho subjetivo à semelhança do dano moral individual.
O deslocamento populacional é uma das etapas mais complexas do processo de implantação de grandes usinas hidrelétricas desencadeando problemas e transformações, principalmente no campo social, econômico e político. A negligência com a dimensão social na implantação de grandes projetos tem sido a causa de intensos conflitos entre empreendedores e populações atingidas.
Expressivos contingentes populacionais foram deslocados por ocasião da implantação de grandes usinas hidrelétricas, nas décadas de 1970 e 1980. O tratamento dado a estas populações restringiu-se, na maioria dos casos, ao pagamento de indenizações pelas áreas alagadas, sendo desconsiderados elementos intangíveis como a perda da qualidade de vida, das referências culturais, dos padrões de organização social, das relações de parentesco e amizades e das alterações de costumes. As ações do setor elétrico, relativas ao remanejamento populacional, “pautavam-se com o objetivo predominante de liberar, ao menor custo possível e dentro do cronograma de obras, as terras necessárias para a formação do reservatório e implantação da infra-estrutura de apoio ao empreendimento. Não se reconhecia aos trabalhadores rurais direito a qualquer compensação pela perda dos empregos decorrente da inundação de terras, eximindo-se as concessionárias de qualquer responsabilidade formal neste sentido.” (ELETROBRÁS, 1993, p.98).
Este artigo apresenta-se estruturado nas seguintes partes: introdução, material e métodos, resultados, discussão e Bibliografia.
2. Referencial Teórico
O reconhecimento da dimensão moral ou extrapatrimonial do dano ambiental foi desenvolvido a partir das alterações introduzidas pela Lei 8.884/94 (conhecida como Lei antitruste), no sistema da ação civil pública, que passa a admitir ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados e também a partir da construção jurisprudencial que admite a reparação de danos morais impostos a pessoas jurídicas.
O dano ambiental extrapatrimonial é totalmente desvinculado do tradicional e que a lesão ambiental direta não tem concepção de um direito individual e, sim, com o direito coletivo, difuso, imaterial e é um bem jurídico autônomo.
Com a aceitação de que a proteção dos valores morais não está restrita aos valores morais individuais da pessoa física, tem-se o primeiro passo para que se admita a reparabilidade do dano moral em face da coletividade que, apesar de ente despersonalizado, possui valores morais e um patrimônio ideal que merece proteção.
Os valores coletivos, dizem respeito à comunidade como um todo, independentemente de suas partes. Trata-se, de valores do corpo, valores esses que não se confundem com os de cada pessoa, de cada célula, de cada elemento da coletividade (BITTAR, 2004).
Desta forma, Bittar (1994) concebe o dano moral coletivo como: “a injusta lesão na esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, violação antijurídica de um determinado ciclo de valores coletivos.” Para ele, quando se fala em dano moral coletivo, deve-se entender que o patrimônio valorativo de uma comunidade foi agredido de maneira absolutamente injustificável juridicamente, significando que, em última instância, feriu-se a própria cultura, em seu aspecto imaterial.
O sentimento de dor, em sua acepção de sofrimento, pesar, mágoa, antes necessário para a caracterização do dano moral individual, cede espaço a outros valores que afetam negativamente a coletividade, como é o caso da lesão imaterial ambiental (LEITE, 2003, p. 294):
“A dor em sua acepção coletiva, é ligada a um valor equiparado ao sentimento moral individual, mas não propriamente este, posto que concernente a um bem ambiental, indivisível, de interesse comum, solidário e relativo a um direito fundamental de toda coletividade. Trata-se de uma lesão que traz desvalorização imaterial ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e concomitantemente a outros valores inter-relacionados como a saúde e a qualidade de vida. A dor referida ao dano extrapatrimonial ambiental, é predominantemente objetiva, pois se procura proteger o bem ambiental em si (interesse objetivo) e não o interesse particular subjetivo.”
Constatando-se um dano ecológico puro, este não consiste apenas na lesão ao equilíbrio ecológico, afetando igualmente outros valores precípuos da coletividade a ele ligados, tais como qualidade de vida e saúde, o sossego, o senso estético, os valores culturais, históricos e paisagísticos. O próprio interesse difuso da sociedade está sendo lesado, com o que se reconhece uma dimensão imaterial do dano ecológico puro. Para a autora, os danos ambientais imateriais estão associados aos danos materiais impostos a prédios, monumentos e demais bens históricos e culturais e os danos à paisagem, pois a qualidade de vida deve ser compreendida de forma ampla […]
Paccanella (1999) concebe um conceito de dano moral ambiental semelhante, referindo a importância de ter presente a noção de patrimônio ambiental, diversa da concepção econômica tradicional. Para ele, o conceito de patrimônio ambiental, no âmbito dos interesses difusos, necessita de uma concepção mais abrangente, não podendo ter exclusiva consideração sob o aspecto econômico. Um dano ao patrimônio ambiental poderá ter uma repercussão no mundo tangível ou material, mesmo que não se consiga atribuir um valor econômico diretamente. Para ele, o dano ao patrimônio ambiental, ou dano ecológico é: Qualquer alteração adversa no equilíbrio ecológico do meio ambiente. Estes danos ao patrimônio ambiental os danos efetivamente causados aos ecossistemas, lesões à saúde da população decorrente de algum tipo de poluição. Também são danos ao patrimônio ambiental, as lesões materiais causadas a um patrimônio histórico ou cultural, ou uma lesão concreta a uma determinada paisagem (patrimônio paisagístico).
As repercussões físicas nos bens ambientais, a destruição de uma mata, o desaparecimento de uma espécie e mesmo as repercussões sobre os indivíduos decorrentes da degradação, tal como atingir a saúde de uma grande parcela da população […] é dano patrimonial, é dano sensível, palpável […] (RODRIGUEIRO, 2004, p. 186).
Quando, além das lesões materiais ao patrimônio ambiental, houver ofensa a sentimento difuso ou coletivo, ou seja quando a ofensa ambiental constituir dor, sofrimento ou desgosto de uma comunidade, haverá o dano moral ambiental. Este dano, não tem repercussão no mundo físico, material, é de cunho subjetivo, à semelhança do dano moral individual. Aqui também se repara o sofrimento, a dor, o desgosto do ser humano, pela perda do patrimônio ambiental. Só que o dano moral ambiental é sofrimento de diversas pessoas dispersas em uma certa coletividade ou grupo social (dor difusa ou coletiva), em vista de um certo dano ao patrimônio ambiental (PACCANELLA, 1999).
Segundo o referido autor, o reconhecimento do dano moral ambiental está relacionado com a violação a sentimento coletivo, com o sofrimento da comunidade, ou grupo social, em decorrência de uma lesão ao patrimônio ambiental. O critério de definição do dano moral ambiental é o mesmo que o utilizado para o dano moral individual: a dor, o sofrimento, o sentimento negativo, sendo a diferença apenas relacionada com a titularidade, que, no caso do dano moral ambiental, têm caráter difuso ou coletivo.
A maioria da doutrina caracteriza o dano moral ambiental como dano difuso, causado às pessoas, ligadas por circunstância de fato, entretanto, na atualidade, ainda de forma discreta, vem sendo admitida a possibilidade de configuração de um dano afeto a um grupo de indivíduos determinados ou determináveis (LEITE 2003, p. 295). Neste sentido Paccanella (1999) argumenta que “sempre que houver um prejuízo ambiental, objeto de comoção popular com ofensa a sentimento coletivo, estará presente o dano moral ambiental. A ofensa ao sentimento coletivo se caracteriza quando o sofrimento é disperso, atingindo considerável número de integrantes de um grupo social ou comunidade”.
Para Paccanella, com o qual compartilho o entendimento, a dor é sentimento coletivo que atinge considerável número de integrantes do grupo social ou comunidade atingida pelo dano, sendo desnecessária a unanimidade para que seja caracterizado o dano moral ambiental coletivo.
No que diz respeito ao dano moral ambiental coletivo, a sua base legal foi estabelecida pelo art.1o da Lei nº 7.347, de 1985, a Lei da Ação Civil Pública, com nova redação dada pela Lei nº 8.844/94 (denominada Lei Antitruste) que alterou o referido artigo de molde a possibilitar a responsabilidade pelos danos morais ou extrapatrimoniais coletivos, esmiuçando e tornando concreta uma previsão já prevista pela Constituição Federal.Trata-se da consagração, no ordenamento jurídico brasileiro, da reparação de toda e qualquer espécie de dano coletivo, no que toca a sua extensão.
O Código de Defesa do Consumidor dispõe expressamente pela possibilidade de indenização por danos morais, que se aplica a todos os interesses difusos e coletivos, podendo-se deduzir que há expressa disposição legal no sentido da reparação dos danos morais ambientais. Assim, a legislação apresenta contornos seguros e objetivos para o reconhecimento dos danos morais ambientais, tendo a Lei de Ação Civil Pública o principal instrumento, amparada pela Constituição Federal, até mesmo por questões hierárquicas e, pelo princípio da supremacia das normas constitucionais, e, finalmente com o respaldo do Código de Defesa do Consumidor (RODRIGUEIRO, 2004, p. 192).
Partindo-se do entendimento de que uma coletividade é um conglomerado de pessoas que vivem num determinado território, unidas por fatores comuns, pode-se falar na existência de um a espécie de patrimônio coletivo, representado pelo acervo de interesses difusos e coletivos, em especial os bens ambientais, culturais, artísticos, paisagísticos e urbanísticos, que não pertencem a uma só pessoa, mas a toda coletividade.
Os interesses difusos compreendem interesses que não encontram apoio em uma relação jurídica base bem definida, reduzindo-se o vínculo entre as pessoas a fatores conjunturais, ou extremamente genérico a dados de fato freqüentemente acidentais e mutáveis Apresentam as seguintes características: a indivisibilidade do objeto, indeterminação de sujeitos, intensa conflituosidade, duração efêmera (MANCUSO, 2000). Por sua vez, os interesses coletivos dizem respeito ao homem socialmente vinculado, e não ao homem individualmente considerado. Seriam assim tais interesses afetos a vários sujeitos não considerados individualmente, mas sim por sua qualidade de membro de comunidades menores ou grupos intercalares, situados entre o indivíduo e o Estado (BASTOS, 1981, p.40).
Para que se possa caracterizar o interesse coletivo, exige-se uma mínima organização entre os membros da coletividade que pode ser atingida, quando existe um vínculo jurídico entre as partes ou, na ausência dele, por uma relação jurídica entre eles e a parte contrária, conforme prevê o art. 81, parágrafo único, II da Lei n. 8078/90 (Código do Consumidor).
Esta previsão legal, possibilita a defesa dos interesses coletivos, de pessoas sem agregação a uma entidade representativa, mas que apresentem uma relação jurídica base, com a parte contrária. Verificou-se ser esta a situação dos habitantes de Petrolândia que, apesar de não estarem ligados ente si, por relação jurídica base, estavam ligados ao empreendedor (CHESF), pois faziam parte do Cadastro de Moradores, sendo também, parte nas ações de desapropriações e indenizações.
Portanto, considerando-se também que, uma das características essenciais do interesse coletivo é a identificação dos sujeitos, verificou-se que os moradores do município estudado podiam ser facilmente identificados através do vínculo jurídico existente com o empreendedor, estando caracterizado o interesse coletivo.
3. Material e Métodos
A utilização de opções teóricas associadas a opções técnicas empíricas é a orientação de Bourdieu(2002, p. 24) para a construção de objetos de pesquisa na área social. Assim, a lógica da pesquisa foi estruturada em duas bases: uma base teórica e conceitual – construída para dar consistência, significados e validade aos dados da pesquisa de campo, e uma base empírica – constituída por relatos concretos de situações vividas pela coletividade.
A construção da Usina Hidrelétrica de Itaparica provocou a inundação de uma área de 834 km², atingindo cerca de 10.400 famílias, das quais mais de 6.000 moradoras nas áreas rurais, e os demais, residentes nas sedes municipais de Petrolândia, Rodelas e Itacuruba, além do povoado de Barra do Tarrachil, também cobertos pelas águas (ARAÚJO, 2000, p. 14). As três cidades foram completamente submersas e reconstruídas em outros locais com os nomes de Nova Rodelas – BA, Nova Itacuruba –PE e Nova Petrolândia – PE, porém, as marcas indeléveis dessa experiência, não ficaram sob as águas do lago de Itaparica e ainda se fazem presentes na memória dessas populações.
Escolheu-se o município de Petrolândia como unidade-caso por apresentar o maior número de habitantes, totalizando 23.728 pessoas, sendo 9.818 na zona urbana e 13.910 na zona rural (Chesf, 1984, p.8).
A amostra foi composta por 32 elementos, pertinentes ao conjunto de pessoas que viviam na zona rural e urbana do município de Petrolândia na ocasião do enchimento do reservatório da UHE de Itaparica e tiveram suas terras e moradias submersas pelas águas do referido reservatório. Os representantes da zona rural eram 20 (vinte), sendo 8(oito), antigos proprietários de terra e 12 (doze) meeiros, trabalhadores rurais ou posseiros. Optou-se por compor a amostra desta forma para possibilitar uma visão mais abrangente do sentimento de pessoas que possuíam terras e de pessoas que passaram a ser proprietárias a partir da experiência dos reassentamentos.
Outros requisitos eram necessários para a composição da amostra: a) ser maior de 21 anos, no ano de referência (1988), correspondente ao ano do enchimento do reservatório; b) ser responsável por uma unidade domiciliar ou por uma família; c) residir na zona rural ou urbana do município de Petrolândia “Velha” pelo menos 5 anos antes do remanejamento; d) estar inscrito no Cadastro de moradores realizado pela Chesf .
Com a finalidade de dar uma ordem lógica e cronológica aos depoimentos dos entrevistados e ao mesmo tempo extrair a expressão mais genuína e original dos sentimentos, valores e emoções, elaborou-se um instrumento, contendo 62 perguntas, distribuídas em quatro partes, sendo a primeira chamada de caracterização do entrevistado, a segunda, caracterização da vida antes da UHE de Itaparica; a terceira, caracterização da vida após a UHE e a quarta parte chamada de mudança na dimensão coletiva – a visão do todo.
O resgate da memória das pessoas é uma tarefa delicada e exige sensibilidade e paciência, assim, procurou-se estabelecer uma escuta ativa e metódica “que associa a disponibilidade total em relação à pessoa interrogada, a submissão, à singularidade de sua história particular, que pode conduzir por uma espécie de mimetismo mais ou menos controlado, a adotar uma linguagem e entrar em seus pontos de vista, em seus sentimentos, em seus pensamentos, com a construção metódica, forte, do conhecimento das condições objetivas, comuns a toda uma categoria”.(BOURDIEU,1997, p.695).
Foi de fundamental importância garantir esta liberdade para não comprometer o conteúdo dos depoimentos, sempre marcados por emoções. Todos os entrevistados autorizaram a gravação, sem nenhuma restrição, firmando um contrato informal, porém, “[…] carregado de exigências tácitas como um contrato de confiança” (BOURDIEU,1997, p.9).
A tarefa de buscar sentimentos antigos guardados na lembrança das pessoas exigiu uma postura de respeito, paciência e sensibilidade, numa atitude que Montenegro compara a um parteiro de lembranças, “onde o entrevistador, coloca-se na postura de facilitador de processos de resgate da memória deixadas no passado” (MONTENEGRO, 1994, p.150). Analogia perfeita para ilustrar a real postura do entrevistador face ao entrevistado.
As entrevistas foram transcritas, mantendo-se autenticidade dos depoimentos, não se procedendo a nenhuma correção de conteúdo formal, nem de conteúdo lógico, registrando-se inclusive, os momentos de emoção vividos pelos entrevistados. Também foram transcritas as observações feitas pelos familiares, que de alguma forma estavam participando da entrevista, como, por exemplo, as esposas e/ou filhos.
A organização dos dados foi feita em consonância com os objetivos específicos da pesquisa, sendo construídos seis grupos temáticos considerados relevantes:
a) A caracterização dos entrevistados – teve o objetivo de traçar um perfil sócio-demográfico dos entrevistados, considerando as seguintes variáveis (idade, sexo, naturalidade, grau de instrução, profissão, condição (proprietário/não proprietário), categoria (rural/ urbana), e origem, que é a subdivisão da categoria, que identifica o morador rural como proveniente de agrovilas ou do projeto Apolônio Sales);
b) A Identificação da Percepção Ambiental antes da Construção da UHE de Itaparica- foi constituído para identificar a percepção ambiental que os entrevistados tinham do local de moradia e trabalho, antes da construção, instalação e operação da UHE de Itaparica.
c) A Identificação dos Sentimentos antes da UHE de Itaparica – teve a função de identificar os sentimentos dos entrevistados em relação ao ambiente de moradia e trabalho antes da UHE.
d) Identificação da Percepção do novo Ambiente – foi constituído para identificar a percepção ambiental que os entrevistados tiveram do local da nova moradia e das alterações no trabalho depois do remanejamento;
e) A Identificação dos Sentimentos depois da mudança – teve o objetivo de identificar os sentimentos dos entrevistados em relação ao novo ambiente de moradia e trabalho;
f) A Identificação dos Sentimentos na Dimensão Coletiva (A Visão do Todo) – teve o objetivo de identificar o sentimento das pessoas ao assistirem as cenas do alagamento, tanto da zona rural quanto da zona urbana.
A partir destes grupos de dados foram elaboradas 14 planilhas (quadros de caracteres), que foram, posteriormente analisadas através do método de análise relacional, descrito por Bourdieu. Este método descreve o raciocínio analógico apoiado na “intuição racional das homologias”, como um espantoso instrumento de construção do objeto.
O dano moral ambiental coletivo é, teoricamente definido como um fenômeno difuso e coletivo e para ser caracterizado, com rigor científico, precisa ser identificado, no caso concreto, reconhecido e compartilhado por uma determinada comunidade ou grupo social. Para demonstrar a ocorrência do dano moral ambiental coletivo, foram analisadas as 14 (catorze) planilhas (quadros de caracteres) e identificadas as “homologias” existentes entre os depoimentos de cada entrevistado.
4. Resultados
A caracterização dos entrevistados foi feita considerando-se sete variáveis: a origem (rural ou urbana); o sexo; a faixa etária; a condição em relação à propriedade (proprietário / não proprietário); o nível de escolaridade; e a profissão.Os resultados foram apresentados em valores numéricos e percentuais.
A amostra selecionada foi composta por 32 pessoas, sendo 20 (62%) originárias da zona rural e 12 (38%) da zona urbana. Quanto ao sexo, 19 (59%) eram do sexo masculino, e 13 (41%) eram do sexo feminino.
A idade dos entrevistados foi distribuída em quatro 4 faixas etárias: os maiores de 40 anos; os maiores de 50 anos; os maiores de 60 anos e os maiores de 70 anos.Observou-se que 11(35%) pessoas estavam acima de 70 anos, 10 (31%) acima de 60 anos, 8 (25%) acima de 50 anos, e 3 (9%) maiores de quarenta anos. A idade avançada da maioria dos entrevistados foi fator de qualificação dos depoimentos, em razão da experiência e da sensibilidade demonstrada por eles.
O fato do indivíduo ser ou não proprietário da sua moradia é considerado em seu significado amplo, sendo fator que reforça o vínculo emocional da pessoa com o seu local de moradia. Das trinta e duas pessoas entrevistadas, 22 (69%) eram proprietários de suas moradias, e 10 (31%) eram trabalhadores, meeiros ou posseiros.
A percepção que o indivíduo tem do lugar onde vive funciona como um termômetro, que mede os efeitos indesejáveis das ações antrópicas sobre o meio ambiente podendo o estudo da percepção ambiental revelar idéias, imagens, impressões, bem como anseios, insatisfações, sofrimentos e condutas.
A percepção ambiental que os moradores tinham do lugar, antes da implantação da UHE, foi observada, a partir da identificação dos aspectos naturais, artificiais, culturais e relativos ao trabalho. A maioria dos entrevistados ressaltou aspectos positivos do ambiente, como qualidade da terra, a fartura da produção agrícola, as boas condições de moradia e a beleza do lugar.
“era boa aquela terra!!!. […] Era uma terra cor de chocolate, uma terra roxa. Tinha todos os nutrientes pra uma planta crescer eu botava naquele tempo só sulfato de amônia pra desenvolver a planta, só. Aí não passou muito tempo veio a história de Itaparica, surgiu a idéia da barragem. A partir dali nós começamos a sofrer decadência já. […] tão boa terra tudo que eu plantava dava bom. […][5]*
“Era no alto, pertinho do rio. Era ótima, a terra era boa, não precisava usar muito estrume, nem adubo, nem veneno. Banana, era cada cacho que… meu pai! A gente nem podia levar prá casa nas costas, de tão grande[…] Lá era perto do rio, o rio era vizinho, depois da cerca era o rio. Ah! Lá era bom, quando enchia ficava aquela maravilha, a gente plantava na vazão…era ótimo lá. [6]*
Lembravam com entusiasmo, as boas condições de moradia e a beleza do lugar:
“A gente gostava do lugar porque minha casa era uma casa grande, ficava bem pertinho do rio. O rio passava perto a gente tinha banho de rio, era uma coisa maravilhosa. Lá tinha um algarobal acompanhando o rio que era muito lindo.[…] [2]*
Também se referiam aos aspectos naturais do ambiente, descrevendo a vegetação nativa e as culturas temporárias:
“Tinha uma parte desmatada que quando chovia eu plantava milho e feijão. E só as culturas que tinham lá era palma, algodão e algaroba. Tinha bastante pé de algaroba. Tinha uns pés de umbuzeiro, mandacaru. Tinha também marmeleiro, pereiro, catingueira, angico, escama de peixe o velame, pinhão. Tinha uma criação de cabra, umas vaquinhas e galinhas.”[1]*
Para alguns, era difícil relembrar a antiga moradia, sem trazer à tona sofrimentos guardados desde a época da mudança:
“Eu me mudei no dia 29/02/88. Antes minha casa era na Barreira Velha, na beira do rio. […] Chegaram aqui, jogaram nós aqui. A Chesf jogou a gente aqui! de noite quando a gente ia dormir quando dava fé era os piolhos de cobra em cima da cama. Cobra, amanhecia aqui no pé do portal. Enfiava o pé na botina tava cheio, lacraia, piolho de cobra, sabe o que é num sabe? [4]*
A proximidade ao rio e a sua forma de utilização, foram aspectos investigados, pois eram evidências da ligação das pessoas com o rio São Francisco. Observou-se que a maioria das pessoas entrevistadas não utilizava o rio em suas atividades cotidianas, seguindo-se de um grupo de pessoas da zona rural que já viviam da agricultura irrigada em projetos implantados na década de 1960, tendo portanto uma ligação de dependência econômica com o rio.
“Plantava na vazante plantando batata. Outra área era irrigada e usava água do rio. Aqui acolá eu me divertia pescando… Pegava muito curimatã.”[2]
“[…]Eu nasci naquela terra, lá pertinho do rio. Eu me criei lá pertinho do rio. Tomando banho de rio à vontade. Plantando e lavrando a terra lá na beira do rio. O rio secava a gente plantava, vinha o rio e enchia. […][5]
O rio São Francisco antes da construção da UHE de Itaparica margeava a cidade de Petrolândia, fazendo parte da paisagem e da cultura local. Nos depoimentos, evidencia-se a ligação cultural e afetiva das pessoas com o rio. Os moradores urbanos geralmente referiram-se ao rio como fonte de lazer e contemplação.
“[…] Que maravilha! Esta paisagem esplendorosa, o rio São Francisco passando na frente… Assim de manhã… tinha uma lagoa e quando o rio tava seco tinha 500 metros de largura cheio chegava a 800 metros. Era muita água […] só vivia nadando, menino é bicho danado, não é? […]”(17)
“[…] olhar aquele pôr do sol maravilhoso que só Petrolândia tinha um pôr do sol tão lindo e ainda hoje, vem de Tacaratu e na serra você ver um pôr do sol lindíssimo e essa parte de lado esses raios de sol refletindo na água é lindíssimo de tardizinha.[…]”(19)
Com relação às antigas moradias, todos os entrevistados descreveram com detalhes, podendo-se identificar três categorias diferentes: as casas simples, porém confortáveis dos antigos colonos dos projetos de irrigação existentes, dotadas de infra-estrutura como água, energia e fossas sépticas; casas precárias, característica dos trabalhadores rurais ou meeiros, identificadas pelos próprios moradores, como sendo de “taipa”, com chão batido e cobertura de palha, não dispondo de qualquer infra-estrutura como água, energia, ou instalações sanitárias; e as casas da zona urbana, que variavam em dimensão e conforto, conforme do poder aquisitivo dos entrevistados.
Quanto aos aspectos culturais, a maioria nasceu e foi criada no local, apresentando uma tendência à vida gregária, valorizando a vizinhança e a moradia próxima a familiares, apresentando vínculos associativos definidos, fazendo parte de associações, clubes e grupos religiosos.
Quanto aos vínculos com o trabalho, observou-se predominância de pessoas que aprenderam o ofício com os pais, evidenciando-se traços de uma comunidade predominantemente agrícola e tradicional. Não possuíam vínculos trabalhistas formais, suas atividades eram desenvolvidas em horários de trabalho compatíveis com as peculiaridades das atividades agrícolas e, normalmente não eram ligados às cooperativas.
A criação animais aparece como prática comum entre os moradores rurais, que viam a atividade como uma reserva financeira para momentos de necessidade.
Os sentimentos em relação à antiga moradia são positivos para a maioria dos entrevistados, que ressaltaram como aspectos mais importantes, a tranqüilidade do local, as plantações, o “criatório”, a presença do rio, a vizinhança e os familiares. Entretanto, alguns trabalhadores sem terra, representantes da população rural, fizeram algumas ressalvas quanto à falta de oportunidade da cidade e a ausência de terra para plantar.
A maioria dos entrevistados estava satisfeita em relação ao trabalho desenvolvido antes da implantação da UHE de Itaparica, porém identificou-se algumas insatisfações, principalmente, nos moradores rurais que trabalhavam como empregados ou meeiros.
A percepção ambiental que os moradores tiveram do lugar, depois da implantação da UHE, foi observada, a partir da identificação dos aspectos naturais, artificiais, culturais e relativos ao trabalho
Os depoimentos relacionados aos aspectos naturais do novo ambiente de moradia foram percebidos negativamente pela maioria dos componentes da amostra. Moradores de áreas próximas às margens do Rio São Francisco, ou de locais onde a agricultura irrigada já estava implantada, demonstraram dificuldades de adaptação ao novo ambiente de moradia, que se apresentava hostil, árido e incompatível com as antigas atividades desenvolvidas, como a criação de animais e a agricultura.
Os aspectos artificiais do novo ambiente são identificados a partir dos imóveis recebidos da CHESF, onde, a maioria dos entrevistados ressaltou aspectos negativos. Reclamavam do tamanho da casa, do acabamento, da qualidade da água de abastecimento, entre outras reclamações. Os moradores da zona rural, queixavam-se da ausência de cercas, que impediu a continuidade da atividade pecuária, pois não tinham onde colocar seus animais, além de não existir pasto para alimentá-los. Da amostra analisada, uma minoria fez referência aos aspectos positivos da nova moradia, ressaltando a existência de água encanada e banheiro dentro de casa.
Os aspectos culturais foram observados em duas situações: a proximidade a familiares e vizinhos e os vínculos associativos. De uma maneira geral, os moradores da área rural puderam escolher seus vizinhos, principalmente os que foram remanejados para agrovilas mais afastadas. Os moradores da zona urbana, tiveram oportunidade de escolher a localização de seus imóveis, porém observou-se que a proximidade a vizinhos e familiares, não foi fator condicionante na escolha do imóvel.
A organização social das pessoas remanejadas foi identificada a partir da verificação da existência dos vínculos associativos entre elas. A maioria dos entrevistados eram vinculadas a associações, ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais, a clubes e grupos religiosos.
Quanto aos aspectos relativos ao trabalho, observou-se que não houve mudança de profissão, para a maioria dos entrevistados, permanecendo nas mesmas atividades, porém com algumas alterações. Depois do remanejamento, as pessoas encontraram muitas dificuldades em relação ao trabalho, principalmente os da zona rural. Os projetos de irrigação demoraram muitos anos para serem implantados e as pessoas não puderam dar continuidade as suas antigas atividades, fato responsável por uma grande frustração e insatisfação das pessoas entrevistadas.
A população, que antes vivia da sua produção, como meeiros ou trabalhadores assalariados, passaram a receber uma compensação financeira chamada, VMT (verba de manutenção temporária), que, por um lado contribuiu para amenizar os efeitos da desorganização da produção, por outro causou dependência e ilusão nas pessoas, que passaram a ficar ociosas e desmotivadas.
Os sentimentos em relação à nova moradia foram predominantemente negativos, como tristeza, insatisfação, frustração e indignação. Estes sentimentos foram mais observados em moradores urbanos e proprietários rurais..
Em contrapartida, também se observou sentimentos positivos como alegria, felicidade e satisfação, presentes em trabalhadores e meeiros reassentados em agrovilas e em apenas dois moradores urbanos
Os sentimentos em relação ao trabalho foram positivos para metade dos entrevistados, outro grupo menor alega sentimentos negativos como tristeza, decepção além de sentirem-se enganados.
A visão da cena do alagamento foi traumática para a maioria dos entrevistados, que se referiram a sentimentos negativos como tristeza, comoção, dor, saudade, incerteza e medo. No contexto de um remanejamento populacional sentimentos negativos decorrem entre outras causas, do medo do desconhecido, das expectativas de mudança, e das perdas de referências.Em relação à visão da cidade submersa, os sentimentos também foram negativos para metade dos entrevistados, exemplificados pela tristeza, dor, perda das relações sociais e impotência.
Para a maioria dos entrevistados, a mudança teve um significado negativo, expresso por dois sentimentos, a decepção e a perda. Algumas pessoas referiram-se a sentimentos positivos em relação à mudança, como esperança em uma vida melhor.
A imagem mais marcante e impactante para a maioria dos entrevistados foi a igreja sendo submersa. A população organizou uma procissão e uma última missa, e depois da cerimônia, a igreja foi fechada e as chaves jogadas para dentro. Uma cerimônia simbólica que tocou profundamente os moradores locais.
A análise destas variáveis construiu as evidências para a identificação do dano moral ambiental coletivo, objetivo principal desta pesquisa.
Para a demonstração da existência do dano moral ambiental coletivo, objeto deste estudo, foram utilizados os elementos caracterizadores do dano moral coletivo, previstos por Bittar (2004) e Pereira (2004). Estes dois autores apresentaram fórmulas para a caracterização do dano moral coletivo, que puderam ser utilizadas para a demonstração do dano moral ambiental coletivo, por este ser espécie do primeiro.
Para Bittar, ocorre dano moral coletivo quando há: a) Conduta antijurídica (ação ou omissão) do agente, pessoa física ou jurídica; b) Ofensa significativa e intolerável a interesses extrapatrimoniais, identificados no caso concreto, reconhecidos e inequivocamente compartilhados por uma determinada coletividade (comunidade, grupo, categoria ou classe de pessoas titulares de interesses protegidos pela ordem jurídica); c) Percepção do dano causado, correspondente aos efeitos que, emergem coletivamente, traduzidos pela sensação de desvalor, de indignação, de menosprezo, de repulsa, de inferioridade, de descrédito, de desesperança, de aflição, de humilhação, de angústia, ou respeitante à qualquer outra conseqüência de apreciável conteúdo negativo. d) Nexo Causal observado entre a conduta ofensiva e a lesão socialmente apreendida e repudiada.
Para o caso em questão, o agente foi o empreendedor, ou a empresa responsável pela implantação da Usina Hidrelétrica de Itaparica, que, formalmente não praticou conduta antijurídica uma vez que a implantação do empreendimento ocorreu seguindo-se os critérios, políticos e legais, vigentes na época. Entretanto, a inexistência de parâmetros legais, não exclui a existência dos danos, de natureza diversa, inclusive os extrapatrimoniais (morais) causados à coletividade. No dano lícito, o fato gerador da responsabilidade civil constitui violação permitida pelo ordenamento jurídico. O agente tem o direito de lesionar, porém deve evitar o efeito danoso, porque se o provoca e atinge o interesse juridicamente protegido do outro, fica na posição passiva de obrigado[…] a norma permissiva tem seus limites. O direito daquele que age autorizado por uma norma permissiva, (ou pela ausência de uma norma restritiva) esbarra no correlato dever de abstenção de agir até onde não prejudique o outro (BATISTA, 2003, p. 77).
Não se pode negar a ocorrência do dano ao patrimônio ambiental pelo simples fato da inexistência de dispositivos legais restritivos. Para o caso da UHE de Itaparica é importante mencionar que o tempo de duração das obras longo, desde o início da década de 1970 até o ano de 1988, que culminou com o enchimento do reservatório. A legislação durante este tempo foi alterada, trazendo exigências antes não consideradas.
A ofensa significativa e intolerável, neste contexto, é lesão ou dano que contém revelação expressiva não suportável, a interesses extapatrimoniais, que foram relativos ao meio ambiente, em todas as suas dimensões (natural, artificial, cultural e do trabalho). Foram identificados, no caso concreto a partir de depoimentos gravados de pessoas moradoras da cidade de Petrolândia. Os resultados, evidenciaram a realidade danosa, a interesses extrapatrimoniais e intangíveis e, estão vastamente exemplificados na pesquisa.
A percepção do dano foi largamente identificada na pesquisa, através dos depoimentos das pessoas, em relação aos sentimentos após o remanejamento e os sentimentos nos momentos críticos do alagamento do município de Petrolândia, ocorrido em 1988.
Para a caracterização do dano moral coletivo, é necessário identificar-se o nexo causal, que é a relação entre a ocorrência do dano e a fonte causadora deste, observado entre a conduta ofensiva e a lesão socialmente apreendida e repudiada. Este item é evidente em razão da magnitude do evento, uma vez que a Usina Hidrelérica de Itaparica, para a implantação do seu reservatório, inundou 834 Km2 e atingiu cerca de 10.400 famílias (ARAÚJO, 2000, p.14).
Por outro caminho, buscou-se também demonstrar a ocorrência do dano moral ambiental coletivo, utilizando-se os critérios elencados por Pereira (2004): a) Agressão de Conteúdo Significante: o fato que agride o patrimônio coletivo deve ser de tal extensão que implique na sensação de repulsa coletiva a fato intolerável, como aponta a mais atual doutrina, porque o fato danoso que tem pequena repercussão na coletividade ficará excluído pelo princípio da insignificância. b) Sentimento de Repulsa da Coletividade: o fato intolerável deve implicar em sentimento de indignação, ou opressão, da coletividade que tem um interesse metaindividual assegurado na ordem legal violado. c) Fato Danoso Irreversível ou de Difícil Reparação: a ofensa à coletividade pode acarretar a impossibilidade de desfazimento do ato danoso, de tal sorte que o resultado padecido pela coletividade tenha de ser carregado com um fardo para as gerações presentes e futuras, como também pode implicar em difícil reparação, que afete o direito imediato de uso e gozo do patrimônio coletivo. d) Conseqüências Históricas para a Coletividade (ou comunidade): a agressão à coletividade pode implicar num rompimento do seu equilíbrio social, cultural e patrimonial, afetando a qualidade de vida futura. Os elementos indicados nas letras “a” e “b” devem estar presentes obrigatoriamente para a caracterização do dano moral coletivo, ao lado, pelo menos, de uma das situações indicadas nas letras “c” e “d”.
Pode-se afirmar que a construção da Usina Hidrelétrica de Itaparica constitui-se numa agressão de conteúdo significante, não pode ser alcançada pelo princípio da insignificância, pois, as águas de seu reservatório inundaram totalmente, as sedes de três municípios, vários núcleos urbanos e rurais, totalizando 47.545 héctares e atingiram uma população urbana de 14.745 habitantes e uma população rural de 21.160 habitantes, entre outros números grandiosos.
O sentimento de repulsa da coletividade é caracterizado por vários tipos de sentimentos negativos que foram amplamente identificados na pesquisa, tais como tristeza, frustração, indignação, medo, insegurança.
É evidente a irreversibilidade do dano causado em razão da magnitude do empreendimento.
É importante registrar que o conceito de patrimônio cultural na atualidade tem uma abrangência maior do que previa o Decreto-lei n. 25/37, em que eram merecedores de proteção legal apenas os bens dotados de valor excepcional, eruditos, vinculados a fatos memoráveis da história do país. Hoje, a doutrina entende que são igualmente merecedores de proteção legal bens, manifestações e acontecimentos sociais e populares, mesmo restritos à comunidades determinadas, desde que portadores de referência à identidade, à ação e à memória desses grupos específicos (MIRRA, 2002, p. 33).Portanto, a defesa do patrimônio cultural está relacionada não só com a preservação do meio físico e de bens materiais, como os monumentos ou os conjuntos de edificações de valor artístico, histórico, turístico e paisagístico, como ainda com a preservação da memória social e antropológica do homem, o que fortalece o entendimento de que houve, para o caso de Petrolândia, conseqüências históricas para a coletividade
Diante destas evidências verificou-se que houve a ocorrência de todos os requisitos apresentados, tanto pela fórmula de Bittar, quanto pela apresentada por Pereira. Assim concluiu-se a pesquisa constatando-se a ocorrência do dano moral ambiental coletivo na população de Petrolândia –PE, em razão da construção e operação da Usina Hidrelétrica de Itaparica.
6.Conclusões
As transformações de ordem política, social, legal e institucional ocorridas no país nas últimas décadas, levaram o setor elétrico a realizar avanços significativos no trato das questões socioambientais de seus empreendimentos, que hoje, já fazem parte de sua estrutura de planejamento e projeto. Entretanto, a elaboração das políticas ambientais do setor, ainda são restritivas em relação às variáveis sociais, dando prioridade aos aspectos tecnológicos e econômicos.
Há necessidade da adoção de um novo olhar sobre as sociedades impactadas por projetos hidrelétricos, para que o conhecimento mais apurado da realidade destas pessoas, norteie as ações do setor, reduzindo as tensões e conflitos, cada vez mais freqüentes.
Através da análise de uma situação concreta de remanejamento populacional, ocorrida no passado, foi possível identificar-se a ocorrência do dano moral ambiental coletivo. Conhecendo-se a comunidade, seus valores, costumes, dificuldades e sofrimentos experimentados, construiu-se uma base de dados significativa e traçou-se um perfil dos valores coletivos relevantes para a prevenção, mitigação ou compensação dos efeitos danosos causados por grandes empreendimentos impactantes.
A proposta principal desta pesquisa não foi identificar nem desenvolver critérios objetivos para a monetarização, nem valoração do dano moral coletivo com intuito de viabilizar indenizações, mas foi contribuir para a construção de uma base de dados, capazes de oferecer subsídios para a prevenção deste tipo de dano.
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