Resumo: O tema da responsabilidade civil ganha importância nos tempos atuais por se revestir do objetivo de restaurar um equilíbrio moral e patrimonial desfeito e até redistribuir a riqueza conforme determina as regras da justiça. Em qualquer atividade realizada pelo homem surge a necessidade de responsabilizá-lo pelos atos por ele praticados, o que propicia o surgimento dessa responsabilidade.
O tema da responsabilidade civil ganha importância nos tempos atuais por se revestir do objetivo de restaurar um equilíbrio moral e patrimonial desfeito e até redistribuir a riqueza conforme determina as regras da justiça. Maria Helena Diniz[1] afirma que a responsabilidade civil cinge-se à reparação do dano causado a outrem, desfazendo, tanto quanto possível, seus efeitos, e restituindo o prejudicado ao estado anterior.
Em qualquer atividade realizada pelo homem surge a necessidade de responsabilizá-lo pelos atos por ele praticados, o que propicia o surgimento da sua responsabilidade, seja no exercício de uma simples atividade de consciência (responsabilidade moral), seja atuando frente ao Estado a que pertence (responsabilidade política). Isso decorre dos registros históricos que apontam o surgimento da responsabilidade com o próprio nascimento da civilização.
Já dizia José de Aguiar Dias[2] que toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade. Mas quando o homem se relaciona cotidianamente com outras pessoas, afastando-se das normas prescritas pelo ordenamento jurídico, conclui-se que ele está diante da responsabilidade jurídica. Como o presente trabalho se insere no contexto jurídico, é dessa responsabilidade jurídica que iremos tratar.
Mas antes de nos aprofundarmos sobre a responsabilidade civil, mister se faz esclarecer o significado da palavra “responsabilidade”, que tem sua origem no verbo latino respondere[3], que corresponde à obrigação que alguém tem de assumir com as conseqüências jurídicas de sua atividade.
De acordo com a maioria dos autores, para o Direito, a responsabilidade seria uma obrigação derivada, ou melhor, um dever jurídico sucessivo de assumir as conseqüências jurídicas de um fato, que podem variar de acordo com os interesses lesados. Nesse caso, para se falar em responsabilidade do Estado, teríamos forçosamente que nos reportar a alguns aspectos históricos, doutrinários e jurisprudenciais desse importante ramo do Direito, principalmente, no que diz respeito às relações de consumo.
A responsabilidade civil precede, cronologicamente, o castigo e as penas privativas de liberdade. No direito antigo, confundiam-se as responsabilidades civil e criminal. Havia vingança ou reparação. Já no Direito Romano, observava-se a criação de princípios genéricos que embasariam, séculos depois, a responsabilidade civil. Evoluiu-se, assim, para uma forma de repressão do dano sob o domínio do direito, com intervenção do poder público, quando necessária.
Da pena de Talião passou-se à composição voluntária e à composição tarifada, prevista na Lei das XII Tábuas, que fixava, para cada caso concreto, o valor da pena a ser pago pelo ofensor. No ano 468 adveio a Lei Aquília, secundada pela Lei Cornélia. Mas foi na primeira que se delineou o marco inicial da responsabilidade civil, formulando-se um conceito de culpa e estabelecendo-se as regras da reparação do dano.
Foi nessa época que se verificaram os primeiros rudimentos da responsabilidade médica, prevendo a pena de morte ou deportação para o médico considerado culpado. Nas obras de Plínio e de Ulpiano, portanto, há mais de 1500 anos, já se cogitava da imperícia, da imprudência, da negligência e de sua conseqüente responsabilidade.
João Batista Lopes[4] assinala que no antigo direito francês não havia distinção entre a responsabilidade civil e a penal, pois o autor do dano era castigado com uma pena privada. Posteriormente, a idéia de pena foi substituída pela de indenização, consolidando-se, assim, um princípio geral de responsabilidade civil.
Com o Código de Napoleão (artigo 1.382), a doutrina da culpa assumiu toda a sua pujança, fato que influenciou sobremaneira o contido no artigo 927 do nosso Código Civil.
A doutrina vem encontrando dificuldades para conceituar a responsabilidade civil, pois autores se baseiam na culpa ao defini-la e outros não vislumbram nela a questão apenas da culpabilidade, mas de repartição de prejuízos causados e equilíbrio de direitos e interesses. Seja tomando como base a primeira idéia, seja se baseando na segunda, o certo é que a responsabilidade é a obrigação de reparar um dano.
Maria Helena[5] define a responsabilidade civil como:
“A aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causados a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”.
Analisando a referida definição, infere-se que a responsabilidade civil pressupõe uma turbação individual de repercussão patrimonial. Para Domingos Afonso Kriger Filho[6], o prejuízo sofrido, isoladamente, por um indivíduo, afeta, consideravelmente, o equilíbrio social, ou seja, importa admitir que o dano infligido a ele repercute na coletividade interessada no bem-estar de todos os seus membros.
Kriger Filho[7] aponta a finalidade da responsabilidade civil, demonstrando a imprescindibilidade do instituto para a concretização e eficácia das normas de Direito:
“É precisamente para compelir os homens a observarem e respeitarem as regras de convivência, que lhes são impostas pelo Direito, que o instituto da responsabilidade tem a sua razão de ser e o seu fundamento, sendo que a sua finalidade é a de impedir a perpetração de danos à sociedade e aos indivíduos, isoladamente considerados, impondo as respectivas sanções pela inobservância dessas regras”.
Stolze e Pamplona[8] entendem que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse que é eminentemente particular, sujeitando o autor ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, no caso de não poder repor o estado anterior das coisas.
A responsabilidade civil pode ser classificada em diversas espécies, de acordo com a perspectiva considerada. Dessa forma, quanto ao seu fato gerador, a responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual. Já em relação ao seu fundamento, a responsabilidade pode ser subjetiva ou objetiva. Essas são as principais espécies de responsabilidade civil elencadas pelos estudiosos do direito.
Maria Helena Diniz[9] ainda fala da responsabilidade direta ou indireta no que se refere ao agente. A responsabilidade seria direta se proveniente da própria pessoa imputada, ou seja, o agente responde por ato próprio. E seria indireta ou complexa se a responsabilidade proviesse de ato de terceiro com o qual o agente tem vínculo legal de responsabilidade, de fato de animal e de coisas inanimadas sob sua guarda.
Por responsabilidade contratual se entende aquela oriunda de inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral, que resulta de ilícito contratual, isto é, de falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação. Carlos Roberto Gonçalves[10] cita um exemplo desse tipo de responsabilidade quando uma pessoa que toma um ônibus. Segundo ele, tacitamente, está-se celebrando um contrato de adesão com a empresa de transporte, a qual assume a obrigação de conduzir o passageiro ao seu destino com toda segurança.
Analisando a responsabilidade contratual, Maria Helena Diniz[11] afirma que “é uma infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos contraentes, por isso decorre de relação obrigacional preexistente e pressupõe capacidade para contratar”.
Voltando ao exemplo citado por Carlos Roberto Gonçalves, no caso de ocorrer um acidente durante o trajeto e o passageiro ficar ferido, dá-se o inadimplemento contratual, que acarreta a responsabilidade de indenizar as perdas e danos, nos termos do art. 389, do Código Civil, que estabelece a responsabilidade do devedor por perdas e danos no caso de não ter sido cumprida a obrigação. O mesmo acontece quando o inquilino deixa de pagar o aluguel; o escritor que, culposamente, não entrega ao editor a obra prometida e no prazo estipulado; o comodatário que deixa de restituir a coisa emprestada; o ator que não comparece para dar o espetáculo contratado, entre outros.
Importante destacar que na responsabilidade contratual o ônus da prova compete ao devedor, o qual deverá provar a inexistência de sua culpa ou a presença de qualquer excludente do dever de indenizar, qual seja, o caso fortuito ou a força maior, conforme determina o art. 393, do Código Civil.
Já quando a responsabilidade não deriva de contrato, diz-se que ela é extracontratual ou aquiliana. A responsabilidade é extracontratual se resultar do inadimplemento normativo, ou seja, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz, uma vez que não existe vínculo anterior entre as partes, já que não estão ligadas por uma relação obrigacional ou contratual. O art. 927, do Código Civil, abre o título que fala da responsabilidade civil, determinando que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
O referido dispositivo pode trazer uma série de interpretações, sendo necessário encontrar a interpretação que mais se aproxime do bem comum, assim como determina o art. 5.º, da Lei de Introdução ao Código Civil. Não é tarefa nossa, nesse momento, provocar uma discussão sobre o que seria esse bem comum, mas é de fundamental importância entendermos que o direito se torna justo quando se promove o bem comum.
Não seria, então, difícil afirmar que toda atividade humana busca a realização do bem comum. Só que essa busca, muitas vezes, pode ocasionar o surgimento de vários riscos para todos ou para uma só pessoa. É justamente quando esses riscos são concretizados que surge o dano, que deve ser reparado de imediato.
Ricardo Waldman[12], analisando a justiça, o bem comum e a responsabilidade civil, assim se posicionou:
“Tendo em vista o caráter social da pessoa humana, os danos devem ser reparados, surgindo assim a responsabilidade civil, para restabelecer o equilíbrio social, fazendo com que possam todos desfrutar do bem comum, sem excluir aqueles que por algum infortúnio, tenham sofrido algum dano e, se possível, que os danos sejam evitados.”
Como se verifica, a fonte basilar da responsabilidade extracontratual é a inobservância da lei, ou seja, a lesão a um direito. Maria Helena[13] cita o exemplo da pessoa que atropelou outrem causando-lhe lesão corporal. Nesse caso, deverá o causador do dano repará-lo. “O lesante terá o dever de reparar o dano que causou à vítima com o descumprimento de preceito legal ou a violação de dever geral de abstenção pertinente aos direitos reais ou de personalidade, ou seja, com a infração à obrigação negativa de não prejudicar ninguém”, ressalta a autora.
O ônus da prova na responsabilidade extracontratual cabe à vítima, esta é quem deve provar a culpa do agente pela ocorrência do prejuízo por ela sofrido, devendo juntar provas que demonstre esse fato.
Carlos Roberto Gonçalves[14] faz uma pequena distinção entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual:
“Na responsabilidade extracontratual, o agente infringe um dever legal, e, na contratual, descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. Nesta, existe uma convenção prévia entre as partes, que não é cumprida. Na responsabilidade extracontratual, nenhum vínculo jurídico existe entre a vítima e o causador do dano, quando este pratica o ato ilícito.”
Como já referido acima, conforme o fundamento que se dê à responsabilidade, a culpa será ou não considerada elemento da obrigação de reparar o dano. Segundo Carlos Roberto Gonçalves[15], a culpa era fundamento da responsabilidade na teoria clássica, a qual pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Nesse caso, em não havendo culpa, não haveria a responsabilidade. Trata-se, pois, da responsabilidade subjetiva, que é assim definida quando se encontrar justificativa na culpa ou dolo, por ação ou omissão, que seja lesiva a determinada pessoa.
Na responsabilidade subjetiva a prova da culpa do agente será necessária para que surja o dever de reparação, isto é, a prova da culpa do agente passa a ser pressuposto essencial e necessário do dano indenizável. Sendo assim, a responsabilidade do causador do dano só se configurará se ele tiver agido com dolo ou culpa.
Se fundada no risco, que explica essa responsabilidade no fato de haver o agente causado prejuízo à vítima ou a seus bens, a responsabilidade será objetiva. Nessa modalidade de responsabilidade a conduta culposa ou dolosa do causador do dano é irrelevante, tendo em vista que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenização.
Como se pode observar, a responsabilidade objetiva prescinde da culpa, satisfazendo-se apenas com o dano e o nexo de causalidade. Nos casos de responsabilidade objetiva não se exige a prova da culpa do agente para que surja o dever de reparar o dano. Em alguns casos ela é presumida pela lei e em outros é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco.
O Código Civil brasileiro adotou a teoria da responsabilidade subjetiva ao preceituar no seu art. 186 o dolo e a culpa como fundamentos para a obrigação de reparar um dano. Carlos Roberto Gonçalves[16] enfatiza que a responsabilidade subjetiva subsiste como regra necessária, mas que não prejudica a adoção da responsabilidade objetiva, encontrada em vários dispositivos do Código, a exemplo dos arts. 927, 929, 930, 933, 936, 937 e 938.
O parágrafo único do art. 927, do Código Civil, reza que: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Trata-se de cláusula geral de responsabilidade objetiva que aparece junto à cláusula geral de responsabilidade subjetiva, descrita no caput do mesmo artigo, que recebeu várias interpretações dos doutrinadores. Cavalieri Filho[17] entendeu que o referido dispositivo se aplica apenas aos casos em que o prestador de serviço, com finalidade econômica, é devedor de obrigação de resultado.
Ricardo Waldman[18] entende que a adoção da teoria do risco, defendida por Cavalieri, resulta na ampliação da responsabilidade para atividades além de profissões, não implicando no proveito da atividade como lucro. Segundo ele, a atividade econômica não é a única que pode levar a responsabilização com base na cláusula geral da responsabilidade objetiva.
Efetivamente, o art. 927 do Código Civil, deve abranger todo um complexo de atividades que a experiência possa indicar como sendo, especialmente, perigosa ou arriscada para os direitos de outrem, não se podendo restringir apenas à atividade econômica, como se referia Cavalieri Filho.
Waldman[19] opina sobre a questão:
“Apesar de a doutrina em sua maioria entender que dito artigo se aplica apenas àqueles que realizam atividades profissionais ou com caráter empresarial, a melhor interpretação do mesmo inclui atividades que não tenham esta característica. Em primeiro lugar, porque o texto não faz esta exigência, mas também porque a responsabilidade objetiva está centrada não na conduta, mas na vítima, ou nas vítimas que se pode evitar, e, sendo assim, o que importa é a efetividade da reparação do dano e da prevenção do mesmo, sendo que o instituto do seguro tem papel importante no caso.”
O que se verifica é que o critério da culpa se mostrou insuficiente diante da sociedade de massas, que se tornou muito mais vulnerável aos riscos. Não significa dizer que a responsabilidade subjetiva tenha desaparecido em razão do surgimento da responsabilidade objetiva, convivendo ambas no art. 927 do Código Civil.
Cabe então ao juiz, em ocorrendo um dano, a tarefa de ponderar a importância da atividade com a necessidade de reparar danos e evitar que novos danos venham a ser praticados. Ou seja, deve-se observar se a atribuição da responsabilidade levará à reparação do dano ou estimulará a prevenção.
Mestre e Doutoranda em Ciências Jurídicas pela UFPB. Professora da UFPB e UNIPÊ
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