Por muitos anos, toda a idéia patrimonial que revestia o ordenamento jurídico brasileiro fez com que todas as relações entre pessoas fossem tratadas como negócios, o que, de certa forma, não alijou o Direito de Família.
Todo o contexto à época da codificação de Bevilaqua influiu para que a família fosse tratada apenas como um elemento de perpetuação da espécie com forte tendência a sua manutenção independentemente do que ocorresse.
Ao longo dos tempos algumas alterações legislativas vieram a tratar o Direito de Família com mais atenção e de forma a reconhecer sua importância. E foi o texto constitucional de 1988 quem propicionou as alterações mais importantes, estipulando, dentre outros, a igualdade entre os cônjuges, plúrimas entidades familiares, igualdade entre filhos, sempre obedecendo ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
A proteção à família e suas formas de constituição e reconhecimento passaram a ter na CF/88 linhas gerais, devendo o texto civil se adequar a tais modificações. A família oriunda do casamento e da união estável (que passou a ser reconhecida como formadora de núcleo familiar) teve tratativa constitucional.
Partindo-se da idéia de que é a família o núcleo fundamental do da sociedade e, por isso, deve o Estado lhe dar proteção especial, é fácil constatarmos se tratar de uma união onde há predominância de carinho, respeito e afeto entre as pessoas que a constituíram e as que a ela se somam.
A família sofreu grandes alterações em sua forma de constituição e composição, sendo, portanto, bastante diversa daquela tida outrora como patriarcal. Decerto, não é possível imaginarmos àquela época situações familiares que hoje são cada vez mais freqüentes e comuns.
Foi o Estado social o responsável por uma nova concepção de família, ficando este incumbido de tutelar de formas mais claras e expressas os novos paradigmas.
PAULO LÔBO[1], ao tratar da transformação sofrida pela família, saindo de uma visão patriarcal e chegando ao que hoje se concebe como entidade familiar, afirma que tal só foi possível pela crise que antigos valores sofreram, e como esta “(…) é sempre perda dos fundamentos de um paradigma em virtude do outro, a família atual está matrizada em paradigma que explica a sua função social: a afetividade.”.
Diz ROLF MADALENO que “o afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana.”[2].
É na família, portanto, onde evoluímos como pessoas e temos grandes situações para moldarmos nosso caráter e personalidade, convivendo em um ambiente de respeito, solidariedade e carinho para com aqueles que estão ao nosso lado.
Não há como negar que a nova tendência da família moderna é a sua composição baseada na afetividade. Sabemos que legislador não tem como criar ou impor a afetividade como regra erga omnes, pois esta surge pela convivência entre pessoas e reciprocidade de sentimentos.
Como já pontificou JOSÉ SEBASTIÃO DE OLIVEIRA, “a afetividade, traduzida no respeito de cada um por si e por todos os membros – a fim de que a família seja respeitada em sua dignidade e honorabilidade perante o corpo social – é, sem dúvida nenhuma, uma das maiores características da família atual.”.[3]
Inegável é que o afeto encontra-se presente nas relações familiares tradicionais, sendo caracterizadas no tratamento/relação mútuo entre os cônjuges e destes para com seus filhos, que se vinculam não só pelo sangue, mas por amor e carinho.
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD são precisos ao afirmarem que “o afeto caracteriza a entidade familiar como uma verdadeira rede de solidariedade, constituída para o desenvolvimento da pessoa, não se permitindo que uma delas possa violar a natural confiança depositada por outra, consistente em ver assegurada a dignidade da pessoa humana, assegurada constitucionalmente.”.[4]
Toda relação (núcleo) familiar é formada por laços de afeto e solidariedade e que estes nos induzem ao entendimento de são formados para uma longa e duradoura vida comum, eivada de carinho e preocupação entre seus membros.
A família composta por diversos membros começou a perder força ao longo dos anos, bem como aquela formada apenas por filhos legítimos, seja por imposição legal, seja porque os núcleos familiares passaram a valorizar um fator imprescindível para sua formação: o amor, o afeto!
Não há como negar que a nova tendência da família moderna é a sua composição baseada na afetividade. Sabemos que legislador não tem como criar ou impor a afetividade como regra erga omnes, pois esta surge pela convivência entre pessoas e reciprocidade de sentimentos.
A afetividade, traduzida no respeito de cada um por si e por todos os membros – a fim de que a família seja respeitada em sua dignidade e honorabilidade perante o corpo social – é, sem dúvida nenhuma, uma das maiores características da família atual.
Inegável é que o afeto encontra-se presente nas relações familiares tradicionais, sendo caracterizadas no tratamento/relação mútuo entre os cônjuges e destes para com seus filhos, que se vinculam não só pelo sangue, mas por amor e carinho.
A nova realidade da família brasileira, surgida com a CF/88, trouxe ao núcleo familiar determinadas funções, como a de possibilitar aos seus membros uma vida digna, com a criação de seus próprios dogmas, sua moral, sua ética, sua consciência política e religiosa, em respeito à ordem pública e aos ditames legais.
O Direito de Família retrata um imenso universo de batalhas, seja para dissolver os núcleos familiares, seja para consolidar e constituir mecanismos que venham atender as expectativas sociais e individuais, respeitando-se os mais profundos valores da dignidade da pessoa humana.
A Carta Constitucional de 1988 imprimiu um novo tratamento jurídico às relações de família, buscando aplicar suas regras no centro fundamental do Direito de Família (a própria família), com o escopo de protegê-la, visando seu fim social com decência, dignidade e amor.
Não obstante a tal fato, hodiernamente às relações familiares da atualidade há a presença da boa-fé objetiva, que segundo MARIA BERENICE DIAS[5] “é definida como cláusula geral que impõe deveres de lealdade e respeito à confiança recíproca entre as partes de uma relação jurídica.”.
Se reconhecer a família lastreada pelo afeto e respeito entre os seus componentes é a melhor solução a se seguir, porque se exigir, em sentido contrário, demonstração de causas que impedem que determinado núcleo seja mantido? Não seria mais digno e correto permitir que os núcleos familiares sejam desfeitos simplesmente pela falta do afeto que os formou?
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS[6] expõe que “a família deixou de ser fim e passou a ser meio, instrumento. Detectou-se que as pessoas não nascem com o fim específico de constituir família, mas, ao revés, nascem voltadas para a busca de sua felicidade e realização pessoal, como conseqüência lógica da afirmação da dignidade do homem.”.
O direito de ser feliz ou de buscar a felicidade em outro seio familiar não pode ser preterido ou obstaculizado por capricho da lei, que insiste em querer apontar situações diversas para caracterizar o fim da família quando à esta não existe mais o afeto.
A jurisprudência[7] mais recente reconhecendo como fator essencial para formação e dissolução da família o elemento afeto ou a falta deste (“desafeto”), uma vez que a “indicação de um responsável pelo insucesso da relação, seja porque é difícil atribuir a apenas um dos cônjuges a responsabilidade pelo fim do vínculo afetivo, seja porque é absolutamente indevida a intromissão do Estado na intimidade da vida das pessoas”[8] afronta os princípios da dignidade da pessoa humana e da não intervenção nas relações familiares.
GUSTAVO A. BOSSERT e EDUARDO A. ZANNONI explicam que “en los tiempos actuales este modelo ha sido profundamente replanteado. No se indaga en los cónyuges que han fracasado, cuyo matrimonio há quebrado, si uno de ellos, o ambos, son culpables del fracaso.”.
Não se pode aceitar que, em pleno século XXI, o direito de família se feche para a realidade da vida moderna e, em descompasso com a Constituição, consagre regras que, evidentemente, não se compatibilizam com a necessidade de se garantir a todos os brasileiros o efetivo exercício da cidadania.[9]
Se a própria Carta Constitucional garante a dignidade da pessoa humana como princípio que deve estar acima de tudo (inclusive da durabilidade de um núcleo familiar), permitir que as pessoas se vejam livres de uma união onde não há mais afeto (sem que haja necessidade de abrir sua intimidade), estará agindo o legislador em puro respeito ao ditame constitucional supra!
Advogado no ES; Mestre e Doutorando em Direito Civil pela PUC/SP; Professor de Direito Civil da Univix – Faculdade Brasileira – Vitória (ES); Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Civil do JusPODIVM – Salvador (BA); Professor de Cursos de Pós-Graduação em Direito Civil (Famílias e Sucessões) em Natal/RN e Aracajú/SE; Membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família; Diretor do Conselho Científico da Diretoria do IBDFAM/ES.
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