Muito se comenta a respeito da tendência moderna de uma excessiva judicialização da vida social. De fato, cada vez mais constatamos que nosso cotidiano é cada vez mais influenciado por decisões judiciais.
Uma única sentença, por exemplo, pode alterar profundamente a relação entre empresa e consumidor, garantir ou não a prestação de serviços básicos à população ou assegurar ou não um mínimo de direitos laborais em determinada relação de trabalho. O Poder Judiciário é chamado a exercer a função de verdadeiro árbitro de uma extensa gama de problemas de natureza política que, originalmente, no passado, não lhe correspondiam.
Discute-se como se chegou a tal protagonismo do Poder Judiciário, mas não há dúvidas de que se trata de uma tendência universal e irreversível. As dificuldades políticas para produção de consensos, no âmbito do Legislativo, fazem com que as normas cada vez mais sejam genéricas, deixando-se, na prática, que sua interpretação implique em uma transferência de decisões que competiriam, essencialmente, aos Poderes Executivo e Legislativo.
É de lembrar que aos juízes não lhe é dado declinar de seu dever constitucional de julgar, ainda que, para tanto, tenham de assumir papéis que, a rigor, se apartam da clássica repartição de poderes de Montesquieu. No desempenho de tais novas funções o Judiciário enfrenta questões de alta complexidade, fruto de uma sociedade cada vez mais diversificada, em um número avassalador de processos.
Exige-se do magistrado que enfrente uma carga desumana de trabalho em que não mais se pode limitar a questões de natureza meramente jurídica, devendo adentrar em matérias tão inusitadas quanto podem ser a bioética, o cálculo atuarial ou a ergonomia.
A sociedade, ela mesma, passa a enfrentar e tentar melhorias em aspectos que antes eram tolerados ou esquecidos. Ao final de 2007, em “Jornadas” organizadas pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, Tribunal Superior do Trabalho e Conselho das Escolas da Magistratura do Trabalho viram-se as novas questões que tem chegado ao exame judicial.
Nestas “Jornadas”, entre os 79 enunciados conclusivos, um deles merece registro, por ser exemplificativo do que se expõe nestas linhas. Diz: “39. MEIO AMBIENTE DE TRABALHO. SAÚDE MENTAL. DEVER DO EMPREGADOR. É dever do empregador e do tomador dos serviços zelar por um ambiente de trabalho saudável também do ponto de vista da saúde mental, coibindo práticas tendentes ou aptas a gerar danos de natureza moral ou emocional aos seus trabalhadores, passíveis de indenização”.
É compreensível que, do ponto de vista humano, muitos juízes encarem com receio a ampliação de sua competência e, intimamente, acalentem algum desejo de que tão pesado encargo lhe seja aliviado através da adoção de soluções heterodoxas como a arbitragem privada ou a conciliação extrajudicial. Entretanto, esta não é a resposta que a sociedade espera do Judiciário do Século XXI.
Frente ao poder crescente das empresas transnacionais, o Estado passa a representar o mais eficaz instrumento de reequilíbrio social, capaz de garantir o respeito aos direitos básicos do cidadão. Nesse contexto, o Judiciário torna-se o guardião da cidadania, tornando-se o processo judicial o palco em que questões fundamentais de nosso tempo tornam-se visíveis e passam a ser discutidas por toda a sociedade.
O aparelhamento do Judiciário, a preparação e treinamento dos juízes e adoção de um processo moderno e ágil são tarefas urgentes a que toda a sociedade é chamada a contribuir. Mas, igualmente, importante é que os próprios magistrados compreendam a importância desse momento histórico e se mostrem à altura das graves responsabilidades que lhe correspondem.
Desembargador do Trabalho do TRT 4ª. Região
Juiz do Trabalho no TRT RS
Coordenador do Fórum Mundial de Juízes
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