Direito à ancestralidade genômica


A legislação brasileira acolhe a filiação biológica, oriunda do casamento, da união estável e da relação monoparental como estado de parentesco; e ainda a filiação não biológica, derivada da adoção ou de técnicas de reprodução assistida.


Diz-se que a filiação biológica identifica a família tradicional, enquanto a comunidade contemporânea é reino da filiação socioafetiva onde prevalece a verdade sociológica, princípio assimilado pela ordem constitucional.


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A paternidade ou maternidade envolvem o cumprimento de funções que transcendem ao fator sangüíneo e que não repousam só no biologismo, mas no cuidado, desvelo, educação e amor ao filho, o que se alcança pela afetividade contida na adoção, reconhecimento ou fertilização artificial; pai não é quem gera, mas o que ama e dá carinho.


O estado de filiação biológica assenta-se em presunções e tem sua irreversibilidade protegida por normas jurídicas, mas o parentesco afetivo também é inviolável desde que se demonstre a estabilidade dos laços praticados no cotidiano.


É o motivo por que a jurisprudência repele as incursões contra os registros feitos por pessoas que adotam à brasileira; ou que alegando resultado de exame genético tentam invalidar as matrículas de nascimento, embora cientes de que não eram os pais; também daqueles que desconhecendo, construíram sólida relação afetiva com o descendente não biológico.


A recente imigração de práticas européias tende a mudar o cenário vigente; e no soslaio estrangeiro já se aceita a possibilidade de investigar-se a paternidade mesmo quando há um pai registral anunciado; ou em casos de parentesco irrevogável.


Em síntese, busca-se um provimento judicial sem as conseqüências jurídicas regulares.


Para a doutrina lusitana a identidade de cada ser compreende duas dimensões, uma que torna cada pessoa uma realidade singular, dotada de uma individualidade que a distingue dos demais; e outra que a vincula à memória familiar de seus antepassados, ou seja, um verdadeiro direito à historicidade pessoal.


Nesse sentido, a justiça inglesa permite ao adotado com mais de dezoito anos ter acesso ao registro primitivo e à identidade de seus genitores, não resultando qualquer declaração de paternidade ou maternidade; as cortes alemães concedem igual tutela, assim como julgados franceses e suíços, mas sempre em situação excepcional e grave, aferidas as seqüelas nocivas da revelação.


Enquanto a investigação de paternidade tem leito no direito de família e procura a genitura biológica com reflexos no nome, parentesco, alimentos e sucessão, a pesquisa da ascendência genética apóia-se no direito constitucional de personalidade; e apenas pretende descobrir a história familiar para adotar medidas de preservação da saúde e da vida, necessidade psicológica de descortinar os pais, ou resguardar os impedimentos matrimoniais.


O direito à ancestralidade genômica, como aqui se ousa denominar, é garantia restrita a pretensões episódicas, pois quem tem pai e mãe registrais já dispõe de um estado de filiação; e somente se cogita para acautelar males genéticos passíveis de monitoramento médico.


Ademais, não favorece qualquer arremetida à desconstituição da nota original nem afaga algum usufruto dos benefícios filiais.



Informações Sobre o Autor

José Carlos Teixeira Giorgis

Desembargador aposentado. Professor da Escola Superior da Magistratura. Especialista em Direito Processual Civil. Mestrando. Autor de obras de Direito de Família. Articulista de periódicos. Palestrante. Sócio do Instituto dos Advogados do RS. Membro da Diretoria do IBDFAM/RS


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Equipe Âmbito Jurídico

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