A lei de presunção de paternidade frente ao princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da legalidade na busca da verdadeira filiação biológica e a importância da valoração da prova

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Resumo: O que se pretende demonstrar no decorrer do presente artigo científico é a existência concomitante de princípios, direitos e garantias constitucionais visando a proteção dos indivíduos (partes) envolvidos em processos de Investigação de Paternidade (investigante e investigado). A existência de precedentes jurisprudenciais há décadas que culminaram na edição da Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça, e depois na promulgação da Lei 12.004/2009, além da disposição na lei material (Código Civil de 2002, artigos 231 e 232) quando em casos em que o suposto pai ou terceiro se recusa a fazer exame pericial, decorrerá a presunção da paternidade. O âmago da questão, atrelados a estes dispositivos de lei em casos de recusa na realização do exame pericial o princípio da dignidade humana e da legalidade, é determinar-se qual o verdadeiro objetivo que deve ser perseguido: a existência de uma declaração por sentença judicial de uma paternidade ou a certeza da filiação biológica, que corresponde então, à verdade real da paternidade.

Palavras-chave: Lei de presunção da paternidade. Princípio da Dignidade Humana. Princípio da Legalidade. Filiação biológica. Valoração da Prova

Abstract: What we intend to demonstrate in the course of this study is the simultaneous existence of principles, rights and constitutional guarantees designed to protect individuals (parties) involved in paternity investigations in progress (investigating and investigated). The existence of precedents for decades that culminated in the issue of Precedent 301 of the Superior Court, and then in the enactment of Law 12.004/2009, in addition to the provision in the substantive law (Civil Code 2002, articles 231 and 232) when in cases in which the alleged father or third party refuses to submit to expert examination, held the presumption of paternity.The heart of the matter, with the principle of human dignity and legality linked to these devices of the law in cases of refusal to submitting to expert examination, is to determine which is the true goal that should be pursued: the existence of a declaration by a court decision of paternity or the certainty of biological parentage, which is then the real truth of parenthood.

Keywords: Presumption of paternity law. Principle of Human Dignity. Principle of Legality. Biological parentage. Evidence Valuation.

Sumário: 1. Introdução. 2. Princípios e Garantias Constitucionais. 2.1    Do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. 2.2 Do Princípio da Legalidade. 3. Da “Lei de Presunção de Paternidade” Frente ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da Legalidade. 4. Considerações Finais.

1-Introdução

Atualmente muito se debate acerca do princípio fundamental da Dignidade Humana, pois é o balizamento para que o direito seja aplicado em respeito à dignidade do homem.

Em contraponto existe discussão doutrinária sobre o qual o conceito de Dignidade Humana, já que o próprio nome já indica ser um atributo natural do homem.

No entanto, o que se propõe no presente trabalho é abordar a questão da aplicação do princípio da Dignidade Humana com outro, que é o da legalidade, em casos em que há recusa do réu em ação de investigação de paternidade.

O âmago da questão se insere nas leis infraconstitucionais e na Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça quando dispõem acerca da presunção de paternidade quando há recusa pelo réu na realização de exame pericial em ação de investigação de paternidade.

Referimo-nos especificamente à Lei n. 12.004/2009, chamada por alguns doutrinadores de “Lei da presunção da paternidade” que sedimentou entendimentos jurisprudenciais acerca da presunção em desfavor do réu que se recusa a fazer a perícia, mas que merece por parte do magistrado cautela na valoração da prova.

Não se pretende neste trabalho questionar se acertada ou não a lei, mas o objetivo do estudo é sobre qual a valoração da prova que o magistrado deve dar em casos tais, pois a ação de investigação de paternidade visa precipuamente a identificação da verdadeira filiação sanguínea, não se admitindo assim, qualquer tipo de presunção de paternidade ou filiação.

No universo processual civil, onde não é a verdade real que se busca, o que dizer quanto ao reconhecimento do vínculo paterno?

Existem inúmeros casos, cada qual com a sua peculiaridade. Cada processo terá o seu conjunto probatório que será analisado e caberá ao magistrado a sua valoração, especialmente em casos em que há dúvida com relação à paternidade quando já existe o vínculo sócio afetivo com aquele que assumiu a paternidade não biológica, ou ainda, no caso de terceiros (herdeiros, por exemplo) que se recusam a realizar o exame, é crucial um julgamento pautado na certeza da paternidade biológica, pois o objetivo precípuo deve ser a descoberta da verdade sobre a ascendência paternal biológica e não simplesmente uma declaração de procedência de ação de investigação de paternidade pautada em presunção judicial.

2. Princípios e Garantias Constitucionais

Antes de iniciar-se a discussão sobre o tema proposto, com vistas a buscar objetivamente uma conclusão para a temática, propõe-se inicialmente uma abordagem sobre princípios e garantias constitucionais.

Canotilho (2000, p. 1038, grifo do autor) considera como “princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional”.

E segundo o referido autor, estes princípios

“Pertencem à ordem pública positiva e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo. Mais rigorosamente dir-se-á, em primeiro lugar, que os princípios têm uma função negativa particularmente relevante nos <<casos limites>> (<<Estado de Direito e de Não Direito>>, <<Estado Democrático e ditadura>>)”. (CANOTILHO, 2000, p. 1038)

Por outro lado, é inegável que em se tratando de um direito fundamental, deve estar protegido, garantido pelo Estado, que nos dizeres de Canotilho (2000, p. 409),

“tem o dever de proteger o direito à vida perante eventuais agressões de outros indivíduos. […] da garantia constitucional de um direito resulta o dever do Estado adoptar medidas positivas destinadas a proteger o exercício dos direitos fundamentais perante actividades perturbadoras ou lesivas dos mesmos praticadas por terceiros. Daí falar-se da função de proteção perante terceiros. […] Essa função de proteção de terceiro obrigará também o Estado a concretizar as normas reguladoras das relações jurídico-civis de forma a assegurar nestas relações a observância dos direitos fundamentais”.

O Dever do Estado em proteger um direito constitucionalmente garantido é incontestável, no entanto, segundo o autor, o problema que se encontra é a vinculação do poder executivo aos direitos fundamentais, onde o poder público torna-se ativo nas formas do direito privado, ou seja, não só no âmbito da administração prestacionista, na qual essas formas de atividade jurídico privadas. (CANOTILHO, 2000, p. 272)

Em contraponto, as garantias constitucionais se constituem em prerrogativas protegidas pela Constituição Federal, que limitam o exercício do poder estatal sem deixar margens ao exercício de qualquer tipo de arbítrio. São, pois, princípios identificados pelo seu conteúdo específico e limitam o poder na defesa do direito reconhecido, mas que diferem do conceito de direitos, pois estes têm caráter meramente declaratório, enquanto as garantias são medidas assecuratórias.

Em um conceito amplo, as garantias podem ser colocadas como os pressupostos e “bases do exercício e tutela dos direitos fundamentais, ao mesmo passo que rege, com proteção adequada, nos limites da constituição, o funcionamento de todas instituições existentes no Estado.” (BONAVIDES, 2000, p.493).

Para SILVA (2002, p. 418), um conceito mais específico de garantia constitucional, é o de garantia constitucional individual, usando para exprimir os meios, instrumentos, procedimentos e instituições de destinados a assegurar o respeito, a efetividade do gozo e a exigibilidade dos direitos individuais.

E como o processo é um instrumento de concretização da justiça, todos os atos estatais (judiciais e administrativos) deverão estar sintonizados com as garantias constitucionais positivadas. Assim, “a análise da Constituição brasileira em vigor aponta vários dispositivos a caracterizar a tutela constitucional da ação e o processo.” (GRINOVER, 1997, p. 80)

2.1. Do Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana

A primeira Constituição Brasileira a tratar da dignidade da pessoa humana foi a Constituição Federal de 1988.[1] O seu artigo 1º, inciso III[2], dispõe sobre um dos fundamentos para o Estado Democrático de Direito: como um direito fundamental, é necessário à garantia individual do ser humano, bem como à genérica, pois é uma garantia norteadora para uma sociedade neutra, justa e solidária.

A questão primordial é conceituar o que seja dignidade da pessoa humana, pois, para alguns doutrinadores, a dignidade já é intrínseca ao ser humano, o que não pressupõe para a sua existência, a criação de um princípio.

Sarlet (2009, p. 35), ao citar Kant quanto trata da autonomia de vontade apresenta o seu posicionamento quanto ao assunto:

“Construindo sua concepção a partir da natureza racional do ser humano, Kant sinala que a autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana.”

E não de modo diferente, Piovesan (p. 2008, 147) ressalta o tema quando afirma:

“A condição humana é requisito único e exclusivo, reitere-se, para a titularidade de direitos. Isto porque todo ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente, sendo incondicionada, não dependendo de outro critério, senão ser humano.”

Silva (2001, p. 146) destaca do mesmo modo a condição intrínseca da dignidade ao tentar conceitua-la:

“Correlacionados assim os conceitos, vê-se que a dignidade é atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente. Assim a dignidade entranha-se e se confunde com a própria natureza do ser humano.”

Santos (s.d., p. 79) elucida que:

“a Declaração dos Direitos Humanos aprovada pelas Nações Unidas em 1948 estabeleceu que ‘todos os homens nascem livres e iguais em dignidades e direitos’.

[…]. A dignidade é um atributo do homem. Nasce com ele, que tem de viver de forma digna. […]. Atributo natural, pois o homem nasce com ela, à dignidade não pode ser perdida, nem mesmo quando a própria pessoa pratica um ato tido como ‘indigno’. Em nenhuma circunstância, a dignidade pode ser considerada perdida.”

E o autor complementa:

“a dignidade há de ser considerada como grandeza, honestidade, decoro e virtude. Digno é a pessoa decente, conveniente e merecedora. […]. Ela pressupõe a existência de outros direitos. Sem ela não há como o ser humano desenvolver-se em plenitude e atingir a situação de bem-estar social.”

O legislador constitucional por sua vez, ao inserir a dignidade da pessoa humana como direito fundamental, deu a esta não só um garantia a ser preconizada por todos os indivíduos, pois não tem apenas um valor ético e moral, mas constitui norma jurídico-positiva com status constitucional.

2.2. Do Princípio da Legalidade

O artigo 5º, inciso II da Constituição Federal de 1988, no Título II – Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, preceitua que:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]

II. ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

O dispositivo constitucional garante a legalidade a que todos os atos devem submeter-se, ou seja, a intenção legislativa é de assegurar que ninguém seja compelido a fazer ou omitir-se a fazer fora dos estritos ditames da legalidade.

Bastos (2001, p.193.) ao lecionar sobre o princípio da legalidade assevera que esta

“[…] mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura, ao particular, a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei.”

O princípio da legalidade em si não traz dúvidas quanto ao seu significado e abrangência, no entanto, contrapondo-o com a Lei da Paternidade (Lei n. 12.004/2009), entender-se-á a divergência entre ambas, já que o princípio dispõe a não obrigação de se fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei e, tanto a referida lei e outros dispositivos legais citados em tópico abaixo, dispõe a imposição de presunção de paternidade caso o investigado se recuse a fazer o exame médico pericial.

A questão posta acima, a par do princípio da dignidade humana do investigante, traz questionamentos quanto à imposição ou não da penalidade ao investigado caso se recuse a fazer o exame médico. Mas, o que tem maior peso: uma sentença de procedência em ação de investigação de paternidade ou a verdadeira identidade biológica do investigante?

3. Da “Lei de Presunção de Paternidade” Frente ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da Legalidade

A Lei 12.004/2009 estabeleceu a presunção de paternidade no caso de recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de código genético – DNA (artigo 1º), dispondo o seu artigo 2º-A:

Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.

Parágrafo único. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.”

Editada em 2009, a referida lei teve por precedentes casos em que o suposto pai se recusava a se submeter ao exame de código genético (DNA). Cumpre destacar como um dos precedentes inaugurais foi o acórdão proferido no Habeas Corpus 71.373/RS (1994) do Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa é a seguinte:

“HC 71373/RS – RIO GRANDE DO SUL. HABEAS CORPUS Relator(a): Min. FRANCISCO REZEK. Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 10/11/1994. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.

Ementa
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – EXAME DNA – CONDUÇÃO DO RÉU "DEBAIXO DE VARA". Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas – preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos.”

Da leitura da ementa, verifica-se que o acórdão privilegiou alguns princípios garantidos ao investigado, porque ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, determinando a preservação da dignidade da pessoa humana, garantindo o direito à intimidade, à intangibilidade do corpo humano, contrariando desta forma, a decisão de primeiro grau que determinou a condução do investigado coercitivamente a realizar o exame de DNA, tendo utilizado de forma taxativa a expressão “debaixo vara”. Por outro lado, o acórdão trata assim, que a recusa do investigado em realizar o exame induz à presunção da paternidade.

Antes da edição da Lei de presunção da paternidade, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 301, julgada em 18/10/2004, que assim dispõe: "Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade".

E o Código Civil, em seus artigos 231 e 232[3] respectivamente, já tratavam da questão da presunção pela recusa, sem, contudo, deixar de respeitar a preservação do princípio da dignidade humana, da intimidade e da intangibilidade do corpo humano e ainda, há uma questão que deve ser tratada de maneira diferenciada quando diz respeito à recusa de terceiro (como os herdeiros, por exemplo) em submeter-se à perícia médica.

Marinoni e Arenhart (2005, p.574-575) tem o posicionamento doutrinário de que não é possível a recusa do terceiro gerar presunção, pois existem mecanismos outros, como as medidas coercitivas para penalização daquele que se nega a fazer a perícia:

“[…] a falta de colaboração não gera automática impossibilidade de realização da perícia. O sistema processual atualmente confere ao magistrado vários instrumentos para lograr convencer o terceiro a cumprir a decisão judicial. Para coagir a parte ao exame pericial, pode o juiz valer-se de várias medidas coercitivas, como a multa”.

Para os doutrinadores citados, mesmo com a recusa à perícia médica, se existirem outras provas nos autos que sejam capazes de contestar persuasivamente a pretensão do investigando, deverá o juiz decidir desfavoravelmente do autor, embasando seu fundamento nestas provas existentes, independente da presunção pela recusa à realização do exame.

Moraes (2001, p. 59) trata também da necessidade de harmonização entre direitos e garantias quando há entre elas divergência:

“Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna […] dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito.”

O posicionamento de Theodoro Júnior (2003, p. 571) ao mencionar sobre os artigos 231 e 232, ambos do Código Civil, é no sentido de que a recusa injustificada tem “força de prova indiciária, para formar presunção suficiente a fundamentar a sentença de procedência do pedido de reconhecimento de paternidade”.

E ao comentar sobre caracterização do venire contra factum proprium com base no art. 232, expõe o doutrinador que aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário, não poderá pretender tirar vantagem de sua própria recusa, como dispõe o art. 231 do Código Civil, pois, do contrário, proteger-se-á o faltoso da própria torpeza, o que não é admitido pelo direito.

Assim, a norma do artigo 231 do Código Civil deverá ser aplicada em detrimento daquele que se negou a realização do exame médico, impossibilitando a realização de perícia, mas que disto, pode o juiz contar com outros elementos de prova que possibilitem o julgamento juntamente com a presunção decorrente da negativa de realização de perícia, permitindo um razoável convencimento em torno da veracidade dos fatos alegados no pedido inicial. (THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 562-563).

Para Farias (2005, p.586),

“se a prova pericial não foi realizada pela recusa imotivada da parte, de fato, não é crível, nem admissível, possa ela, mais adiante, alegar insuficiência ou inexistência de prova em seu benefício, buscando favorecimento da sua própria negativa.”

E sendo o exame de DNA a prova incisiva para a constatação da suposta paternidade, a recusa pelo investigado na sua realização revela o temor pela descoberta da verdade.

Também nesse sentido Theodoro Júnior (2003, p. 575-578):

“Se a intimidade é tutelada como garantia fundamental, também goza do mesmo status a garantia de pleno acesso à justiça. Impedir o demandado que a verdade seja esclarecida em juízo é conduta que implicaria negativa ao direito fundamental de ter a justa e adequada prestação de tutela jurídica a que o Estado se obrigou perante todos, no terreno dos direitos fundamentais. […]. E tem sido justamente dentro dessa ótica que o STF tem resguardado o direito da parte de se recusar ao exame de DNA, ao mesmo tempo em que atribui a outra parte o direito de se valer das técnicas probatórias para extrair efeitos processuais da subtração da primeira aos esclarecimentos da prova técnica, terreno em que a sistemática das presunções legais pode socorrer aquele que se acha no exercício do direito também fundamental de acesso amplo á Justiça, sem atritar com a garantia da intangibilidade corporal da pessoa humana.”

Caio Mário da Silva Pereira (2004, p.368) citando Arnoldo Medeiros da Fonseca, assim declara com relação a presunção da paternidade pela recusa à realização do exame:

“Vemos com reserva a presunção de paternidade diante da recusa à realização de provas médico-legais pelo investigado. Sempre alertamos no sentido de que “a recusa pode ser interpretada desfavoravelmente, jamais traduzida em prova cabal, ou confissão, tendo em vista que a perícia hematológica é apenas uma prova complementar, e não fundamento da sentença. Considerando os recursos científicos e o princípio do “melhor interesse da criança”, esta presunção deverá ser considerada no conjunto das provas”. […] Sugerimos que, caso mantenha a presunção da paternidade diante da recusa injustificada do investigado, seja a mesma considerada relativa, cabendo ao pretenso pai fazer prova suficiente para afastá-la.”

A conclusão do que comenta o autor que se pode chegar é de que o que e busca é identificar a verdadeira filiação, mas não apenas obter-se por presunção judicial uma declaração de paternidade ou filiação. Por óbvio, se considerarmos a literalidade da Lei em comento, tudo isso se resolve em nome da ponderação de interesses: a paternidade do autor vale mais do que a privacidade do réu.

Todavia, há uma diferenciação a ser observada entre direito da personalidade inerente e inato à pessoa em seu âmbito individual e personalíssimo e o reconhecimento ou contestação do estado de filiação, que pode ou não ter origem biológica.

Vieira (s.d., p.118) ao tratar sobre direitos indisponíveis, verdade real e produção de provas faz a seguinte consideração: “se se trata de direitos indisponíveis, deverá o Juiz orientar-se no sentido de encontrar a verdade real, determinando a produção das provas que entender necessárias.” E a autora continua seu magistério enfatizando que nestes casos “não pode ser reconhecida a filiação por mera verdade formal”, que o juiz deverá determinar todas as provas possíveis na busca da verdadeira identidade biológica.

E o posicionamento da autora quanto a busca de provas para se chegar à verdade está fundamentado no artigo 130 do Código de Processo Civil: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.”

Não se trata de diferenciar espécies ou graus de probabilidade, de verdade ou de certeza, mas de conferir segurança e credibilidade à decisão judicial. Caso contrário, poder-se-á estar causando danos a um direito em decorrência da inércia ou da incapacidade do seu titular. (Santos, s.d., p. 16)

Bentham (2001, p.15-16) faz referência a extensão do que das questões relacionadas à prova quando assim depõe:

“[…] Se sigue de esta definición que las cuestiones relacionadas con la prueba tienen mayor extensión de lo que se piensa. Se presentan aún en circunstancias de la vida, en que ni siquiera se piensa que se está siguiendo un procedimiento lógico o, por así decirlo, judicial: el manejo de los asuntos domésticos se desarrola enteramente sobre pruebas: nuestras más frívolas diversiones, suponen las más sutiles aplicaciones. Mirad un cazador: estas ligeras marcas sobre el cesped, aquellas ramas quebradas, esas huellas sobre el suelo, estas materias imperceptibles que hieren su olfato, todo ello, es prueba suficiente de que la presa perseguida ha pasado por allí? Está ejerciendo el arte de juzgar sin conocer sus princípios; razona por instinto, exactamente igual que Monsieur Jourdain escribía en prosa sin saberlo. El salvaje, qué digo?, incluso el animal saca de un hecho las conclusiones de otro. Juzga según reglas. MONTESQUIEU habría dicho según leyes naturales. Para las ciencias físicas se ha hecho un tratado del arte de observar. Es un tratado de las pruebas aplicado a um fin particular. Es el arte de sacar conclusiones justas de un hecho con respecto a otro: se trata de saber si todos los hechos observados corresponden entre sí…. Em todos los casos la prueba es un medio encaminado a un fin.”

Caberá ao julgador sopesar as provas produzidas e as que entender necessárias a produção em busca da verdadeira identidade biológica, que é o objetivo da ação de investigação de paternidade. A presunção pela negativa de realização de exame genético por si só não deve ser o fundamento para a sentença de procedência da ação investigatória. “Não há como partir para a presunção do excepcional, porque contrária ao princípio da razoabilidade. In (“Revista de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, vol. 260, p. 278, Agosto de 2000, Editora LEX S/A) .

Rubik (1996) sobre a valoração da prova pelo magistrado nas ações de investigação de paternidade assevera que

“A lei outorga ao Juiz não somente a autoridade para dirigir o processo, mas também o poder para, de ofício ou a requerimento da parte, determinar, a qualquer momento, antes da sentença final, a realização das provas que entender necessárias para a prolação da mais justa decisão. Esse direito/dever deve ser exercitado com maior insistência nas ações de investigação de paternidade, principalmente por estar em jogo de interesse do menos e mesmo público de ver apurado e resguardado o sagrado direito que todo cidadão tem à sua personalidade civil.”

 E aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade pode ser o equilíbrio necessário para a solução ou a busca da melhor aplicação da tutela jurisdicional perseguida.

4- Considerações Finais

O questionamento acerca do real objetivo de uma ação de investigação de paternidade deve ser respondido: se o que deve se buscar é a identidade consanguínea do verdadeiro pai, entendemos que não é possível a sobrevivência da presunção.

Porém, não se pode deixar de imaginar o quão difícil é decidir em casos que não se chega a um resultado de certeza da paternidade porque houve recusa do investigado para a realização de perícia médica.

Ao juiz cabe fazer com que as partes produzam provas suficientes para o seu convencimento, porquanto o que está envolvido em um processo deste tipo, não é somente distribuição de rendas ou heranças, mas interface de pessoas que muitas vezes sequer se depararam frente a frente a não ser no tribunal, uma decisão judicial que diz acerca da paternidade ou filiação, que determina retificação no assento de nascimento ou de óbito. São muitos fatos, passados e futuros que podem trazer uma carga, um peso, despejados ao mesmo tempo com a prolação da decisão judicial no processo de investigação de paternidade.

Não por menos que o magistrado deve se ater à valoração das provas, procurando a verdadeira identidade biológica do autor, para que uma certeza seja declarada na sentença, e não apenas presunção.

 

Referências
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2001.
BENTHAM, Jeremias. Tratado de las pruebas judiciales. Comares: Granada, 2001.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10 ed., São Paulo: Malheiros, 2000.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional.  7. ed. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2000.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; Cândido R. Dinamarco. Teoria Geral do Processo. 13. ed., São Paulo: Malheiros, 1997.
FARIAS Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 6. ed. Rio de Janeiro: L. Juris, 2006.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
RUBIK, Gaspar.  AI10.256. DJE de 29 out. 1996.
SANTOS, Antônio Jeová. Dano Moral na Internet. São Paulo: Método, 2001.
SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. São Paulo:
Max Limonad, v. 1,  s.d.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
______. Poder Constituinte e Poder Popular: estudos sobre a Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007.
THEODORO JÚNIOR, Humberto, 1938 – Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo do conhecimento. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2003.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, p. 204, 1995.
 
Notas:
[1] Anteriormente à Constituição Brasileira, a Constituição Alemã de 1949 dispôs em seu artigo 1º o princípio da dignidade humana como valor primordial do Estado (Artigo 1, n. 1: A dignidade do ser humano é intangível. Todos os poderes públicos tem a obrigação de respeitá-la e protegê-la.)

[2] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:[…]
III – a dignidade da pessoa humana;

[3] Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.
Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame


Informações Sobre o Autor

Marli Emiko Ferrari Okasako

Advogada sócia do escritório Marcos Martins Advogados. Mestranda em Teoria Geral do Direito e do Estado e também graduada pelo Centro Universitário Eurípides de Marília. Especialista em Direito Contratual


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