Evolução histórica.
O Direito Civil foi muito desenvolvido em Roma. Segundo Diniz, “… era o direito da cidade que regia a vida dos cidadãos independentes, abrangendo todo o direito vigente, contendo normas de direito penal, administrativo, processual, etc”.[1]
Na Idade Média, o direito civil confundia-se com o direito romano do Corpus Juris Civilis.
“Na Idade Moderna, no direito anglo-americano, a expressão civil law correspondia ao direito moderno, e as matérias relativas ao nosso direito civil eram designadas como private law”.[2]
A partir do século XIX, o direito civil passou a ser considerado um dos ramos do direito privado, responsável pela primeira regulamentação das relações entre os particulares.
Princípios fundamentais.
O direito civil é o ramo do direito privado que rege as relações familiares, patrimoniais e obrigacionais formadas entre os indivíduos membros da sociedade.
É o direito comum a todas as pessoas, pois disciplina o seu modo de ser e de agir.
São fundamentais do direito civil os princípios da personalidade, da autonomia da vontade, da liberdade de estipulação negocial, da propriedade individual, da intangibilidade familiar, da legitimidade da herança e do direito de testar e, finalmente, o princípio da solidariedade social.
O princípio da personalidade aceita a idéia de que todo ser humano é sujeito de direitos e obrigações, simplesmente por ser um humano.
O princípio da autonomia da vontade reconhece que a capacidade jurídica da pessoa humana lhe confere o poder de fazer ou deixar de fazer certos atos, de acordo com a sua vontade.
Já o princípio da liberdade de estipulação negocial faz com que a pessoa possa outorgar direitos e aceitar deveres, dentro dos limites da lei, fazendo nascer, assim, os negócios jurídicos.
O princípio da propriedade individual expressa a idéia de que o ser humano, pelo seu trabalho ou pelas maneiras admitidas pela lei, possa exteriorizar sua personalidade em bens móveis ou imóveis que passam a constituir-se no seu patrimônio.
Pelo princípio da intangibilidade familiar, a família é considerada expressão imediata de seu ser pessoal.
De acordo com o princípio da legitimidade da herança e do direito de testar, é aceito o fato de que entre os poderes que as pessoas têm sobre seus bens, está incluído o de poder transmiti-los, parcial ou totalmente, a seus herdeiros.
O princípio da solidariedade social existe diante da função social da propriedade e dos negócios jurídicos e tem como razão de ser a busca da conciliação das exigências da coletividade com os interesses particulares.
Sujeito de Direitos.
Segundo Maria Helena Diniz, para “a doutrina tradicional “pessoa” é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações”, é sinônimo de sujeito de direito. Logo, sujeito de direito é aquele que é sujeito de um dever jurídico, de uma pretensão ou titularidade jurídica. Titularidade jurídica, por sua vez, seria o poder de fazer valer, por meio de uma ação, o não-cumprimento do dever jurídico, ou seja, “o poder de intervir na produção da decisão judicial”.[3]
Personalidade jurídica.
A personalidade jurídica é a aptidão genérica para a pessoa adquirir direitos e contrair obrigações. Explica Maria Helena Diniz:
“Deveras, sendo a pessoa natural (ser humano) ou jurídica (agrupamentos humanos) sujeito das relações jurídicas e a personalidade a possibilidade de ser sujeito, ou seja, uma aptidão a ele reconhecida, toda pessoa é dotada de personalidade”.[4]
A personalidade é o conceito básico da ordem jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos constitucionais de vida, liberdade e igualdade”.[5]
Capacidade é a “medida jurídica da personalidade”. Diniz cita Teixeira de Freitas que considera capacidade a “manifestação do poder de ação implícito no conceito de personalidade”.[6]
Desta forma, conclui a professora de São Paulo, para ser pessoa basta que o ser humano exista, e, para ser capaz, o homem ou a mulher precisa satisfazer os requisitos necessários para agir por si próprio, como sujeito ativo ou passivo de uma relação jurídica.
Pessoas naturais.
Segundo Maria Helena Diniz, pessoa natural é o ser humano considerado como sujeito de direitos e obrigações.
Segundo o Direito Civil brasileiro, a expressão “pessoa natural” designa o ser humano tal como ele é.[7]
Pessoas jurídicas.
As pessoas jurídicas nascem das necessidades humanas em razão do ser humano ser essencialmente social, para poder atingir seus fins e objetivos, unindo-se a outros homens e formando agrupamentos. A necessidade de personalizar-se tais grupos, para que possam participar da vida jurídica, individualmente e com nome próprio, fez com que a própria norma de direito os tornasse sujeitos de direitos e de obrigações.[8]
Fatos, atos e negócios jurídicos.
Washington de Barros Monteiro inicia o capítulo dos fatos jurídicos da seguinte forma:
“Definição e compreensão: – O Código Civil, depois de haver regulado o sujeito e o objeto do direito, passa a dispor sobre os fatos jurídicos, isto é, os acontecimentos em virtude dos quais nascem, subsistem e se extinguem as relações jurídicas”.[9]
Para o autor paulista, todos os direitos, procedem de algum fato. Perduram mediante o seu exercício, ou da sua defesa. Extinguem-se quando ocorre algo, previsto em lei, capaz de extinguir-lhe.
Fatos jurídicos, assim, seriam os acontecimentos, previstos em lei, em decorrência dos quais haveria o nascimento, a subsistência e a perda de direitos.
Os fatos jurídicos podem ser de ordem natural, alheios à vontade humana. São aqueles acontecimentos em função dos quais a vontade decorre de modo indireto. Monteiro exemplifica com o nascimento, a maioridade,m a interdição e a morte em relação à pessoa natural; o desabamento de um edifício, o decurso do tempo, o caso fortuito e a força maior, em relação aos direitos em geral.
As ações humanas podem produzir efeitos jurídicos de acordo com a vontade do agente ou sem qualquer relação com a mesma. As ações humanas que produzem efeitos jurídicos em consonância com a vontade do agente são chamadas de negócios jurídicos. Exemplo de negócios jurídicos são o casamento, o contrato e o testamento. Quando os efeitos produzidos acham-se anteriormente desenhados e previstos na lei como conseqüência da prática da ação determinada, têm-se os atos jurídicos lícitos. Já quando os efeitos produzidos decorrerem do agir humano, mas violarem o direito, ter-se-á atos ilícitos.
Fato
O fato jurídico é um acontecimento natural e não depende da vontade interna. É o acontecimento casual.
Os fatos jurídicos podem ser classificados em relação à sua natureza, à maneira pela qual se produzem ou em relação à sua normalidade.
Ato
O ato jurídico é acontecimento voluntário, nascido da vontade e da inteligência, desejado e querido pela pessoa interessada.
Atos ilícitos e abuso de direito.
Outrora conhecidos como atos jurídicos, os negócios jurídicos são submetidos principalmente à vontade dos seus participantes para criar, modificar, transferir ou extinguir direitos. Os simples atos jurídicos lícitos apenas fazem produzir efeitos previamente previstos em lei e, portanto, neles não há atuação da vontade.
A violação de um direito pode produzir ofensa a toda a sociedade ou ao direito de apenas um indivíduo. O primeiro será um ilícito penal, enquanto o último se configurará em um delito civil. É possível que uma só conduta acabe infringindo normas de duas espécies e gere responsabilidade também nos dois modos, civil e penal.
Quem descumpre a lei penal comete um crime. Quem não observa a lei civil, ou seja, quem viola direito subjetivo individual gera um ato ilícito.
Já o abuso de direito consiste no ato praticado no exercício não regular de um direito.
Invalidade e ineficácia do negócio jurídico.
São defeitos do negócio jurídico o erro ou ignorância, o dolo, a coação, o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores.
Em relação ao erro ou ignorância, podem ser anulados os negócios jurídicos resultantes de declaração de vontade com erro substancial capaz de ser percebido por pessoa normal em face do estado de coisas no momento da manifestação da mesma.
Erro.
O próprio Código Civil, a seguir desta determinação, estabelece que erro substancial é aquele que interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais. Também é erro substancial aquele concernente à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante.
É um bom exemplo o de alguém que contrai matrimônio sem saber que o seu consorte é homossexual, desde que tal seja impedimento para a normalidade da vida afetiva e sexual do casal.
A última determinação é a de que constitui erro substancial quando for erro de direito e não implicar recusa à aplicação da lei e mesmo assim, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.
O texto legal declara que o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.
A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta.
O que se entende pelo texto comentado é que a manifestação de vontade realizada não por uma declaração direta da pessoa, seja ela verbal ou escrita, mecânica, elétrica ou eletrônica também será anulável.
As comunicações humanas são diversas e, cada vez mais simplificadas por meio de máquinas, computadores, Internet, telefones portáteis, computadores manuais, portáteis e etc.
A grande evolução representada pela criação da rede mundial de computadores (Internet) também intensificou imensamente os negócios jurídicos realizados à distância e com o pagamento realizado por cartões de crédito. Isto se constitui em bom exemplo para se pensar na questão.
O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.
A questão a ser considerada aqui é simplesmente se saber do que ou de quem se trata. Havendo erro de indicação sem se deixar de saber quem é a pessoa ou o que é a coisa, manter-se-á como válido o negócio realizado.
O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade.
O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.
Aqui, mais uma vez, se constata que, independentemente do erro existente, o importante é que o objetivo final do negócio foi alcançado.
Dolo.
O caput do artigo estabelece que os negócios jurídicos são anuláveis por dolo, quando este for a sua causa, sua origem, sua razão de ser.
A simples análise do significado das palavras da lei demonstra que os negócios jurídicos realizados em razão da ação dolosa, com o objetivo de prejudicar de uma das partes, podem ser anulados, podem ser desfeitos.
O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.
A própria determinação do dolo acidental apresenta, inicialmente, a indagação do que possa ser a sua substância. Isto porque, segundo Houaiss, “em direito civil, manobra ou artifício que se inspira em má-fé e leva alguém a induzir outrem à prática de um ato com prejuízo para este”.[10] A má-fé pressupõe objetivo, vontade, ação consciente de se estar prejudicando a outra parte. Para resolver esta questão, o texto da lei estabelece o dolo será acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.
Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.
É o que acontece quando uma das partes age em fraude da outra por meio do silêncio a respeito de uma qualidade da coisa que, se sabida, impediria o negócio de se concretizar.
Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.
O que se busca aqui, mais uma vez, é proteger uma das partes do negócio do conluio das outras duas pessoas participantes do negócio.
O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve. Tal determinação leva a fazer crer que a ação prejudicial da pessoa, por meio de seu representante legal, só obriga a mesma ao pagamento da importância do proveito que teve por meio da ação de seu mandatário. No entanto, se o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.
Ao que se vislumbra no momento, essencial é a determinação do significado exato de representante legal e ou convencional.
Representação legal, em uma primeira acepção, é a realizada por um advogado que recebe os poderes de representação na Justiça dos interesses do seu mandante.
Representação convencional, por um outro lado, pode ser considerada aquela recebida e exercida por qualquer pessoa que faria as vezes da primeira, da outorgante, em atos simples da vida comum, da vida civil.
Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização. O texto do caput do artigo é bastante claro no tocante à ação dolosa de ambas as partes e da impossibilidade de sua alegação para defesa própria de cada um.
Coação.
A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
Houaiss conceitua coação de duas formas que não trazem sentido jurídico algum. Para ele, coação é o ato ou efeito de coar. Segundo dois regionalismos da Amazônia brasileira, coação é apartação ou separação do gado, na malhada (‘lugar’), segundo certas qualidades do mesmo; escoação. Ainda, coação é apartação preliminar, quando há muito gado alheio numa fazenda; escoação.
Um conceito mais adequado para o direito é aquele proveniente do verbo coagir. O conceito de coagir é obrigar (alguém) a fazer ou não alguma coisa; constranger, forçar.
Coagir é, então, forçar alguém a concretizar algo. No negócio jurídico é incutir temor em alguém de forma a se concretizar um negócio jurídico determinado e não desejado pela pessoa.
Se a ação disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.
No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.
Isto deve se dar em função da necessidade de se verificar a ocorrência ou não da própria coação.
Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial.
O exercício normal de um direito é, logicamente, uma ação jurídica nascida da lei, incapaz, naturalmente, de se constituir em algo ilegal. Desta forma, em sendo assim, não pode ser considerada qualquer espécie de coação.
Temor reverencial é aquele receio resultante do respeito ou da estima que se dedica a alguém, de modo que se receie causar qualquer desgosto ou aborrecimento a alguém.[11] Segundo a opinião oportuna de Clóvis Beviláqua: “não sendo acompanhado de ameaças e violências, nem assumindo a forma de força moral irresistível, é influência incapaz de viciar o ato”.[12]
Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.
Aqui busca-se evitar mais uma vez o conluio de duas partes em prejuízo da outra que expressaria sua vontade sob coação.
A disposição do caput do art. 155 mantém o negócio realizado por parte coagida por terceiro na realização do mesmo, mas sem o conhecimento da parte a quem dela tirasse proveito.
A única determinação legal que aproxima a realização da justiça é a obrigação que terá o autor da coação de responder por todas as perdas e danos que houver causado ao coagido.
Estado de Perigo
Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
Aqui está presente uma situação de extrema urgência e necessidade na qual as pessoas são capazes de assumir obrigações que normalmente não assumiriam em virtude de estar em jogo um valor maior que é algo condizente talvez até com a própria vida.
Da Lesão
O caput do artigo 157 estabelece a ocorrência da lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
Lesão é toda espécie de ofensa ou dano causado à coisa ou ao direito, de que possa resultar um prejuízo para seu proprietário ou titular.[13]
Premente necessidade é a situação angustiante e aflitiva de se obter alguma coisa.
Tanto a premente necessidade quanto a inexperiência podem fazer com que a pessoa assuma uma obrigação muito desproporcional ao valor da outra prestação, ou seja, do que vai obter.
A desproporção das prestações será considerada de acordo com os valores vigentes na celebração do negócio jurídico.
O negócio não será anulado se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
Da Fraude Contra Credores
Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.
Transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida equivalem à doação de bens ou ao perdão de uma dívida.
O devedor não pode praticá-las em virtude do prejuízo que irá causar aos seus credores quirografários, ou seja, credores sem uma garantia real ou pessoal da existência de seu crédito.
Se mesmo assim o devedor os praticar tornando-se ou permanecendo insolvente, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.
Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.
Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.
A condição da insolvência de uma pessoa é, à cada vez mais, difícil de se ocultar. A velocidade e a possibilidade do acesso às informações pessoais é crescente, principalmente no que toca ao patrimônio e às condições econômicas. Desta forma, somente o muito desavisado contrataria com uma pessoa que não se encontra em boas condições econômicas ou patrimoniais.
Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados.
Se inferior, o adquirente, para conservar os bens, poderá depositar o preço que lhes corresponda ao valor real.
A intenção da lei é fazer com que o adquirente dos bens do insolvente cumpra a sua obrigação no negócio e garanta o valor aos credores do devedor por meio do depósito em juízo da quantia referida.
A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.
A ação aqui visa a atacar todos os envolvidos na fraude contra credores.
O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu.
A falta de garantias do credor quirografário o mantém em condições que não o sujeitam ao recebimento da dívida ainda não vencida e fazem com que o recebimento adiantado da dívida seja um indício de favorecimento pessoal, em desacordo com a lei.
Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor.
A luta pelo recebimento de uma dívida pelo credor não o torna superior ou diferente dos demais credores. O devedor insolvente não pode garantir uma dívida com um patrimônio que não possui.
Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.
A presunção de boa-fé do devedor no caso dos negócios ordinários de um estabelecimento ou para a subsistência do devedor e sua família são determinações de justiça que levam em consideração as condições mínimas necessárias de um insolvente sobreviver e recuperar as boas condições do negócio.
Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores.
Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada.
A última determinação do Código Civil a respeito da fraude contra credores é mais uma ferramenta legal de proteção aos demais credores do devedor cujo patrimônio não é suficiente para pagar as suas dívidas.
Observação final.
A importância de todas as questões aqui tratadas é muito grande haja vista todas as manobras costumeiramente realizadas por aqueles que tentam, a todo custo, manter-se em seus negócios ou até mesmo fraudar os seus eventuais credores.
Prescrição e decadência.
Nos passos iniciais de todo estudioso do Direito Civil, aprende-se que a prescrição é a perda do direito de ação em decorrência da não observação de seu prazo limite. Já a decadência seria a perda do próprio direito. Prescreve o direito de ação e decai o direito em si.
Prescrição.
Ao se falar de prescrição, trata-se do prazo que tem o titular de um direito violado para exercer a sua pretensão. A pretensão pertencerá ao titular do direito ofendido.
O art. 190 do Código Civil prevê que a exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão. Isto quer dizer que uma coisa acompanha a outra, naturalmente.
Já no art. 191, está expresso que a renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.
Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.
A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita.
O art. 194 prevê que o juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz.
Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a alegarem oportunamente. (Art. 195).
A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor. (Art. 196)
Dos Prazos da Prescrição
A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
O art. 206 determina que ocorrerá a prescrição em um ano da pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos.
Também prescreverá em um ano a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador e quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão.
A pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários também prescreverá em um ano.
A pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo é outra que prescreverá em um ano.
Finalmente, prescreverá em um ano a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.
Diferentemente, prescreverá em dois anos a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
Em três anos prescreverão a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos, a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias, a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela, a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa, a pretensão de reparação civil, a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição, a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima, para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento e para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação.
Também prescreverão em três anos a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial e a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
No prazo de quatro anos, ocorrerá a prescrição da pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
Em cinco anos prescreverá a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular.
No mesmo prazo prescreverá a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato e a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.
Da Decadência
Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.
Não ocorrerá contra os incapazes a decadência, aplicando-se a mesma a previsão de que os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a alegarem oportunamente.
A renúncia à decadência fixada em lei é nula.
O juiz deve, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei.
Sendo a decadência convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.
Das Causas que Impedem ou Suspendem a Prescrição
Não ocorrerá a prescrição entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal, entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar e nem entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.
Também não corre a prescrição contra os incapazes, contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios e nem contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.
Ainda, não corre igualmente a prescrição se for pendente condição suspensiva, não estando vencido o prazo e pendendo ação de evicção.
Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.
Finalmente, quando suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível.
São causas que interrompem a prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, o despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual, o protesto, nas mesmas condições, por protesto cambial, pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores, por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor e por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.
A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado.
A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros, semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados.
A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros.
A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis.
A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador.
Bibliografia: Brasil, “Lei nº 10.406, de 10.01.2002”; Diniz, Maria Helena, “Curso de direito civil brasileiro”, nº 13093, v.1: teoria geral do direito civil, 20ª edição ver. e aum., São Paulo: Saraiva, 2003; De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, 18ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2001; Monteiro, Washington de Barros, “Curso de direito civil, v. 1: parte geral, 39ª ed., ver. e atual. Por Ana Cristina De Barros Monteiro França Pinto, nº 004345, São Paulo: Saraiva, 2003.
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.
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