Resumo: O direito do consumidor atual representa uma evolução histórica em que as relações de consumo ultrapassam as fronteiras territoriais, em decorrência do fenômeno da globalização. Esse processo é responsável pela exclusão dos consumidores na sociedade de consumo e o aumento da oferta de produtos e serviços no mercado, além da dependência estrangeira por componentes e tecnologia. Em conseqüência, ampliam-se também os defeitos e vícios nos produtos e serviços. Mas, em contrapartida, o Código de Defesa do Consumidor age em conformidade com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e em oposição às cláusulas abusivas nos contratos de consumo.
Palavras-chave: Direito – Consumidor – Globalização – Defeitos – Vícios
Abstract: The actual consumer right represents a historical evolution that the consumer relations exceed the limits of territorial borders, and it’s due to globalization phenomenon. This process is answerable for consumer exclusion in the consumer society and offering increase of products and services in the market also foreign dependence of parts and technologies. So, this amplified defects and faults in products and services. But, in counterpart, the Defense Consumer Code operates in harmony with the constitutional principle of dignity human being and opposition to abusive clauses in the consumer contracts.
Keywords: Right – Consumer – Globalization – Defects – Faults.
Sumário: Introdução; 1 evolução histórica ocidental do direito do consumidor e da globalização; 1.1 O direito do consumidor nos povos sem escrita; 1.2 O direito do consumidor nas grandes civilizações da Antiguidade; 1.3 O direito do consumidor no Império Romano; 1.4 O direito do consumidor na Idade Média; 1.5 O direito do consumidor frente ao efetivo surgimento da globalização com a Renascença e as Grandes Navegações; 1.6 O direito do consumidor e a Revolução Industrial; 1.7 O direito do consumidor no pós-II Guerra Mundial; 2 as principais características das relações de consumo no mundo globalizado; 2.1 A ampliação da oferta de produtos e serviços; 2.2 A dependência estrangeira de peças e tecnologia; 2.3 A exclusão na sociedade de consumo; 2.4 A defesa do consumidor através de princípios; 3 A responsabilidade na relação de consumo; 3.1 A responsabilidade por danos nos produtos e serviços; 3.2 A responsabilidade por vícios nos produtos e serviços; Conclusão; Referências.
O presente trabalho visa analisar os reflexos da globalização no direito do consumidor. E ainda, caracterizar os defeitos e vícios dos produtos e serviços, resultantes desse processo, na abordagem do Código de Defesa do Consumidor.
Com uma visão histórica, obtêm-se a compreensão do direito do consumidor na atualidade e também a influência da globalização. A análise é necessária desde os povos sem escrita, os quais pouco mantinham relações de consumo, por razões organizacionais e religiosas, até o Brasil nos dias de hoje, com o Código de Defesa do Consumidor. A ênfase no estudo ocorre a partir do direito do consumidor frente ao efetivo surgimento da globalização, com a Renascença e as Grandes Navegações.
A partir deste momento histórico, ocorre a substituição do universo camponês pelo urbano. Então, com ascensão da burguesia e enfraquecimento da Igreja e da nobreza, aparece o ponto de vista particular e consequentemente a expansão do consumo, com o surgimento de novas tecnologias a partir da Revolução Industrial e o desenvolvimento da mídia após a segunda guerra mundial.
As principais características das relações de consumo no mundo atual e globalizado são: a ampliação da oferta de produtos e serviços, a dependência estrangeira de peças e tecnologia, a exclusão na sociedade de consumo e a defesa do consumidor através de princípios. Paralelamente é exposta a posição do Código de Defesa do Consumidor quanto ao tema e a visão de pensadores e doutrinadores.
A responsabilidade na relação de consumo é verificada nas seções II e III do capítulo IV do CDC, onde são elencadas as características, mais relevantes dos defeitos e vícios dos produtos e serviços. Com o entendimento que os danos causados aos consumidores ocorrem em função dos acidentes de consumo, enquanto que os vícios de qualidade e quantidade dos produtos ou serviços são fruto dos incidentes de consumo.
1 evolução histórica ocidental do direito do consumidor e da globalização
O direito do consumidor é abordado atualmente como ramo autônomo do direito. Todavia já aparecia no costume e até codificado, de forma esparsa, desde a antiguidade, sofrendo inúmeras modificações, com avanços e retrocessos.
1.1 O direito do consumidor nos povos sem escrita
Nos antigos povos sem escrita, em época anterior ao terceiro milênio antes de Cristo, também antes do surgimento das grandes cidades, o direito estava em formação. Também pode-se falar em não existência do direito propriamente dito, por não haver organização estatal, como consideram Marx e Engels (1988).
Nesta etapa de desenvolvimento da vida humana, a troca de mercadorias, indispensável para uma relação de consumo, praticamente não ocorria por duas razões principais.
A primeira razão é a organização dos indivíduos em clãs. Trata-se da ampliação dos laços consangüíneos, com grupos de indivíduos formados por pequenas aglomerações de famílias. Nos clãs, a sobrevivência depende da coesão entre seus membros e o repúdio aos demais clãs, para manter os escassos meios de sobrevivência, o que impede o comércio.
O outro motivo é o fato da crença dos objetos possuírem caráter sagrado, impossibilitando passar do indivíduo a que pertence, sob pena de supostas sanções sobrenaturais. Isso ocorre porque se estende ao conceito de indivíduo aquilo que se liga estreitamente a ele. Desta forma, salvo em extremas necessidades econômicas, o indivíduo não pode comercializar sua cabana, armas, frutos colhidos, entre outros. Chega-se até a enterrar os pertences junto à pessoa.
1.2 O direito do consumidor nas grandes civilizações da Antiguidade
Entre o terceiro e o segundo milênio antes de Cristo, três fatores foram responsáveis pelo surgimento das primeiras grandes civilizações: surgimento das cidades, a invenção e domínio da escrita e o advento do comércio. Este último é o principal desencadeador das relações de consumo.
Na Mesopotâmia o comércio já era supervisionado pelos sacerdotes das cidades-estado, além de já existir preocupação quanto à vícios e indenizações, por exemplo, como pode-se verificar numa das legislações mais rigorosas que já foram elaboradas, o Código de Hamurabi, por volta de 1700 a.C., exposto na página da internet Cultura Brasileira:
“233º – se um arquiteto constrói para alguém uma casa e não a leva ao fim, se as paredes são viciosas, o arquiteto deverá a sua custa consolidar as paredes. […]
237º – se alguém freta um bateleiro e o barco e o prevê de trigo, lã, azeite, tâmaras e qualquer outra coisa que forma a sua carga, se o bateleiro é negligente, mete a pique o barco e faz que se perca o carregamento, deverá indenizar o barco que fez ir a pique e tudo de que ele causou a perda.”
Quanto aos Hebreus, embora não atingiram um desenvolvimento do direito tão grande na antiguidade, registraram na Bíblia fortes preceitos morais que até influenciaram o direito canônico e muçulmano. Estes fortes preceitos morais trouxeram a questão da lealdade nas relações de consumo. Entretanto, quando ocorriam delitos contra a propriedade, estes eram normalmente punidos com penas pecuniárias.
Na Grécia, o direito do consumidor tomava forma, principalmente, por existir agentes responsáveis pela fiscalização da qualidade, medida e pesagem das mercadorias. Além disso, disciplinavam a questão dos juros por parte dos comerciantes. Tudo isso já era analisado por Aristóteles.
1.3 O direito do consumidor no império romano
No direito romano, o mais evoluído da antiguidade, desde a lei das XII tábuas, pode-se verificar disposições relativas às relações de consumo. No período romano clássico, o vendedor era responsável pelos vícios da coisa, só podendo se excusar se ignorasse esses vícios. Entretanto, no período Justiniano, a responsabilidade sempre era do vendedor, mesmo se não conhecesse o vício.
E ainda, é importante salientar que na codificação de Justiniano a maior parte dos textos é relativo às obrigações. Assim, no direito atual, em relação ao direito das obrigações e, consequentemente ao direito do consumidor, grande foi a influência do direito romano.
No cotidiano, os romanos podiam dedicar-se as atividades que envolviam relações de consumo, principalmente por meio de contratos, pois sua economia não era tipicamente urbana. Isso era possível pela larga utilização do trabalho escravo na agricultura, fruto da expansão militar e territorial do império, permitindo aos proprietários viverem na cidade com riquezas provenientes do solo, como ensino Aguiar (2007, p. 65):
“O Império Romano e suas várias etapas históricas estavam ligados ao modo de produção escravagista. O motor do desenvolvimento estava nas grandes propriedades apropriadas pela aristocracia patrícia que, controlando os meios de produção, as terras e as ferramentas necessárias ao trabalho agrícola, dominavam as classes pobres e livres dos plebeus. Já os escravos eram classificados como res (coisa), eram uma espécie de propriedade instrumental animada.
O crescimento da cidade não se baseava em uma economia tipicamente urbana, mas sim em uma economia essencialmente agrícola, com larga utilização do trabalho escravo, fato que permitia aos proprietários viverem na cidade, com riquezas vindas do solo.”
Outro instituto do direito romano contribuiu para a atual defesa dos direitos dos consumidores. Está compreendido dentro do sistema quatripartido das fontes das obrigações, que é composto por:
a) Contratos: como venda, troca, locação e outros;
b) Delitos: assim como hoje, as infrações penais;
c) Quase-contratos: como exemplo a gestão de negócios; e
d) Quase-delitos: com a responsabilidade aquiliana, representada pela responsabilidade civil por culpa (objetiva ou subjetiva).
Neste último, nos quase-delitos, figura, como exemplo, a possibilidade do consumidor ser indenizado pelo fornecedor quando este vende um produto com defeito, embora desconheça-o. Trata-se de uma evolução, não só para o direito do consumidor, mas para o direito civil como um todo. E ainda, traz transparência para as relações de consumo e reafirma a probidade e a boa-fé entre os contratantes.
1.4 O direito do consumidor na Idade Média
A Idade Média compreende o período entre a queda do império romano no ocidente, no século V, com as invasões bárbaras e a queda do império romano no oriente, no século XV, com a tomada de Constantinopla pelos muçulmanos. Assim, neste período histórico há a incorporação de outras características na sociedade européia e consequentemente no direito. Aguiar (2007, p. 87) explica os povos bárbaros:
“Os povos bárbaros não possuíam as mesmas características político-administrativas ou práticas econômicas, tornando suas caracterizações sempre genéricas. Ao tempo de César, organizavam-se politicamente em torno de clãs, estruturando suas práticas administrativas de forma rudimentar e sem grandes diferenciações funcionais. Eram fundamentalmente representantes de uma economia agropastoril de agricultores assentados, deslocando-se, quando necessário, em busca de solos férteis de acordo com a determinação de seus líderes. A propriedade privada era desconhecida, sendo a distribuição de terras estabelecida sem a instituição de grandes desigualdades no interior das tribos. Possuíam chefes, ao menos em tempos de guerra, quando estes eram eleitos.”
A partir do século I, com a chegada dos romanos à Germânia, a organização social dos povos bárbaros começa a modificar-se, com a incorporação da autocracia política, especialização militar e desníveis sociais, o que culmina com a tomada de Roma e o início da Idade Média.
Dessa forma, ocorre uma descentralização do poder político. A Igreja firma-se como única estrutura político-administrativa organizada capaz de manter a estrutura política e jurídica no ocidente, o que leva ao surgimento do direito canônico.
Arruda (1995, p. 31), ao falar da economia feudal, lança algumas características das relações de consumo nesta etapa histórica:
“O proprietário da terra era o senhor feudal. Ele exercia também um enorme controle sobre os homens que trabalhavam em sua propriedade: os servos.
As relações entre os servos e seu senhor eram determinadas por obrigações recíprocas. Os servos trabalhavam nos domínios do senhor, pagando com produtos a utilização da terra e a proteção militar que o senhor lhes proporcionava.
O sistema feudal foi uma forma de organização econômica, social, política e cultural baseada na posse da terra e não no comércio.
Na economia feudal, a produção agrícola e artesanal tinha como objetivo atender apenas ao consumo local. Não se produziam bens com o objetivo de vendê-los, ou seja, eles não eram destinados às trocas comerciais.”
Logo, nessa economia agrícola, as relações de consumo quase desapareceram e as poucas práticas, quando abusivas, eram punidas com a mão de ferro da Igreja. Na França de Luiz XI, aquele que vendesse manteiga com pedra no interior para aumentar o peso ou leite com água para aumentar o volume, era punido com banho escaldante.
Ainda no final da Idade Média, os senhores feudais cobravam pedágios dos viajantes, que transportavam mercadorias, ao cortarem suas propriedades. Essa taxação excessiva encarecia o preço final dos produtos aos consumidores.
Além disso, a precariedade das estradas e as grandes distâncias entre os centros produtores emergentes e os novos mercados consumidores, também contribuíam para o encarecimento dos produtos. Assim, buscou-se novas rotas comerciais para atender ao crescimento da população européia. Arruda (1995, p. 49) mostra o fim da Idade Média e a nova ordem vigente ao expor que:
“A melhoria das condições de vida também diminuiu o número de mortes e a população européia começou a crescer em ritmo acelerado. Porém, a produção agrícola e artesanal não acompanhava o crescimento da população e tornou-se insuficiente para satisfazer as novas necessidades. O ritmo crescente do mercado consumidor entrou então em choque com o modo de produção servil, lento e de baixa produtividade. Desse descompasso, resultou a crise do sistema feudal.”
Essas novas rotas comerciais, de cunho internacional, através do mar mediterrâneo, foram gradativamente conquistadas pelos burgueses italianos de Veneza, Gênova, Pisa, Amalfi e da Sicília. Veneza tornou-se, ainda no século XIII, a primeira potência marítima do mediterrâneo.
Os venezianos compravam porcelana, seda, perfumes e especiarias, dentre outros, do oriente e vendiam tecidos, madeira e ferro, principalmente. O desenvolvimento foi tanto, que por volta de 1280, o ducado de ouro, de Veneza, tornou-se o padrão monetário internacional, tal como o dólar e o euro, atualmente. Trata-se dos primórdios da globalização.
A burguesia que surgiu na Itália, com seu acúmulo de capitais, estimulou o estudo científico, além das artes que ostentavam seu poder, visando o conhecimento do espaço terrestre. Isso levou ao movimento das grandes navegações, pela busca da expansão de mercados, como mostra Vicentino (1995, p. 117):
“Foi nesse quadro que o litoral português assumiu importância. Como ficasse aproximadamente na metade do percurso entre a Itália e o mar no Norte, Portugal passou a constituir um excelente ponto de escala e de abastecimento para os mercadores italianos e flamengos. Com isso, as atividades econômicas do país se desenvolveram, possibilitando a ascensão do grupo mercantil português, que, mais tarde, fortalecido, projetaria a expansão marítima.”
Assim, com a expansão marítima, intensificam-se as relações de consumo, visto a maior circulação de mercadorias com a América, Ásia e África.
Esse desenvolvimento substituiu o universo camponês pelo urbano, proporcionando a ascensão do teatro, da pintura e do livro (com o aprimoramento do tipo móvel por Gutenberg no século XV) na renascença, o que induziu o aparecimento do ponto-de-vista particular. Assim, cria-se uma ética individualista vinculada ao prazer, o que é adequada à expansão do consumo.
Neste período histórico o rigor da legislação era marcante, principalmente na península ibérica. As disposições relativas ao direito do consumidor não fogem à esta regra, servindo de freio, por parte de um estado submetido à Igreja, aos abusos nas relações de consumo. Está disposto nas ordenações Filipinas, extraído da página da internet da Universidade de Coimbra, em Portugal:
“Livro 5. Título: LIX: dos que molhão, ou lanção terra no pão, que trazem, ou vendem.
Qualquer carreteiro, almocreve, barqueiro, ou outra pessoa, que houver de entregar, ou vender pão, ou levar de huma parte para outra e lhe lançar acintemente terra, agoa, ou outra cousa qualquer, para lhe crescer, e furtar o dito crescimento, se o damno e perda, que se receber do tal pão, valer dez mil reis, morra por isso. E se for de dez mil reis para baixo, seja degredado para sempre para o Brazil.”
Outras disposições relativas ao direito do consumidor aparecem no Livro 5 e também no Livro 4, sendo comum as penas de degredo para o Brasil e a pena de morte.
1.6 O direito do consumidor e a Revolução Industrial
O desenvolvimento iniciado na renascença, impulsionado pela revolução comercial dos séculos XVI e XVII era vinculado à circulação de mercadorias. Com a mecanização industrial iniciada na Inglaterra no século XVIII, a acumulação de capitais passou da atividade comercial para o setor de produção industrial.
As mudanças que surgiram repercutiram na ordem econômica e social, extinguiram os últimos resquícios do feudalismo e possibilitaram a implantação do modo de produção capitalista. Essa revolução industrial estreitou os laços com a globalização e estimulou o consumo, através do comércio dos novos bens manufaturados que surgiram.
Esse processo foi possível por dois aspectos principais. Em primeiro lugar, pelo desenvolvimento técnico proporcionado pela ciência moderna, antidogmática e baseada no experimentalismo. Isso proporcionou a mecanização da indústria têxtil e também do setor metalúrgico, com o apoio das instituições financeiras.
O outro aspecto foi a grande oferta de mão-de-obra à baixo preço para a indústria. Essa mão-de-obra volumosa nas cidades ocorreu devido às novas técnicas de produção que fez desaparecer os pequenos proprietários e o consequente êxodo rural.
Assim, surgiu a produção em massa, onde o intercâmbio do comércio obteve proporções mais despersonalizadas, com mais intermediários entre a produção e o consumo. No escoamento da produção, muitas vezes o fornecedor praticava atos enganosos. Isso mostrou a necessidade de promulgação de mais leis que protegessem o consumidor, que já aparecia como parte fraca na relação de consumo.
Além disso, com os avanços tecnológicos se tornou possível inserir idéias na mente do consumidor de que ele precisava adquirir produtos que até então não tinha necessidade. Até hoje, isso permanece e com a mídia toma proporções gigantescas.
1.7 O direito do consumidor no pós-II Guerra Mundial
O esforço da II Guerra Mundial intensificou a produção industrial em massa e em série, além de trazer novas invenções. Com o know-how da guerra, diversificou-se a gama de produtos disponíveis, além do aumento de produção no tempo de paz.
O advento da televisão revolucionou a propaganda, que levou a uma competitividade altamente sofisticada. Com isso, a problemática dos anúncios tornou-se relevante.
Passado o período do pós-guerra, os consumidores viam-se cercados por preços altos, pouca qualidade de vida e dos produtos, poluição e outras adversidades, por ainda não haver por parte dos estados uma eficiente proteção dos consumidores.
Aqui, ressurge a cláusula do rebus sic stantibus frente o princípio do pacta sunt servanda, o que enfraquece a força obrigatória dos contratos e diminui a rigidez do direito civil.
Em 1962, o presidente americano John Fitzgerald Kennedy levantou a problemática do consumo por meio de uma mensagem especial ao Congresso Americano. Já em 1985, as Nações Unidas, por meio da resolução nº 39/248, estabeleceu os princípios gerais para os governos membros desenvolverem, como mostra o anexo 3, citado por Souza (1996, p. 58):
(a) “Proteger o consumidor quanto a prejuízos à sua saúde e segurança;
(b) fomentar e proteger os interesses econômicos dos consumidores;
(c) fornecer aos consumidores informações adequadas para capacitá-los a fazer escolhas acertadas, de acordo com as necessidades e desejos individuais;
(d) educar o consumidor;
(e) criar possibilidade de real ressarcimento ao consumidor;
(f) garantir a liberdade para formar grupos de consumidores e outros grupos e organizações de relevância e oportunidade para que estas organizações possam apresentar seus enfoques nos processos decisórios a elas referentes.”
Essa maior preocupação com o direito do consumidor também está relacionada com a globalização, onde os países implementaram a união em blocos, para reduzir as barreiras tarifárias e competir no comércio internacional.
Com isso os consumidores tiveram acesso a uma gama maior de produtos. Mas, esse consumo internacional mostrou a agressividade do marketing, onde a idéia da qualidade superior dos produtos importados, a dificuldade da língua estrangeira nas embalagens, a distância entre o consumidor e o fabricante, entre outras adversidades, tornaram-se frequentes.
Então, com a relevância que o direito do consumidor atingiu nas últimas décadas do século XX, na Constituição Brasileira de 1988 foi previsto no art. 5º, inciso XXXII, que “O estado promoverá, na forma de lei, a defesa do consumidor”. No Brasil isto culminou no Código de Defesa do Consumidor, em vigor até hoje.
2 as principaIs características das relações de consumo no mundo globalizado
Sem dúvida, está em andamento uma era de intensificação do intercâmbio social, cultural e econômico em escala global. Com o sistema econômico vigente (capitalismo), a busca do lucro torna-se o “motor” da sociedade.
Assim, para as grandes corporações, a atividade econômica é realizada para além de fronteiras dos países de origem. Essa atividade acaba por influenciar outras áreas da sociedade. Logo, com este processo, ocorre a globalização. No entendimento de Santos (2002, p. 445):
“A globalização é uma palavra que indica, não que interpreta ou sintetiza. Indica o problema, não a chave da sua interpretação. Sinaliza uma realidade empírica, no fim do século XX, uma nova etapa e um novo quadro do processo de desenvolvimento das interdependências planetárias, de (ao mesmo tempo) integração e polarização do sistema mundial, de impressionante aceleração da mobilidade e dos fluxos de pessoas, bens, capitais e símbolos, etapa e quadro que podem ser vistos em perspectiva com os passos anteriores na direcção da internacionalização e da mundialização. Mas, sinalizada, essa realidade fica por interpretar, se acaso cairmos no uso ritual e passe-partout da idéia de globalização. É preciso problematizar, construir modelos de teorização, observação e análise suficiente finos para dar conta, em profundidade e extensão, do feixe compósito de elementos e tendências recoberto pela indicação de globalização.”
Para tornar possível a intensa comercialização dos produtos ou serviços da sociedade globalizada, a mídia assume grande importância. Através dela, com a publicidade, criam-se novos hábitos e consequentemente novas necessidades. Como principal exemplo tem-se os comerciais de televisão, onde o consumo de produtos anunciados é associado ao poder ou ao sucesso.
Essa sociedade globalizada torna-se uma sociedade de consumo, onde os consumidores, por sua frequente desvantagem econômica, ficam sujeitos às imposições dos fornecedores. Assim se expressa Bittar (2003, p. 2):
“Ora, como consumidores, os particulares – e mesmo empresas ou outras entidades que integram a relação de consumo – encontram-se, diuturna e sistematicamente, atraídos por produtos diferentes, das mais diferentes origens e qualidades, no lar e em todos os locais que freqüentam, mas, muitas vezes, sem possibilidade de: eleger o contratante; proceder à escolha racional do bem; conhecer o contexto ou a excência do produto; discutir as condições para sua aquisição; ou participar da definição das cláusulas do contrato, ficado, pois, em posição de desvantagem, como acentuamos em nosso livro Direito dos Contratos e dos Atos Unilaterais. Na ânsia de prover as exigências pessoais ou familiares – portanto, sob pressão da necessidade -, os consumidores têm sua vontade desprezada, ou obscurecida, pela capacidade de imposição de contratação e, mesmo, de regras para a sua celebração, que dispõem as grandes empresas, face à força de seu poder negocial, decorrente de suas condições econômicas, técnicas e políticas. A vontade individual fica comprimida; evidencia-se um descompasso entre a vontade real e a declaração emitida, limitando-se esta à aceitação pura e simples, em bloco, do negócio (contratos de simples adesão).”
Dessa forma, tem-se uma produção em massa que leva a um consumo em massa, que intensifica os conflitos entre consumidores e fornecedores. Esses conflitos são gerados por inadimplemento das obrigações contratuais ou desrespeito aos direitos assegurados pela legislação vigente.
Tais conflitos são agravados, na globalização, pela competitividade que o mercado internacionalizado impõe, ou seja, para os fornecedores obterem lucro, aumenta o ônus dos consumidores, cada vez mais. Quanto à questão da responsabilidade, Denari (2004, p. 174) observa que:
“Nesta hipótese, invertem-se os papéis dos partícipes, pois os consumidores é que figuram no pólo ativo da relação de responsabilidade, com vistas à reparação dos vícios de qualidade ou de quantidade dos produtos ou serviços, bem como dos danos decorrentes dos acidentes de consumo.”
Com isso, nas relações de consumo, a globalização apresenta o seguinte aspecto: maior oferta de produtos e consequente aumento da prestação de serviços, gerando mais conflitos entre consumidores e fornecedores. Outra questão relevante é a dependência de peças e tecnologias estrangeiras, resultando a alta de preços conforme variações na economia mundial.
Quanto aos defeitos e vícios no Código de Defesa do Consumidor, é possível observar a busca da igualdade entre consumidor e fornecedor através da tutela da norma. Já em relação à distinção entre vício e defeito, verifica-se que o primeiro leva ao incidente de consumo e o segundo ao acidente de consumo.
Verifica-se, então, que o Código de Defesa do Consumidor visa prestar “socorro” aos consumidores que estão imersos nesta economia globalizada e, muitas vezes, sendo vítimas das empresas multinacionais.
2.1 A ampliação da oferta de produtos e serviços
Com conhecimento histórico é possível entender a situação atual e prever acontecimentos futuros. Na atualidade há maior oferta de produtos e serviços, pelo fato da intensificação do processo da globalização através de mudanças complexas na sociedade, ligadas a perda de poder dos estados nacionais frente às grandes corporações transnacionais, onde; de acordo com Brum (1999, p. 82):
“Os estados nacionais tendem a perder parcelas de poder, quer ao integrar-se em organismos internacionais, quer perante as grandes corporações transnacionais. Antes os governos conseguiam tomar as grandes decisões econômicas. Agora, são os organismos internacionais e as grandes corporações que condicionam e influenciam as grandes decisões dos países. Antes, da década de 1970, as corporações internacionais precisavam esforçar-se para convencer os governos a aceitá-las em seus países. Agora, são os governos que se esforçam para atraí-las, oferecendo-lhes incentivos fiscais e outras vantagens. Como o setor público, em geral, está endividado e enfrenta dificuldades financeiras, e os grandes grupos econômicos têm disponibilidade de capital, os governos promovem privatizações de empresas estatais e se esforçam para atrair empresas de capital estrangeiro para impulsionar o desenvolvimento, atentos ao aporte de tecnologia. Cada vez mais, são as poderosas corporações mundiais que decidem o que, como, quando, quanto e onde produzir e a quem vender.”
Nessa forma, com o auxílio do desenvolvimento de novas tecnologias (principalmente nas últimas décadas) surgiram novos produtos no mercado, como aparelhos de televisão com tela de plasma, celulares com câmera de vídeo e acesso à internet, computadores mais velozes, dentre tantas outras novidades. Assim, diversificou-se a gama de produtos ao acesso do consumidor.
Quanto aos serviços, também cresceram em função do atendimento a estes novos produtos, como por exemplo as empresas que prestam atendimento por telefone ou executam vendas por este meio.
Também é fator do aumento da oferta de produtos e serviços o aperfeiçoamento da mídia, que faz com que os consumidores sintam necessidade de consumir os produtos anunciados. Nesse sentido, vê-se, por exemplo, o grande investimento que é feito nos comerciais de televisão, onde são feitas pequenas produções cinematográficas. Santos (2002, p. 437) registra:
“Destaquemos, portanto, estes dois factos maiores: primeiro, as indústrias culturais constituem o sector do campo cultural mais adequado e mais beneficiado com o processo de globalização; segundo, a ligação que daqui resulta multiplica os indutores de uniformização do lado da oferta. Acontece, porém, que a dinâmica de globalização, ao mesmo tempo que contraria a diversidade cultural quando vista do lado da oferta, não deixa também de pô-la em evidência, quando vista do lado da procura. Não se trata, seguramente, de um paradoxo. Mas trata-se, isso sim, de um importante elemento de tensão. Chegando mais longe e a mais gente, a produção da media culture, por mais uniforme que seja, em cada conjuntura e sector, defronta-se com a enorme variedade cultural dos grupos sociais que vão tendo acesso a ela.”
Se aumenta a oferta e consequentemente o consumo, tanto de produtos como de serviços, a tendência é o maior número de conflitos, que contribuem para abarrotar o judiciário. Assim nota-se a importância do Código de Defesa do Consumidor para o Direito e a para a própria sociedade.
2.2 A dependência estrangeira de peças e tecnologia
O consumidor também está sujeito a dependência externa de peças e reposição em seus produtos. Trata-se de outra conseqüência da globalização. O Código de Defesa do Consumidor disciplinou esta questão na seção II do Capítulo V (das práticas comerciais):
“Art. 32. Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto.
Parágrafo Único: cessadas a produção ou a importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei.”
Exemplo clássico dessa problemática está no caso dos automóveis importados. Nestes, as peças de reposição, em caso de manutenção, atingem valores altos. Além disso, o consumidor só conseguirá as peças nas agências da marca, não ocorrendo competitividade de preços.
E ainda, em função da globalização, embora certo produto seja montado no Brasil, certas peças, componentes ou tecnologias dependem do exterior, são estrangeiras, o que contribui para seu preço excessivo.
Assim, a dependência estrangeira de peças e tecnologias, no caso da América Latina, está associada à modernização pela internacionalização dos mercados internos. Além disso, ocorre também a dependência do capital estrangeiro, que possui regras próprias e intensifica o processo de globalização, enfraquecendo a economia local.
Nessa forma, os países em desenvolvimento, como o Brasil, adaptam sua política de desenvolvimento ao sistema e abandonam projetos de desenvolvimento ligados a independência nacional. Ao contrário do que ocorreu no passado com o governo de Getúlio Vargas ou nos governos militares, onde; segundo Silva (1997, p. 233):
“A história demonstra que nas experiências anteriores de desenvolvimento planejado pelo estado a estratégia modernizadora criou enormes tensões, gerando mudanças bruscas na distribuição de renda, deslocamentos nas relações de poder e transformações culturais indeléveis. Porém, longe de escapar dessas tensões, a busca da modernização, via internacionalização exacerba. Em primeiro lugar porque não é possível que todos os países tenham, ao mesmo tempo, um balanço de pagamentos positivo. A corrida pela modernização inevitavelmente terá seus vencedores e seus perdedores. Além disso, os vencedores e os perdedores não serão Estados Nacionais, mas regiões, setores, indústrias e grupos de classe específicos. A conseqüência será um acentuado aumento da desigualdade regional, setorial e social entre nações e no interior delas.”
Logo, seria insustentável que no Brasil, ainda no início da década de noventa, não entrasse em vigor o Código de Defesa do Consumidor. Isso devido a preponderância da realidade do mercado no campo jurídico, situação que expõe a inferioridade dos consumidores frente aos fornecedores. Embora a atuação do judiciário em questões que se deve acionar empresas estrangeiras seja delicada, mesmo com o auxílio do Código de Defesa do Consumidor.
2.3 A exclusão na sociedade de consumo
O Direito do Consumidor relaciona-se com os direitos sociais dispostos na Constituição Federal, onde está previsto:
“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição.”
Entre estes direitos sociais, alguns são privativos ao estado (como a segurança), enquanto outros estão presentes também no mercado, como a moradia, onde há uma relação de consumo, ao adquirir um financiamento para casa própria, por exemplo.
Nesta forma, se há necessidades do indivíduo, que para se concretizarem é pressuposto algum poder de compra, muito ficam desamparados. Paralelamente a isso, a globalização apresenta-se na seguinte maneira no entendimento de Souza Silva (1997, p. 273):
“A sociedade global cria um novo tipo de exclusão social. E esta exclusão constitui-se, no nosso entender, como a grande armadilha da globalização da economia, a qual opera não só em nível internacional, através da agudização da dependência de países como os da América Latina em relação aos países ricos, mas também em nível interno, quando milhões de pessoas da região encontram-se em situação de miséria absoluta, destinadas à sobrevivência em meio à fome, doenças, desemprego e de outros tipos de violência.”
Então, com a diminuição do poder de compra dos consumidores, agravado com as constantes crises da esfera econômica, frequentemente os fornecedores lançam mão de artifícios como diminuir a qualidade e a quantidade dos produtos, por exemplo. Com isso podem propiciar preços mais baixos nas mercadorias e aumentar as vendas.
Em contrapartida, ocorre aumento dos conflitos entre fornecedores e consumidores, quando estes buscam reparação judicial por defeitos ou vícios nos produtos ou serviços prestados.
Estes conflitos estão inseridos numa transformação política, econômica e social muito mais profunda. Souza Silva (1997, p. 275) explica:
“No âmbito interno, a população excluída se vê envolta, sem poder dimensionar-se entre o vaivém da pós-modernidade. Ao mesmo tempo em que é levada ao mundo “encantado” do consumo como caminho do bem-estar social, também é desqualificada pela tirania que exercem os princípios da eficiência e da concorrência. É, ainda, ignorada pelas instâncias de poder nacional e internacional que decidem sobre os destinos do mundo. Os excluídos são sacrificados em função do “progresso da nação globalizada”. São usados. Logo, a seguir, olvidados e abandonados.”
Sem dúvida, o estado brasileiro contribuiu significativamente para a solução dos conflitos nas relações de consumo ao promulgar o Código de Defesa do Consumidor. Porém, os problemas em voga são intrínsecos ao próprio sistema econômico. No entendimento de Bertaso (2002, p. 407):
“Evidencia-se que, com a desestruturação do estado social ocorre a impossibilidade de manter o tutelamento do conjunto dos direitos humanos à garantia da democracia e do exercício da cidadania aos nacionais, a partir de seu modelo tradicional, dado que aqueles poderes políticos privados pervertem as funções do Estado, submetendo-os aos interesses do mercado mundializado e aos poderes que o constituem. O estado recepciona os critérios da economia e que são competência, competitividade e lucro, e pautam as ações de governo, independentemente das demandas coletivas da manutenção do sistema de garantias sociais e dos direitos humanos fundamentais.”
Assim, cada vez mais, enfraquece-se a cidadania, ora excluindo totalmente alguns do mercado de consumo, ora tornando difícil a defesa dos direitos minimamente inseridos no sistema.
2.4 A defesa do consumidor através de princípios
No ordenamento jurídico atual, mais do que em outras fases da história, observa-se a importância dos princípios, com força de lei, previsão constitucional e infraconstitucional, como base de todo o ordenamento jurídico e com papel fundamental no fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Logo, por consequência, a defesa dos direitos das pessoas em geral e mais especificamente dos consumidores.
Dentre os princípios distribuídos ao longo do Código de Defesa do Consumidor, os principais orientadores estão no Caput do art. 4º, no qual está previsto:
“Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios […]”
O Código de Defesa do Consumidor segue as demais legislações modernas, ao prever vários princípios ao longo de seu texto legal. Assim, os princípios possuem força normativa e também indicam um caminho valorativo que deve ser seguido e respeitado pela jurisdição.
Assim, os princípios do Código de Defesa do Consumidor visam a proteção da personalidade humana, constituindo regras de prevenção de danos e inibição de condutas que possam lesar os consumidores de maneira geral. No ensinamento de Bittar (2003, p. 6):
“Os princípios que inspiram a sua ossatura são os seguintes: o da proteção da vida, da saúde e da segurança dos consumidores (contra vícios existentes em produtos ou em serviços, ou outros abusos na circulação de bens); o da proteção de seus interesses econômicos (sempre que atingidos por ações abusivas dos agentes do mercado); o do direito a educação (através de campanhas de esclarecimento oficiais e privadas); o do direito de representação e de consulta (através da constituição de entidades de defesa e de participação em políticas de seu interesse); e o da compensação efetiva por prejuízos (mediante acesso a órgãos judiciais e administrativos para a reparação de danos havidos, por meio de fórmulas jurídicas eficientes). Com isso, tolhem-se, ou inibem-se, práticas abusivas por parte das empresas produtoras, prestadoras de serviços ou intermediárias, nas relações de consumo, instrumentando-se, de outro lado, consumidores e suas entidades representativas para respostas eficazes a ações abusivas ou lesivas de seus interesses, individuais ou coletivos.”
Então, observa-se que, além de coibir práticas abusivas por parte das empresas produtoras de bens, também assegura uma contratação justa com o consumidor, e proteção à sua integridade.
Além disso, a vasta previsão de princípios no Código de Defesa do Consumidor visa assegurar a grande variedade de situações que as demais normas não poderiam prever, tanto na época em que foi promulgado, como no futuro. Em função de que as relações de consumo podem compreender uma ampla gama de situações de conflito, devido a dinâmica de mercado, que é intensificada pelo processo da globalização.
Quanto aos Institutos de Defesa do Consumidor, previstos no Código de Defesa do Consumidor faz-se fundamental a análise da responsabilidade objetiva. Anteriormente, a responsabilidade civil por danos era de acordo com a culpa em sentido subjetivo. Ou seja, como ato ilícito era considerado apenas negligência ou imprudência, como é previsto no art. 186 do Código Civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Na sociedade de consumo atual, somente o pressuposto de culpa não satisfaz mais o ressarcimento dos danos. Surgiu a obrigação de indenizar sem culpa. Com o Código de Defesa do Consumidor, no art. 12, esse pensamento firma-se no Brasil ao prever:
“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.”
Entretanto, foi um processo que veio se desenvolvendo ao longo do século XX, que no ordenamento jurídico pátrio estava abrindo caminho através das seguintes legislações; segundo Grinover (2004, p. 179):
“- da ruína de prédios por falta de reparos (art. 1.528 do Código Civil de 1916 e art. 937 do de 2002);
– da queda ou do lançamento de coisas nos prédios urbanos (art. 1.529 do Código Civil de 1916 e art. 938 do de 2002);
– de erros ou enganos praticados por prepostos do farmacêutico (art. 1.546 do Código Civil de 1916);
– de acidentes de trabalho, de estradas de ferro e de aeronaves (conforme legislação esparsa).”
Isso demonstra as adaptações que o direito civil brasileiro, principalmente no direito do consumidor, sofreu em função da ampla gama de situações de conflito que uma sociedade de consumo global proporciona.
Entretanto, o caminho que os princípios previstos no Código de Defesa do Consumidor seguem é no sentido de inversão dos papéis dos partícipes da relação contratual (neste caso relação de consumo). Denari (2004, p. 175) explica que:
“E é justamente essa inversão de papéis, signo indelével da relação jurídica de consumo, que permite aludir à superação da velha dicotomia das responsabilidades contratual e extracontratual. Segundo a doutrina corrente, o tratamento dado à matéria pelo Código de Defesa do consumidor afasta a bipartição derivada do contrato ou do fato ilícito, rendendo ensejo à unificação da summa divisio.”
Assim, os consumidores estão presentes no pólo ativo da responsabilidade, com o fim de reparação dos vícios de qualidade e quantidade dos produtos e serviços e também quanto aos danos em caso de acidente de consumo.
Já a Constituição Federal de 1988 elegeu a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, em seu art 1º, inciso III. Dessa forma, a dignidade da pessoa humana é de hierarquia superior às demais disposições constitucionais.
A supremacia da dignidade da pessoa humana remonta à inversão do indivíduo anteposto ao estado, ligada à derrubada do estratificado sistema feudal, cujo golpe mortal ocorreu com a revolução francesa de 1789.
Entretanto, a busca pela dignidade acompanha a história humana desde a antiguidade, como pode ser visto neste pequeno trecho escrito por Tibério Graco na Roma antiga, exposto por Pinsky (1980, p. 20), no livro cem textos de história antiga:
“Os animais da Itália possuem cada um sua toca, seu abrigo, seu refúgio. No entanto, os homens que combatem e morrem pela Itália estão à mercê do ar e da luz e nada mais: sem lar, sem casa, erram com suas mulheres e crianças. Os generais mentem aos soldados quando, na hora do combate, os exortam a defender contra o inimigo suas tumbas e seus lugares de culto, pois nenhum destes romanos possui nem altar de família, nem sepultura de ancestral. É para o luxo e enriquecimento de outrem que combatem e morrem tais pretensos senhores do mundo que não possuem sequer um torrão de terra.”
Na atualidade as guerras não são mais tão comuns no cotidiano das pessoas. O capitalismo assumiu a função da transferências das riquezas, tomando o lugar das armas, o que desloca para as relações de consumo grande parte dos conflitos na sociedade.
Assim, neste início do século XXI, é pacífica a previsão a nível constitucional de vários direitos e garantias fundamentais, como o disposto no inciso XXXII do art. 5º da Constituição Federal: “o estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Com a previsão constitucional dos direitos fundamentais, estes direitos deixam de ser apenas ideais e assumem sua forma de naturais e inalienáveis.
Logo, o Código de Defesa do Consumidor foi criado para dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, o resguardo do consumidor. Mas, reveste-se de caráter pragmático, em função da grande vulnerabilidade do consumidor frente às práticas abusivas dos fornecedores.
O CDC dedica a seção IV do capítulo V para enumerar algumas das possíveis práticas abusivas por parte dos fornecedores. Dentre elas estão: prevalecer-se da fraqueza ou ignorância no consumidor, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva e executar serviços sem prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor.
Com tantas adversidades, uma política eficaz de proteção aos consumidores se faz necessária, para atuar concomitantemente com o Código de Defesa do Consumidor. É importante manter a regulamentação e o equilíbrio do mercado.
Então, as cláusulas abusivas são uma espécie de abuso de direito, amplamente contemplado pela doutrina brasileira, ou seja, o uso anormal do direito por parte dos fornecedores. A partir do princípio da boa-fé repudia-se as cláusulas abusivas, como dispõe o caput do art. 4º do CDC, onde faz parte da política nacional de consumo: “a transparência e harmonia das relações de consumo”.
Em meio a isso, quando o magistrado deparar-se com uma violação, ainda que encoberta, do princípio da dignidade da pessoa humana ou uma pequena cláusula abusiva, possui obrigatoriedade de agir de forma ativa. Logo, o juiz deve reconstruir a cláusula do contrato na sentença, conforme o direito e a boa-fé, de forma que possa dar execução ao contrato.
Importante ainda salientar a previsão do § 2º do art. 51 do CDC, que torna inválido todo o contrato se a cláusula abusiva “decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”, apesar dos esforços de integração.
3 a responsabilidade na relação de consumo
Na economia de mercado, tanto as pessoas físicas como as jurídicas, atuam como fornecedores ou consumidores, ou seja, agentes ou destinatários finais de produtos ou serviços na sociedade de consumo.
Os fornecedores, encarregados da produção e distribuição, conforme o art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, estão no pólo ativo da relação jurídica de consumo. Já no pólo passivo figuram os consumidores, os quais atuam como destinatários finais dos produtos ou serviços, de acordo com o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor.
Mas, em caso de inadimplemento da relação contratual ou violação de direitos tutelados na relação de consumo, ocorre a inversão dos respectivos pólos. Então, os consumidores passam para o pólo ativo da relação de responsabilidade, pois buscam a reparação dos vícios e danos dos produtos e serviços. Denari (2004, p. 176) explica de forma simples os modelos de responsabilidade:
“Se entro numa loja e compro um par de sapatos ou uma camisa com defeito de numeração, o vício em causa não afeta minha segurança e só pode causar o desconforto decorrente da inadequação do produto. Da mesma sorte, se os serviços de datilografia que contratei se ressentem de vício de qualidade, a minha segurança não está comprometida. Nesta detida hipótese (a supra), o defeito costuma se manifestar na fase inaugural de consumo, isto é, antes da sua utilização ou fruição, e o Código de Defesa do Consumidor dele se ocupa ao disciplinar a responsabilidade por vícios (arts. 18 a 25).
Por outro lado, se compro uma partida de vacina para imunização de bovinos e sua aplicação provoca a morte de todo o meu rebanho, ou se contrato a edificação de um prédio que desaba na primeira chuva, o produto e o serviço em causa, além de defeituosos, são manifestamente inseguros.”
Dessa forma, os danos causados aos consumidores ocorrem em função dos acidentes de consumo, tratados na seção II do capítulo IV do código de defesa do consumidor, enquanto os vícios de qualidade e quantidade dos produtos ou serviços, os incidentes de consumo, ocupam a seção III do capítulo IV do Código de Defesa do Consumidor.
E ainda, quanto à responsabilidade na relação de consumo, em função da já citada inversão de papéis, ocorre a unificação das responsabilidades contratual e extracontratual. Isso foi fruto do atual desenvolvimento industrial que aliado à globalização, mostrou a fragilidade dos consumidores frente aos fornecedores, o que levou a positivação dos direitos daqueles.
Assim, a grande preocupação que o Código de Defesa do Consumidor dedica a questão da responsabilidade traduz o objetivo por um mercado político estável e equilibrado. Essa harmonia só é possível com o reconhecimento da personalidade humana sobrepondo-se ao individualismo e o patrimonialismo exacerbado.
3.1 A responsabilidade por danos nos produtos e serviços
Os acidentes de consumo são tratados pelo Código de Defesa do Consumidor do art. 8º ao art. 17º. Como prevê a lei em questão, no art. 6º, inciso I, constituem direitos básicos do consumidor: “I – A proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”.
Assim, os principais direitos tutelados juridicamente são resguardados pelo capítulo III do Código de Defesa do Consumidor, quando se tratar de relação de consumo, pois a Constituição Federal de 1988 também protege estes direitos como garantias fundamentais no caput do art. 5º (vida e segurança) ou como direito social no caput do art. 6º (saúde).
Para tornar possível a responsabilidade por danos é necessário em primeiro lugar o defeito do produto ou serviço. Aqui é importante salientar que não é apenas o próprio defeito em si, mas as “informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos” como previsto no art. 12 do código de defesa do consumidor.
O segundo requisito é o eventus damni, ou seja, o resultado que afetou o consumidor. A gama de acidentes de consumo é de enorme variedade, decorrente da vasta disponibilidade de produtos e serviços na sociedade contemporânea. Destacam-se os defeitos de fabricação em automóveis e eletrodomésticos e os defeitos na formulação de medicamentos.
O último requisito da responsabilidade é a causalidade entre o defeito e o dano. O acidente de consumo deve relacionar-se ao produto ou serviço fornecido e não em função de ação culposa do próprio consumidor, por exemplo. E ainda, de acordo com o § 2º do art. 12, a disponibilidade no mercado de produto de melhor qualidade não torna o modelo antecedente defeituoso.
Essa responsabilidade é objetiva, em contrapartida ao modelo clássico de culpa em sentido subjetivo previsto no art. 186 do Código Civil de 2002. Neste, o agente, no caso o fornecedor, prática o ato sem querer certo resultado, onde a responsabilidade civil é devida pelo simples fato de prejuízo, que viola o equilíbrio social, em decorrência de negligência ou imprudência.
Já na responsabilidade objetiva há a “obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”, como dispõe o art. 927 do Código Civil e difundido na seção II, do capítulo IV, do Código de Defesa do Consumidor. Trata-se de um dever genérico de não prejudicar, como ensina Venosa (2003, p. 596):
“Criou-se a noção de culpa presumida, alegando-se que existe dever genérico de não prejudicar. Sob esse fundamento, chegou-se, noutro degrau, à teoria da responsabilidade objetiva, que escapa à culpabilidade, o centro da responsabilidade subjetiva. Passou-se a entender ser a idéia de culpa insuficiente, por deixar muitas situações de dano sem reparação. Passa-se á idéia de que são importantes a causalidade e a reparação do dano, sem se cogitar da imputabilidade e da culpabilidade do causador do dano. O fundamento dessa teoria atende melhor à justiça social, mas não pode ser aplicado indiscriminadamente para que não se caia no outro extremo de injustiça. Contudo, já são vários os casos de responsabilidade objetiva em nossa legislação.”
Esse instinto jurídico está baseado no pensamento de que os agentes econômicos, na corrida desenfreada pelo lucro, são criadores de riscos. Mas, na medida em que, na maioria das vezes, obtém grandes proveitos, o ideal de justiça social é que suportem os riscos que criaram. Estes riscos são cada vez mais freqüentes no atual sistema social. Com a mecanização e a massificação da produção de bens e serviços, há o incremento dos acidentes de consumo.
Além disso, os fornecedores, principalmente as multinacionais, preveem os defeitos na produção e os contabilizam, entretanto não deixam de produzir. Soma-se a isso o fato de que a busca da eficiência na economia aumenta a divisão do trabalho, segmenta a sociedade, o que gera desequilíbrios nas relações econômicas e mostra a vulnerabilidade dos consumidores. Timm (2005, p.165) observou essa realidade e soube associar à questão da responsabilidade objetiva, ao escrever que:
“Agora se a sociedade industrial gerou grandes transformações sociais, a sociedade de serviços ou de informação complexificou ainda mais as relações sociais, sem falar no processo de internacionalização da economia (Globalização) promovido pelas grandes empresas transnacionais e pelos governos dos países em desenvolvimento. Hoje são as grandes prestadoras de serviço que empregam mais pessoas, e, portanto, elas que causam um maior número de danos ao consumidor (em termos numéricos pelo menos). Nesse diapasão, os defeitos nos serviços não são também acaso, tanto que, por exemplo, a própria regulamentação da ANATEL prevê metas para as concessionárias, admitindo certo nível de ineficiência dos serviços de telefonia (as linhas telefônicas móveis não devem permanecer mais do que X minutos fora do ar, por exemplo). Por esse motivo, os grandes prestadores de serviços sabem que sua maneira de atuar no mercado gera danos, os quais podem ser assumidos como risco do negócio.”
Logo, nada mais justo de que os fornecedores sejam responsabilizados nos casos de culpa objetiva, pois assim se está protegendo não só o consumidor, mas a sociedade, com o bom funcionamento do mercado.
A responsabilidade por danos dos produtos está basicamente regulamentada no art. 12 do CDC, onde estão discriminados o fabricante, o produtor, o construtor e o importador. Mas não está previsto o comerciante, o qual só será responsabilizado por via secundária.
Fabricante engloba aquele que produz peças e componentes e também aquele que monta o produto com tais partes, formando o produto final. De acordo com o § 2º do art. 25 do CDC, o incorporador da peça ou do componente responde solidariamente com o fabricante, construtor ou importador, conforme sua participação no dano.
Quanto ao produtor, entende-se aquele que traz ao mercado de consumo produtos não industrializados. Na maioria das vezes a produção integra produtos de origem vegetal ou animal.
Já construtor é aquele que introduz no mercado de consumo bens imobiliários. Os defeitos podem se originar pela má qualidade do material usado na obra ou de falhas técnicas na construção.
Por último, importador compreende o fornecedor que traz de outros países produtos industrializados e também in natura. Segundo a doutrina, é um caso de fornecedor presumido, pois a distância impede os consumidores de tratar com os fabricantes ou produtores.
Existem três tipos de defeitos que os produtos podem apresentar, na concepção, na produção ou quanto a informação. Denari (2004, p. 183) explica sucintamente cada um deles:
“A preocupação do legislador – como se constata – foi a de atrair para o campo incidental da norma todas as técnicas de elaboração dos produtos, bem como toda a gama de procedimentos utilizados com vistas àquele objetivo.
A doutrina corrente costuma compreender três modalidades de defeitos dos produtos:
a) defeito de concepção, também designado de criação, envolvendo os vícios de projeto, formulação, inclusive design dos produtos;
b) defeito de produção, também denominado fabricação, envolvendo os vícios de fabricação, construção, montagem, manipulação e acondicionamento dos produtos;
c) defeito de informação ou de comercialização, que envolve a //apresentaço, que envolve a apresentaçodutos;
nder trcedimentos utilizados com vistas amente com o fabricante, construtor ou importador, cão, informação insuficiente ou inadequada, inclusive a publicidade, elemento faltante no elenco do art. 12.”
Após análise dos defeitos, constata-se que os relativos a concepção e a produção são intrínsecos (defeitos substanciais relativos à segurança). Enquanto aqueles relacionados a informação são extrínsicos, pois referem-se às instruções que os produtos devem apresentar, ou seja, de forma clara e precisa, que se preocupem com a fácil compreensão.
Embora o Código de Defesa do Consumidor adote a teoria da responsabilidade objetiva, que desconsidera a conduta do fornecedor, no § 3º do art. 12 há três hipóteses em que ele pode eximir-se da responsabilidade, quando provar:
“I – que não colocou o produto no mercado;
II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”
Assim, verifica-se a necessidade do fornecedor colocar o produto no mercado de consumo de forma consciente e voluntária. Outra questão relevante é o caso da responsabilização da pessoa jurídica. Bittar (2003, p. 37) escreve o seguinte:
“Anote-se, outrossim, que, nos casos de responsabilização de pessoas jurídicas, o juiz desconsiderará a personalidade jurídica da sociedade, ou do grupo societário, sempre que houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, ou violação do estatuto ou do contrato social em detrimento do consumidor. Também em falência, insolvência, encerramento ou inatividade de pessoa jurídica provocada por má administração (art. 28). Trata-se de aplicação da teoria do superamento, ou do desvendamento da personalidade, ou, ainda, do disregard, que se fará também sempre que a personalidade for obstáculo ao ressarcimento de danos (§ 5º).”
A desconsideração da responsabilidade da pessoa jurídica, no direito do consumidor, torna-se importante porque a grande maioria das atividades de consumo envolve pessoas jurídicas como fornecedores. Já a responsabilidade por danos nos serviços consta no art. 14 do CDC, onde o fornecedor de serviços responde pelos defeitos e pelas informações insuficientes ou inadequadas na prestação dos serviços. Aqui, assim como nos produtos, independe a existência de culpa do fornecedor.
Entretanto, o § 4º do art. 14 traz uma exceção ao princípio da objetivação da responsabilidade civil por danos, ao excluir os profissionais liberais. Isso ocorre porque estes contratos são constituídos com base na confiança que os clientes depositam nestes profissionais. Assim, somente serão responsabilizados se demonstrada a culpa subjetiva, ou seja, negligência, imprudência ou imperícia.
Já no § 1º do art. 14 encontra-se a definição do serviço defeituoso, que ocorre “quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar”. Todavia, de acordo com o §3º do art. 14, não haverá responsabilização se o fornecedor de serviços provar que o defeito inexiste ou a culpa couber ao consumidor ou a terceiro.
Grande parte dos serviços é prestada de forma local, por pequenos fornecedores. Mas, também nos serviços a globalização está presente, como no caso das empresas de telefonia e fornecimento de gás para automóveis e indústrias, que transcendem fronteiras. Nesta última, a questão da segurança é de extrema relevância.
3.2 Responsabilidade por vícios nos produtos e serviços
A seção III do Capítulo IV do Código de Defesa do Consumidor disciplina a responsabilidade por vícios de qualidade ou quantidade dos produtos ou serviços, que podem ser ocultos ou aparentes.
Ao contrário da doutrina civilística, não há a necessidade do princípio pacta sunt servanda, pois não há qualquer distinção quanto ao valor dos produtos e nem que os vícios sejam contemporâneos à celebração do contrato, como no direito civil contratual. Logo, embora haja similaridade, os vícios dos produtos e dos serviços não são vícios redibitórios.
Além disso, não se identifica com a responsabilidade por danos do Código de Defesa do Consumidor, pois trata-se apenas da idéia do inadimplento contratual e não quanto a segurança. Dessa forma, o fornecedor possui a obrigação de colocar no mercado de consumo produtos ou serviços em perfeitas condições de utilização por parte do consumidor. Segundo Bittar (2003, p. 38):
“Verifica-se, nesse passo, que as regras do Código se revestem de caráter inibitório a práticas danosas aos valores citados de início, quanto à qualidade, depois quanto à quantidade e que contribuirão, indiretamente, para a melhoria das condições gerais de vida dos consumidores. São as denominadas fraudes qualitativas, ou quantitativas, com produtos de consumo, denunciadas com freqüência por órgãos de imprensa e por pessoas lesadas.”
Segundo o § 1º do art. 18 do CDC, quando o vício não for sanado dentro do prazo de trinta dias, o consumidor pode escolher entre a substituição do produto por outro da mesma espécie, a restituição da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço. E ainda, em caso de consertos e reparações, conforme prevê o art. 21 do CDC, o fornecedor tem a obrigação de utilizar componentes originais adequados e novos ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante.
Assim, nota-se o intervencionismo do direito positivo nas relações sociais, pelo estado democrático de direito, onde busca-se o estado de bem-estar social (Welfare State). Com este instituto, quando a ordem pública ou o interesse social são ameaçados, o estado age nas relações sociais para reestabelecer o bom convívio da coletividade, tanto a nível local como nas relações de consumo que envolvam fornecedores estrangeiros. Segundo Brum (1999, p. 84):
“Diante da onda globalizante, o estado nacional tem um papel importante a desempenhar, particularmente nos países emergentes com acentuados desequilíbrios sociais e também para corrigir as distorções que o mercado tende a produzir. O desafio é qualificar-se, inserir-se no processo, aprofundar seu conteúdo e influenciar seus rumos e desdobramentos.”
Nesse contexto, o CDC é o instrumento para responsabilização dos fornecedores pelos vícios e, como já tratado, pelos defeitos nos produtos e serviços, que a sociedade brasileira dispõe, como solução local frente a ingerência alienígena. Logo, o CDC, em última instância, age em defesa contra a idéia da busca inconsequente pelo lucro em qualquer parte do mundo.
Tendo em vista o exposto, verifica-se que o direito do consumidor alcançou na atualidade alto grau de desenvolvimento para resolver a vasta gama de conflitos que envolvem, muitas vezes, produtos e serviços, objetos da globalização. Isto porque está presente e regulamentado, embora não em caráter autônomo, desde a Antiguidade.
Através da expansão dos mercados, com as multinacionais e o desenvolvimento da mídia, amplia-se a oferta de produtos e serviços e por conseqüência os vícios e defeitos nestes produtos e serviços. Ao mesmo tempo em que a dependência estrangeira por peças e tecnologia aumenta, o que dificulta a defesa dos consumidores.
A exclusão na sociedade de consumo é marcante, em decorrência da inferioridade dos consumidores em relação aos fornecedores e pelo fato da diminuição do poder de compra dos consumidores nas crises cíclicas da economia.
Quanto aos princípios do direito do consumidor, destaca-se que o Código de Defesa do Consumidor foi criado para dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana e para ser o instrumento eficaz de defesa dos consumidores, uma vez que estão sujeitos a grande variedade de práticas abusivas.
O CDC também disciplina, tecnicamente, nas seções II e III do capítulo IV, os defeitos e vícios, onde os primeiros decorrem de acidentes de consumo e os outros de incidentes de consumo. Ambos de produtos e serviços. Assim, o CDC age em auxílio aos consumidores frente aos fornecedores nacionais e estrangeiros, na defesa da ordem pública e o interesse social.
Por fim, diante dos defeitos e vícios dos produtos e serviços, conclui-se que na atualidade os consumidores possuem uma maior segurança, consagrada pela responsabilidade objetiva dos fornecedores, a qual foi recepcionada pelo Código de Defesa do Consumidor.
Assim, a responsabilidade objetiva assegura a obrigação dos fornecedores repararem os danos, independente de culpa, em caso de riscos aos direitos dos consumidores ou previsão legal. Estes riscos de acidentes e incidentes de consumo são ampliados pela globalização, que intensificou a mecanização da produção e a massificação do consumo. Entretanto, é justificável a responsabilidade objetiva na relação de consumo, pois os beneficiados pelo lucro são os fornecedores, a parte forte na relação de consumo, e dentre estes, principalmente, as multinacionais.
Mestre em Desenvolvimento pela UNIJUÍ. Bacharel em Direito pela UNIJUÍ
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