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Direito, religião e conduta humana

Resumo

O
principal objetivo desta pesquisa é estabelecer uma relação entre conduta
humana, religião e direito, buscando demonstrar que o comportamento humano é
formado socialmente, por diferentes princípios que nos induzem a diferentes
modos de pensar e agir.

Tais
princípios, exteriorizados através de idéias e ações, ao longo do tempo se
cristalizam como modelos de conduta, estabelecidos, geralmente, pelo grupo
hegemônico de uma determinada sociedade ou coletivo social, os quais, portanto,
se instituem como modelos genéricos de comportamentos.

Esses
padrões genéricos, em alguns casos, são introduzidos no ordenamento jurídico
passando a compor o Direito, entendido aqui como o conjunto de normas, regras,
princípios, valores e garantias que, expresso a modo de lei, transforma
determinados comportamentos em práticas “objetivas”, exigidos e fiscalizados
pelas instituições políticas de controle social, sob pena de sanções.

Historicamente,
sabe-se que uma dessas instituições é a religião, dentre as quais, destaca-se o
cristianismo, o qual veiculou princípios que levaram a uma forte conformação
comportamental, ao longo da história do mundo ocidental. Influência que
persistiu, mesmo frente à constituição do Estado burguês, que exigiu um sistema
jurídico que oficializasse regras laicas de comportamento, necessários para a
sedimentação de nossa atual sociedade.

Palavras chaves: Religião, Conduta Humana, Direito, Sociedade.

Introdução

As formas de agir e de comportar-se socialmente são
frutos de um processo de cristalização e
uniformização de princípios tidos como éticos, em resposta a práticas
cotidianas, oficiais ou oficiosas, cujo escopo teleológico é de se manter a coesão
social de um determinado grupo ou sociedade. Assim, ao longo da história,
percebemos que o homem produz e reproduz modelos de conduta que socialmente
aceitos, em sua época, por seus respectivos grupos hegemônicos, adquirem força
moral ou legal. Sendo tais modelos, portanto, disseminados como normas
necessárias, ora coercitivamente imposta, ora culturalmente inculcada mediante
práticas sociais condicionantes. Desse modo, torna-se importante entender a
formação da conduta humana e dos fatores que a influenciam, através de um
estudo que destaque a relação entre moral e o direito imposto, respectivamente
pela religião e o Estado, na medida em que ambas instituições sociais exercem
marcante influência e determinação na sedimentação de padrões de conduta morais
e legais através da fixação de princípios éticos.

Evidências históricas

Buscando demonstrar a relação
existente entre religião e direito, como grandes fontes de formação e imposição
de padrões de conduta social, decidiu-se primeiramente por apontar por algumas
evidências históricas de dita relação.

Nesse sentido, os povos antigos, por
exemplo, apresentavam uma forte dimensão religiosa aplicada à esfera civil,
fazendo com que a produção do direito se aliasse umbilicalmente à religião. Tal
aliança garantia efetividade prática, em termos de controle das condutas
sociais, já que a religião representava, sobretudo, as “coisas do além”, as
quais influenciam sobremaneira o agir cotidiano. Assim, direito e religião se
mesclavam de tal maneira, que o poder do Estado era exercido de modo unipessoal
pela figura do rei, o qual concentrava, não só os poderes militares e civis,
mas também os religiosos.

Posteriormente, direito e religião
separam-se ocupando lugares institucionais distintos. Nesses termos, o pretor,
por exemplo, passou a atender as questões jurídicas e o pontífice as questões
religiosas. Durante o período Imperial de Roma, Constantino através do Edito de
Milão, legalizou a religião cristã colocando-a em primeiro plano no Estado, a
qual acabou por ser imposta como religião oficial em Roma pelo Imperador
Teodósio (séc. IV). A partir disso, a ligação entre a religião cristã e o
Estado, exerceu grande importância na vida civil
de Roma e do mundo ocidental, razão pela qual o Direito Romano, fortemente
influenciado pelo cristianismo, foi a base do Direito Comum Europeu, que por
sua vez serviu de base às legislações modernas.

Quando os bárbaros invadiram Roma, não
conseguiram impor suas leis totalmente, e para superar esse obstáculo,
aliaram-se a Igreja. Essa união deu origem ao Concílio de Toledo (séc. IV em
diante). Em conseqüência desse concílio e de outros que se realizaram, o
Direito Canônico e o Direito Romano caminharam juntos por vários séculos,
constituindo o ponto de confluência do poder do Estado bárbaro e da autoridade
religiosa, onde muito se herdou do
Código Visigótico, todo ele influenciado pelo cristianismo.

Ademais, encontramos na Reforma
Protestante outro exemplo da influência do cristianismo na codificação do
Direito. O desenvolvimento das relações comerciais ampliou o poder político e
econômico da burguesia. De outro lado, a Igreja Católica Romana, que pregava
“ser mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico
entrar no reino dos céus”, mantinha o lucrativo comércio das vendas das
indulgências. Devido a essa ambigüidade, que caracterizou aquele período
histórico, foi necessária uma “revolução” nos antigos ideais pregados pela
Igreja Católica Romana.

Então, com a Reforma e com a
doutrina calvinista, novos modos de agir coletivo foram impulsionados, com base
nas novas religiões nacionais emergentes, os quais adentram na vida cotidiana
da Europa moderna e traçam, assim, todo um conjunto de ações e princípios aptos
à superação dos valores e práticas medievais.

Enfim, toda essa nova ideologia
cristã, das igrejas reformadoras, contribuiu para que as leis viessem ao
encontro dos anseios da nova estrutura capitalista da sociedade. O modo de
pensar das novas religiões reformadas passa a agir como um ente dinâmico em sua
relação com o “mercado” da vida, vida esta dominada por relações mercantilistas
e pela busca do lucro material.

Para os Calvinistas as atividades
econômicas deveriam ser realizadas como uma ação de graça a Deus. O direito,
igual que outros campos da relação humana, deveria atingir um maior grau de
racionalização, otimizando os recursos e maximizando os resultados. Acreditavam
ser a racionalização e a dedicação instrumentos capazes de agradar a um ser
superior perfeito e redimir a imperfeição fruto do pecado. Todas as atividades
visavam, assim, realizar o que supostamente agradasse a Deus.

Essa racionalização e dedicação
foram os elementos responsáveis por um grande avanço do capitalismo comercial
nos países de maioria protestante. Com a eficiência e dedicação nas atividades
“mundanas”, todas as sociedades nesses países, de religião reformada puderam
desfrutar de empreendimentos com um maior grau de racionalização e fundamento
empírico usando de cálculos exatos, e de um sistema jurídico com relativa
“perfeição” formal e legal que fomentasse uma realidade próspera.

O interesse da sociedade para tais
prosperidades, por sua vez, contribuiu para preparar o caminho de uma classe de
juristas especialmente treinados na legislação e de administradores e
trabalhadores com vocação para o trabalho lucrativo. Trabalho este que veio
combater as antigas formas de labores voltados para a subsistência sem qualquer
“contaminação” do emergente “espírito do capitalismo”.

E para finalizar, tal relação entre
Religião e Direito, também a encontramos no Estado brasileiro, onde durante o
período imperial manteve uma íntima e oficial relação
com a Igreja, o qual com o advento da república, tornou-se laico. Apesar disso,
através da história brasileira e no atual contexto, pode-se ainda constatar a
influência da religião na formação moral dos cidadãos e, além disso, na
conformação, criação e aplicação de nossas leis. Esse
é o caso, por exemplo, da indissolubilidade do casamento propalado pela igreja
católica, razão pela qual o divórcio somente foi instituído em 1977, com a lei
complementar 6515/77, durante o governo do presidente Geisel, o qual era de
confissão protestante.

O agir como conduta
social

Vivemos
em sociedade, nessa de modo espontâneo ou não, nos vinculamos a diferentes
grupos ou coletivos sociais, buscando aceitação, respeito ou ao menos ser
tolerados. Agrupações que na qualidade de instituições coletivas, formam-se ora
como resultado de forças em cooperação, cujas origens se remontam aos laços de
parentescos e aos clãs, ora nascem mediante processo sociais e políticos de
imposição de um grupo sobre o outro.

Assim, nenhuma conduta humana está
totalmente livre da influência de fatores externos. Todos, em maior ou menor
grau, são influenciados ou deixamos nos influir, pelo comportamento e/ou
informações prestadas por outros indivíduos, ademais da presente influência de
nossa “herança” sócio-cultural, que nós dá uma identidade social e individual.

Desse modo, quando agimos não há que
se falar em imparcialidade ou independência de atitudes, posto que nossa
conduta se perfaz em base a padrões que nos ditam o que é certo ou  errado, valorações que apreendidas de grupos
ou sociedades, nos exigem determinados comportamentos, sob pena de respondermos
por nossas faltas.

Obviamente, ao falarmos de uma
participação efetiva numa sociedade, e do conseqüente
condicionamento/influência/determinação de nosso agir pelos demais indivíduos
(os quais igualmente agem em consonância com as regras pré-estabelecidas, que
se formam ao longo dos processos históricos), devemos lembrar que a sociedade
moderna através dos avanços tecnológicos alargou a base de tais interações para
além das relações interface. Ressalta-se, ademais, que com as revoluções
burguesas, com a idéia do antropocentrismo e a ênfase numa sociedade formada a
partir de uma base racional, o homem supostamente passou a agir com mais
originalidade ou crítica, esquivando-se de um comportamento influenciado por
preceitos ditados por grupos fechados.

Entretanto, a conduta humana como
base em relacionamentos diretamente privados ou fechados de cunho interfacial,
ainda subsistem, e são fundamentais. Nesse caso, a religião serve-nos como
exemplo cabal, já que as diversas instituições religiosas, através de reuniões
e encontros, criam e repassam padrões genéricos a partir de uma moral quase
sempre dogmática, capaz de persuadir a seus membros, na medida em que o
indivíduo se sente parte de uma comunidade religiosa. Obviamente, tais idéias e
preceitos comuns, partilhadas por uma comunidade religiosa, não raras vezes
ultrapassam seus limites, chegando a influir na formação e organização
política/jurídica de um Estado. Por isso, mesmo nos Estados oficialmente
laicos, como o Brasil, evidencia-se uma influência religiosa sobre a
constituição de suas leis e princípios, tal como nosso atual preâmbulo
constitucional, quando invoca a proteção divina sobre nosso Estado.

Enfim, os grupos e sociedades na
qualidade de entes coletivos constroem “verdades sociais internas”, atuando no
sentido de instituir uma unidade que as perpetue através de um processo de
externalização ou objetivação de seus preceitos. Buscam, assim, vê-las
reproduzidas ou refletidas nas práticas de seus membros e nos seus modos
de agir cotidiano, alcançadas mediante a imposição de padrões comportamentais
estimulados, ou mediante sanções capazes de convencer, coibir ou obrigar a que
seus adeptos adiram aos modos de pensar e agir ditados. Porém, a fim de que a sociedade seja um
ambiente que propicie efetivos relacionamentos intersubjetivos, é necessário a
concorrência dos mais diversos meios de controle social como o direito, a
religião e a moral, valendo ressaltar, que dado controle social, realiza-se
através de técnicas de convencimento ou normas de imposição e sanções.

Conclusões

A sociedade, como lugar de interação entre
indivíduos, é regulada externamente ou objetivamente através do Direito. A
correlação entre direito e a sociedade está no fato de que os homens vivem num
contexto de conflitos entre si e necessitam resolvê-los. A tarefa da ordem
jurídica é, então, normatizar, “harmonizar” e controlar as relações
sociais, com o objetivo de tutelar os valores humanos considerados primordiais,
visando salvaguardar os ideais coletivos de um determinado grupo ou modelo de
sociedade. Assim, o Direito e seus instrumentos são uma forma eficaz de
controle comportamental. Contudo, a realidade fática não se resume a apenas uma
forma de controle e determinação social, ou seja, o Direito.

Desse modo, a religião, e em especial, o
cristianismo, como se verificou, possui forte influência como mecanismo
propulsor de ações e agente condicionador da conduta de modo geral, atuando
como um fator controlador e organizador da sociedade.

Outro papel primordial da religião, extremamente
ligada à anterior, foi sua extensa influência na consolidação do Direito
positivado, inclusive no direito moderno. Em diversas nações, os ordenamentos
jurídicos foram em grande parte influenciados por idéias e princípios
religiosos presentes na humanidade. Assim, a influência do cristianismo nas
legislações penais e em todos os outros ramos do Direito foi vasta e aos poucos
o Estado laico de origem burguesa veio a assumir a tutela efetiva dos valores
primordiais quanto à vida, à integridade, à liberdade e outras questões
inerentes ao homem e à sociedade.

De maneira geral, todos já tiveram algum contato com
uma herança religiosa, na medida em que a religião determinou e determina, em
grande escala, o comportamento de muitas pessoas através do temor em sanções
divinas. Contudo, o atual capitalismo e a sociedade tornaram-se emancipados de
muitos sustentáculos medievais, anulando e substituindo, assim, antigas formas
de relações, aliando-se ao poder do Estado moderno. Nesse contexto, os
interesses sociais e econômicos tendem a dominar as atitudes dos homens, sem
que atualmente necessitem utilizar-se tanto das instituições religiosas. Porém,
mesmo que muitos grupos não mais necessitem de um suporte religioso para
regular suas vidas em sociedade, na medida em que os padrões religiosos
tornaram-se oficialmente “fora de moda”, percebe-se, ainda, que a
religião exerce forte influência no momento de se disseminar e criar normas
oficiais de conduta.

 

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Informações Sobre o Autor

 

Tiago Freire dos Santos

 

Graduando em Direito pela Universidade Estadual de Maringá

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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