Resumo: Trata-se de artigo que aborda o cabimento do Recurso Especial Eleitoral no processo de prestação de contas de Partidos Políticos e candidatos perante a Justiça Eleitoral, diante de recente jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral contrária à aceitação de tal recurso em virtude da natureza do procedimento. Este trabalho, a partir da legislação vigente, de decisões do próprio Tribunal e da natureza da Justiça especializada, procura demonstrar a pertinência do apelo nos casos que menciona. Palavras-chave: Partidos Políticos e candidatos. Prestação de contas. Recurso Especial Eleitoral.
Sumário: 1. Introdução 2. Da atividade da Justiça Eleitoral 3. Da prestação de contas 3.1. Da natureza jurídica 3.2. Da prestação de contas anual 3.3. Da prestação de contas de campanha 4. Do cabimento do recurso especial eleitoral 5. Conclusão 6. Considerações finais. Referências bibliográficas
1 INTRODUÇÃO
Os Partidos Políticos são destinatários de dinheiro público proveniente de dotação orçamentária que compõe o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), conforme prescreve o art. 38, IV, da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995. Às pessoas, físicas ou jurídicas, é conferida legalmente a possibilidade de doação de bens e pecúnia a esses Partidos. Desta forma, em respeito aos princípios da moralidade e publicidade, com vistas a coibir o abuso do poder econômico, todos eles prestam contas de suas movimentações financeiras à Justiça Eleitoral, que as aprova ou desaprova, com as conseqüências pertinentes. A prestação de contas, pois, está presente no dia-a-dia da vida político-partidária.
A demonstração dos gastos é realizada anualmente. Também, em anos eleitorais, Partidos e candidatos apresentam as contas relativas às campanhas. A aprovação ou desaprovação desses cálculos implica a continuidade ou não de determinadas situações jurídicas. Destaque-se a suspensão do repasse do Fundo Partidário quando da desaprovação ou, ainda, de sua não-apresentação. Em âmbito nacional, isso representa vultosas somas em dinheiro, pelo que as agremiações partidárias recorrem de decisões que lhes sejam desfavoráveis. Some-se a isso o fato de que “a reprovação das contas carreia o homem público a mácula da ilicitude, do opróbrio, da reprovação da consciência ético-jurídica”[1].
No entanto, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem entendido que a prestação de contas, por ter caráter administrativo[2], não enseja discussão em sede de Recurso Especial. Assim, cabe indagar a respeito da natureza jurídica do instituto: administrativa ou judicial. E mais, se de fato administrativa, especular acerca do cabimento ou não do apelo ao Tribunal Superior.
De ressaltar que o tema, não obstante carecedor de discussões doutrinárias, adquire maior relevância no cenário político-institucional nacional em virtude do processo de consolidação das instituições democráticas. Nesse contexto, a discussão adquire destaque, uma vez que o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral implica prejuízos importantes aos partidos políticos e aos candidatos pela não-revisão de julgados de desaprovação. Como se trata de versação de dinheiro público, de suma gravidade definir a exata taxonomia do procedimento no mundo do Direito, bem como seus efeitos.
Assim, no capítulo seguinte, investigaremos a atividade da Justiça Eleitoral. A seguir, trataremos da tomada de contas, sua natureza jurídica e os procedimentos atinentes a sua apresentação. Por fim, discutiremos a possibilidade do Recurso Especial Eleitoral na prestação de contas.
2 DA ATIVIDADE DA JUSTIÇA ELEITORAL
A Justiça Eleitoral compõe o Poder Judiciário e conta com os seguintes órgãos: Tribunal Superior Eleitoral, Tribunais Regionais Eleitorais, Juízes Eleitorais e Juntas Eleitorais.
Destina-se, primordialmente, à preparação, organização e condução do processo de escolha de representantes do povo, além da execução de plebiscitos e referendos.
A partir do exposto, infere-se que a atividade desta Justiça possui uma dupla feição: jurisdicional e administrativa. A primeira revelada com mais clareza quando do julgamento de processos relacionados aos pleitos eleitorais e a segunda destinada à burocracia que envolve estes processos.
Mesmo como órgão do Poder Judiciário, (art. 92, V, da Constituição Federal), não tem sua atuação limitada à esfera jurisdicional. Quis o legislador atribuir-lhe competências e atribuições que vão muito além desta seara. O poder de polícia dos Juízes Eleitorais, por exemplo, é uma expressão típica da prerrogativa administrativa. A confecção de resoluções por parte dos Tribunais também se insere neste contexto. A respeito, pondera Adriano Soares da Costa:
“À Justiça Eleitoral brasileira, portanto, foi confiada não apenas a resolução dos conflitos de interesses exsurgidos no prélio eleitoral, mas também a competência para organizar e administrar o processo eleitoral, além da função de editar regulamentos normativos para as eleições. Assim, a Justiça Eleitoral exerce uma atividade administrativo-fiscalizadora das eleições, compositiva de conflitos e legislativa.”[3]
Ainda, digno de nota que, independentemente da sua zona de atividade, “a Justiça Eleitoral é estruturada hierarquicamente, de modo que as instâncias superiores possuem prevalência sobre as inferiores, inclusive sob o aspecto administrativo”[4].
Em suma, o Juiz Eleitoral é, ao mesmo tempo, árbitro e executor, e, em ambas as situações, pode ter suas decisões ou atos revistos por um órgão de nível superior.
3 DA PRESTAÇÃO DE CONTAS
Os Partidos Políticos recebem dinheiro público por meio do Fundo Partidário, o que é motivo suficiente para prestarem contas. Mas, ainda que assim não fosse, imperiosa se faria a demonstração da movimentação dos recursos, pois é “direito impostergável dos integrantes da comunhão política saber quem financiou a campanha de seus mandatários e de que maneira esse financiamento se deu”[5]. Pela mesma razão, a sociedade tem a prerrogativa de conhecer o financiamento anual das agremiações partidárias.
O regime democrático pressupõe, dentre outros pilares, a igualdade entre os cidadãos e a transparência dos atos públicos ou de entidades ou pessoas financiadas pelo Poder Público. A doutrina de Sídia Maria Porto Lima ensina:
“Uma das principais preocupações atuais dos Estados, no que diz respeito à implantação de um sistema de governo genuinamente democrático, consiste, exatamente, em garantir a liberdade de escolha dos representantes, preservando-a, o mais possível, de interferências externas, pressões, abuso do poder político e, com mais razão, do abuso do poder econômico, práticas não exclusivas do Brasil.”[6]
A preocupação de prestar contas na seara eleitoral, no mundo, mostra-se corriqueira[7]–[8] e há registros legais que remontam à Inglaterra do séc. XIX, como o “Corrupt Illegal Practices Act”, de 1854, em que “se estabeleceu que as despesas dos candidatos e de seus agentes deveriam ser examinadas pelos comissários das despesas eleitorais”[9].
Nesse sentido, mesmo que a Lei ou a Constituição não exigisse explicitamente o encargo da apresentação das contas, ela seria inevitável, em homenagem aos princípios da moralidade e publicidade.
3.1 DA NATUREZA JURÍDICA
O processo de prestação de contas, seja anual, seja de campanha, é um procedimento administrativo, pelo qual são mostradas todas as movimentações financeiras dos partidos políticos e candidatos. Não há partes, nem lide. Há interessados. Sua natureza é essencialmente administrativa.[10].
3.2 DA PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL
Todos os anos, os Partidos Políticos, em qualquer de suas esferas – nacional, regional ou municipal – prestam contas de sua movimentação financeira. A disciplina da matéria é regulada pela Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995, arts. 30 a 37, e, atualmente, pela Resolução 21.841/04/TSE.
Para tanto, mantêm escrituração contábil, que dá publicidade às entradas e saídas de recursos. O recebimento destes é limitado pela Lei. É vedado o recebimento, sob qualquer título, de contribuição ou auxílio de entidade ou governo estrangeiro, autoridade ou órgãos públicos – exceção feita ao recurso proveniente do Fundo Partidário – ou de autarquias, empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos, sociedades de economia mista e fundações que recebam dinheiro público, ou, ainda, de entidade de classe ou sindical.
O balanço contábil é apresentado à Justiça Eleitoral, conforme a circunscrição abrangida, até o dia 30 de abril do ano seguinte ao exercício financeiro. Nos anos em que haja eleição, deve o Partido encaminhar balancetes mensais ao Juízo eleitoral competente desde os quatro meses anteriores até os dois meses posteriores ao pleito. Em qualquer caso, são imediatamente publicados.
O art. 33 da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995, elenca os itens que não podem faltar no balancete, como origem e valor das contribuições e doações, despesas de caráter eleitoral etc. A Resolução 21.841/04/TSE, de forma mais detalhada, estabelece requisitos atinentes ao balanço.
À Justiça Eleitoral, então, compete fiscalizar a escrituração contábil, bem como a prestação de contas do Partido, e apreciar se o declarado corresponde à realidade. Para tanto, a lei faculta a requisição de técnicos do Tribunal de Contas da União ou dos Estados.
Constatadas irregularidades ou na ausência da prestação de contas, o partido fica sujeito a sanções, dentre elas: a suspensão do repasse do Fundo Partidário, por tempo determinado, e multa.
3.3 DA PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA
A prestação de contas dos recursos e despesas da campanha eleitoral está disciplinada na Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, arts. 28 a 32, e Resolução 22.250/06/TSE[11].
Em linhas gerais, é feita através do Comitê Financeiro, ou ainda pelo próprio candidato no caso de eleições proporcionais. A responsabilidade pelos erros, entretanto, alcança o candidato em qualquer hipótese. Devem acompanhá-la extratos bancários referente à movimentação financeira da campanha e relação dos cheques recebidos, com a indicação dos respectivos números, valores e emitentes. Oportuno lembrar que a prestação do partido e do candidato não se confundem. Devem, pois, ser individualizadas.
Durante a campanha, partidos, coligações e candidatos são obrigados a divulgar na internet, nos dias 6 agosto e 6 de setembro, relatório discriminando os recursos recebidos e os gastos realizados, sem a necessidade, por ora, da identificação dos doadores e valores.
Recebidas as prestações, os Comitês realizam a conferência dos dados com seus registros, resumem as informações e encaminham-nas, juntamente com a sua própria, à Justiça Eleitoral até o trigésimo dia posterior à realização das eleições, exceto se houver segundo turno. Se não protocoladas tempestivamente, impedem a diplomação dos eleitos. Impende ressaltar, neste ponto, o magistério de Adriano Soares da Costa que trata a punição como meia sanção[12], tendo em vista que a diplomação apenas é retardada.
A Justiça Eleitoral decide sobre a regularidade da prestação dos eleitos. A análise é de natureza administrativa. É observado o cumprimento das regras formais da lei e resoluções do Tribunal Superior Eleitoral. Para o cumprimento deste intento, está legalmente autorizada a requisição de técnicos dos Tribunais de Contas em todas as esferas. Há a oportunidade de sanar equívocos e complementar informações. Saliente-se que erros formais e materiais corrigidos não ensejam a desaprovação das contas. A sentença é publicada em até oito dias antes da diplomação.
Em tempo, registre-se que as informações trazidas por partidos e candidatos à Justiça Eleitoral são utilizadas como subsídio no exame das contas. Assim, a falsidade desses dados sujeita o infrator às penas dos arts. 348 e seguintes do Código Eleitoral[13].
Nos termos do novo art. 30-A, introduzido pela Lei 11.300, de 10 de maio de 2006, qualquer agremiação ou coligação pode representar à Justiça e solicitar a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com a legislação, no que se refere à arrecadação e gastos de recursos, desde que relate os fatos e indique provas. Empresta-se o procedimento esposado no art. 22 da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990. Se comprovada ilicitude na versação dos recursos, será negado ou cassado o diploma, de acordo com o momento da decisão.
Com relação às sobras de campanha – excesso de recursos que não foram utilizados – devem ser declaradas no acerto de contas e, após julgados os recursos, transferidas ao partido ou coligação, que as utilizarão exclusivamente em criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política.
4 DO CABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL
Não há vencedores ou derrotados em um processo, seja judicial ou administrativo. Há, de fato, decisão que pode ou não ser desfavorável a uma das partes (ou a ambas) ou interessado. E daí a possibilidade do recurso. A revisão dos julgados é intrínseca ao ordenamento jurídico processual brasileiro, informado pelo duplo grau de jurisdição. Em regra, importa reexame perante um colegiado em instância superior, ou pelo próprio órgão julgador quando a lei assim dispuser. O pressuposto principal do recurso, pois, é uma decisão não proveitosa à parte ou interessado, a situação de sucumbência[14].
Desse modo, o legislador previu, em um sem-número de dispositivos legais, recursos determinados para cada situação, seu tempo, adequação, fundamentação e outros pressupostos que delimitam a legitimidade e o interesse em provocar a revisão do julgado.
O objeto deste trabalho circunscreve-se a recentes casos em que o Tribunal Superior Eleitoral, contrariando jurisprudência anterior, não conheceu de Recursos Especiais Eleitorais, ao argumento de que os acórdãos vergastados tratavam de matéria administrativa, insuscetível de revisão pela via escolhida. Por isso, vamos nos ater a esta modalidade de provocação do Judiciário.
A Constituição Federal, em seu art. 105, III, a, b e c, prevê o cabimento do Recurso Especial, in casu, para o Superior Tribunal de Justiça. Também o Código Eleitoral elenca as hipóteses em que o recurso é aceito na seara da Justiça especializada. Vejamos:
“Art. 276. As decisões dos Tribunais Regionais são terminativas, salvo os casos em que cabe recurso para o Tribunal Superior:
I – especial:
a) quando forem proferidas contra expressa disposição de lei;
b) quando ocorrer divergência na interpretação de lei entre 2 (dois) ou mais tribunais eleitorais;”
Em primeira observação, constata-se que o legislador ordinário não primou pela boa técnica ao optar pelo vocábulo “terminativas” para qualificar as decisões dos regionais[15]. Terminativas são decisões que põem cabo ao processo sem resolução do mérito. Pretendeu a Lei Eleitoral, na verdade, dizer que estas deliberações são irrecorríveis, com exceção do rol listado em seus incisos.
Assim, o Especial é cabível quando o acórdão atentar contra expressa previsão legal ou houver divergência na interpretação de lei entre tribunais eleitorais. Isto porque ao Tribunal Superior Eleitoral cabe a guarda da legislação eleitoral infraconstitucional, a harmonização do sistema. Não se presta, o recurso, pois, a esquadrinhar a (in)justiça do julgado ou reexaminar provas (Súmula 7 – STJ).
Em tempo, não se pode olvidar de outros requisitos gerais, como o prazo de 3 (três) dias para sua interposição (art. 276, § 1.º, Código Eleitoral); o prequestionamento (Súmulas 282 e 356 – STF); o esgotamento das vias ordinárias; a menção, ainda que não expressa, se possível verificar-se qual o fundamento veiculado nos autos, ao dispositivo que autoriza sua interposição (STF, Inf. 470, AI 630471 AgR/SP, Rel. Min. Eros Grau, j. 5.6.2007); a interposição concomitante do Extraordinário se guardar fundamentos constitucionais e infraconstitucionais que, isoladamente, sejam capazes de embasar a tese esposada no acórdão recorrido (Súmula 126 – STJ) etc.
Mas é de se notar que o legislador não restringiu o cabimento do Especial a alguns processos em detrimento dos de feição administrativa. Sabe-se, como demonstrado no Capítulo 2, que à Justiça Eleitoral conferem-se atribuições judiciais e administrativas. Uma não menos meritória do que a outra. Dentre as competências judiciais, há, v. g., o processamento e julgamento das Ações de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME´s), dos Recursos contra a Expedição do Diploma (RCED´s), dos crimes eleitorais e até mesmo, em razão da conexão, de crimes contra a vida em alguns casos, o que gera um certo desconforto frente a alínea d do inciso XXXVIII do art. 5º da Constituição Federal.
Fato é que a Justiça Eleitoral desempenha papel importantíssimo no âmbito administrativo. A realização das eleições mobiliza milhões de cidadãos, voluntários e convocados, servidores, civis e militares, todos comandados pela burocracia eleitoral. Uma das expressões mais contundentes da Democracia e do Estado Democrático de Direito, a festa popular da escolha de seus mandatários, deve – e muito – a esta Justiça. A esta função, todo o nosso apreço.
Concomitantemente ao processo eleitoral, procedimentos outros a ele relacionados, a saber, o alistamento eleitoral, a perda, suspensão e restabelecimento dos direitos políticos, o julgamento das prestações de contas de partidos e candidatos etc., têm relevo para seu êxito.
O modo pelo qual se estabelece o trâmite destes procedimentos, muitas vezes, é através de Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral. Conquanto não seja objeto deste trabalho, é de se ressaltar, respeitado entendimento contrário, que ocasiões há em que estas normas jurídicas secundárias, de interpretação, ultrapassam os limites da lei[16] e suplantam até mesmo a Constituição.
Isto posto, apropriado retomar a discussão acerca da impossibilidade de apreciação, pelo Tribunal Superior Eleitoral, do Recurso Especial Eleitoral decorrente de processo de prestação de contas. Jurisprudência recente tem sistematicamente assim advertido[17]. Tome-se como exemplo emblemático excerto da decisão monocrática proferida pelo Eminente Ministro José Augusto Delgado no RESPE 28247-BA, publicada no Diário de Justiça, de 28 de agosto de 2007, à página 121: “Em se tratando de acórdão do TRE que versa sobre matéria administrativa, não cabe a jurisdicionalização do debate por meio de interposição de recurso ao TSE”. Prega-se a taxatividade do art. 121, § 4.º, da Constituição Federal, que enumera as hipóteses de cabimento de recurso.
Como vimos alhures, este articulista entende que se trata de matéria administrativa. Todavia, a natureza administrativa do processo de prestação de contas não impede o conhecimento do Recurso Especial Eleitoral. Dado o caráter especial da Justiça em questão, o legislador poderia (deveria, se fosse o caso) estreitar as possibilidades de cabimento do Recurso aos processos não administrativos. Não o fez. Logo, à jurisprudência não cabe assim proceder.
Pois o Tribunal Superior Eleitoral não julga as contas dos partidos políticos e dos candidatos à Presidência da República? Estar-se-ia a pretender a objetivação do Recurso Especial Eleitoral, tal qual a do Extraordinário? E mais, qual o fundamento lógico para que apenas os Tribunais Regionais aceitem recursos de prestação de contas[18] dos Juízos de 1ª Instância?
Detenhamo-nos neste ponto. Não há óbice algum para que o Tribunal Superior Eleitoral julgue, em sede de Recurso Especial Eleitoral, processos de prestação de contas. O próprio Tribunal, por reiteradas vezes, conheceu e julgou recursos que tratavam exatamente da mesma matéria[19].
Assim, se o acórdão estiver em desacordo com a lei, deve sim ser aceito o Recurso Especial justamente com fulcro nos arts. 121, § 4.º, I, da Constituição Federal e 276, I, a, do Código Eleitoral.
E mais, vejamos o que dispõe art. 22, II, do Código Eleitoral:
“Art. 22. Compete ao Tribunal Superior:
I – (omissis):
II – julgar os recursos interpostos das decisões dos Tribunaos Regionais nos termos do art. 276 inclusive os que versarem matéria administrativa.” (grifo nosso).”
Não só o Código Eleitoral, como a própria Constituição, permitem a interposição do Recurso Especial. A Lei Eleitoral ainda é mais clara ao permitir o Recurso, ainda que verse sobre matéria administrativa, o que se justifica pela atividade peculiar desenvolvida pela Justiça especializada.
Certo é que a jurisprudência há tempos vem limitando o alcance da norma legal transcrita. Já em 1996, no RESPE 11405-RS, Rel. Min. Costa Leite, DJ 16.08.1996, ficou estabelecido que “não cabe ao Tribunal Superior Eleitoral apreciar recurso especial contra decisão de natureza estritamente administrativa do Tribunais Regionais”. (Grifo nosso). No caso, tratava-se de decisão administrativa do Tribunal a quo na qual se indeferiu pedido de reenquadramento de servidor.
Entretanto, a situação em exame é diversa. Estamos diante de uma decisão judicial proferida em processo de cunho administrativo, que pode gerar conseqüências judiciais gravíssimas e mover inutilmente o Judiciário. Assim, embora o viés administrativo do processo, deve sim ser conhecido e julgado o Recurso Especial. Tanto é que, no mesmo Diário de Justiça de 16 de agosto de 1996, em Recurso em Mandado de Segurança (RMS 10-MT, Rel. Min. Eduardo Alckmin), o Tribunal acertadamente reconheceu sua competência para conhecer e julgar recurso contra decisão judicial proferida pelos Regionais sobre matéria administrativa. Isto fica evidente neste trecho do voto do Ministro Relator:
“(…) o entendimento da Corte é no sentido de não conhecer de recurso contra decisões dos Tribunais Regionais que tenham natureza meramente administrativa, e que não cuidem de matéria eleitoral. Entendo que quando se trata de decisão judicial, está configurada hipótese de cabimento de recurso para a instância superior.”
A decisão no processo de prestação de contas é judicial. Se é verdade que o processo tem natureza administrativa, não menos correto é que seus desdobramentos são representativos e podem gerar conseqüências judiciais sérias, como a apuração de eventual abuso do poder econômico.
Há valores muito caros em jogo. Em razão da desaprovação, surgem conseqüências jurídicas e morais. O repasse dos valores do Fundo Partidário é suspenso, o que gera desigualdade entre os Partidos, o candidato honesto, ou mesmo o incauto, perde a credibilidade e respeitabilidade, tem a honra maculada e carrega o estigma de ímprobo. Relevante a situação quando o grupo ou o candidato foram prejudicados por julgamento contrário à lei. Há de se considerar a movimentação desnecessária do Ministério Público, bem como de todo aparato jurisdicional para a verificação de inexistente abuso de poder econômico despende dinheiro público e atenta contra a celeridade processual, uma vez que os processos constituem-se em um chorrilho de feitos.
Negar o recurso, neste caso, ao argumento de que se trata de matéria administrativa, é negar a ampla defesa. Mesmo nos procedimentos administrativos, a ampla defesa e o contraditório são imposições irretratáveis, e as normas devem ser respeitadas. Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça, em setembro de 2007, aprovou o verbete da nova Súmula 343, que estatui ser obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar. Reforçando a tese podemos citar a Súmula Vinculante nº 3:
“Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.”
Se os processos administrativos que geram conseqüências individuais são informados por princípios tão caros à democracia, como advertido pelas instâncias superiores, exige-se com mais razão a admissão o Recurso Especial Eleitoral quando o acórdão contrariar lei, mormente tratar-se a Justiça Eleitoral de características peculiares, representadas por sua função administrativa.
Até mesmo acórdãos que atentem expressamente contra disposição de Resolução devem ser conhecidos! Ao Tribunal Maior Eleitoral compete guardar a ordem infraconstitucional eleitoral. Nesta, incluem-se as resoluções, que têm força de lei e, diga-se de passagem, muitas vezes, ferem de morte a Constituição, com a condescendência do Supremo Tribunal Federal. Portanto, não se diga que a Resolução contrariada em acórdão do Regional não pode ser motivo para o Recurso Especial Eleitoral. O Ministro José Delgado, em julgamento recente no Superior Tribunal de Justiça, ponderou que esta espécie de ato normativo não está compreendida na expressão lei federal (STJ, Inf. 328, REsp 935.191-PR, Rel. Min. José Delgado, j. 21.08.2007). No entanto, reitere-se, as resoluções dos Tribunais Eleitorais têm força de lei, disciplinando processos inteiros. No caso da prestação de contas anual, a Resolução 21.841/04/TSE. Neste sentido, Adriano Soares da Costa, com base na doutrina de Tito Costa, afirma que “as instruções proferidas pelo TSE, através de suas resoluções, têm força de lei, de modo que a sua violação pelos tribunais regionais dá ensejo ao manuseio do recurso especial”[20].
Em outro julgado, o Superior Tribunal de Justiça, recorrendo à Súmula 280 do STF, asseverou que a lei federal de status de lei local (na questão, lei do Distrito Federal) não é passível de ataque pelo Recurso Especial (AgRg no Ag 736.814-DF, Rel. Min. Maria Thereza da Assis Moura, j. 19.04.2007). Nessa linha, contrario sensu, a decisão que contraria a resolução, que, na prática, ultrapassa seus limites e funciona como lei (e, não raro, a Corte Superior Eleitoral como Poder Constituinte derivado), é passível de reforma pelo Tribunal Superior.
E há inúmeros casos em que os Regionais baseiam-se nas Resoluções, visto que têm força de lei, para desaprovar os balanços partidários[21].
A função administrativa é inerente à Justiça Eleitoral, que não pode se furtar a ela. Contudo, a prevalecer o atual posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral, restaria ao interessado impetrar Mandado de Segurança perante a própria Corte que desaprovou as contas. E, uma vez negado, recorrer ao mesmo Tribunal Superior. Desentendidas, pois, a economia processual, a celeridade e a razoável duração do processo (Constituição, art. 5.º, LXXVIII).
5 CONCLUSÃO
De todo o arrazoado, conclui-se que: a) a Justiça Eleitoral desempenha, concomitantemente, atividades jurisdicionais e administrativas; b) a prestação de contas, procedimento que visa à apreciação da regularidade das movimentações financeiras dos Partidos Políticos e candidatos, possui natureza administrativa; c) o Recurso Especial Eleitoral é cabível no âmbito do processo de prestação de contas, ainda que o acórdão atacado tenha tão somente se reportado a resolução do Tribunal Superior Eleitoral, a despeito de recente entendimento reiteradamente esposado por este Tribunal.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Tribunal Superior Eleitoral alterou entendimento consolidado no tocante à questão do cabimento do Recurso Especial Eleitoral no processo de prestação de contas de partidos políticos e candidatos. Podemos especular que dos motivos que levaram a tal mudança de orientação estariam a nova composição da Corte ou o volume excessivo de recursos que a ela chegam.
No entanto, mais do que descobrir o que levou a essa nova interpretação das normas, é importante analisar a pertinência da discussão. Procurou-se demonstrar neste trabalho que não existe empecilho para que o Tribunal Superior conheça dos recursos e julgue-os. Pelo contrário, o processamento e a análise do Recurso Especial pelo Tribunal não só são possíveis, quanto são decorrência direta e indireta do ordenamento jurídico. A ampla defesa, a celeridade, a economia processual, a razoável duração do processo aliadas a disposições expressas na Constituição e na Lei impõem a revisão do posicionamento do Tribunal.
Não faz sentido que uma Justiça com características tão especiais como a Eleitoral se esquive do julgamento de recursos de decisões judiciais tão somente por serem proferidas em processos administrativos. Trata-se de Justiça com vocação também administrativa desde o seu nascimento.
Por tudo, defendemos o cabimento do Recurso Especial Eleitoral nos processos de prestação de contas de partidos políticos e candidatos.
Bacharel em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Eleitoral pelo Centro Universitário UNI-BH e em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damásio. Analista Judiciário do TRE-MG
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