Resumo: O presente trabalho, de forma sumária e sem a pretensão de exaurir o tema, se propõe a analisar os efeitos da sentença investigatória de paternidade. Desta forma, parte da verificação e distinção entre os efeitos da sentença declaratória e os efeitos da sentença constitutiva, chegando ao ponto central do trabalho que analisa os efeitos da sentença da ação de investigação de paternidade, enfrentando, ainda, a análise dos efeitos da sentença de reconhecimento de paternidade/maternidade socioafetivo.
Palavras-chave: Ação Declaratória – Ação Constitutiva – Investigação de Paternidade.
Sumário: Notas introdutórias; Dos efeitos declaratórios e dos efeitos constitutivos; Ação investigatória de paternidade; Notas conclusivas.
Notas Introdutórias
Não raras vezes, nos deparamos com a incerteza quanto aos efeitos da sentença de ação investigatória de paternidade. Cabe, antes de mais nada, esclarecer que utilizaremos a denominação ação de investigação de paternidade, por este ser de conhecimento amplo e utilizado em larga escala. Todavia, vale a referência de que o termo mais indicado para quando se quer investigar a origem genética é ação de investigação de ascendência biológica, em razão de que a paternidade pode ser tanto biológica quanto socioafetiva, como traremos no decorrer da narrativa.
Após este breve apontamento, o que nos cabe é informar que a tema proposto é de grande divergência dentre os operadores e doutrinadores jurídicos. Aqui, verificaremos se os efeitos da sentença da ação de investigação de paternidade são declaratórios ou constitutivos. Para tal, iniciaremos nosso trabalho traçando um paralelo entre os referidos efeitos, ressaltando suas diferenças. Em seguida, abordaremos o ponto central do estudo para analisar a ação investigatória de paternidade. Momento, também, no qual faremos um comparativo com a ação de reconhecimento de paternidade/maternidade socioafetivo.
Ao final, nos debruçaremos sobre as conclusões encontradas.
Dos efeitos declaratórios e dos efeitos constitutivos:
No Direito Português no Código de Processo Civil de 1939 houve o acréscimo da possibilidade da existência da ação declaratória, em seu art. 4, chamando-se de “simples apreciação ou declaração”, abrangendo a “existência ou inexistência dum direito ou dum fato”[1]
No Direito Brasileiro, a ação declaratória tem sua legitimidade no artigo 4 do Código de Processo Civil, no qual elenca as possibilidades de se pleitear a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica ou, ainda, quanto a autenticidade ou falsidade de documento.
José Frederico Marques, na sua obra Instituições de Direito Processual Civil inicia subdividindo as ações em Ação de conhecimento, Ação de execução e Ação cautelar. Dentre as ações de conhecimento, existem as três espécies de ações, no qual caracterizam os efeitos de suas respectivas sentenças, quais sejam: declaratória, condenatória e constitutiva.
Para o referido autor o conceito de Ação declaratória resta na “providência jurisdicional meramente declaratória, que está contemplada no art. 4 do CPC. Ou seja, sempre que haja incerteza da existência ou inexistência a respeito de uma relação jurídica é possível propor uma ação declaratória”[2]. Todavia, as ações constitutivas são “as que visam à criação, ou alteração, ou extinção de uma relação jurídica”[3].
E, a seguir, acrescenta: “É o próprio ordenamento jurídico que condiciona o advento de um determinado efeito jurídico, ou de um conjunto de feitos, à sentença judicial. De modo que a sentença aparece como título imediato desses efeitos, que antes dela não existiam”[4].
Nos ensinamentos de Celso Agrícola Barbi há o entendimento de que “a sentença declaratória é aquela que apenas dá a certeza oficial sobre a relação deduzida em juízo; nenhum outro efeito específico tem ela, salvo o de acabar com a incerteza, declarando a existência ou a inexistência de uma relação jurídica, e excepcionalmente, de um fato”[5]. Entretanto, salienta que a sentença declaratória tem efeito contra quem foi parte na demanda[6].
Para o processualista Alfredo Buzaid a ação declaratória tem “finalidade de alcançar uma certeza jurídica”[7]. No entanto, diferenciam-se das sentenças constitutivas[8], quando as mesmas
“Visam não somente obter a certeza jurídica sobre a preexistência de um direito pertencente ao titular da ação, de exigir a constituição judicial de uma situação jurídica ou de regular a sua condição por um determinado estatuto, como também por em existência atual aquela mesma situação ou aquele mesmo estatuto”[9].
Distinção da ação constitutiva e da ação declaratória uma vez que na última não se opera modificação alguma no status quo ante, mas tão somente se declara existente ou inexistente a relação jurídica anterior.
Ainda, a sentença declaratória, pela própria natureza de seu fim, não pode ser executada. Seu fim é reestabelecer o direito objetivo ferido pela incerteza. Nada mais precisa a sentença para alcançar sua finalidade. Pode-se fazer averbações e transcrições em registros públicos, por estes atos não serem considerados como de execução.
Desta forma, neste ponto concluímos que, quando a inobservância do direito consiste não na transgressão, mas na falta de certeza, é necessária para seu restabelecimento a eliminação desse obstáculo, o que se faz para garantia jurisdicional consistente na declaração de certeza. Essa declaração, ao contrário da obtida nos casos de transgressão de direito não se destina a preparar os meios para a coação; ela é um fim em si mesma. Declarada qual seja a certeza, nesses casos, esgota-se a função jurisdicional, pois nada mais é necessário para que seja eliminada a inobservância do Direito objetivo. Essa garantia jurisdicional é dada mediante a sentença declaratória[10].
Todavia, quando os indivíduos, com ou sem a intervenção estatal, deram origem a um determinado estado jurídico, pode acontecer que uma das partes não possa modificar esse estado sem o concurso da outra; pode também ocorrer a hipótese de que, mesmo com o acordo das partes, seja necessária a intervenção do Estado para verificar a existência das circunstâncias que originem a modificação desse estado, quando se trata de relações indisponíveis, como o casamento. Em todos esses casos a inobservância do direito objetivo só pode ser corrigida pelo recurso ao poder jurisdicional. A garantia jurisdicional será então dada por uma forma tal que seja operada a modificação no estado jurídico; isto é, a chamada garantia jurisdicional com finalidade constitutiva, cujo efeito é produzir a modificação pleiteada como corretivo da inobservância do direito objetivo. Essa garantia se concede pelas sentenças constitutivas. Nestas sentenças, há também, um exame para se verificar qual seja a verdade, a certeza. Todavia, essa verificação e consequente declaração da certeza não bastam para garantir o direito objetivo. À declaração se adiciona um efeito específico, de modificar o estado jurídico criado pelas partes; é o efeito constitutivo da sentença[11].
Por sua vez, os efeitos da sentença constitutiva, podem ser ex nunc ou ex tunc. Normalmente, os referidos efeitos começam a operar depois da sentença; casos há, no entanto, em que esses efeitos retroagem por expressa disposição da lei. Veja-se os art. 182 e 184 do Código Civil, que dispõe quanto nulidades de atos jurídicos em decorrência de vício de vontade.
Ainda, dentre as sentenças constitutivas com efeito ex tunc está a Ação de Investigação de Paternidade. Assim, deverá seus efeitos retroagir à data do fato, fato este extra processual, ou seja, a concepção da criança, à data da propositura da ação ou à data da sentença não firme. Em que pese as divergências existentes neste ponto, o posicionamento do STJ é de considerar o momento da citação como o marco regulador[12]. Assim, o filho passa a ter seus direitos garantidos, como tal, desta data retroativa. E, não somente, depois do trânsito em julgado da sentença, o que seria uma incoerência.
Exemplos considerados clássicos de ações constitutivas são: separação, anulação de casamento, nulidade de casamento, anulação de atos jurídicos, suspensão de poder familiar.
Ação Investigatória de Paternidade:
A ação de investigação de paternidade, como também a denominada ação de reconhecimento de paternidade, seja ela de reconhecimento biológico ou de reconhecimento socioafetivo, possuem efeitos de caráter constitutivo.
Não raras às vezes tais ações são consideradas como declaratórias. Tanto que, muito se utilizou o termo de ação declaratória de paternidade.
Todavia, este não é o melhor entendimento quanto ao tema, vez que para verificarmos os efeitos da sentença temos que analisar o objetivo para o qual se presta tal sentença. Assim, na medida em que a sentença transitada em julgado, de uma ação investigatória de paternidade (ou de reconhecimento de paternidade), serve justamente para se reconhecer o estado de filho e o estado de pai, não se pode dar a ela o mero caráter declaratório.
Aqui, não se quer dizer que a parte ativa da ação, ou seja, aquele que visa ser reconhecido como filho, passou a ser filho em decorrência da sentença judicial, pois filho sempre foi. Mas, o que se pretender é demonstrar que o estado de filho surgiu após a sentença jurisdicional. E, com este estado de filho, nasceram os direitos e deveres decorrentes a ele.
Criou-se, assim, um estado jurídico novo, o qual não existia antes da sentença proferida. Justamente se caracterizando como uma sentença constitutiva na medida em que os indivíduos, com ou sem a intervenção estatal, deram origem a um determinado estado jurídico, mas é necessária a intervenção do Estado para verificar a existência das circunstâncias que originem a modificação desse estado.
Considerar a sentença com meros efeitos declaratórios seria deixar aquém a ação aqui trabalhada. Pois, a mera declaração não cria o estado jurídico de filho, nem mesmo garante os direitos que dele decorre. Como anteriormente demonstrado, sentença declaratória simplesmente declara uma situação e não gera quaisquer efeitos daí decorrentes.
Desta forma, quando nasce o poder parental e os direitos daí decorrentes, como o direito alimentar e o direito sucessório, não há que falar em mero efeito declaratório.
Ainda, se não há que fazer distinções entre os filhos, como reza nossa Constituição Federal (art. 227 parágrafo 6) e leis infraconstitucionais (Código Civil e Lei 8.069/90), não há como haver distinção entre ação de investigação de paternidade biológica e ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva. Pois, sendo filho biológico, filho afetivo ou filho adotivo, receberá os mesmos direitos disponíveis e indisponíveis.
Não há como existir um filho meramente declaratório sem haver o nascimento do real estado de filho. E, no momento em que surge o Estado de Filho, surge uma nova relação jurídica que antes não existia, que se constitui a partir deste momento, em que pese o pólo ativo sempre ter sido “filho” do pólo passivo da ação. Constitui-se, assim, um novo estado, o Estado de Filho. Assim, como na ação de reconhecimento de filiação socioafetivo. Pois não há como se falar em mero reconhecimento sem daí não nascer o estado jurídico novo.
Cabe, por sua vez, salientar, que em casos de ação de reconhecimento de filiação biológica em razão de técnica de reprodução assistida heteróloga, no qual o desejo é de ter conhecimento quanto ao doador do material genético, pai biológico, existindo ou não a presença do pai socioafetivo, a presente ação terá o caráter meramente declaratório, justamente em razão de que não surge direitos e deveres entre as partes (pai biológico e filho), bem como não nasce o estado de filho, no sentido estrito do termo, não gerando, por sua vez, poder parental e direitos decorrentes da relação familiar.
Assim, na medida em que as ações de reconhecimento de filiação biológica, em razão de técnica de reprodução assistida heteróloga, surgem no sentido de verificação de doenças genéticas hereditárias, direito à ancestralidade ou para descoberta contra possível possibilidade de incesto, não merecem idêntico tratamento daquelas nos quais visam formar um estado jurídico novo entre as partes e formalizar o estado de filho existente.
Notas Conclusivas:
Diante da análise dos efeitos das sentenças de ação de conhecimento, dentre eles, os efeitos declaratórios e os efeitos constitutivos, bem como quanto a aplicação desta análise à ação de investigação de paternidade, como também, às ações de reconhecimento de paternidade e/ou maternidade, verificamos que a correta designação é que estamos diante de ações com sentenças de feitos constitutivos.
Tal assertiva se faz em virtude do objeto da ação, que se presta para reconhecer, estatuir, dar início, a um estado jurídico que antes não existia. O que se tinha anteriormente à sentença era o mero estado fático de filho. Sendo que este estado fático poderia ser biológico ou socioafetivo.
Contudo, o Estado de Filho, nasce justamente no momento que o poder jurisdicional reconhece-o como tal. Gerando, desta forma, o surgimento do poder parental e de todos os direitos e deveres a ele decorrentes.
Assim, não há que se falar em meros efeitos declaratórios, que nada mais é do que a simples declaração de existência de certa relação.
Ainda, não cabe distinção entre a ação de investigação de paternidade, ou utilizando-se do termo mais correto, ação de investigação de ascendência biológica, e a ação de reconhecimento de paternidade (sendo este reconhecimento biológico ou socioafetivo). Pois, caso seja feita esta distinção, estaríamos confrontando a Lei Maior que não permite a diferenciação entre os filhos. Desta forma, os efeitos da sentença daquela deve ser o mesmo dos efeitos desta, garantindo, por sua vez, a equiparação dos filhos que estão lutando pelo seu reconhecimento.
De outra sorte, como bem assinalamos anteriormente, a única ação que merece distinção quanto aos seus efeitos é a ação de investigação de paternidade biológica em razão de inseminação artificial heteróloga. Todavia, tal distinção se faz não em virtude da distinção existente entre os filhos, mas justamente, em razão da distinção existente dos efeitos desta investigação. Pois, neste caso, a busca se dá em razão da curiosidade, com base na garantia de conhecimento da ancestralidade, ou em virtude da verificação em razão de doenças genéticas hereditárias ou na tentativa de impedir a ocorrência de incesto. Nesta medida, a referida ação não irá gerar um estado de filho, não cabendo direitos e deveres decorrentes da sentença, não constituindo um estado novo, mas tão somente declarando a paternidade biológica.
Desta maneira, o reconhecimento de estado de filho gera conseqüências outras que não a simples declaração. O que se pretende é esclarecer a distinção entre os efeitos das sentenças, dúvida esta tão habitual entre os operadores do direito.
De uma forma muito sumária, mas na tentativa de contribuir quanto ao tema, propomos esta discussão, na qual acreditamos que seja salutar e poderá contribuir com o desenvolvimento do Processo Civil, aplicado ao Direito de família.
Advogada. Especialista em Direito de Família e Sucessões, pela Faculdade IDC; Pós-Graduanda em Bioética pela PUC/RS; Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC/RS; Diretora Estadual (RS) da ABRAFAM, Associação Brasileira dos Advogados de Família; Palestrante; Parecerista e Consultora Jurídica.
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