Sumário: 1. Introdução. 2. Breve relato histórico do liame jurídico entre a justiça do trabalho e o recolhimento das contribuições previdenciárias. 3. Dos critérios a serem observados na discriminação da natureza das parcelas objeto de acordo na justiça do trabalho. 4. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO:
Uma das questões que causa bastante embaraço e controvérsia entre todos que atuam na área trabalhista refere-se à discriminação da natureza das verbas quando da realização de acordo em audiência.
É comum ser convencionado entre as partes litigantes a natureza indenizatória das parcelas pleiteadas, com a homologação do Juízo, para que a reclamada evite o pagamento das contribuições previdenciárias.
No mesmo sentido, é comum a União (Lei 11457/04) após ser intimada da homologação do acordo, nessas condições, recorrer da decisão homologatória, sob o argumento de fraude, e, diante disso, requerer a incidência da contribuição previdenciária sobre todo o valor do acordo.
Assim, o objeto do presente trabalho é apontar a necessidade de adequação da discriminação das parcelas objeto do acordo à norma legal para se evitar delongas e recursos intermináveis na Justiça do Trabalho, enchendo ainda mais o já sobrecarregado Poder Judiciário.
2. BREVE RELATO HISTÓRICO DO LIAME JURÍDICO ENTRE A JUSTIÇA DO TRABALHO E O RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS:
O liame entre a Justiça do Trabalho e os recolhimentos previdenciários advêm desde os primórdios da Consolidação das Leis do Trabalho, que, em seu artigo 706, previa a competência da Justiça Laboral para execução das contribuições previdenciárias.
Segundo o magistrado do TRT da 10ª Região, Alexandre Nery de Oliveira:[1]
“(…) desde logo, em caráter histórico, que a Justiça do Trabalho nasceu também com a competência para examinar questões previdenciárias, tanto assim que o artigo 706, revogado pelo Decreto-Lei 8737/46, previa a existência de Câmara de Previdência Social no âmbito do Conselho Nacional do Trabalho, que deu origem ao Tribunal Superior do Trabalho, e que as questões previdenciárias, permeadas nas relações de trabalho, são de exame cotidiano dos Juízos e Tribunais do Trabalho, o que enseja afastar quaisquer conclusões mais apressadas quanto ao conhecimento técnico da Justiça do Trabalho quanto a temas previdenciários, tanto mais porque exigido do Juiz Laboral, desde o concurso de ingresso na magistratura do trabalho, inequívocos conhecimentos de direito previdenciário dentre outras, e não apenas de direito e processo do trabalho, como parecem crer alguns”
Ocorre que o artigo 706 da CLT foi revogado em 1946 pelo Decreto-lei 8737/46, motivo pelo qual passou a ser entendimento que a Justiça Federal seria a competente para lidar com os recolhimentos previdenciários, ainda que advindos da relação trabalhista.
Depois desse período, o liame entre a Justiça do Trabalho e os recolhimentos das contribuições previdenciárias foi restabelecido em 1989, com o advento da lei 7787/89, que em seu artigo 12 dispunha, in verbis:
“Art. 12. Em caso de extinção de processos trabalhistas de qualquer natureza, inclusive a decorrente de acordo entre as partes, de que resultar pagamento de vencimentos, remuneração, salários e outros ganhos habituais do trabalhador, o recolhimento das contribuições devidas à previdência social será efetuado in continenti.”[2]
Em 1990, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho editou o Provimento 01, visando dar cumprimento integral ao artigo 12 da lei 7787/89. Referido provimento estabelecia ser competência da Justiça do Trabalho somente compelir em fase de execução as contribuições previdenciárias decorrentes dos litígios trabalhistas.
Posteriormente, com a edição da lei 8212/91, o artigo 43 desta lei substituiu tacitamente o artigo 12 da lei 7787/89 e o artigo 44 também tacitamente revogou o parágrafo único do mesmo dispositivo legal.
Em 1993, os artigos 43 e 44 da lei 8212/91, foram modificados pela lei 8620/93 que estabeleceu aos Juízes do Trabalho o dever de discriminarem o recolhimento das contribuições sociais decorrentes dos julgados, sob pena de responsabilização.
Com efeito, passou a dispor o artigo 43 da lei 8212/91, in verbis:
“Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos a incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilização, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à seguridade social.
Parágrafo único. Nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas à contribuição previdenciária, esta incidirá sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado (Redação dada pela lei nº 8620, de 5.1.93)”[3]
A redação do artigo 44 manteve o dever dos Magistrados de velar pelo fiel cumprimento do artigo anterior, acrescentando apenas que o Juiz deveria expedir notificação ao INSS, dando-lhe ciência da sentença ou do acordo celebrado.
“Art. 44. A autoridade judiciária velará pelo fiel cumprimento do disposto no artigo anterior, inclusive fazendo expedir notificação ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, dando-lhe ciência dos termos da sentença ou do acordo celebrado”[4]
Diante da modificação dos artigos 43 e 44, trazidos pela lei 8620/93, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho em 1993 editou o Provimento 02/93 que previa a inclusão nas contas de liquidação de sentença os cálculos das contribuições previdenciárias incidentes sobre as verbas remuneratórias.
Em 1996, ainda o C. Tribunal Superior, editou o Provimento 01/96 para uniformizar procedimentos relativos ao recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes sobre os valores decorrentes de acordos, decisões ou sentenças prolatadas em reclamações trabalhistas.
Não obstante os Provimentos 02/93 e 01/96 do Colendo TST, ainda existia Magistrados Trabalhistas resistentes a aceitarem o liame intrínseco existente entre a Justiça do Trabalho e as contribuições previdenciárias, até que o Poder Constitucional Derivado, em 1998, promulgou a Emenda Constitucional n. 20, sepultando de vez qualquer resistência.
Naquele momento, o liame Justiça do Trabalho – recolhimentos previdenciários ganhou força constitucional. E, nas palavras de Sérgio Pinto Martins: “A Justiça do Trabalho seria, assim, mais um órgão de execução das contribuições previdenciárias”[5]
No ano de 2000, a lei 10035 cuidou dos procedimentos da liquidação dos créditos trabalhistas e previdenciários, obrigando os juízes trabalhistas à discriminarem a natureza das verbas recebidas pelo reclamante, seja nas decisões de mérito ou nas decisões homologatórias decorrentes de acordo.
Com a EC 45/04, o artigo 114 da CR/88 foi alterado e o parágrafo terceiro que dispunha sobre a execução de ofício das contribuições previdenciárias passou a constar no inciso VIII.
No mesmo período, final do ano de 2004, a lei 11033 dispôs sobre a intimação da União para as decisões homologatórias de acordo, que continham parcela indenizatória, nos termo do art.20.
Posteriormente, em 2007, a lei 11457 alterou a redação dos artigos 880 “caput”; parágrafo único, artigo 876,;§§4º,3º; §§5º,2º, dos artigos 832, 879 e 889-A da CLT, além de acrescer os §§ 5º, 7º e 5º dos artigos 832 e 879, todos da CLT.
Com essa alteração, passou a ser obrigação a intimação da União não só da decisão homologatória de acordo, que contenha parcela indenizatória, como também das sentenças proferidas na ação de conhecimento, com possibilidade de insurgimento contra a decisão.
Ainda em 2007, a lei 11501, revogou expressamente em seu artigo 17 o artigo 44 da lei 8212/91 para adequação à evolução legislativa.
Por fim, a lei 11718/08, alterou expressamente a lei 5889/73, criando o contrato do trabalhador rural por pequeno prazo; elastecendo as normas transitórias sobre a aposentadoria do trabalhador rural, prorrogando o prazo de contratação de financiamentos rurais de que trata o parágrafo sexto do artigo 1º da lei 11524/07.
Enfim, esse é um breve relato histórico do liame entre a Justiça do Trabalho e o recolhimento previdenciário das contribuições previdenciárias, que servirá de apoio para o disposto no tópico abaixo.
3. DOS CRITÉRIOS A SEREM OBSERVADOS NA DISCRIMINAÇÃO DA NATUREZA DAS PARCELAS OBJETO DE ACORDO NA JUSTIÇA DO TRABALHO
Como pôde ser observado no tópico anterior, hodiernamente, há um liame intrínseco entre a solução dos conflitos trabalhistas e a repercussão sobre o recolhimento as contribuições previdenciárias para a União (lei 11457), seja na realização de acordos, seja nas sentenças condenatórias.
Diante disso, necessário se tornou a adequação da Justiça do Trabalho e todo o seu quadro de servidores, posto que, não raro era o desconhecimento dessas questões peculiares, ante as suas especificidades.
E um fato cotidiano que ocorria e ocorre nas audiências da Justiça do Trabalho, instrinsecamente ligado a presente questão, como relatado acima, é a realização de acordo com a convenção entre as partes litigantes sobre a natureza jurídica das parcelas objeto da litiscontestação, matéria essa diretamente ligada aos recolhimentos previdenciários.
Evidentemente que quando da discriminação das parcelas a parte empresarial sempre visa não recolher a contribuição social preponderando sempre a natureza jurídica indenizatória das parcelas objeto do litígio.
Entretanto, algumas questões devem ser questionadas quanto ao respectivo ato: qual o limite para a discriminação das verbas indenizatórias em acordo na Justiça do Trabalho? Como definir quais as verbas são indenizatórias ou salariais? As partes litigantes podem convencionar a natureza jurídica das verbas?
Para responder às indagações expostas, inicialmente deve ser exposto que o Processo do Trabalho é marcado por algumas especificidades, destacando dentre elas a intensidade com que a legislação dotou o instituto da conciliação (acordo), o que pode ser facilmente visualizado pelo artigo 764, §3º da CLT, in verbis:
“Art. 764. Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação. (…)
§3º É lícito as partes celebrarem acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o Juízo conciliatório.”[6]
Nesses termos, a possibilidade jurídica dos sujeitos processuais se conciliarem, visando encerrar o litígio é inquestionável, não encontrando óbice algum quanto aos direitos envolvendo as partes.
Porém a situação deve ser visualizada de outra maneira quando envolve parcelas destinadas a terceiros, principalmente, quando não intervenientes desde o início do processo, como no caso da União, credora dos recolhimentos previdenciários (lei 11457).
Diante disso, é de grande importância a discriminação correta da natureza das parcelas no momento da conciliação, para se evitar delongas processuais e, sobretudo, sobrecarga do Poder Judiciário.
Com efeito, uma verba não é indenizatória ou salarial simplesmente pela convenção das partes. Do mesmo modo, pouco adianta orientar-se pelo conceito de verba indenizatória ou salarial (da parcela percebida pelo trabalhador) para definir se determinada verba pode ou não ser tributada, isto porque, verbas indenizatórias são somente aquelas que a lei 8212/91, em seu artigo 28, §9º mencionar a não incidência da contribuição.
Assim, no acordo trabalhista, a discriminação da natureza jurídica da verba deverá observar o previsto no §9º do artigo 28 da lei 8212/91. Se a lei expressamente menciona que a verba objeto do acordo não integra o salário de contribuição, por óbvio sua natureza é indenizatória e não incide recolhimento previdenciário. Se a lei nenhuma previsão faz, ou melhor, utilizando a nomenclatura do dispositivo 28, §9º da lei 8212/91, se a lei não exclui expressamente a não incidência do recolhimento, resta clara a natureza salarial.
Portanto, a regra é a natureza salarial da verba e a incidência de contribuição previdenciária sobre pagamentos efetuados pela empresa. A exceção é a natureza indenizatória (devidamente prevista na lei) e a não incidência da contribuição social.
Diante disso, não se presume, nem se convenciona que as parcelas incidentes sejam de natureza indenizatória. Evidentemente, a pactuação das partes quanto a natureza e/ou a porcentagem do valor a que se refere as verbas indenizatórias não encontra qualquer amparo legal. É preciso que seja discriminada a parcela que está sendo paga, dentro dos pedidos relacionados na peça inicial e daí apontar nos temos da lei 8212/91, qual parcela é indenizatória e qual é parcela salarial para então apurar o valor da contribuição previdenciária.
Segundo o procurador do INSS junto aos Tribunais Superiores, Bruno Mattos e Silva:
“(…) de nada vale (ao menos juridicamente) uma convenção do qual não participou a Fazenda, atribuir a um pagamento um “caráter” de verbas indenizatórias (que “coincidentemente” não enseja pagamento de contribuição social…)
Se assim o fosse, bastaria aos empresários “convencionarem” com seus empregados um salário baixíssimo e, “gentilmente” conceder a eles uma “verba” de natureza “indenizatória, a qual, por ser indenizatória” (do que?) ao incidiria contribuição social…”[7]
Além da previsão legal, grande importância teve a introdução no ordenamento jurídico da lei 10035/00 que acrescentou o parágrafo terceiro ao art. 832 da CLT para determinar aos Magistrados Trabalhistas, seja nas decisões de mérito (sentença) ou homologatórias (acordo), a discriminação da natureza jurídica das verbas, componentes do pleito judicial, impedindo, com isso, a convenção sobre a natureza das verbas pleiteadas em Juízo em discordância com a legislação pertinente.
Com efeito dispôs o §3º, art. 832 da CLT, in verbis:
“ Art. 832. (…)
§3º – As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite e responsabilidade de cada parcela pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso.”[8]
Nesses termos, importante tornou-se o papel do Juízo quando da discriminação da natureza das parcelas, em razão da previsão legal expressa sobre quais verbas são de natureza indenizatória, posto que, como dispõe o artigo 831, parágrafo único, da CLT, no caso de conciliação, o termo que foi lavrado, valerá como decisão irrecorrível para as partes e somente impugnável por ação rescisória, merecendo ressalvar, apenas, o ponto que compreende à União, posto que aqui, prevalecerá o art. 832, §§3º,4º que dispôs que após ser intimada sobre a decisão homologatória, com parcela indenizatória, poderá a União apresentar o recurso ordinário, com objeto determinado e discriminação das verbas do acordo judicial em salariais e indenizatórias.
“HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ORDINÁRIO PELO INSS. CABIMENTO. O ART. 832,§4º DA CLT, APLICADO EM CONJUNTO COM O ART. 831, PARÁGRAFO ÚNICO DO MESMO DIPLOMA, CONFERE AO INSS LEGITIMIDADE PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ORDINÁRIO CONTRA DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO, EM RELAÇÃO AS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DECORRENTES DE TAL PROVIMENTO JUDICIAL” (TST 3ª T – RR n. 2246/2001.465.02.00 – Relª Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. DJU 26/05/2006)[9]
Portanto, diante de todo o exposto acima, neste momento, já podem ser respondidas as indagações constantes no início do presente tópico, quais sejam: qual o limite para a discriminação das verbas indenizatórias em acordo na Justiça do Trabalho? Como definir quais verbas são indenizatórias ou salariais? As partes podem convencionar a natureza jurídicas das verbas?
Pelo que foi apresentado no presente trabalho, o limite para discriminação das verbas em acordo na Justiça do Trabalho é a lei, sendo as verbas indenizatórias definidas expressamente na legislação previdenciária (art. 28, §9º lei 8212/91), não cabendo às partes a convenção das parcelas ante a existência do dispositivo legal, que deve ser respeitado.
Diante de todo o exposto, verifica-se que é de grande importância a discriminação correta das verbas em audiência trabalhista, devendo sempre atentar para o limite imposto pela legislação pátria quanto a delimitação das parcelas indenizatórias, evitando com isso delongas processuais desnecessárias.
4.CONCLUSÃO:
O presente trabalho procurou demonstrar a necessidade da discriminação correta da natureza das verbas objeto de acordo trabalhista, apontando a existência de normas que delimitam qualquer convenção fora do disposto no diploma legal.
Ademais, fora demonstrado que o liame existente entre a Justiça do Trabalho e os encargos previdenciários advém desde os primórdios dessa Justiça Especializada.
Portanto, resta claro pelo exposto que a discriminação da natureza das verbas decorrentes de acordo trabalhista, não encontra inserido no direito potestativo das partes, devendo estas observarem sempre a existência do disposto no art. 28, §9º da lei 821291 para atribuir a natureza indenizatória às parcelas objeto do acordo.
Advogado Trabalhista em Belo Horizonte/MG. Membro efetivo do Instituto dos Advogados de Minas Gerais – IAMG. Pós-Graduado em Direito Social e Pós-Graduando em Educação a Distância.
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