Embargos de Divergência em Recurso Especial e as Súmulas 315 e 316 do STJ

Embora o Superior Tribunal de Justiça – STJ seja o órgão do Poder Judiciário encarregado de unificar, por meio do recurso especial, a interpretação jurisprudencial em torno da legislação federal infraconstitucional, a divergência entre seus órgãos (turmas, seções e a Corte Especial) é algo corriqueiro.

Em qualquer situação, a ausência de um entendimento uniforme em torno da aplicação de uma mesma lei é causa de insegurança jurídica. Como ensina o Ministro Athos Gusmão Carneiro[1], a instabilidade na aplicação do direito é fator de indecisão, e conspira contra o progresso de uma comunidade. Talvez isso se agrave quando a divergência ocorre internamente, pois, não havendo uniformidade interpretativa, o fim do processo se torna, muitas vezes, uma loteria, que dependerá da sua distribuição.

Já prevendo a ocorrência de divergência interna corporis, o Código de Processo Civil – CPC criou remédios com a finalidade de unificar o entendimento dentro do mesmo Tribunal. Temos, assim, o incidente de uniformização de jurisprudência (art. 476 e seguintes do CPC) e os embargos de divergência em recurso especial ou extraordinário, previstos no art. 546 do CPC nos seguintes termos:

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“546. É embargável a decisão da turma que:

I – em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial;

Il – em recurso extraordinário, divergir do julgamento da outra turma ou do plenário.

……………………………….”.

Diante disso, serão analisados, no presente artigo, alguns dos requisitos específicos de admissibilidade dos embargos de divergência em recurso especial, aliando-os às súmulas 315 e 316, recentemente editadas pelo STJ.

Os embargos de divergência em recurso especial não são remédio destinado exclusivamente a fazer justiça, pois sua finalidade imediata é a uniformização dos entendimentos divergentes entre os órgãos julgadores do STJ quando estes divergirem, entre si, no julgamento de recurso especial. Exerce, portanto, a exemplo do recurso especial, função política, na medida em que unificará teses divergentes acerca de uma mesma matéria. Diante dessa função, não basta apenas a sucumbência para que o pressuposto “interesse em recorrer” esteja satisfeito; deve o recorrente demonstrar a ocorrência de efetiva divergência entre órgãos julgadores do STJ. Portanto, mesmo que a decisão unificadora seja desfavorável ao recorrente, o recurso terá alcançado seu objetivo imediato.

Apenas de forma mediata, visa modificar a decisão desfavorável à parte sucumbente, mediante invocação de decisões que hajam adotado teses antagônicas.

O art. 266, caput, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça – RISTJ, contempla os embargos de divergência da seguinte forma:

“Art. 266. Das decisões da Turma, em recurso especial, poderão, em quinze dias, ser interpostos embargos de divergência, que serão julgados pela Seção competente, quando as Turmas divergirem entre si ou de decisão da mesma Seção. Se a divergência for entre Turmas de Seções diversas, ou entre Turma e outra Seção ou com a Corte Especial, competirá a esta o julgamento dos embargos.

………………………………”.

Além dos requisitos gerais de admissibilidade inerentes a todo recurso, tais como legitimidade, interesse, tempestividade, regularidade formal etc, os embargos de divergência estão submetidos a requisitos específicos de admissibilidade[2].

Um dos requisitos específico de admissibilidade dos embargos é a necessidade de a decisão recorrida ser colegiada, ou seja, proveniente de turma. Os embargos não são admissíveis contra decisão monocrática de relator, ainda que se tenha analisado o mérito do recurso especial nas hipóteses previstas nos arts. 544, § 3º, e 557, § 1º-A, do CPC[3]. Quando o relator, monocraticamente, decidir o recurso especial, necessária será a interposição de agravo regimental a fim de submeter o feito ao respectivo órgão colegiado[4], para que se cumpra a exigência legal e regimental de uma “decisão de turma”, vale dizer, colegiada.

Ademais, a decisão colegiada deve ser oriunda de julgamento de recurso especial, não se admitindo, em regra, contra decisão em agravo de instrumento contra decisão denegatória de recurso especial. Não obstante a expressa previsão legal e regimental de que somente “são embargáveis a decisão de turma que, em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial”, muitos são os casos em que, contra decisão que nega provimento a agravo de instrumento, interpõe-se embargos de divergência.

A fim de sanar eventuais dúvidas acerca do cabimento dos embargos de divergência contra decisão em agravo de instrumento, quando o mérito do recurso especial não é apreciado, a Corte Especial do STJ aprovou, em 5 de outubro de 2005, a súmula 315/STJ, que assim se expressa:

“Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial”[5].

Isso é assim porque, quando se nega provimento a agravo de instrumento, mesmo que a decisão seja colegiada, não há julgamento do recurso especial, mas sim uma confirmação da decisão do tribunal de segundo grau que inadmitiu o recurso especial. Assim, no julgamento do agravo de instrumento, o STJ inadmite, por via indireta, recurso especial.

Embora a utilidade da súmula 315 seja inquestionável, sua redação não merece elogio. Quando se fala em “agravo que não admite recurso especial” tal expressão pode se referir tanto ao recurso de agravo contra decisão que não admite recurso especial na origem (o agravo do art. 544 do CPC) e, qualquer que seja a decisão do STJ no julgamento deste recurso, inadmissíveis seriam os embargos de divergência; ou, ainda, à decisão do STJ que, negando provimento ao agravo, inadmite, por via indireta, o recurso especial, havendo uma verdadeira confirmação da decisão denegatória prolatada pela instância a quo.

Tendo em vista a redação truncada da referida súmula, melhor seria se tivesse sido redigida da seguinte forma: “Não cabem embargos de divergência quando se nega provimento a agravo de instrumento”.

Em complementação à súmula 315/STJ, editou-se, na mesma data, a súmula 316/STJ, assim dispondo:

“Cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravo regimental, decide o recurso especial”[6].

Como já falado, quando se nega provimento a agravo de instrumento não há julgamento do recurso especial, pois esta decisão do STJ apenas confirma a já prolatada pela instância de origem, isto é, a decisão que inadmitiu o recurso especial.

Porém, há hipótese em que, no julgamento do agravo de instrumento, o mérito do recurso especial pode ser analisado. Essa hipótese está prevista no art. 544, § 3°, do CPC. Assim, admite-se que o relator, monocraticamente, conheça do agravo de instrumento para dar provimento ao recurso especial[7]. Tem-se, com isso, a satisfação de um dos requisitos específicos dos embargos de divergência, que é o julgamento de recurso especial. No entanto, não se tem ainda a decisão colegiada, que é outro requisito específico dos embargos. Deve, assim, a parte sucumbente interpor agravo regimental, a fim de submeter o feito ao órgão colegiado respectivo. Com isso, teríamos, mesmo em sede de agravo de instrumento, um recurso especial decidido de forma colegiada, possibilitando, assim, a interposição dos embargos de divergência. Essa seria a primeira hipótese de incidência da súmula 316/STJ.

A outra hipótese em que incidirá a súmula 316/STJ, é aquela em que o relator, no julgamento do recurso especial, aprecia o seu mérito (art. 557, § 1º-A), dando provimento ao recurso, e, contra essa decisão é interposto agravo regimental para o órgão colegiado. Com isso, mais uma vez os dois pressupostos gerais para a interposição dos embargos estariam satisfeitos, quais sejam, decisão colegiada em recurso especial.

Na primeira hipótese (art. 544, § 3°, CPC) o relator aprecia o mérito do recurso especial quando da análise do agravo de instrumento e, na segunda (art. 557, § 1°-A, CPC), aprecia, no julgamento do recurso especial, o seu mérito. Em ambos os casos, serão cabíveis embargos de divergência se, contra essas decisões monocráticas, forem interpostos agravos regimentais, a fim de que os feitos possam ser submetidos ao órgão colegiado. A acórdão do agravo regimental é que será atacado pelos embargos e não a decisão monocrática.

Em conclusão, pode-se dizer que foram editadas duas súmulas para solucionar dois problemas: cabimento de embargos de divergência em sede de agravo de instrumento e cabimento de embargos de divergência contra decisão monocrática.

A solução dada ao primeiro problema foi a seguinte: somente são cabíveis embargos de divergência em agravo de instrumento quando, em decisão colegiada, o mérito do recurso especial for apreciado.

Em resposta ao segundo problema, chegou-se à seguinte conclusão: são cabíveis embargos de divergência nas hipóteses em que o relator, monocraticamente, aprecia o mérito do recurso especial (em agravo ou no próprio recurso especial), desde que, contra essa decisão, seja interposto agravo regimental a fim de obter o pronunciamento do respectivo órgão colegiado.

Notas
[1] Athos Gusmão Carneiro, Recurso Especial, Agravos e Agravo Interno: exposição didática: área do processo civil, com invocação à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pág. 129.
[2] Um dos requisitos específicos de admissibilidade dos embargos é a comprovação da divergência nos moldes regimentais (art. 255, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça). Tendo em vista a grandeza de detalhes que cerca a comprovação da divergência, este requisito não será objeto de análise.
[3] Nesse sentido: STJ , 5ª Turma, EREsp 534866/RS, rel. min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 21/09/2005.
[4] Nesse sentido: STJ, 1ª Seção, AgRg nos EREsp 579808/GO, rel. min. Franciulli Netto, DJU 01/08/2005.
[5] Os principais precedentes desta súmula são: STJ , 3ª Seção, PET 2169/PI, rel. min. Laurita Vaz, DJU 22/03/2004; STJ, 3ª Seção, PET 2151/DF, rel. min. Hamiltom Carvalhido, DJU 22/04/2003.
[6] Os principais precedentes desta súmula são: STJ, 1ª Seção, EREsp 295842/DF, rel. min. Castro Meira, DJU 09/08/2004; STJ, 3ª Seção, PET 1590/MG, rel. min. Helio Quaglia Barbosa, DJU 21/03/2005.
[7] O agravo de instrumento contra decisão denegatória de recurso especial pode ser provido para: a) determinar a subida do recurso especial; b) determinar a conversão do agravo de instrumento em recurso especial, quando o agravo contiver todas as peças essenciais ao julgamento do recurso especial; c) mesmo sem determinar a subida ou a conversão do agravo em recurso especial, dar provimento ao próprio recurso especial, quando a decisão recorrida (acórdão atacado pelo recurso especial) for contrária a súmula ou a jurisprudência dominante do tribunal.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Roberto da Silva Freitas

 

Juiz de Direito Substituto do TJDFT

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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