A eleição presidencial norte-americana
tomou contornos inimagináveis. A disputa pela presidência do país mais poderoso
do mundo entre o republicano George W. Bush e o democrata Al Gore, pode ser
considerada como a eleição mais disputada da história dos Estados Unidos. Vale
lembrar que, inclusive, vislumbra-se a possibilidade de questionamento do
pleito perante os tribunais daquele país. Como resultado dos turbulentos
acontecimentos eleitorais que marcaram esta eleição, articulistas e
comentaristas de todo o mundo estão colocando em discussão o sistema eleitoral
em vigência no norte da América. As críticas são inúmeras, e vão desde
colocações que classificam o sistema de anacrônico e injusto, até aquelas que
acusam não existir uma real democracia, visto que o voto para presidente, em
última instância, é indireto.
Antes de qualquer conclusão, deve-se
analisar um pouco da história dos Estados Unidos e perceber como se constituiu
a federação que congrega os 50 estados que a compõe. Para os americanos, desde
a época da independência, o Estado era um mal necessário, logo a sua presença
deveria ser a mais limitada possível. Aqueles que vieram povoar o norte da
América, procuravam, antes de qualquer coisa, um lugar
onde houvesse basicamente liberdade pessoal e econômica, longe de perseguições
decorrentes de crenças religiosas e onde pudesse haver o livre desenvolvimento
das potencialidades de cada indivíduo, através do empreendedorismo
e da livre-iniciativa. Estes imigrantes formaram 13 colônias iniciais
independentes. Com muita habilidade, e vencendo inúmeras resistências, os “Founding Fathers”, entre eles o primeiro presidente, George Washington, costuraram a união
das 13 colônias em uma federação. Ao contrário do Brasil, os poderes estaduais
formaram o poder federal. Logo, este era extremamente limitado, visto que os
governos estaduais continuaram com a competência nas mais diferentes e
importantes áreas. Daí vem o nome do país: Estados Unidos da América do Norte,
uma união de estados autônomos.
Com o passar dos anos outros estados
foram acrescentados as 13 colônias iniciais, entretanto, um ponto não foi
modificado: os estados continuaram a possuir ampla autonomia. Essa explicação
traz a palavra-chave para entender o funcionamento da federação e
consequentemente o seu processo eleitoral: descentralização. Na eleição
americana, cada estado da federação tem uma eleição independente para
Presidente, entretanto, o candidato é escolhido dentre uma mesma lista em todo
país. Logo, se um dos candidatos obtém a maioria dos votos de um determinado
estado, ele poderá indicar todos os delegados que participarão do Colégio
Eleitoral por este ente federado. Cada um dos 50 estados pode indicar um número
diferente de delegados. Este mecanismo foi desenhado com vistas a preservar algum
poder para os estados menores, o que ocorre com sucesso. Pode-se tomar como
exemplo o pequeno estado de New Hampshire, tem que
direito a indicar 4 delegados, o mesmo número de um estado com dimensões
territoriais consideravelmente maiores, o de Nevada. De certo modo consegue-se
um equilíbrio do peso de cada estado relativamente ao número de eleitores. A
soma do número de delegados dos 50 estados é 538. Logo, para ser eleito, o
candidato necessita obter no mínimo 270 votos. Em 15 estados existe a obrigação
de os delegados votarem no candidato vencedor, nos outros 35, não há esta
obrigação, entretanto, em geral, ninguém espera a infidelidade destes.
A eleição presidencial Gore Vs. Bush é
extremamente rica em componentes para se estudar o sistema eleitoral. Apesar de
os candidatos obterem quase o mesmo número de votos, observando-se o mapa,
verifica-se que Bush venceu em um maior número de estados. Entretanto,
estes não possuem uma representação grande no colégio eleitoral. Bush venceu em
vários estados com representação pequena. Já, Al Gore venceu em nos chamados
“estados chave”, como a Califórnia, que possui 54 delegados e
Nova York, com 33. Ao todo, sem contar o estado da Flórida, Bush venceu
em 29 e Gore em 19 estados, mais a capital, Washington D.C.
Apesar de Gore ter obtido um número um pouco maior de votos do que Bush no
geral, este venceu em um maior número de estados. Além disto, o republicano
venceu nos estados mais tradicionais, onde o voto do interior conta muito, como
nos estados do sul e centro. Já o democrata, venceu nos estados que possuem
grandes cidades, como Los Angeles, Chicago e Detroit,
este último, onde encontra-se a base dos sindicatos
americanos.
Ao contrário do que é dito, a eleição americana não mostrou uma fissura na
sociedade. Esta eleição é a marca do equilíbrio entre as duas principais
correntes, a republicana e democrata. A legitimidade do pleito deve ser
respeitada e a vitória do eleito, nos moldes previstos pela Constituição, não
pode ser contesta, sob risco de se colocar em crise a estrutura institucional
do país. Logo, é muito difícil que o vencedor não goze de plena legitimidade,
pois isto faz parte da tradição democrática americana, como salientam os
Senadores democratas Torricelli (Nova Jersey) J.Breaux
(Lousianna). As disputas acirradas deste pleito e o
comparecimento muito maior do que o esperado às urnas, prova que nenhum sistema
é perfeito, mas mostra-se o mais adequado a um país com o sistema federativo
americano, uma democracia plena de mais de 200 anos.
advogado, sócio da Governale – Políticas Públicas e Relações Institucionais (www.governale.com.br). Habilitado em Direito Mercantil pela Unisinos. Professor de Direito Constitucional e Internacional do UniCEUB – Centro Universitário de Brasília. PIL pela Harvard Law School. MBA em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS. Mestrando em Relações Internacionais pela UnB.
Vice-Presidente do Conil-Conselho Nacional dos Institutos Liberais pelo Distrito Federal. Sócio do IEE – Instituto de Estudos Empresariais. É editor do site Parlata (www.parlata.com.br) articulista semanal do site www.diegocasagrande.com.br e www.direito.com.br. Tem artigos e entrevistas publicadas em diversos sites nacionais e estrangeiros (www.urgente24.tv) e jornais brasileiros como Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Zero Hora, Jornal de Brasília, Correio Braziliense, O Estado do Maranhão, Diário Catarinense, Gazeta do Paraná, O Tempo (MG), Hoje em Dia, Jornal do Tocantins, Correio da Paraíba e A Gazeta do Acre. É autor do livro “A Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos brasileiro e norte-americano”, Ed. Síntese – IOB Thomson (www.sintese.com).
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