Direito Constitucional

Execução Das Tutelas de Urgência Nos Direitos Individuais Homogêneos

IMPLEMENTATION OF URGENCY RELIEFS IN HOMOGENEOUS INDIVIDUAL RIGHTS

Cláudio José Amaral Bahia – Possui graduação em Direito – Instituição Toledo de Ensino (1996) e mestrado em Direito Constitucional – Instituição Toledo de Ensino (2002). Doutorado em Direito do Estado (2007) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, Brasil. Atualmente é professor – Instituição Toledo de Ensino de Bauru e da Faculdade Iteana de Botucatu na graduação e na pós- graduação lato e stricto sensu na Instituição Toledo de Ensino de Bauru. Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/5835862675809257. Endereço para correspondência: claudio_amaralbahia@hotmail.com, Praça 9 de Julho, nº 1-51, Vila Paraíso II, 17015-100 – Bauru, SP – Brasil.

Luiz Felipe Ferreira dos Santos – Mestrando em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos no Centro Universitário de Bauru-ITE. Pós Graduado em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Pós Graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Prof. Damásio de Jesus. Graduado em Direito pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal . Advogado sócio do escritório Ferreira & Novaes Sociedade de Advogados. Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8221722489591165. Endereço para correspondência: luizfelipe@sfmn.com.br, Avenida Hiroshima, n. 920, Carandá Bosque, Campo Grande/MS, CEP 79032-050.

 

RESUMO: Objetivou-se com o presente estudo comentar e demonstrar a possibilidade de execução de decisões concessivas de tutelas de urgência nas ações coletivas que tratam de direitos individuais homogêneos, proporcionando-se ao leitor, em breve síntese, informações e características da tutela coletiva que trata de direitos individuais homogêneos e seu alcance em linhas gerais. Especificamente, abordou-se a possibilidade da concessão de tutelas de urgência nesses casos, bem como a viabilidade e forma para se realizar a execução da medida concedida.

Palavras Chave: Direitos Individuais Homogêneos. Execução. Tutelas de Urgência.

 

ABSTRACT: The objective of this study is to comment and demonstrate the possibility of executing decisions granting urgent reliefs in collective actions that deal with homogeneous individual rights, providing the reader with a brief summary, information and characteristics of collective tutelage that It deals with homogeneous individual rights and its broad outline. Specifically, the possibility of granting emergency safeguards in such cases was discussed, as well as the feasibility and form for carrying out the measure granted.

Keywords: Homogeneous Individual Rights. Execution. Emergency Tutors.

 

Sumário: Introdução. 1. O Acesso à Justiça Como Direito Fundamental Pétreo. 2. Noções Iniciais sobre a Tutela Coletiva que trata de Direitos Individuais Homogêneos e seu Alcance. 3. Alcance dos Efeitos da Coisa Julgada nas Ações que Tratam de Direitos Individuais Homogêneos. 4. Tutela de Urgência nas ações que Tratam de Direitos Individuais Homogêneos. 4.1. Possibilidade e Requisitos para Concessão das Tutelas de Urgência. 4.2 Procedimento a ser seguido para Liquidação e Execução da Tutela Coletiva. 5. Considerações Finais.

 

INTRODUÇÃO

Notável é a evolução pela qual a sociedade atual passa, tanto em termos intelectuais, democráticos, jurídicos, sociais e fraternos.

No tocante à evolução jurídica, consagra-se o direito ao acesso à justiça, garantindo-se, ao menos em tese, todos os meios e instrumentos necessários para a sua concretização.

Diante da ampliação ao acesso à justiça, percebe-se o aumento das demandas movidas junto ao Poder Judiciário, o que decorre não só da complexidade crescente da vida em sociedade, mas, como dito acima, de sua evolução.

Isso porque quanto mais preparado e cônscio for o cidadão, melhor conhecedor será de seus direitos mais básicos e indispensáveis, em especial aqueles desfiados ao longo da Carta de Outubro, razão pela qual se torna mais difícil que fique este calado em face uma injustiça ou abuso de direito, devendo-se citar, a título de exemplo, a explosão de demandas levadas a efeito na seara consumerista pela insatisfação ou erronia dos serviços prestados.

Nesse passo, é notável que classes menos favorecidas, seja cultural ou financeiramente, outrora pouco postulantes, hoje demandem e busquem seus direitos junto ao Poder Judiciário.

Pode-se explicar esse fenômeno, além do ganho de consciência difusa inclusive apresentada pela imensa penetração dos meios sociais e de informação, pela pujante assistência de entidades classistas ou sociais, ou mesmo pelo amparo dos, cada vez mais estruturadas, tal qual sói acontecer com a Ordem dos Advogados do Brasil, Defensoria Pública e Ministério Público, dentre tantos outros atores importantes nessa empreitada.

Essa evolução, sem sombra de dúvidas, também perpassa pela adoção da teoria substantiva da Constituição, por intermédio da qual se outorgam ao Judiciário, em especial ao Tribunal Supremo, o poder e a legitimidade de afirmar os valores afetos a moralidade pública, característicos dos direitos fundamentais individuais, muito embora se corra o risco de transbordar a medida ao se perceber um intenso e crescente ativismo que culminou até com a definição do que é ou não pessoa para fins de incidência do crime de aborto (STF, HC 124.306).

Além do mais, como nem tudo são flores, necessário se faz um contraponto, principalmente pela eclosão do Código de Processo Civil de 2015 que, não obstante os inegáveis avanços apresentados, ainda parece mais se preocupar com a velocidade da emissão das decisões do que de sua qualidade em si, o que, a longo prazo, tende a transformar a atividade jurídica num cotejo entre aquilo que consta das Súmulas emitidas pelos Tribunais Superiores e aquilo que ainda não foi sumulado, abrindo um mínimo espaço para discussões judiciais não robotizadas, alerta que vem sendo feito por Lênio Streck de há muito.

O fenômeno da litigiosidade repetida é sentido e vivenciado no dia a dia forense, com reflexos nos cidadãos que, dada a morosidade que assola o Poder Judiciário, tem o acesso à justiça, em sua acepção ampla, negado.

A crescente litigiosidade, somada à não fluidez da produtividade do Poder Judiciário em escala capaz de recepcionar as novas demandas[1], é fenômeno de negação de acesso à justiça e estado permanente de inconstitucionalidade.

Além da morosidade, a insegurança jurídica decorrente da jurisprudência muitas vezes despida de coerência e integridade agrava sobremaneira a situação, especialmente se analisados os casos de massa.

A tutela dos direitos individuais homogêneos, embora até a atualidade pouco estudada, entendida e aplicada no Brasil, é fonte de acesso à justiça, inclusive mencionada por Mauro Cappelletti e Bryant Carth (CAPPELLETTI; GARTH, 1998).

Em decorrência da ausência de uma codificação e sistematização, a tutela dos direitos individuais homogêneos não tem alcançado o sucesso que sua potencialidade lhe permite, notadamente em razão das incertezas e receios que cercam o instituto.

Se a tutela definitiva decorrente da ação em comento é cercada de incertezas, a possibilidade de concessão de tutela de urgência ou evidência é cercada de maiores penumbras.

A tutela coletiva revela-se substancialmente importante. Utilizando-se desse instrumento, há possibilidade de pacificar a sociedade em larga escala e de forma uniforme, proporcionando segurança jurídica.

Ocorre que, apesar da celeridade proporcionada pela ação coletiva, há casos em que o provimento jurisdicional se revela urgente a ponto de impossibilitar que o jurisdicionando aguarde o trânsito em julgado da ação, sendo necessária, portanto, a concessão e execução da tutela de urgência.

Eis o que se buscará abordar no presente trabalho.

 

  1. O ACESSO A JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL PÉTREO

Ab initio, justifica-se a redundância da expressão direito fundamental pétreo, posto que, no Brasil, não foram poucas as vezes que situações magnas como essa acabaram sofrendo alteração por emenda, com a escusa de que o que não pode ser alterado é o núcleo mínimo e essencial da garantia em análise, fato facilmente aferível e comprovável pelo que tem sido feito com a Previdência Social de 1998 até os dias atuais.

Como é consabido, antes do advento da Constituição de 1988 e do consequente surgimento, nos dizeres de Carlos Ayres de Britto, do Estado de Justiça ou Estado Holístico, haja vista a inequívoca incidência do aumento da sedimentação dos postulados basilares e do processo de dogmatização de temas e assuntos que, até então, eram claramente relegados aos textos normativos infraconstitucionais, o Brasil experimentou, por décadas, os dissabores de um período ditatorial e absolutista, remarcado pela constante ofensa aos valores mais caros aos cidadãos brasileiros (BRITTO, 2003, p. 2010).

Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior dividem os direitos e garantias fundamentais, em consonância com a Constituição Federal de 1988, apresentando-os em Capítulos, a saber: I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos; II – Dos Direitos Sociais; III – Da Nacionalidade; IV – Dos Direitos Políticos e V – Dos partidos Políticos, salientando-se que a expressão direitos e garantias fundamentais é gênero, enquanto que os temas capitulados são espécies deste (ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 2001, p. 78).

Há que se ressaltar, ainda, que, além da amplitude que fora concedida ao tema pelos inúmeros incisos dos arts. 5º e 7º, as mais significativas e importantes mudanças encontram-se registradas nos §§ 1º e 2º do citado art. 5º – que concedem aplicação e eficácia imediata aos direitos fundamentais, deixando claro que tais estão espraiados por todo o bojo constitucional, não se encontrando, portanto, enclausurados nessa ou naquela parte específica – e no § 4º do art. 60 – cujo dispositivo outorgou indelével proteção, na exata medida em que petrificou os direitos e garantias fundamentais, tornando-os incompossíveis de serem reptados ou alterados pela prática de Emenda (PETTERLE, 2007 p. 92).

Navegando-se nessas águas, importante trazer à lume a preciosa ponderação levada a efeito por Ingo Wolfgang Sarlet, no sentido de que:

[…] sendo correta a premissa de que os direitos fundamentais constituem – ainda que com intensidade variável – explicitações da dignidade da pessoa, por via de consequência e, ao menos em princípio, em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma proteção da dignidade da pessoa. (SARLET, 2002, p. 87).

Inegável, assim, o status jurídico próprio e diferenciado concedido pela Constituição Federal de 1988 aos direitos fundamentais, como, aliás, de há muito se almejava nesse País,[1] direitos fundamentais estes que, modernamente, se apresentam positivados pela necessidade de efetivação das necessidades humanas como seu elemento mais determinante.[2]

Trazendo as breves ponderações acima à nossa discussão, tem-se que o acesso justiça encontra-se plasmado no inciso XXXV do art. 5.º da Carta de Outubro

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;” (BRASIL, 1988).

Lembrando-se, inclusive, que tal inafastabilidade, afirmada no dogma basilar mencionado linhas atrás, assegura o acesso à justiça, independentemente de esgotamento ou provocação da via administrativa, salvo exceção do § 1º, do artigo 217, da mesma Constituição.

Para Marcelo José Magalhães Bonicio:

[…] o acesso à justiça é incondicionado, ou seja, todos têm o direito de ingressar em juízo e movimentar o Poder Judiciário, porém, o direito a uma sentença de mérito, que é a perspectiva processual da garantia de acesso à justiça, ao seu turno, precisa superar alguns obstáculos antes de ser conferido e, dentre estes obstáculos, está a exigência de que as condições da ação estejam presentes. (BONICIO, 2006, p. 70).

A evolução do direito conduziu a doutrina a repensar o direito processual no que tange à sua efetividade, mormente, no que se refere ao seu reconhecimento como instrumento necessário, diante do monopólio estatal na solução de conflitos, à proteção dos direitos fundamentais dos jurisdicionados.

Marinoni, comentando a evolução pela qual passou (e ainda passa) o direito processual e a concessão de tutela jurisdicional efetiva, assevera:

Note-se, em primeiro lugar, que o direito à tutela jurisdicional efetiva tem relação com a possibilidade de participação, e por isso pressupõe um direito à participação (o Teilhaberechte dos alemães). Nessa linha, a necessidade de participação fez Canotilho relacionar o procedimento coletivo com o direito a um procedimento justo do procedimento capaz de conferir a possibilidade de participação para a proteção dos direitos fundamentais e para a reivindicação dos direitos sociais […]. Isso quer dizer que o direito à proteção dos direitos fundamentais tem como corolário o direito à preordenação das técnicas adequadas à efetividade da tutela jurisdicional, as quais são mais do que respostas do Estado ao seu dever de proteção […]. Essa prestação do juiz, assim como a lei, também pode significar, em alguns casos, concretização do dever de proteção do Estado em face dos direitos fundamentais […]. De modo que a resposta do juiz não é apenas uma forma de dar proteção aos direitos fundamentais, mas sim uma maneira de se conferir tutela efetiva a toda e qualquer situação de direito substancial, inclusive aos direitos fundamentais que não requerem proteção, mas somente prestações fáticas do Estado (prestações em sentido estrito ou prestações sociais). (MARINONI, 2004, p. 185-187).

Para a tutela dos novos direitos, mostra-se insuficiente à classificação trinária original, especialmente quando se pretende tutelar direitos não-patrimoniais, como, por exemplo, os interesses de crianças e adolescentes, o meio ambiente e os direitos do consumidor.

Os novos direitos reclamam, também, a necessidade de um provimento rápido, a fim de evitar o dano e remover o ilícito.

A existência de procedimentos especiais deve levar em conta a possibilidade de maior efetividade na tutela do direito material, seja com a restrição da cognição na vertical ou horizontal, permitindo ao juiz a celeridade e maior efetividade na prestação jurisdicional.

A evolução do pensamento trouxe à sociedade os ideais de proteção a determinados bens que, embora não tenham propriedade exclusiva, dizem respeito ao bem-estar de toda a sociedade. Os direitos transindividuais e individuais homogêneos exigiram a criação de mecanismos para legitimar a proteção a esses novos direitos.

Importante a lição propagada por Marcia Zollinger:

A doutrina atualmente compartilha o entendimento de que os direitos fundamentais apresentam duas dimensões – subjetiva e objetiva – sendo está última especificamente importante para o desenvolvimento da categoria ‘deveres de proteção’ a partir da qual intentar-se-á compreender a proteção preventiva de direitos fundamentais […]. A teoria do dever de proteção, ensejada pela perspectiva objetiva, vem impor ao Estado o dever de proteção dos direitos fundamentais contra agressões e ameaças provindas de terceiros, ou seja, extrapola-se a concepção tradicional de abstenção do Estado para concebê-lo também como obrigado a proteger e a promover efetivamente e positivamente os direitos fundamentais […]. Esse dever de proteção dirige-se às atividades legislativa, administrativa e jurisdicional do Estado. O legislador deve editar normas, inclusive penais e processuais, que dispensem tutela especificamente preventiva aos direitos fundamentais. À administração, por sua vez, incumbe agir materialmente prevenindo e reparando lesões perpetradas por particulares contra os direitos fundamentais. Por fim, o Poder Judiciário tem o dever de, na prestação da tutela jurisdicional, adotar exegese normativa mais consentânea com a Constituição e que confira maior efetividade às disposições de direitos fundamentais, bem como exercer o dever de correção e aperfeiçoamento da legislação quando se trata de proteger os direitos fundamentais. Assim, o Estado deve assegurar em toda a sua atuação uma proteção ampla e efetiva aos direitos fundamentais. (ZOLLINGER, 2006, p. 37-42).

Sendo assim, com a proteção conferida pelo direito material a direitos que merecem o amparo específico, especialmente aos difusos e coletivos, necessária à construção dogmática de tutelas capazes de inibir a prática delitiva e não somente tendentes a reparar o dano.[3]

Assim é que o ordenamento jurídico pátrio permite aos jurisdicionados promover a provocação do Judiciário valendo-se de instrumentos processuais voltados para a tutela de interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos. Instrumentos estes capazes de assegurar o amplo acesso à Justiça e de permitir que uma única decisão judicial gere efeitos sobre um certo número de pessoas, premiando a celeridade e economia processuais.[4]

De outra parte, os posicionamentos desencontrados emitidos pelos nossos Tribunais acerca da mesma temática, além de trazerem intranquilidade à população, ferem, muitas das vezes, o princípio da isonomia. O certo é que nossa sociedade necessita de meios hábeis para harmonizar as decisões judiciais, ainda mais quando se adotam os sistemas difuso e concentrado de fiscalização da constitucionalidade.

Nesse ponto, a declaração de inconstitucionalidade emanada pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta, resolve em definitivo determinada questão e barra incontáveis ações individuais.

 

2 NOÇÕES INICIAIS SOBRE TUTELA COLETIVA QUE TRATA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E SEU ALCANCE.

Como sabido, a terceira dimensão dos direitos fundamentais encontra-se lastreada na tutela de interesses coletivos[5] (supraindividuais, transindividuais ou metaindividuais),[6] cuja atuação se desdobra em três espécies, a saber: (i) interesses difusos; (ii) interesses coletivos strictu sensu; e, (iii) interesses individuais homogêneos.[7]

Com relação aos últimos, ou seja, aos direitos individuais homogêneos há dissenso doutrinário, sendo que vozes respeitadas e influentes da doutrina advogam no sentido de que não se tratariam de direitos coletivos, mas sim, de direitos individuais que, dada a suas características de homogeneidade e massificação, merecem tratamento coletivo (ZAVASCKI, 2011).

Não obstante a importante observação que merece amadurecimento e estudo, o Código de Defesa do Consumidor fez a divisão dos tipos de tutelas coletivas e delimitou seus efeitos e consequência:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. (BRASIL, 1990).

Os interesses difusos são aqueles de natureza transindividual, indivisíveis, cujos titulares são pessoas indeterminadas que se encontram ligadas apenas por circunstâncias fáticas (inc. I); os interesses coletivos em sentido estrito são aqueles, também de natureza transindividual e indivisíveis, cuja titularidade pertence a um determinado grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por intermédio de uma relação jurídica (inc. II); e, os interesses individuais homogêneos, entendidos estes como sendo os decorrentes de origem comum (inc. III).

Comungando do mesmo entendimento, tem-se a lição de Celso Antonio Pacheco Fiorillo:

[…] vale frisar a necessidade de construção dogmática acerca da legitimidade para a defesa de direitos supra-individuais. Descabido analisar esse fenômeno à luz do ortodoxo sistema processual civil, que trata, em seu Art. 6º, da legitimação ordinária e extraordinária, resolvendo a questão na seara dos conflitos privados. Em se tratando de conflitos coletivos lato sensu, é correto que os entes legitimados para a propositura da ação civil pública são responsáveis pela condução do processo e não desempenham a figura que muitos chamam de substituto processual. Com isso, observamos uma superação da dicotomia legitimação ordinária/extraordinária, passando a conceituar o fenômeno como uma legitimação autônoma para a condução do processo. Por outro lado, não se pode perder de vista que, estando envolvidos direitos individuais homogêneos, o fenômeno que se verifica é de legitimação extraordinária. A referida legitimação é concorrente e disjuntiva. Isso significa que cada um dos co-legitimados pode, sozinho, promover a ação coletiva, sem que seja necessária anuência ou autorização dos demais (FIORILLO, 2000, p. 231-232).

Para o estudo em foco, importam os direitos individuais homogêneos. Fruto da necessidade de se otimizar o Poder Judiciário, dando-lhe maior segurança jurídica, os direitos individuais homogêneos, apesar de individuais, devem ser tratados coletivamente.

Sobre a necessidade de se tratar direitos individuais coletivamente, Eduardo de Avelar Lamy expõe que o processo civil foi pensado a partir de uma visão liberal, com enfoque individual e limitado a tutelar litígio de duas partes, sobre direitos delas. Entretanto, com as alterações sociais e o aumento no número de conflitos idênticos, novos meios processuais tiveram que ser pensados para a resolução e tutela adequada desses novos conflitos (LAMY, 2012, p. 167).

Verifica-se que as ações que versam sobre direitos individuais homogêneos poderiam ser postuladas de forma individual; todavia, em razão de sua similitude e massificação, merecem tratamento coletivo. São direitos “com natural dimensão coletiva em razão de sua homogeneidade” (DIDIER JR; ZANETI JR, 2017), de tal forma a se dizer que seriam direitos individuais acidentalmente coletivos (ZAVASCKI, 2011). Importa dizer que os primeiros autores contrapõem a visão de Zavascki.

Assim, podem-se conceituar os direitos individuais homogêneos:

[…] como aqueles de grupo, categoria, classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem interesses divisíveis, oriundos das mesmas circunstâncias de fato, isto é, possuem uma origem comum” (SORO, 2008).

Não obstante o inegável avanço verificado no que concerne ao manejo das ações coletivas no Brasil, a verdade é que tal utilização ainda não alcançou os patamares de sucesso almejados com sua criação, emergindo, daí a importância de se reforçar a sua utilidade como vetor de fomento e concretização do direito fundamental de acesso à justiça de nossos cidadãos.

 

3 ALCANCE DOS EFEITOS DA COISA JULGADA NAS AÇÕES QUE TRATAM DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.

Analisadas algumas características sobre os direitos individuais homogêneos, é necessário abordar os alcances e efeitos da coisa julgada, a fim de elucidar quais pessoas poderão fazer uso da tutela concedida na ação coletiva.

Vale ressalvar que os efeitos e alcance da coisa julgada, em especial ao se tratar de tutela coletiva, é questão de política legislativa. O Código de Defesa do Consumidor, em seu Art. 103, III, optou por fornecer efeito erga omnes somente nos casos de procedência do pedido.

No caso, sem importância é se a matéria foi ou não provada. Sem relevância é a quantidade ou qualidade da prova. Somente há coisa julgada erga omnes nos casos de procedência do pedido, também denominada de coisa julgada secundum eventum litis (RODRIGUES, 2012).

Portanto, é lícito concluir que determinado Juízo de qualquer localidade pode decidir questão em ação coletiva e esse provimento jurisdicional pode ser efetivado por indivíduos que estejam enquadrados na homogeneidade em todo território nacional.

Vale advertir que somente são atingidos os substituídos processualmente quando a pretensão posta em Juízo for julgada procedente, mas, se improcedente, seus efeitos repercutirão somente na esfera dos direitos dos substitutos processuais.

Não obstante a clareza do Código de Defesa do Consumidor, no que tange ao alcance e efeitos da coisa julgada, a tutela coletiva é tratada por diversos diplomas esparsos (GOMES JR; FAVRETO, 2009, p. 174), pelo que se denominou de microssistema da tutela coletiva (DIDIER JR; ZANETI JR, 2017) (STF, REsp 1221254/RJ). Nesse passo, em virtude de não existir um sistema único e harmônico, surgem questões que não passam despercebidas pela doutrina e jurisprudência.

Merecem comentários o suposto conflito entre a Lei 7.347/85, art. 16 (BRASIL, 1985) e o art. 103 do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990). Ao se analisar o art. 16 da Lei 7.347/85, em especial após a redação fornecida pela Lei 9.494/97, seria válido concluir que a eficácia da coisa julgada seria adstrita aos limites da competência territorial do órgão que proferiu a decisão. Limitação similar é trazida no art. 2-A da Lei 9.494/97, o qual preceitua que os efeitos da coisa julgada seriam adstritos aos consumidores com domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator da decisão (BRASIL, 1997).

Ainda, discute-se sobre a necessidade de apresentação de lista de associados, sindicalizados, entre outros.

A tendência dos Tribunais Superiores era no nesse sentido de fornecer maior alcance e efetividade aos direitos individuais homogêneos, tanto que em recente julgamento o Superior Tribunal de Justiça decidiu:

[…] os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta,  para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e  93 e 103, CDC) […] (STJ, REsp 1372364/DF).

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 612.043/PR, entendeu pela constitucionalidade do art. 2°-A, da Lei 9.494/97, o que fez com que as questões então superadas voltem a ter relevos de complexidade.

Em razão da limitação que se pretende dar ao presente artigo, bem como seu foco principal, as limitações e inconsistências sistêmicas trazidas pela Lei 9.494/97 serão deixadas para outra oportunidade. Neste estudo, importa seguir o Código de Defesa do Consumidor que preceitua serem os efeitos da coisa julgada erga omnes.

 

4 TUTELA DE URGÊNCIA NAS AÇÕES COLETIVAS QUE TRATAM DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

As mudanças processuais introduzidas em nosso ordenamento jurídico acabaram por culminar com a possibilidade, desde que devidamente preenchidos os requisitos legais, de concessão de tutela de urgência invocada pela parte interessada, a fim de que este se torne realmente útil ao fim colimado.

Assim o é porque, diante de cada caso concreto, a demora na prestação jurisdicional invocada pode acarretar ao litigante dano irreversível e, quando finalmente for ela concedida, já terá se tornado inócua e ineficaz ao fim adredemente pretendido.

O artigo 300 do Código de Processo Civil[2] dispõe que a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Da leitura do dispositivo de regência, tem-se que deverá o magistrado conceder a tutela de urgência toda vez que evidenciar a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

No tocante ao sentido estrito do perigo na demora, Marinoni e Mitidiero fazem uma distinção entre o requisito da urgência na tutela jurisdicional na tutela cautelar (risco de dano irreparável ou de difícil reparação) e na tutela satisfativa (perigo na demora da prestação jurisdicional), in “O projeto do CPC: críticas e propostas” (MARINONI; MITIDIERO, 2010, p. 107).

Sobre a probabilidade do direito, manifestam-se os mesmos autores, em Novo Código de Processo Civil Comentado, Revista dos Tribunais, p. 312:

No direito anterior a antecipação da tutela estava condicionada à existência de “prova inequívoca” capaz de convencer o juiz a respeito da “verossimilhança da alegação”, expressões que sempre foram alvo de acirrado debate na doutrina. O legislador resolveu, contudo, abandoná-las, dando preferência ao conceito de probabilidade do direito. Com isso, o legislador procurou autorizar o juiz a conceder tutelas provisórias com base em cognição sumária, isto é, ouvindo apenas uma das partes ou então fundado em quadros probatórios incompletos (vale dizer, sem que tenham sido colhidas todas as provas disponíveis para o esclarecimento das alegações de fato). A probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica – que é aquela que surge quando da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder a tutela provisória (MARINONI; MITIDIERO, 2010).

Prosseguindo, assim discorrem os autores sobre o perigo da demora, pp. 312-313:

(…) O legislador tinha à disposição, porém, um conceito mais apropriado, porque suficientemente versátil, para caracterizar a urgência: o conceito de perigo na demora (periculum in mora). A tutela provisória é necessária simplesmente porque não é possível esperar, sob pena de o ilícito ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente, não ser removido ou de dano não ser reparado ou reparável no futuro. Assim, é preciso ler as expressões perigo de dano e risco ao resultado útil do processo como alusões ao perigo na demora. Vale dizer: há urgência quando a demora pode comprometer a realização imediata ou futura do direito (MARINONI; MITIDIERO, 2010).

A tutela de urgência nas ações coletivas[3], assim como nas individuais, possui importância ímpar em razão da necessidade que se tem de ter uma resposta estatal célere e eficaz no sentido de se proteger lesão ou ameaça de lesão a direito.

A demanda, conforme a situação, poderá abranger mais de uma tutela de natureza coletiva (simultaneamente – art. 327 do CPC) previstas pelo art. 81 do CD (interesses difusos, coletivos em sentido estrito, e, individuais homogêneos, não se perdendo de vista, sobre o tema, lição proferida por Teori Zavascki, na obra “Processo Coletivo – Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos”:

Conforme observamos anteriormente, há hipóteses em que de uma única situação de fato decorrem, ou podem decorrer, simultânea ou sucessivamente, lesões a direitos transindividuais e a direitos individuais homogêneos. (…) Ora, o art. 292 e parágrafos do CPC permitem cumulação de pedidos contra o mesmo réu, desde que sejam compatíveis entre si, que o juízo para conhecer de todos eles seja o mesmo e que o procedimento seja adequado para todos. (…) É certo, de qualquer modo, no que diz respeito aos direitos individuais homogêneos, que a sentença de procedência, eventualmente proferida no processo em que se der a cumulação, deverá ter natureza genérica. Para o seu posterior cumprimento, as pessoas lesadas haverão de promover demanda autônoma, em nome próprio (ação de cumprimento), na qual serão identificados e liquidados os danos individualmente indenizáveis, cujo produto reverterá ao seu próprio patrimônio individual (e não, como ocorre com os direitos transindividuais, ao Fundo a que se refere o art. 13 da Lei 7.347/85). É que a possibilidade de cumulação é questão de natureza processual, que não altera nem compromete a natureza material do direito lesado ou ameaçado. Não é porque podem ter sua proteção postulada em ação civil pública que os direitos individuais homogêneos vão deixar de ser direitos individuais para se transformar em transindividuais. O direito material não nasce com o processo ou por causa dele – é anterior a ele. O processo, que é logicamente um posterius, somente terá razão de ser quando o direito – afirmado como existente – estiver ameaçado ou for atacado por ato lesivo. (ZAVASCKI, 2011, p. 73/74).

Kazuo Watanabe, in “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto”, Editora Forense Universitária, afirma:

Tendo-se presentes, de um lado, os conceitos anteriormente estabelecidos de interesses ou direitos ‘difusos’, ‘coletivos’ e ‘individuais homogêneos’ e, de outro, a legitimação para agir disciplinada no art. 82 e incisos do Código, é necessário fixar com precisão os elementos objetivos da ação coletiva a ser proposta (pedido e causa de pedir). Esses dados, como é cediço, têm superlativa importância na correta fixação da abrangência da demanda, e ainda para se saber com exatidão se, no caso concreto, ocorre mera conexidade entre as diversas ações coletivas ou, ao contrário, se trata de caso de litispendência ou até mesmo de coisa julgada a obstar o prosseguimento das ações posteriores (WATANABE [et. al.], 2017, p. 747).

Segundo comentários de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, quando o Estado veda o uso da força para a resolução dos conflitos e crises, compromete-se em realizar a efetivação do direito de forma adequada e tempestiva (MARINONI; MITIDIERO, 2010).

Inova-se, uma vez mais, a argumentação lançada por Teori Zavascki, obra supra:

Tutela preventiva é a que se postula (a) antes que ocorra a violação do direito e (b) para evitar que ela ocorra. Sua base constitucional está expressa no art. 5º, XXXV: ‘A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. A simples ameaça ao direito, a só expectativa de vir a ocorrer sua lesão, constitui, portanto, causa suficiente para dar ensejo à busca da tutela jurisdicional. Isso é tutela preventiva, que não se confunde com a tutela antecipatória nem com tutela cautelar. (…) Não há dúvida que o sistema deve oferecer meios para a tutela preventiva em caso de ameaça a direitos individuais homogêneos. Todavia, nas relações jurídicas envolvendo grande número de pessoas (relações de massa), as situações de ameaça a direito assumem, em geral, um caráter transindividual, pondo em risco uma comunidade inteira de pessoas, sem que seja possível identificar, por antecipação cada um dos atingidos. Nesse estágio, portanto, conforme anotado anteriormente, o direito ameaçado tem características de direito coletivo, devendo como tal ser tutelado em juízo. A tutela preventiva, assim, não se limitará a uma sentença genérica, sujeita a posterior ação individual de cumprimento, mas deverá conter, desde logo, eficácia executiva, para ensejar medidas inibitórias da lesão. (ZAVASCKI, 2011, p. 188-189).

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, tem-se que:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO MEIO AMBIENTE. APRECIAÇÃO DE DIREITO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. CONDIÇÃO DA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INOCORRÊNCIA. 1. O exame de contrariedade a direito local é inviável na apreciação de recurso especial amparado na alínea a do art. 105, III, da Constituição. Aplicação analógica da Súmula 280/STF. 2. A ação civil pública destina-se a tutelar direitos e interesses difusos e coletivos, inclusive e especialmente o meio ambiente. Há de se entender, conseqüentemente, que é instrumento com aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdicional, a proteção ao direito material da melhor forma, na maior extensão possível e com as medidas preventivas ou reparatórias adequadas. 3. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.” (REsp 801005 / SP, Rel. Min. Teori Zavascki, DJU 12.04.2007)

Não se fala mais somente em acesso à justiça, mas em proteção judicial efetiva e integral, cujo objeto é fornecer tutela jurisdicional adequada e tempestiva contra lesão ou ameaça a direito (MENDES, 2009). Assim, seja no campo individual ou coletivo, a tutela de urgência deve ser concretizada de modo célere e eficaz.

No presente trabalho a tutela de urgência é tratada em sentido amplo, isto é, como gênero do qual as tutelas de urgência e evidência são consideradas espécies[8]. Todas merecem proteção concreta, sendo imprescindível a existência de mecanismos processuais adequados a protegê-las.

A par disso, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 84, §3º, preceitua que na ação cujo objeto seja a obrigação de fazer ou não fazer, o julgador poderá conceder, liminarmente, tutela específica, ou determinar as providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

Antes, porém, a matéria foi positivada em outros dispositivos legais. O Art. 5º, §4º, da Lei 4.717/65, incluído pela Lei 6.513/77, apesar de criticado em razão da ausência de previsão dos requisitos para a concessão da medida liminar (MEIRELLES, 2008), tratou da possibilidade de sua concessão. Ainda, os artigos 4º e 12 da Lei 7.347/85 preceituam a possibilidade de concessão da tutela de urgência.

Em outro exemplo de previsão legislativa, Sérgio Cruz Arenhart ressalta o Art. 1º da Lei nº 7.913/89, que disciplina sobre a proteção dos investidores em mercado de valores mobiliários, oportunidade em que o Ministério Público pode adotar as medidas judiciais necessárias para evitar ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado (ARENHART, 2013).

O Código de Defesa do Consumidor e os outros diplomas citados que compõem o microssistema coletivo tornam expressam a possibilidade de antecipação do provimento jurisdicional quando existente relevante fundamento da demanda e risco de ineficácia do provimento final. Os permissivos descritos tratam da tutela coletiva de forma ampla, portanto, caso se esteja abordando direitos individuais homogêneos, estará o Poder Judiciário legitimado a concedê-la.

O Superior Tribunal de Justiça, em caso no qual se tutelou os interesses individuais homogêneos de consumidores, manteve a concessão da antecipação da tutela em que as instâncias ordinárias entenderam presentes os requisitos descritos no Art. 273 do Código de Processo Civil de 1973, atualmente Art. 294, 398, 300 e 311 do Código de Processo Civil vigente (STJ, REsp 1150965).

Portanto, pode-se sustentar que “a tutela antecipada ou a tutela cautelar em ações coletivas segue, em regra, os pressupostos e fundamentos gerais aplicáveis ao processo individual” (DIDIER JR; ZANETI JR, 2017p. 342). Com efeito, para concessão da tutela de urgência nas ações coletivas, é necessário somente o preenchimento dos requisitos descritos no §3º, do Art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, pois são mais brandos e condizentes com a efetividade do processo coletivo.

Importante e merecedor de destaque é sobre o preceituado no Art. 93 do Código de Defesa do Consumidor, o qual disciplina que nas ações cujo objeto seja direito individual homogêneo, a sentença será genérica. Teori Albino Zavascki disserta que a norma é cogente e necessariamente o comando judicial proferido nas demandas que tratem de direitos individuais homogêneos será genérico.

Ora, se a decisão é, ou deve ser genérica, como haveria então a possibilidade de concessão de tutela de urgência ou evidência? A resposta intuitiva seria no sentido de que não poderia ter satisfação sem a certeza.

Importa perquirir se o contraditório e a ampla defesa do requerido estariam mitigados na hipótese de concessão e efetivação de tutela de urgência.

Mais, dúvida há no sentido de existir prejuízo insanável ao réu que impediria a concessão liminar do bem da vida ou o seu acautelamento.

Some-se a tudo isso as imprecisões com relação à legitimidade, ao Juízo competente e ao procedimento a ser seguido para a efetivação do provimento jurisdicional, especialmente quando contrapostas em casos práticos. Surge a dificuldade de identificar o procedimento a ser tomado, especialmente em razão da oscilação jurisprudencial quanto ao tema.

Surge a necessidade de comentar sobre as questões relacionadas ao campo da responsabilidade daquele que executa o provimento jurisdicional antecipatório, especialmente se esse é cassado ao final. Vale dizer que, no campo coletivo, em razão do alcance da decisão concessiva de tutela de urgência, as consequências jurídicas ao afetado podem ser trágicas.

Os óbices apresentados acima possuem importância substancial. Direitos fundamentais estão em contraposição, especialmente os que tratam do contraditório e da ampla devesa e o direito à tutela jurisdicional efetiva. Os primeiros advogam para a impossibilidade de concessão de tutela de urgência e evidência nas ações que tratam de direitos individuais homogêneos; o segundo, de igual forma importante, legitima a conclusão no sentido de que a tutela deve ser concedida. Eis o choque entre direitos fundamentais.

Resta indagar sobre a possibilidade de concessão das tutelas coletivas que tratam de urgência no caso de direitos individuais homogêneos.

 

4.1 Possibilidade e Requisitos para Concessão das Tutelas de Urgência

O Código de Defesa do Consumidor, ao tratar da tutela de urgência, impõe para sua concessão a necessidade de relevante fundamento da lide e ineficácia do provimento final (Art. 84, §3º). De igual forma tratam o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu Art. 213, §1º e o Estatuto do Idoso, em seu Art. 83, §1º, o qual faz menção também ao Art. 273 do Código de Processo Civil.

A Lei 7.347/85, em seu Art. 4º, preceitua a possibilidade de ser ajuizada ação cautelar para garantia de seus fins e, em seu Art. 12, a possibilidade de mandado liminar, mas em nenhuma das hipóteses a legislação trata dos requisitos para a concessão da tutela, somente menciona a necessidade de se evitar dano na primeira hipótese.

A Lei 4.717/65, em seu Art. 5º, §4º, versa sobre a suspensão da liminar, sendo lícito concluir sobre a possibilidade de sua concessão; todavia, não apresenta os requisitos para o seu deferimento. A Lei 7.913/89 também trata da tutela de urgência, contudo, sem preceituar quais elementos necessários para sua concessão.

Todos os dispositivos infraconstitucionais apresentados servem para dar cumprimento ao preceituado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Nota-se, portanto, que no microssistema da tutela coletiva somente foram estipulados os requisitos para a concessão da tutela de urgência nas obrigações de fazer ou não fazer, e tão só no Estatuto do Idoso há menção ao Código de Processo Civil.

Nesse passo, pode-se concluir que, para a concessão de tutela de urgência relativa à obrigação de fazer ou não fazer, o julgador tem a necessidade de analisar a existência de relevante fundamento da lide e risco de ineficácia do provimento final. Com relação ao primeiro requisito, tem-se, nos dizeres de Luiz Guilherme Marinoni, referência ao fumus boni iuris, ou seja, há necessidade de demonstração, ainda que sumária, de perigo da prática, continuação ou repetição do ato ilícito (MARINONI, 2011).

O outro requisito disciplinado na norma diz respeito à ineficácia do provimento final. Sobre o tema, constata Luiz Guilherme Marinoni a existência de

[…] uma série de direitos de conteúdo não patrimonial. Tais direitos são típicos da sociedade atual, em que se toma consciência cada vez mais nítida da necessidade de sua efetiva consagração como bens imprescindíveis à vida digna das pessoas. Os direitos de conteúdo não patrimonial são direitos invioláveis. […] importam quando não violados […] (MARINONI, 2011, p. 68).

Nesse passo, o perigo de ineficácia do provimento final, na visão de Aloyr Dias Lacerda, “aproxima-se do periculum in mora, exigido para a concessão das medidas cautelares” (LACERDA, 2011, p. 95), isto é, pretende-se impedir que o réu pratique ou reitere o ato ilícito que impedirá que o demandante tenha assegurado seu bem da vida. Sintetiza Ricardo de Barros Leonel sustentando que

[…] a concessão de medidas em caráter liminar depende da demonstração de urgência do provimento e da plausibilidade dos fundamentos jurídicos invocados pelo postulante, analisados pelo magistrado em cognição sumária (periculum in mora e o fumus boni iuris). (LEONEL, 2013, p. 328).

Imagine-se, por oportuno, a existência de medicamento posto a venda que possa gerar graves danos aos consumidores. Em vista dessa situação, ajuíza-se ação coletiva com objetivo de retirar a droga de circulação, bem como indenizar os consumidores que tiveram danos com sua utilização.

Evidentemente, no exemplo apresentado, será necessária concessão da tutela de urgência no sentido de retirar a droga de circulação, portanto, uma obrigação de fazer. Requisito da concessão da tutela é a demonstração do fundamento da lide e do fundado receio de ineficácia do provimento final, ou seja, fumus boni iuris e o periculum in mora.

Demonstrando o postulante a existência do fundamento de sua lide, isto é, proteção à vida e à saúde do consumidor, bem como a possibilidade de ineficácia do provimento final, ou seja, o perigo aos bens jurídicos aludidos, deverá ser concedida a tutela específica no sentido de retirar a droga do mercado.

Ainda, é lícito que o demandante postule, também em sede de tutela de urgência, a obrigação de que o demandado forneça aos consumidores que ingeriram a droga, remédios para a solução dos efeitos danosos causados pela droga imprópria para o consumo. Portanto, estar-se-ia diante de um pedido de antecipação da tutela de obrigação de fazer de caráter nitidamente individual homogêneos.

Ocorre que, conforme analisado, a legislação coletiva trata da tutela de urgência no que tange especificamente à obrigação de fazer e não fazer nos direitos difusos e coletivos, de modo que nos individuais homogêneos há contraposição com a necessidade de a providência jurisdicional ter de ser genérica. Eis a presença dos obstáculos mencionados no item anterior.

Por conseguinte, resta dúbia a possibilidade de concessão de tutela de urgência no caso dos direitos individuais homogêneos. Por força do Art. 95 do Código de Defesa do Consumidor, a condenação deverá ser geral, fixando somente a responsabilidade do réu pelos danos causados. Mas não só por isso. Influem e pesam sobre a questão os direitos fundamentais ao contraditório e à ampla defesa.

Há, no caso, colisão entre direitos (ou princípios) fundamentais, cuja solução revela-se no campo do peso, tomando-se por critério de aferição o princípio da proporcionalidade e razoabilidade (ROTHENBURG, 2003).

Nesse contexto, tem-se que o direito ao acesso efetivo à justiça deve ser aplicado em sua máxima amplitude, de forma que, respeitados o contraditório e a ampla defesa, nos moldes descritos abaixo, a concessão da tutela de urgência deve ser medida impositiva. Os contrapostos serão apresentados abaixo, no momento de se apresentar os requisitos para a concessão das tutelas de urgência.

O contraditório e a ampla defesa, por serem direitos fundamentais, devem ser respeitados em sua máxima amplitude, sem quem com isso o acesso efetivo à justiça seja mitigado.

Vale a ressalva que se está a tratar de provimento provisório cuja cognição é sumária, razão pela qual essa prova inequívoca, apesar da rigorosa redação legislativa, deve ser lida como “uma prova robusta” que aproxime, “em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade” (ZAVASCKI, 1997, p. 76).

 

4.2 Procedimento a ser Seguido para Liquidação e Execução da Tutela Coletiva

O Código de Defesa do Consumidor impõe que a condenação na ação coletiva que trata de direitos individuais homogêneos seja, em regra, genérica, isto é, limitada a preceituar sobre a homogeneidade.

Assim, para complementar a atividade cognitiva, deve ser procedida a liquidação do provimento jurisdicional, seja antecipado ou final. Consigne-se, somente que há situações nas quais não é necessária a liquidação do provimento jurisdicional, especialmente onde se tem presente a obrigação de fazer ou não fazer (MENDES, 2013).

Com efeito, na liquidação será precedida de amplo acesso ao contraditório e à ampla defesa, o quais devem ser garantidos, mas sumarizados.

Deve-se utilizar, a despeito de normas específicas, o Código de Defesa do Consumidor que traz as normas relativas à legitimidade daqueles que podem ajuizar a liquidação (Art. 97), bem como normas gerais atinentes à possibilidade de execução coletiva ou individual (Art. 98).

Como é cediço, a liquidação e execução do julgado pode se dar de forma individual ou coletiva e, nesta hipótese, preceitua o §1°, do Art. 98, do Código de Defesa do Consumidor que a execução será realizada com base na certidão das sentenças de liquidação, na qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado. Em ambas, os legitimados devem proceder à liquidação do provimento jurisdicional.

Nota-se não existir no microssistema da tutela coletiva roteiro, regras e procedimentos pormenorizados para a liquidação e execução do julgado, razão pela qual se utiliza os preceitos do Código de Processo Civil.

Teori Albino Zavascki defende que, havendo necessidade de se provar fato novo, a liquidação será feita por artigos, nos termos do art. 509 e seguintes do Código de Processo Civil e seguirá, conforme seus ditames, o procedimento comum, sendo necessária a citação do réu para oferecer resposta compatível com a cognição que será realizada nessa fase. Eis, novamente, o respeito ao contraditório e à ampla defesa.

Pode a liquidação também ser realizada por arbitramento, o que dependerá da convenção das partes, da imposição no provimento jurisdicional ou da natureza do objeto da liquidação (LEONEL, 2013).

A fim de ilustrar o aludido, basta que se focalize no exemplo tratado acima, no qual, para individualizar o prejuízo que o consumidor teve com a utilização do medicamento impróprio, ou seja, a necessidade de tomar outra droga para curar os males causados pelo medicamento inicial, haverá a necessidade de se comprovar, na liquidação, o consumo do medicamento nocivo, a necessidade de utilização de outro medicamento, seu custo e o nexo causal entre a utilização do medicamento impróprio e o dano, portanto o procedimento deverá ser realizado por artigos.

Importa ressalvar que para o presente estudo está-se tratando de cognição sumária, posto que a tutela objetivada é de urgência. Nesse passo, a exemplo do ocorrido na fase de conhecimento, a cognição do juízo na liquidação também deverá ser sumária, o que avulta a necessidade de imposição de eventuais garantias que se fizerem necessárias em favor do demandado.

Ainda, trata-se de tutela provisória, razão pela qual sua liquidação e execução serão realizadas nos moldes dos artigos 509 e 520 do Código de Processo Civil, ou seja, deverá ser processado o feito em autos apartados, cabendo ao demandante instruir os autos com as cópias pertinentes e sua responsabilidade pelos danos eventualmente causados ao demandado será objetiva. Ademais, sobrevindo acórdão que modifique ou anule o provimento jurisdicional, retornarão as partes ao estado anterior e serão liquidados eventuais prejuízos por arbitramento.

Neste momento surgem dificuldades, como quais peças do processo principal devem ser colacionadas para a liquidação e execução do julgado, o demandado é citado ou intimado, qual a relação de dependência da liquidação e execução com o processo principal, e quais as responsabilidades do titular dos direitos.

O dispositivo processual que trata da liquidação e execução provisória não relaciona exaustivamente quais as peças necessárias ao início da fase para satisfação da pretensão jurídica, apenas menciona “peças processuais pertinentes”. Resta indagar quais seriam essas peças processuais pertinentes.

Há quem sustente que “certamente, além de outras, devem constar cópias da petição inicial, da sentença liquidanda e das procurações outorgadas aos advogados de ambas as partes.” (DIDIER JR, 2017).

Não há rol taxativo, mas, por ser necessário no momento da execução que deverá ser feito em seguida à liquidação, cabe ao demandante cumprir com o preceituado no Art. 522 do Código de Processo Civil, isto é, instruir a petição com cópias da decisão exequenda, certidão de interposição de recurso não dotado de efeito suspensivo, procurações, entre outras peças necessárias para o entendimento do caso.

Sabe-se que a casuística levará a diversas situações em que os julgadores entenderão pela ausência de algum documento necessário à sua atividade cognitiva, entretanto, nessas situações, deverá o juízo intimar o demandante para que junte o documento no prazo por ele estipulado.

A propósito, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero defendem que

Ausente qualquer das peças ali indicadas, tem o juiz o dever de intimar o demandante para que complemente a instrução de seu requerimento – com o que cumprirá com o seu dever de auxílio inerente ao processo civil pautado pela colaboração. É vedado o indeferimento liminar do requerimento sem prévio diálogo com o demandante. (MARINONI; MITIDIERO, 2010, p. 482).

Portanto, com o título judicial, isto é, com o provimento judicial que antecipou os efeitos da tutela, o consumidor poderá ajuizar a liquidação da sentença em seu domicílio, de modo que o pedido deve ser acompanhado pelas peças acima aludidas.

Ajuizada a liquidação individualmente, cabe indagar se o demandado será intimado, nos termos do art. 511 do Código de Processo Civil ou citado. Para Teori Albino Zavascki, “considerando que a ação de cumprimento inaugura uma nova relação processual, indispensável será a citação do demandado, aplicando-se, para esse efeito, por analogia, o disposto no parágrafo único do Art. 475-N do CPC.” (ZAVASCKI, 2011, p. 179) precedente o Superior Tribunal de Justiça, entendeu-se pela necessidade da citação (STJ, REsp 1348512).

Novamente verifica-se que a ausência de procedimento descrito na legislação leva o aplicador do direito a dúvidas e inconsistências. Parece razoável entender que, quando a liquidação e execução for realizada coletivamente, no juízo e apensa à ação principal, há necessidade de simples intimação, na pessoa do advogado do demandado, para exercer o contraditório na liquidação e execução do provimento jurisdicional.

Justifica-se o pensamento acima pelo fato de que, nessa situação, a liquidação e execução efetivamente serão uma fase, de modo a efetivar-se o direito de forma sincrética.

Admissível também é aceitar que, no caso de liquidação e execução do julgado de forma individual, há necessidade de citação do demandado. Nesse caso, a liquidação e execução não se consumarão em simples fase procedimental, mas, como dito por Teori Zavascki, serão iniciadas novas relações processuais, entre o outrora substituído processualmente e o demandado.

Inaugurada a nova fase ou a nova relação processual de liquidação do julgado, haverá contraditório e ampla defesa, na qual será cerceado o direito do demandado de discutir exclusivamente as questões já consignadas na ação de conhecimento. Portanto, na fase de liquidação há necessidade de se comprovar a ocorrência do dano individual, sua extensão e seu nexo causal com a conduta reconhecida na sentença. Por tais razões, “o devedor é sempre ouvido na liquidação, que segue a forma de um contraditório perfeito” (THEODORO JÚNIOR, 2007, p. 623).

Por conseguinte, respeitadas as especificidades tratadas no presente capítulo, a liquidação e execução do julgado em ação coletiva seguirão os ditames da liquidação e execução do julgado em ação individual, notadamente por inexistir o aguardado Código de Processo Coletivo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A massificação das demandas é evidente, sentida e observada pelos operadores e aplicadores do direito. Podem ser enumeradas diversas consequências decorrentes desse fenômeno, o qual, como já apresentado, é positivo e indicador de amadurecimento social.

Decorrente do amadurecimento social e do Estado Democrático de Direito, tem-se que não basta simples acesso à justiça. Esse direito constitucional deve ser lido, visto e tratado em sentido amplo e complexo. É necessário o acesso à justiça, garantidos todos os meios processuais idôneos para que se obtenha de modo célere, eficiente e seguro o bem da vida.

Atualmente a tutela dos direitos coletivos passa por uma evolução singular, de forma que estudiosos se dedicam ao aprimoramento do instituto que remonta à longa data em termos mundiais, mas é novo, em se tratando de Brasil.

Ocorre que, apesar da dedicação ao estudo e aprimoramento da tutela coletiva, não se tem um Código de Processo Coletivo harmônico e bem acabado, razão pela qual o operador do direito deve se valer do chamado microssistema descrito acima. Não obstante, urge a necessidade de elaboração do Código de Processo Coletivo para melhor aplicação do instituto.

Há lacunas, zonas nebulosas e receios que prejudicam e, em determinados casos, impedem a execução e efetivação da tutela coletiva, em especial a de urgência. Questões são levantadas com relação à legitimidade, alcance e efeitos da coisa julgada. Imprecisões relacionadas à efetivação do provimento jurisdicional obstaculizam a concretização dos direitos.

O cenário deve ser modificado. A tutela coletiva tem que ser instrumento de pacificação social de modo a fornecer segurança jurídica e tutela célere e efetiva ao jurisdicionando.

Deixar ao arbítrio do aplicador do direito o preenchimento das lacunas e obscuridades do sistema coletivo não é a solução ideal. Em uma República em que os precedentes ainda não são respeitados, os operadores do direito carecem de maior amadurecimento e responsabilidade social, faz-se necessária uma resposta estatal, que deve vir por meio de um Código de Processo Civil Coletivo.

Entraves são colocados ordinariamente. Exemplos clássicos são os famigerados planos econômicos. O direito aos poupadores é pacificado. Discutem-se há tempos questões processuais e procedimentais. O Direito não pode esperar. Não pode sucumbir ao formalismo. O processo é instrumento e deve servir como tal.

Ao se tratar de tutela de urgência, o clamor por efetividade é preponderante. Entraves e discussões não devem fazer com que o direito e, em última análise a Constituição Federal, sucumbam. A tutela coletiva deve ser tratada com seriedade.

Espera-se resposta estatal. Justiça tardia e insegura não é justiça. Tem-se então um Estado de caos indesejado e perigoso. A tutela coletiva é instrumento eficaz a combater esses problemas, todavia, deve ser tratada com seriedade e coragem.

Aos estudiosos e operadores do direito, clama-se pela utilização dos direitos individuais homogêneos de forma efetiva. Inexiste resposta sobre a concessão das tutelas de urgência nos direitos individuais homogêneos, o que decorre a subutilização da tutela em comento.

 

REFERÊNCIAS
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ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal serrano. Curso de Direito Constitucional. 20ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Verbatim, 2016.REFERÊNCIAS

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NOTAS DE FIM

[1] Decorrente de vários fatores, dentre eles a inexistência de estrutura física e humana para, com a qualidade necessária, pacificar a sociedade julgando com responsabilidade e destreza os feitos que lhes são submetidos.

[2] Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. §1.º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferece-la. §2.º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. §3.º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão

[3] AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. TUTELA DE URGÊNCIA. ORDEM JUDICIAL PARA CUMPRIMENTO DAS NORMAS PARA A COMERCIALIZAÇÃO DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS. DEMONSTRADOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELAANTECIPADA. PRÉVIA FISCALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA CONSTATANDO A PRESENÇA DE IRREGULARIDADES NO ESTABELECIMENTO DA REQUERIDA. RISCO ATUAL DE COMERCIALIZAÇÃO DE CARNE ESTRAGADA. TUTELA ANTECIPADA MANTIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70074835158, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em 19/10/2017)

[1]        STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 163-164: “Percebemos (compreendemos) a Constituição ‘como’ Constituição quando a confrontamos com a sociedade para qual é dirigida; compreendemos a Constituição ‘como’ Constituição quando examinamos os dispositivos que determinam o resgate das promessas da modernidade e quando, através de nossa consciência acerca dos efeitos que a história tem sobre nós (Wirkungsgeschichtliches Bewuβtsein), damo-nos conta da ausência de justiça social (cujo comando de resgate está no texto constitucional); compreendemos a Constituição ‘como’ Constituição quando constatamos que os direitos fundamentais-sociais somente foram integrados ao texto constitucional pela exata razão de que a imensa maioria da população não os têm; compreendemos que a Constituição é, também, desse modo, a própria ineficácia da inexpressiva maioria de seus dispositivos (que é, finalmente, o retrato da própria realidade social); […]. Isto significa dizer que uma ‘baixa compreensão’ acerca do sentido da Constituição – naquilo que ela significa no âmbito do Estado Democrático de Direito – inexoravelmente acarretará uma ‘baixa aplicação’, com efetivo prejuízo para a concretização dos direitos fundamentais-sociais. As condições de possibilidades para que o intérprete possa compreender um texto implicam (sempre e inexoravelmente) a existência de uma pré-compreensão (seus pré-juízos) acerca da totalidade (que a sua linguagem lhe possibilita) do sistema jurídico-político-social”.

[2]        TRINDADE, 2007, p. 136: “A adoção das necessidades humanas como elemento deterninante dos Direitos Fundamentais propicia uma maior segurança ao próprio sistema de controle social. Esse fato deriva da manutenção do ser em seu meio como elemento centralizador das relações sociais. As necessidades humanas são imutáveis. O que muda são as formas como essas necessidades são expressas no meio social”.

[3]        MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 71-72: “O acesso à Justiça de tantos direitos de nova geração, que se diriam dessubstantivados, porque indivisíveis e não apropriáveis por um titular isolado e exclusivo, vai pondo em evidência a estruturação de um processo civil coletivo, cuja tônica se desloca para a finalidade da satisfação dos justos anseios da coletividade, em contrposição ao clássico desiderato de atendimento a direitos subjetivos individuais contrariados ou insatisfeitos”.

[4]        ARENHART, Sérgio Cruz. As ações coletivas e o controle das políticas públicas pelo poder judiciário. In: MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias. Processo civil coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 504 “Não há dúvida de que as demandas coletivas têm, paulatinamente, ganhado espaço no cenário jurídico nacional. Em que pesem alguns percalços – apresentados tanto pela jurisprudência como por inovações legislativas recentes – que buscam diminuir a eficácia, o cabimento ou a utilização das ações coletivas, são freqüentes, na atualidade, as ações que questionam interesses que afetam toda a coletividade”.

[5]        MANCUSO, 2007, p. 65: Para o autor são aqueles que “[…] depassam a esfera de atuação dos indivíduos isoladamente considerados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva”.

[6]        Existem, atualmente, 04 propostas de codificação da tutela coletiva: uma da Professora Ada; Código Modelo para Ibero- América, Projeto da UERJ; da Estácio de Sá; e, um de Antônio Gidi. Nos quatro projetos já há consagração do controle jurisdicional (embora projetos, são fontes de estudo do direito coletivo).

[7]        CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 10-11: “[…] à medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical. A partir do momento em que as ações e os relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para trás a visão individualista dos direitos, refletida nas ‘declarações de direitos’ típicas dos séculos dezoito e dezenove. O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos. Esses novos direitos humanos exemplificados pelo preâmbulo da Constituição Francesa de 1946, são, antes de tudo, os necessários para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessíveis a todos, os direitos antes proclamados. Entre esses direitos garantidos nas modernas constituições estão os direitos ao trabalho, à saúde, à segurança material e à educação. Tornou-se lugar comum observar que a atuação positiva do Estado é necessária para assegurar o gozo de todos os direitos sociais básicos”.

[8] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Processo de execução e cumprimento de sentença, processo cautelar e tutela de urência. Rio de Janeiro: Forense, 2013. V 2.

Âmbito Jurídico

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