Sumário: Introdução; II- O caráter punitivo preventivo da execução penal; II- O caráter sociabilizador da execução penal; Considerações finais; Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO:
A Lei 7210 de 17 de junho de 1984 ( Lei de Execução Penal) é, sem dúvida, uma das normas de maior grau de excelência do ordenamento jurídico brasileiro. Mesmo tendo sido editada em meados da década de 80 do século XX, conseqüentemente anteriormente à própria Constituição Federal de 1988, trouxe inovações esplendidas com uma atualidade indiscutível. Contudo, é bem verdade, que o sistema prisional nacional ainda não conseguiu adequar-se a seus elementos basilares, e, o que hoje se contempla é um grande contraste entre o que descreve a citada lei e o que se observa na prática.
Sobre o paradoxo entre a LEP e a prática, muito já se foi discutido e escrito. Logo não é objetivo deste trabalho enveredar neste caminho, mas, a intenção do mesmo é apresentar os objetivos da Execução Penal, quais sejam: o Punitivo Preventivo (inegavelmente necessário como forma de controle social), e o Caráter Sociabilizador (abordando a extrema dificuldade em atingir sua proposição), numa análise científico comparativa, com teorias da Psicologia do Desenvolvimento, demonstrando mais uma vez, que as ciências jurídicas são interdependentes e interagem com os demais ramos do conhecimento humano.
I – O CARÁTER PUNITIVO PREVENTIVO DA EXECUÇÃO PENAL.
A retribuição punitiva aos delitos, remonta a mais extrema antiguidade. Já com HAMURABI[1], a tipificação do ilícito, acompanhada da respectiva pena já passava a ser codificada.[2]. Esta codificação se difundiu entre diversos povos antigos, exercendo influência até no Pentateuco Bíblico.[3]
Obviamente, como denunciou BECCARIA[4], muitas vezes as penas extrapolavam os delitos e, verdadeiros e cruéis exageros, não raramente, marcaram de dolo a história jurídica universal. Entretanto, como o próprio Beccaria concordava, a punição, para o infrator da lei, é necessária, daí porque não existe ordenamento jurídico que não imponha sanção àquele que se enquadre num tipo penal.
Buscando entender a influência da punição como forma de prevenção contra as infrações penais, poder-se-ia sugerir a análise de uma interessante teoria proposta pelo professor norte americano Lawrence Kolberg[5], segundo o qual, há uma série progressiva de desenvolvimento moral nas pessoas, que se processa numa seqüência de níveis[6], os quais ele denominou de:
– Nível 1: O da Moralidade Pré-Convencional( subdividido nos estágios 1 e 2);
– Nível 2: O da Moralidade Convencional( subdividido nos estágios 3 e 4);
–Nível 3: O da Moralidade Pós-Convencional( subdividido nos estágios 5 e 6).
No Nível de moralidade pré-convencional, os valores morais são resultantes da obediência a uma autoridade externa. O indivíduo nele inserido, julga seus atos de acordo com as conseqüências deles advindas. No primeiro estágio deste nível, serão encontradas as crianças bem pequenas. Quase sempre, elas julgam suas ações considerando um ato moralmente mau ou bom se quem o praticou receber castigo ou prêmio respectivamente.No segundo estágio, do nível de moralidade pré-convencional (onde estão incluídas as crianças um pouco mais velhas, 10 anos aproximadamente), os atos serão considerados moralmente corretos se trouxerem prazer ou satisfação às necessidades daquele que os pratica. Ainda neste estágio, encontra-se fortemente presente o egocentrismo infantil, que impede a criança, de levar em consideração, as necessidades dos outros indivíduos, salvo, quando também, os benefícios lhe forem recíprocos.
No Nível de Moralidade Convencional, os valores morais consistem em cumprir as leis, em manter a ordem social e em fazer o que os outros esperam do indivíduo. No estágio três, a criança já leva em consideração os outros indivíduos. Ela sente a necessidade de ser aprovada pela família, pela escola, pela comunidade, etc. No estágio quatro, o comportamento que o indivíduo considera moralmente correto, consiste na obediência às autoridades, mantendo a ordem social em vigor, e, no cumprimento do dever. Muitos jovens de dezesseis anos estão neste estágio.
Finalmente, no Nível de Moralidade Pós-Convencional, o estado de consciência, com relação aos valores morais, alcança sua plenitude. Grande parte das pessoas jamais consegue atingir este nível. No estágio cinco, o indivíduo sente que tem obrigação de obedecer as leis, mas entende que estas não são absolutas e, algumas, podem ou devem ser modificadas, com a anuência da sociedade. “Neste estágio, a preocupação é com o respeito à comunidade e de si próprio e não mais com a cadeia”.[7]
No estágio seis, a consciência é quem decide, se algo é certo ou errado, baseada em princípios éticos, abstratos, gerais e universais. Tais princípios e valores têm validade e aplicação independentemente da autoridade.
Como já dito, grande parte das pessoas não consegue atingir todos os seis estágios propostos por Kolberg . Na verdade, o contingente que não ultrapassa os dois primeiros estágios é muito grande. Conseqüentemente, se inexistisse o caráter punitivo da execução penal, possivelmente, a sociedade mergulharia num caos profundo, e, a desordem social seria eminente.[8]
Contudo, o ideal a ser atingido, não é levar as pessoas a obedecerem as leis com receio da punição estatal, mas propiciar meios que as levem a desenvolver o sentimento de justiça, que deve brotar no interior de cada indivíduo. Primeiramente porque, se toda a sociedade cumpre as leis, por receio da punição estatal, quando o Estado não conseguir impor a todos os que cometem delitos as respectivas sanções, surgirá à impunidade, e esta, gerará mais ainda violência e desordem. Depois porque, se houver um satisfatório desenvolvimento moral nos cidadãos, e as leis forem cumpridas por razões altruístas e éticas, a justiça se fará mais presente, e o convívio entre os cidadãos mais harmonioso.
II – O CARÁTER SOCIABILIZADOR DA EXECUÇÃO PENAL.
Diversos estudos comprovam a grande influência dos fatores sociais, tendo a família como um dos mais importantes, na determinação dos traços da personalidade de um indivíduo. Célia Silva Guimarães Barros, em sua obra Pontos de Psicologia do Desenvolvimento, aponta uma série de trabalhos e pesquisas feitos sobre o tema. Um dos estudos revelou que 58% dos delinqüentes, e apenas 25% dos não delinqüentes provinham de lares desfeitos. Outro estudo apontou que em determinada instituição para infratores juvenis, quase todas as crianças e adolescentes ali internados, eram oriundos de lares desfeitos ou em desarmonia.
Outro fator preponderante é o modo como os pais tratam os filhos, aponta a referida autora. Tanto a rejeição, quanto a super-proteção, tem efeitos significativos sobre a personalidade dos últimos, podendo levá-los, a desenvolver, irreverência, teimosia e hostilidade.
Neste contexto, não será difícil, constatar que o grande contingente de detentos e reclusos do sistema carcerário brasileiro, é formado por homens e mulheres de uma infância regada a sofrimento, exclusão e rejeição. Muitos, quando crianças, sofreram espancamentos brutais dos familiares, outros foram por estes incitados a cometerem de início pequenos, e depois médios e grandes furtos, até chegarem aos assaltos. O envolvimento com drogas e entorpecentes desde cedo, é quase que uma constante. E quase todos passaram à infância longe da figura do genitor , pois este, nunca assumira as responsabilidades paternas, sendo pura e simplesmente uma figura pro criativa.
Diante deste quadro apresentado, observa-se quão árdua é a missão sociabilizadora, imposta à execução penal. É muito difícil, durante um período de cumprimento de pena (que pode ser curto, médio ou longo), com a degradante situação vivida pelo sistema prisional brasileiro, transformar para melhor, indivíduos que tiveram toda uma gama de más influências durante toda a vida.
Aqueles que cumprem suas penas e voltam à liberdade, dificilmente conseguem se incluir no mercado de trabalho e no pleno convívio social. Primeiramente porque a grande maioria dos apenados é formada por pessoas analfabetas ou semi-analfabetas, conseqüentemente, desqualificadas profissionalmente. Depois porque, dificilmente alguém abre as portas de sua empresa ou de sua residência para dar emprego a um ‘ex-presidiário’.
É bem verdade que o texto da lei 7210/84, é quase perfeito, quando o mesmo prevê dos artigos 11 ao 37 um conjunto de benefícios ( assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social, religiosa, entre outras), que se fossem aplicados em sua plenitude, amenizariam o problema aqui discutido. Mas, não basta apenas a previsão legal, é necessário que na prática, tais preceitos estejam sendo postos em prática.[9]
Além disso, quando se fala em sociabilização pela execução penal, está se tratando do combate às conseqüências, ‘remédio paliativo’, e não de luta contra as causas do problema. Talvez a sociedade atual deva rever certas atitudes e reverter certos valores. Talvez a sociedade nas últimas décadas tenha esquecido o valor da família, da solidariedade, do bem comum, e enveredado num individualismo desenfreado, numa competição sem fim. Talvez por isso enquanto a humanidade está evoluindo em todos os seus matizes, tem retrocedido no que se refere às relações pessoais e o convívio entra as pessoas tenha se tornado mais difícil.
-CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A escalada de violência está cada vez mais trilhando uma linha ascendente e ininterrupta. As formas tradicionais de controle social não têm conseguido deter esta, que talvez seja, a maior mazela que aflige a sociedade contemporânea. Mesmo com todo o desenvolvimento científico atual, mesmo com toda a evolução do pensamento humano e mesmo quando a humanidade atinge o ápice do desenvolvimento cultural, não se tem conseguido encontrar solução, ou pelo menos a amenização do problema da segurança pública com a conseqüente diminuição da violência.
Surgem então, os que pregam uma maior rigidez do ordenamento jurídico, no que se refere, à composição de leis mais severas. Mas, estas leis já existem. Qualquer análise criteriosa demonstrará, que em matéria de Direito Penal, a Legislação brasileira é bastante severa, e as penas impostas àqueles que cometem crimes não são tão brandas, como alguém possa imaginar.
Outros se levantam e fazem apologias ao endurecimento da polícia repressiva. O que em parte é necessário, mas tal atitude é apenas um ‘remédio paliativo’ para um mal de causas tão profundas.
Os mais sensatos sabem que a resolução de qualquer problema está no combate às causas e não nos efeitos. As questões abordadas neste artigo, não estão apenas delimitadas na esfera governamental, mas muito mais em níveis de convivência familiar e social. Antes de medidas puramente repressivas, faz-se necessário, que medidas sócio-educativas sejam tomadas, tanto para que mais pessoas atinjam os mais altos níveis de desenvolvimento moral, quanto que a influência dos fatores sociais seja cada vez mais benéfica na formação dos indivíduos e conseqüentemente da Sociedade. Só assim a Lei de Execução Penal, deixará de ser um objetivo e tornar-se á uma realidade.
Licenciado em Ciências com habilitação em Biologia pela UPE; Bacharel em Teologia e Licenciado em Educação Religiosa pela FATEFI; Acadêmico em Direito pela Faculdade de Timbaúba
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