Resumo: O presente trabalho aborda o conceito jurídico da fidúcia e sua origem histórica com o intuito de compreender a sua inserção no ordenamento jurídico brasileiro. A alienação fiduciária atualmente representa a evolução deste instituto e vem sendo utilizada como instrumento para garantir as relações que envolvam a concessão de crédito. Contudo, como será visto, sua importância tem grande aspecto econômico e social.
Sumário: 1. Introdução; 2. Esboço histórico da fidúcia; 2.1 A fidúcia no Direito atual 2.2 Tipos de garantia; 3. Negócio fiduciário; 4.0 Relações jurídicas na fidúcia; 5. Propriedade fiduciária; 5.1 Caracteres da propriedade fiduciária; 6. Alienação fiduciário no ordenamento jurídico brasileiro;6.1 visão geral; 6.2 requisitos; 6.3 Aspectos conclusivos: a importância da garantia fiduciária na atual sociedade capitalista 7. Referências bibliográficas;
1. INTRODUÇÃO
Fidúcia é uma palavra que vem do latim, confidere, que significa confiança, segurança,lealdade, em que se credita boa-fé, ou seja, confiança que o fiduciante deposita no fiduciário no cumprimento da obrigação pactuada.
Pontes de Miranda[1] conceitua que a fidúcia é o ato “entre declarantes ou manifestantes de vontade, um dos quais confia (espera) que o outro se conduza como ele deseja e, pois, tem fé ”.
Por sua vez, José Carlos Moreira Alves, afirma que a fidúcia romana era contrato pelo qual alguém (o fiduciário) recebia de outrem (o fiduciante) a propriedade sobre uma coisa infungível; mediante “a mancipatio ou a in iure cessio“, obrigando-se de acordo com o estabelecido num “pactum” aposto ao ato de entrega, a restituí-la ao fiduciante ou dar-lhe determinada destinação. Caracterizava-se, portanto, como um contrato real.[2]
No PL n°4809/98, que tramitou no Congresso Nacional, o contrato de fidúcia é conceituado, no relatório, como “aquele pelo qual uma das partes, denominada fiduciante, transmite a propriedade fiduciária de bens ou direitos a outra, denominada fiduciário, para que este os administre em proveito de um terceiro, denominado beneficiário, ou do próprio fiduciante, e os transmita a estes ou a terceiros, de acordo com o estipulado no contrato”.
2. ESBOÇO HISTÓRICO DA FIDÚCIA
No nosso direito atual, os institutos de garantia são frutos da evolução do direito romano clássico e anglo-germânico. No início, a garantia não se desvinculava da própria pessoa do devedor, havendo, inclusive, a incidência de castigos corporais ou até a pena de morte do devedor.
Após a Lex Paetelia Papiria, do ano de 326 a.C. é que houve a alteração do modo da garantia, uma vez que a Lex estipulou que o patrimônio do devedor é que serveria como garantia de eventuais dívidas contraídas.
Para que apenas o patrimônio do devedor suportasse a dívida, passou-se por um longo caminho prático e doutrinário até que a garantia se ligasse a um bem, com eficácia de direito real, não vinculada estritamente ao devedor, mas a coisa.[3]
A garantia mais antiga é a fiducia cum creditore, instituto criado no direito romano pelo qual o credor recebia do devedor a propriedade e a posse de um bem fungível (res mancipi), a fim de que garantido fosse o cumprimento de uma obrigação principal, lhe restando o dever de restituí-lo tão logo fosse liquidada a obrigação pelo devedor (pactum fiduciae), porém nada não lhe impedia de dispor da coisa como dono até a devolução.
Observa-se também no ordenamento jurídico romano a presença do fiducia cum amico,[4] que nada mais era que um contrato de confiança, sem garantia, em que o fiduciante alienava seus bens a quem confiasse, para que estes ficassem guardados, como em um depósito, até que cessadas fossem a situação de perigo.
Nestes casos eram os alienantes que se viam sob grande vulnerabilidade. Em ambas as situações, não dispunha o alienante de remédio jurídico hábil a fazer com que o credor restitua a coisa alienada quando adimplida a sua obrigação, sendo que o único recurso a que podia o alienante socorrer-se era o pacto comissório, hoje vedado em nosso ordenamento (art.1248 do CC/02)[5].
Já através do penhor de propriedade germânico[6], que apresentava semelhanças com a fidúcia romana, o devedor transferia a propriedade da coisa ao credor, sendo este obrigado a restituir a coisa àquele quando ocorresse o adimplemento e, conseqüentemente, a extinção da dívida. Diferencia-se, no entanto, do instituto romano, visto que o caráter resolutório da propriedade do credor é erga omnes.
Sobre o assunto, Melhim Namem Chalhub explica que:
“enquanto no sistema romano a alienação era incondicional, só existindo uma obrigação pessoal de restituição sujeita à extinção da dívida, já em direito germânico a coisa era transmitida sob condição resolutiva de pagamento da dívida; assim, pois, cumprida a condição, a propriedade voltava ao alienante, assegurada por efeito da condição resolutiva”.[7]
2.1. Fidúcia no Direito atual
A fiducia cum creditore é a mais próxima forma de fidúcia existente no ordenamento jurídico brasileiro, no sistema romano-germânico atual. Caracteriza tal instituto quando, após uma busca e apreensão frustrada, o ordenamento jurídico, permite a conversão desta busca e apreensão em ação de depósito.[8]
A alienação fiduciária, assim, é surgida também do trust[9] receipt, nos países cujo direito se baseia no sistema do Common Law, de forma e objetivo muito semelhantes e cuja principal distinção reside no fato de que, neste, os bens alienados fiduciariamente não se transferem da propriedade nem da posse do fiduciante ao fiduciário, ou seja, não passam a integrar o patrimônio ativo do credor.[10]
Foi a partir da Revolução Industrial e do desenvolvimento do capitalismo financeiro, que o trust receipt, entendido como a evolução da fiducia cum creditore, surgiu como uma alternativa aos tradicionais modos de garantia que já não se adequavam à dinâmica capitalista.
No Brasil, o negócio fiduciário foi introduzido a partir do advento da Lei de Mercados Capitais (Lei nº 4.728 de 1965, artigo 66) e adotou a forma de um contrato de garantia, destinado a proteger de maneira mais efetiva os financiamentos.
Tal instituto veio a corresponder os anseios da sociedade e dos agentes financeiros, uma vez que a desconfiança sobre a capacidade do devedor de honrar seus compromissos afeta seriamente a confiança durante as transações comerciais provocando comportamentos de precaução e retração que bloqueiam novos investimentos e dificulta o acesso das classes médias e baixas à aquisição de bens de maior valor
Logo, diante das complexidades e das inúmeras relações comerciais, das crises econômicas e do desemprego estrutural da sociedade, as instituições financeiras, temendo o inadimplemento das obrigações, instituíram a inclusão de garantias, a fim de mitigar a chance de prejuízo e tornar mais célere a recuperação do crédito.
Houve, portanto, no Direito Moderno, a retomada do negócio fiduciário no período clássico romano que tinha sido suprimida pelo Corpus Iuris Civilis do século VI, do imperados Justiniano.
Sedimentou-se, como se constata, no mercado uma nova dinâmica negocial que evidencia o anacronismo dos instrumentos clássicos de garantia e que busca o avanço de evolução da tecnologia jurídica, adequando-a à velocidade das operações bancárias e financeiras sem prescindir da segurança compatível com os riscos que lhes são próprios e, sobretudo, com o grau de incerteza de seu adimplemento.
Dessa forma, a garantia é o meio jurídico que, na relação obrigacional, protege o direito subjetivo de uma das partes, assegurando ou acautelando esse direito contra qualquer lesão resultante da inexecução da obrigação pelo devedor.[11]
2.2 Tipos de garantia
A garantia pode ser de dois tipos: pessoal ou real. A garantia pessoal, também denominada fidejussória, está baseada na fidelidade do garantidor em cumprir as obrigações, caso o devedor não o faça. Este tipo de garantia pode ser realizado mediante aval, feito nos títulos de credito, que implicam a responsabilidade solidária do devedor e do avalista perante o credor. Neste raciocínio, os bens pessoais do garantidor podem sofrer execução para a quitação da dívida do devedor, caso em que aquele ficará sub-rogado nos direitos derivados da propriedade do título.
Já a fiança, é o modo pelo qual o fiador, pessoa física ou jurídica, garante o cumprimento da obrigação do devedor na inadimplência ou, então, garante o pagamento de uma indenização ou multa pelo não-cumprimento de uma obrigação de fazer ou de não fazer do afiançado, conforme acordado em contrato escrito.[12]
Quanto à garantia real, esta recai sobre coisas (res), isto é, bens móveis ou imóveis. No direito brasileiro temos quatro tipos de garantias reais, quais sejam: penhor, anticrese, hipoteca e alienação fiduciária em garantia, a mais recente modalidade. Apesar da diferença dos institutos, todos têm o escopo de impelir o devedor ao pagamento de sua obrigação vinculando o credor a determinado bem pertencente àquele.
Caio Mário da Silva Pereira[13] leciona que:
“na essência, a garantia real consiste na realização do valor da coisa, isto é em obter certa soma de dinheiro mediante sua alienação”.
No mesmo sentido, Orlando Gomes afirma que direito real de garantia é o que confere ao credor a pretensão de obter o pagamento da dívida com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua satisfação. Sua função é garantir ao credor o recebimento da dívida, por estar vinculado determinado bem ao seu pagamento. O direito do credor concentra-se sobre determinado elemento patrimonial do devedor. Os atributos de seqüela e preferência atestam sua natureza substantiva e real.[14]
Pode-se observar, portanto, que nos direitos reais de garantia, há uma restrição do exercício do direito pleno da propriedade do garantidor pelo credor, ao passo que na garantia pessoal, apenas a responsabilidade geral do patrimônio do avalista ou fiador pelo cumprimento da obrigação do devedor.
3. NEGÓCIO FIDUCIÁRIO.
O negócio jurídico fiduciário é o contrato pelo qual um contratante transmite ao outro a propriedade ou a titularidade de um bem ou direito, obrigando-se, aquele que recebe o bem, a restituí-lo ou transferi-lo a terceiro, tão logo alcançado o objetivo conforme o pactuado na ressalva.
Pontes de Miranda ensina-nos que, na realidade, o negócio jurídico fiduciário se traduz em duas relações, a do negócio jurídico e a da fidúcia. Explica que é essa distinção que faz com que o fiduciário tenha o dever e a obrigação de exercer os seus direitos, oriundo da relação jurídica negocial, tal como lhe foi confiado na outra relação jurídica, a da fidúcia. Conclui que o termo mais adequado seria “negócios jurídicos com fidúcia”, para expressar melhor essa dualidade de relações.[15]
Maria Helena Diniz[16], por sua vez, nos dá a classificação dos negócios fiduciários:
a) a venda e compra com fins de garantia, em que as partes aceitam uma garantia sem que haja dação em pagamento[17]. Em relação à transferência de propriedade, não tem esta o condão de extinguir a dívida, apenas assegura o seu pagamento, para que, após esse fato, haja retrocessão da coisa fiduciada ao fiduciante;
b) a venda com fins de administração,que ocorre quando o proprietário de uma coisa, não tendo possibilidade de administrá-la, transfere a titularidade de direitos sobre esse bem para outrem, que vai gerenciá-lo até realizar o objetivo proposto, restituindo depois a coisa fiduciada;
c) a venda para recomposição do patrimônio, é o negocio pelo qual o proprietário de um patrimônio o transfere para pessoa capaz de livrá-lo do ônus, para depois recobrar esse patrimônio livre e desimpedido;
d) a venda e compra com reserva de domínio,há a transferência da posse para o devedor, mas não da propriedade,que permanece com o credor, sendo somente esta adquirida após a quitação do valor acordado.
4. RELAÇÕES JURÍDICAS NA FIDÚCIA
Há que distinguir dois tipos de relação no negócio fiduciário: a relação interna, que resulta do pacto fiduciário, que vigora entre fiduciante (credor) e fiduciário (devedor) e as relações externas que o fiduciário estabeleça com terceiros.
Na relação interna, o fiduciário está vinculado pelo pacto fiduciário a conduzir-se e a agir sobre o bem fiduciado de modo e com o fim próprio da fidúcia. A sua posição jurídica está funcionalmente vinculada pela fidúcia, visto que esta é de caráter intuitu personae.
Nas relações externas do fiduciário com terceiros, aquele continua vinculado pela fidúcia. Porém, o pacto fiduciário não é oponível a terceiros de boa-fé que desconheçam, e não devam conhecer a relação fiduciária.
Pontes de Miranda[18] sintetiza que a relação jurídica da fidúcia é pessoal e somente estende a terceiros a sua eficácia segundo os princípios que regem, de ordinário ou de maneira especial, a extensão, como no caso de uma execução concursal, em que o terceiro responde juntamente com o patrimônio do fiduciário, quando para aquele deve ser devolvido o bem em questão.
5. PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA
Pode-se definir a propriedade fiduciária como a transferência, ao credor, do domínio e posse indireta de uma coisa, independentemente de sua tradição efetiva, em garantia de pagamento da obrigação a que adere, resolvendo-se o direito do adquirente com a solução da dívida garantida. Em outros termos, neste negócio, o proprietário mantém a posse direta, mas não a propriedade, não tendo disponibilidade da coisa.
Desdobra-se a posse em direta (devedor-fiduciante), e indireta (credor-fiduciário)[19]. O primeiro pode, portanto, usar e fruir do bem. O segundo mantém o direito de haver a posse plena, no caso de inadimplemento. Com o pagamento, extingue-se a propriedade resolúvel (sujeita a termo). Não havendo pagamento, o credor pode realizar a venda judicial ou extrajudicial, aplicando o valor para a satisfação do crédito e das despesas de cobrança. Não pode ficar com o bem, sendo nula a cláusula neste sentido. Eventual saldo deve ser devolvido ao devedor. Assim, o vínculo que se estabelece entre o titular da propriedade fiduciária em garantia e o bem visa tão somente à realização do seu valor econômico para satisfação do crédito, e não a apropriação do bem.
A propriedade fiduciária de instituto jurídico de grande alcance, motivo pela qual, deverá ser feita mediante contrato, com registro em Cartório de Títulos e Documentos, contudo este registro gera apenas efeito probante erga omnes, ou seja, atribui ao ato validade contra terceiros e torna conhecida a garantia, para quem quer que trate com o devedor.
O Código Civil de 2002 reservou à propriedade fiduciária o Capítulo IX do Título III que trata da “Propriedade”.
5.1 Caracteres da propriedade fiduciária.
A propriedade fiduciária é um contrato bilateral, oneroso,acessório e formal.
É bilateral porque gera obrigações para o alienante e para o adquirente. É oneroso porque beneficia a ambos, proporcionando instrumento creditício ao alienante,e, assecuratório ao adquirente.É acessório, uma vez que sua existência depende da obrigação garantida, cuja sorte segue e formal, porque há de constar sempre de instrumento escrito, publico ou particular.[20]
Completa-se, ainda, que a propriedade fiduciária é um contrato bilateral ou sinalagmático, pois há duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergentes na pretensão de reduzir resultado jurídico unitário. Dessa forma, o negócio jurídico é bilateral porque objetiva a constituição de direito real de garantia, tem como objeto à transferência da propriedade de coisa móvel, mas com a finalidade de garantir o cumprimento de obrigação assumida pelo devedor fiduciário, frente à instituição financeira que lhe concedeu o financiamento para a aquisição de um bem.
6. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.
6.1 Visão geral do instituto
De acordo com Maria Helena Diniz, alienação fiduciária ” consiste na transferência feita pelo devedor ao credor da propriedade resolúvel e da posse indireta de um bem infungível, como garantia de seu débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o adimplemento da obrigação ou melhor, com o pagamento da dívida garantida “[21]
A alienação fiduciária em garantia de bens móveis, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 4.728/65, com alterações do Decreto-lei 911/69, tem sido vastamente utilizada como instrumento de garantia de financiamentos bancários, acentuadamente no financiamento de automóveis.
Essa modalidade introduzida à compra e venda, surge, conforme dito, para maior garantia nos contratos de financiamentos, principalmente para os de bens móveis, vindo a atender a demanda direta de financiamento direto ao consumidor, reduzindo os seus custos e os riscos de inadimplência. É fruto dos anseios da sociedade moderna, uma vez que os institutos clássicos de garantia, tal como o penhor e a venda com reserva de domínio, mostravam-se insuficientes.[22]
As características básicas do instituto da alienação fiduciária, estabelecidas pelo art. 66 da Lei 4728/65, são idênticas às da propriedade fiduciária. Trata-se, em ambos os casos, da transferência da propriedade resolúvel de bens móveis pelo devedor ao credor, como garantia de obrigações assumidas por aquele junto a este. Com a constituição da propriedade fiduciária ocorre ainda o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa, enquanto o credor permanece com a posse indireta da coisa.
Devido as suas características básicas, a propriedade fiduciária possui algumas vantagens como garantia, influenciando, inclusive, na análise do risco de crédito da operação. Isso porque quando se utiliza a propriedade fiduciária para garantir uma dívida – seja em operações de empréstimo locais ou externas – o devedor transfere ao credor a propriedade, ainda que resolúvel, do bem objeto da garantia.
Caso ocorra o vencimento da dívida garantida pela propriedade fiduciária sem o devido pagamento por parte do devedor, o credor fica obrigado a vender, seja judicialmente ou de forma amigável, a coisa a terceiros, aplicando o preço no pagamento de seu crédito e das despesas por ele incorridas com sua cobrança, retornando o saldo, se houver, ao devedor.
O conceito de crédito, portanto, está ligado ao conceito de confiança (fidúcia), formando-se uma simbiose, uma vez que não pode ter a concessão de crédito sem confiança, esta é vital para o fortalecimento dos negócios jurídicos.
Neste raciocínio, a falta de um respaldo sócio- econômico concorre para a falta de crédito e, conseqüentemente, na falta de dinheiro para o particular, empresas ou grupos econômicos.
Decorre-se, portanto, que o conceito de crédito está ligado a dois elementos: tempo (elemento objetivo) e confiança (elemento subjetivo), podendo-se defini-lo como concessão de recursos de uma pessoa física ou jurídica à outra (devedor), os quais serão pagos em momento posterior, conforme acordado.
Entretanto, a concessão de crédito, ainda que se baseie freqüentemente na capacidade financeira (“capacidade de endividamento”) daquele que o solicita, apenas nessa restrita medida será qualificável como fiduciária. Isto é, somente em relação á motivação, do elemento psicológico do contrato é que tal pode admitir-se.
Dessa forma, a garantia é o meio jurídico que, na relação obrigacional, protege o direito subjetivo de uma das partes, assegurando ou acautelando esse direito contra qualquer lesão resultante da inexecução da obrigação pelo devedor.[23]
Em nossa legislação a alienação fiduciária, para bem móveis alienados por instituições financeiras, autorizadas pelo Banco Central ou pelo fisco, é disciplinada pela já citada Lei n°4.728/65.
Quando o bem for móvel, mas não for alienado pelas pessoas supramencionadas, obedecerá as regras do Código Civil, elencadas nos Arts. 1361 a 1368.
Já para bem imóvel, aplica-se as regras sistematizadas pela Lei n° 9.514/97, nos Art(s) 22 a 33, ressaltando que não é utilizada somente por instituições imobiliárias.
6.2 Requisitos
Com o advento do novo Código Civil, foram estabelecidos requisitos mínimos para a validade dos contratos onde haja a constituição de garantia fiduciária.
Conforme se extrai do artigo 1361 da aludida Lei, para constituição da propriedade fiduciária é necessário, primeiro, o registro do contrato junto ao Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em caso de veículos, na repartição competente para o licenciamento, sendo que deverá ser anotada no registro do veículo a constituição da garantia..
Para melhor compreensão, adotaremos a classificação dos requisitos de Caio Mário[24], que os divide em : subjetivos, objetivos e formais.
O requisito subjetivo está relacionado com a capacidade das partes, ou seja, qualquer pessoa, física ou jurídica, dotada de capacidade genérica para os atos da vida cível, pode alienar em garantia. Observa-se que a validade do ato não está condicionada à titularidade do alienante da coisa, contudo, o mesmo deverá sê-lo em momento subseqüente. Com relação à capacidade jurídica para ser sujeito ativo (adquirente), o novo código superou a discussão doutrinária sobre a possibilidade de quaisquer pessoas capazes e não somente instituições financeiras.
Quanto ao requisito objetivo, permeava na doutrina a restrição da propriedade fiduciária apenas para bens móveis, com base na lei n°4.728/65 e mais limitadamente aos bens móveis duráveis. Porém, com o advento da Lei n° 9.514/97, houve a solução da controvérsia, pois disciplinou em seus artigos 22 a 33 a propriedade fiduciária de bens imóveis.
Além desses dois requisitos, o contrato deve, ainda, conter requisitos formais, os requisitos elencados no art. 1.362 do Código Civil, quais sejam: :a) o total da dívida ou sua estimativa;b) o prazo ou a época do pagamento; c) a taxa de juros, se houver; e d) a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação. Não esquecendo, é claro, do registro no cartório de títulos e documentos, conforme já comentado.
6.3 Aspectos conclusivos: a importância da garantia fiduciária na atual sociedade capitalista.
A fidúcia, como instituto jurídico, conforme visto, é originária do Direito Romano á época da “Lei das XII Tábuas”, de eminente carga moral e que autorizava o credor a tirar a vida ou a liberdade do devedor por causa de dívida contraída.
“Se não pagar e ninguém se apresentar como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso máximo de 15 libras; ou menos, se assim o quiser o credor”. (Lei das XII Tábuas).
Com a evolução da sociedade, em suma, apenas o patrimônio do devedor passou a responder ser responsável pelo adimplemento da obrigação de pagamento.
Porém se por um lado a restrição de execução de dívida apenas ao patrimônio do devedor representou inegável avanço no campo dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, por outro deixou mais vulnerável o credor, diante da inexistência de garantias adequadas para impelir ao adimplemento da dívida.
Necessitou-se, portanto, do surgimento de institutos jurídicos que compelissem, de modo eficaz, ao cumprimento da dívida, seja por uma relação pessoal (garantia fidejussória) ou por uma garantia real.
Com a Revolução Industrial, que consagrou a sociedade capitalista, as garantias existentes à época deixavam a desejar, o que contribuiu para que ocorressem diversas fraudes aos credores.
No caso da hipoteca, o seu campo de incidência é muito restrito comparado à complexidade de relações que surgiram, só sendo utilizada quando relacionada com bens imóveis. Além disso, a instabilidade da economia, leva o governo a adotar uma série de medidas para conter as freqüentes crises econômicas, tal como a alta dos juros, com o objetivo de conter a inflação. Porém, essa medida implica graves conseqüências para o mercado imobiliário, bem como para outros setores econômicos, uma vez que gera um maior endividamento.
Inversamente proporcional ao crescimento da taxa de inadimplência estará a concessão de crédito, pois, para se evitar calotes, haverá uma restrição maior para liberação do crédito, devido ao alto risco,o que ocasiona estagnação da economia.
Sem falar que a hipoteca possui instrumentos de recuperação de crédito excessivamente morosos, ou seja, incompatível com uma economia célere e fluída.
Já no penhor, a defasagem se dava ao fato de ser vedado ao credor utilizar-se do bem penhorado.
A alienação fiduciária em garantia, portanto, veio atender a estes anseios, sendo a sua origem, conforme já delineado, fruto da aplicação do trust receipt, que por sua vez já representava uma recriação da fiducia cum creditore, relegadada desde o período Justiniano.
A criação do atual instituto de alienação fiduciária nos mostra como as relações econômicas e sociais, marcadas em determinados períodos históricos, influencia a criação do Direito.
Norberto Bobbio, em “A Era dos Direitos”, já ressaltava a imbricação entre determinado e um dado período histórico, ressaltando que os movimentos históricos clamam por norma regulamentadora, a que venha fundamentar-se posteriormente.
Assim, percebe-se que o crescimento econômico da sociedade se tornou possível, dentre outros fatores, pelo aperfeiçoamento dos institutos de garantia. Pois a concessão de crédito está subjetivamente ligada à fidúcia.
Ainda que crédito e fidúcia não se confundam, à ausência do segundo implica a restrição de concessão do primeiro, o que gera recessão econômica e empobrecimento das classes sociais.
No Brasil, por exemplo, a Lei de Mercado de Capitais , no contexto político, foi uma forma de fomentar o desenvolvimento e combater à inflação agravados pela recessão econômica que o Brasil sofreu na década de 60 que ocasionou uma diminuição nos investimentos no setor industrial.
Em um acontecimento mais recente, a crise dos Estados Unidos de 2008 , é decorrente, em termos gerais, da crise que assolou o seu sistema imobiliário, uma vez que se concedeu uma enorme quantidade de crédito para os cidadãos sem qualquer garantia, culminando na inviabilidade de negociação desses títulos imobiliários.
Por conseguinte, fica evidente que a criação e a concretização da fidúcia nas relações econômicas se fizeram de forma paralela ao crescimento capitalista da nossa sociedade, razão que o seu estudo é tão importante e pode ser utilizado não só como fator de estabilidade nas transações financeiras, mas também de indutor de políticas sociais aliadas ao crescimento econômico.
A concessão de crédito interliga-se a fidúcia e esta influi desde no aumento da inflação, que gera efeito cascata em diversos setores, como o financiamento e aumento de salário mínimo (que pode ter seu aumento reduzido como política de frear o consumo exagerado).
Sem falar que crises econômicas geram o empobrecimento das camadas que já são desfavorecidas, piorando a nossa já agravada desigualdade social. Por isso o aperfeiçoamento das garantias interligam-se com o nosso próprio crescimento sócio-econômico.
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Servidora pública federal
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