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Foro privilegiado: manutenção ou extinção?

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A impunidade, no Brasil, historicamente, sempre se constituiu em incentivo à prática da corrupção, máxime nos crimes contra o patrimônio público e de improbidade administrativa, fato que compromete a credibilidade das nossas instituições democráticas.  A feitura das leis, não raro redigidas propositadamente com imprecisões, aliada à morosidade do Judiciário e ao privilégio de foro concedido às autoridades acusadas de autoria de tais delitos, propiciavam, e ainda propiciam e incentivam a desenvoltura e a impunidade de seus agentes.

A Constituição de 1988, em seus arts. 102, I, 105,I, 108, I, 29, X e 96, III, seguindo uma tradição jurídica, elenca as autoridades às quais assegura foro privilegiado, nos casos em que são acusadas de crimes, autoridades essas que vão do Presidente da República a promotores de Justiça

Essa diferença de tratamento penal em relação ao cidadão comum afronta o princípio ( isonômico ) fundamental da Constituição/88 (art. 5º), segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza …”

Tal desigualdade de tratamento, carente de base ética, inaceitável no sistema republicano, é incompatível com o princípio da moralidade administrativa (CF, art. 37) e com o estado de direito democrático, mais se assemelhando à criação de um modelo político aristocrático.

Ao contrário do que sustentam os partidários da manutenção do foro por prerrogativa de função, a melhor maneira de proteger o cargo e a autoridade de quem o exerce é simplificar e acelerar o julgamento do acusado.

Crimes praticados por autoridades, cuja função pressupõe confiança, zelo e probidade no trato e condução das coisas e bens públicos, por sua gravidade, implicações e conseqüências danosas à coletividade, exigem apuração rápida e sanções severas. E isso porque, sendo estipendiadas para zelar pelo patrimônio público e bem servir à comunidade, fraudam e lesam os contribuintes e o erário, prejudicam a sociedade, traem a confiança do poder público de que são depositárias.

O foro privilegiado protege quem tem mais poderes, quando deveria ser o inverso. Pois, quanto maiores os poderes, maiores as responsabilidades, maior a gravidade do delito, mais severas deveriam ser as penas cominadas.

Há quem objete, e não sem razão, que, condenar pessoas da classe média, possuidora de status social – conquanto mereçam penas maiores que outros criminosos que atentam contra o patrimônio individual- a cumprir pena em nossas prisões desumanas, cruéis, degradantes, promiscuas, equivale a torturá-las e levá-las à morte prematura. Justo, portanto, que, enquanto não humanizado o sistema penitenciário, e esse argumento não vale apenas para as autoridades com privilégio de foro – sejam confinadas em cárceres decentes, separados, distintos. Aconselhável ainda que, na apreciação de cada caso, substitua-se a pena privativa por restritiva de direitos, ou por um regime mais brando de cumprimento da pena.

É notório que, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores  encontram-se, de há muito,   abarrotados de processos e, mal aparelhados, faltando-lhes, portanto, condições materiais para se desempenharem de mais essa relevante competência. O acréscimo de atribuição trazido pelo foro privilegiado, alonga e dificulta ainda mais a tramitação e o julgamento dos crimes de corrupção.

Por ocasião da apreciação da denuncia dos envolvidos no caso do chamado “mensalão”, o Min. Joaquim Barbosa, relator do feito, reconheceu que o STF não tem estrutura para instruir e julgar processos criminais que lhe são submetidos por força do foro privilegiado.

O STF, com efeito, não está apto a realizar investigações, coletar documentos e provas, ouvir testemunhas, atividades essas  próprias de juízes de 1º grau. Os tribunais são estruturados para desempenhar a função básica de julgar recursos, e não para processar e julgar originariamente ações penais.

Não se compreende que, no momento em que, visando à agilização processual, instituem-se a súmula vinculante e a  exigência do requisito de “repercussão geral”, esta, como condição para conhecimento de recurso extraordinário, discuta-se  no Congresso, contraditoriamente, a ampliação da competência das duas Cortes, para conferir-lhes a atribuição de processar, queira-se contraditoriamente ampliar  a competência das duas Cortes, conferindo-lhes mais a atribuição de apreciar e instruir processos em que ex-autoridades são acusadas de práticas de crimes. Com o assim proceder, anula-se o propósito de celeridade visado pela adoção daqueles dois importantes institutos processuais. Contra essa extensão de foro já se manifestaram a Associação de Magistrados Brasileiros, a AJUF e a AMATRA, algumas das quais favoráveis à eliminação do foro privilegiado. Ao em vez de corrigir o mal funcionamento do Judiciário, a instituição do privilégio de foro  o agravou, aumentando-lhe, com o acréscimo de tal competência, a morosidade e gerando mais impunidade, em decorrência da superveniência da prescrição. A aprovação da extensão do foro privilegiado a ex-autoridades equivaleria, enfim,  à generalização e à institucionalização da impunidade.

Com as leis processuais que temos e a deficiente  estrutura de nossos tribunais, com suas pautas saturadas, especialmente a do STF, a única fórmula para processar e julgar  celeremente tais crimes é submetê-los à apreciação de uma instância específica, originária e única, cujos julgamentos sejam proferidos de forma terminativa.

Assim, o STF e o STJ, ainda que para tanto precisem aumentar o número de seus integrantes, criariam Turma especializada e exclusiva para processar as autoridades com direito a foro privilegiado. Mesmo que essa medida implique aumento de despesas, seriam estas largamente compensadas com a velocidade com que seriam os réus julgados e recuperados pelo erário valores e bens sonegados ou desviados

O correto e desejável seria a mera abolição do foro privilegiado, como propugna a AMB. mas, há que, realisticamente, concluir que se trata de uma medida de dificil viabilização. Pois seria ingenuidade esperar que  parlamentares, magistrados e outras autoridades, em sua maioria, abrissem mão de tamanha salvaguarda,  colocando o interesse público acima de seus privilégios. Por isso, mais prático e factível, seria instituir Varas e Tribunais especializados em crimes de corrupção. Ainda agora, o Tribunal de Justiça de São Paulo criou uma Câmara para julgamento de crimes atribuídos a Prefeitos, seguindo exemplo recente, nesse mesmo sentido, adotado no Judiciário do Rio Grande do Sul.

Nos últimos 18 anos e meio, o STF instaurou 130 processos criminais contra autoridades detentoras de foro privilegiado, mas em nenhum deles houve condenação.

Criados, ou não, tribunais especializados, uma coisa é certa: a única maneira capaz de combater eficazmente os crimes contra a administração pública e a improbidade administrativa, não é a severidade da pena; é incutir nos criminosos a certeza  de que serão investigados, julgados e punidos com rapidez e convencê-los de que   os bens e valores que  desviaram serão devolvidos ao poder público com  a mesma velocidade do julgamento criminal.

Cabe às associações de magistrados e de advogados, em especial a OAB, à  sociedade civil, aos movimentos sociais, sensibilizarem e mobilizarem  a mídia e o Congresso, o Conselho Nacional de Justiça para que sejam votadas leis e priorizados todos os projetos e medidas visando à eliminação ou a redução do foro privilegiado. Aliás, o Senado já aprovou projeto de lei (PSL 268/07), merecedor de todo o apoio, determinando seja dado prioridade ao andamento de processos envolvendo crimes de responsabilidade de servidores contra a administração pública.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Benedito Calheiros Bomfim

 

Ex-Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros
Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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