Resumo: A Suprema Corte Brasileira, em julgamento do Habeas Corpus número 126.292 do estado de São Paulo, seguindo o voto de seu relator o Ministro Teori Zavascki, por sete votos a quatro, mudou a jurisprudência até então vigente na Corte, e passou a considerar Constitucional, o recolhimento à prisão, daquele que tiver a sua condenação confirmada, por órgão de segundo grau de jurisdição. Nesta linha, o presente trabalho terá que se imiscuir na reflexão inevitável, sobre o acerto ou não, na decisão que na prática, perpassa o princípio da presunção da inocência, e autoriza a execução provisória de pena definitiva, ainda não confirmada por todas as instâncias do Poder Judiciário Brasileiro. Será analisado, portanto, o Habeas Corpus 126.292 – São Paulo, e sua repercussão no cenário jurídico nacional.
Palavras-chave: Presunção de inocência, execução antecipada da pena, clausula pétrea, dignidade da pessoa humana.
Abstract: The Brazilian Supreme Court in the judgment of Habeas Corpus number 126,292 of the state of São Paulo, following the vote of its rapporteur Teori Zavascki, by seven votes to four, changed the law then in force in the Court, and has considered constitutional, gathering to prison, that you have confirmed his conviction for second degree of jurisdiction. In line organ, this work will have to meddle in the inevitable reflection on the hit or not, the decision in practice permeates the principle the presumption of innocence, and authorizes the provisional execution of definitive sentence, not yet confirmed by all instances of the Brazilian Judiciary. Will be analyzed so the Habeas Corpus 126.292- São Paulo, and its impact on national legal scene.
Keywords: Presumption of innocence, early implementation of penalty, stony clause, human dignity.
INTRODUÇÃO
No dia 17/02/16 as 19h14, no julgamento do HC 126.292-São Paulo, a Suprema Corte decidiu mudar a jurisprudência até então vigente, por força do HC 84.078-7 de Minas Gerais no qual o Ministro Eros Grau, que foi o seu relator, afirmou que a execução antecipada a penal afrontava diretamente a dicção contida no art. 5º, LVII, e por via transversa, alcançava as disposições constantes do art. 1º, III da Constituição da República, que protege a dignidade da pessoa humana.
Sustentava-se naquele aresto que, as disposições constantes do art. 637 do Código de Processo Penal, remove dos recursos especial e extraordinário, o efeito suspensivo, de modo a permitir a execução do julgado sob combate.
Nasceu, daí então, a compreensão da necessidade de adequação da norma ordinária e infraconstitucional à Constitucional, encerrada no inciso LVII do artigo 5º, que impede que o acusado seja conduzido ao cárcere, antes do trânsito em julgado de sentença judicial condenatória.
1. Dignidade da pessoa humana
Os números estatísticos têm revelado que a população carcerária no Brasil têm crescido de forma desordenada e incontrolável:
“A nova população carcerária brasileira é de 711.463 presos. Os números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a representantes dos tribunais de Justiça brasileiros, nesta quarta-feira (4/6), levam em conta as 147.937 pessoas em prisão domiciliar. Para realizar o levantamento inédito, o CNJ consultou os juízes responsáveis pelo monitoramento do sistema carcerário dos 26 estados e do Distrito Federal. De acordo com os dados anteriores do CNJ, que não contabilizavam prisões domiciliares, em maio deste ano a população carcerária era de 563.526”[1].
Por ocasião do Julgamento do HC 126.292, o Presidente da Suprema Corte Ricardo Lewandowski, afirmou que estava perplexo, com a “guinada da Corte”, na medida em que, quando do julgamento da ADPF e no Recurso Extraordinário 592.581, houve reconhecimento por parte do STF, de que a falência já havia alcançado o sistema carcerário.
Inegável, portanto, que o princípio da dignidade da pessoa humana, já está sendo preterido pelo Estado Brasileiro, com a mudança na interpretação constitucional dada pelo STF, permitindo o encarceramento do réu, mesmo antes que a decisão judicial seja combatida até a sua última instância, aprofunda-se o descaso para com a pessoa humana, protegida Constitucionalmente.
A raiz da palavra “dignidade” vem de dignus, que ressalta aquilo que possui honra ou importância e com São Tomás de Aquino há o reconhecimento da dignidade humana, qualidade inerente a todos os seres humanos, que nos separa dos demais seres e objetos, defende o conceito de que a pessoa é uma substância individual de natureza racional, centro de criação pelo fato ser imagem e semelhança de Deus. Assim o intelecto e a semelhança com Deus geram a dignidade que é inerente ao homem, como espécie[2].
2. Cláusula pétrea
A Constituição Federal, em seu artigo 60, §4º, remove da disponibilidade do Legislador Ordinário a possibilidade de propor emenda com a finalidade de:
"Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (…)
§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.”
Pois bem, a “presunção de inocência”, está prevista no art. 5º, LVII, portanto, trata-se de espécie de direito e garantia individual, de modo que nem emenda constitucional poderá se abater sobre ela.
Eugênio Pacelli ensina que o princípio da presunção de inocência, ou não culpabilidade, cuja origem mais significativa pode ser referida à Revolução Francesa e à queda do Absolutismo, sob a rubrica da presunção de inocência, recebeu tratamento distinto por parte de nosso constituinte de 1988, com valor normativo a ser considerado em todas as fases do processo penal ou de persecução penal, abrangendo, assim, tanto a fase investigatória (fase pré-processual) quanto a fase processual propriamente dita (ação penal)[3].
Neste mesmo diapasão temos que o referido princípio impõe que os investigados e acusados não sejam tratados como culpados, senão após o trânsito em julgado da condenação[4].
Segundo Ramos[5] a defesa dos direitos humanos no Brasil na roupagem de cláusula pétrea pode significar uma ameaça à democracia caso o Supremo Tribunal Federal interprete sem maiores elementos o sentido dos direitos humanos e desconsidere emendas constitucionais aprovadas pelo Congresso democraticamente eleito.
3. Impacto carcerário
Evidente que a condução aos presídios, por ordem dos Tribunais Estaduais, causará um enorme impacto na população carcerária, que já não possui a menor condição de se manter, sem uma flagrante e reconhecida ofensa aos mais tolerantes critérios de respeito à dignidade humana.
As celas comportam números muito superiores de presos, para as quais foram programadas, as doenças se multiplicam, não há condições mínimas de convivência, e o princípio da reinserção do preso à sociedade, torna-se, cada vez mais, um sonho distante da realidade vivida no sistema mantido pelos cofres públicos do Brasil.
Ao que parece, o Poder Judiciário, com a devida vênia, cedeu às questões e argumentos, que em muito se distanciam dos princípios jurídicos, tendo certamente se alicerçado em outras ciências, cujas explicações, não se revelam nesta primeira análise.
Ousamos até mesmo pensar, numa perspectiva mais inovadora, que o recolhimento domiciliar como a melhor alternativa ao cárcere, como medida de acautelamento prévio e anterior à decretação da preventiva, podendo até ser imposta independentemente de anterior prisão em flagrante, mas, segundo Pacelli[6], parece mais adequada como substitutiva da prisão em flagrante.
4. Usurpação de Competência e Presunção de Inocência
Não nos restam dúvidas de que, se nem ao Poder Legislativo, é dado o direito de propor emenda constitucional com o objetivo de suprimi-la (o quê? ), com muito mais propriedade, se pode afirmar que ao Poder Judiciário não se concebe tal pretensão.
Observe-se que a combatida decisão foi feita em sede de julgamento de um Habeas Corpus, que está dentro do leque de competência da Suprema Corte, que deve motivar suas decisões, dentro da estrita legalidade, ou seja, nos limites delineados pela Constituição Federal.
Os graus de Jurisdição compreendem a possibilidade de submissão ao judiciário (em todos os seus graus de jurisdição), de toda e qualquer lesão a direito, nos moldes do art. 5º, XXXV da Constituição Federal:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”
Não se sustenta, portanto, o argumento contido no voto do eminente relator, de que “o fato de as questões de fato não chegar aos Tribunais Superiores, mas somente as de direito”. Tal conclusão nos leva a crer que nada podem fazer nossas Cortes Superiores e que o trânsito em julgado, na prática, acontece nos tribunais locais.
Também não se sustentam os argumentos de que a defesa poderia se servir de Habeas Corpus para interpelar decisões judiciais “injustas”, fazendo assim cessar as ilegalidades, mesmo porque, a Suprema Corte já decidiu que não cabe Habeas Corpus contra decisão monocrática de decisão de Ministro do Supremo.
5. Criminosos como sujeitos de direito
A tentativa de se minimizar a quantidade de trabalho gerada para os membros dos Tribunais Superiores é de fato um problema que precisa ser enfrentado à luz da administração pública, mas que não pode, de modo algum, suprimir direitos, e distorcer o sistema de distribuição de Poderes.
Independentemente do crime de que esteja sendo acusado o indivíduo, o fato, é que ele é sujeito de direitos e obrigações. Não há na constituição autorização para que haja distinção entre as pessoas, visto a expressa referência à igualdade, insculpida no art. 5º, “caput” da Constituição Federal:
“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: …”
O princípio do devido processo legal, com todos os meios de defesa à ele relativos, exige que o acusado, que tem em seu favor a presunção de inocência, e isso significa que somente pode ser privado de sua liberdade, quando exauridos todos os meios disponíveis à sua defesa, sem qualquer distinção.
Pacelli[7] reforça com a ideia de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV), essa garantia constitucional abrange todos os atributos juridicamente relevantes que integram o patrimônio geral da pessoa de direitos. E essa cláusula do devido processo legal tem por escopo essencial a realização das garantias individuais do acusado em face do Estado, de modo a promover o necessário equilíbrio de forças entre acusação e a defesa na ação penal.
Para Moraes[8]
“por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dalética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor.”
6. Execução provisória de pena definitiva e a mídia
Soma-se aos argumentos o fato de que a liberdade dentro de um sistema democrático apresenta-se como regra, cedendo, em casos e circunstâncias especialíssimas a sua privação.
Assim o que se tem é uma execução provisória de uma pena definitiva, que ainda não foi confirmada pela última instância do poder judiciário, que inclusive, tem poderes para reformar a decisão exequenda.
Aí reside a ilegalidade. Não haverá como se reparar o dano praticado, contra a liberdade de alguém que ainda estava se defendendo, quando uma decisão judicial intermediária e provisória solapou a sua liberdade.
Cabe aqui uma referência ao poder da mídia nas decisões judiciais. Será que ocorre uma execução provisória, ou seja, antes do julgamento a mídia já não condena?
Assim ao contrário do que pode parecer, em que a mídia[9] é colocada como o chamado quarto poder[10], ousamos discordar e dizer que poder chegar a ser o primeiro, afirmação essa com a devia vênia e cautelas necessárias.
Sendo assim, essa mídia deixa de ser o quarto poder para chegar a ser, praticamente, o primeiro, ele condenou um suposto acusado antes do término de um procedimento investigatório, para não falarmos do processo criminal propriamente dito.
Afirma Francesco Carnelutti[11] que o processo penal interessa à opinião pública, jornais ocupam boa parte das suas páginas para a crônica dos delitos e dos processos, já que as pessoas têm muito interesse nesse assunto, mas merece uma ressalva, sendo necessário que não ocorra a troca por um espetáculo cinematográfico ao qual se assiste para procurar rápidas emoções.
E, ainda, há que ressaltar o papel dos agentes públicos, delegados de polícia, promotores de justiça, magistrados, desembargadores e, ainda, advogados, deveriam ser extremamente reservados, jamais, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória ou absolutória, emitirem qualquer opinião a respeito, sob pena de ocorrerem numa atuação do Judiciário de forma precipitada ou, até mesmo, distorcida e parcial, além de a população, juntamente com os jurados, serem levados a acreditar e a ter uma opinião extremamente parcial e distorcida do caso.
Ainda conforme Carnelutti, infelizmente hoje a função judiciária está ameaçada pelos opostos perigos da indiferença ou do clamor: indiferença pelos processos pequenos, clamor pelos processos célebres, nos quais a publicidade do processo penal, a qual corresponde não somente à ideia do controle popular sobre o modo de administrar a justiça, mas ainda, e mais profundamente, ao seu valor educativo. E a imprensa, quando persegue o processo com imprudente indiscrição e não raro descaramento, tem destruído qualquer possibilidade de juntar-se com aqueles aos quais incumbe o tremendo dever de acusar, de defender, de julgar e cabe aos magistrados terem a severidade necessária para reprimir esta desordem[12].
Sustenta, ainda, o jurista italiano[13]
“a descoberta do delito, de dolorosa necessidade social, se tomou uma espécie de esporte; as pessoas se apaixonam como na caça ao tesouro; jornalistas profissionais, jornalistas diletantes, jornalistas improvisados não tanto colaboram quanto fazem concorrência aos oficiais de polícia e aos juízes instrutores; e, o que é pior, ai fazem o trabalho deles. Cada delito desencadeia uma onde de procura, de conjunturas, de informações, de indiscrições. Policiais e magistrados de vigilantes se tornam vigiados pela equipe de voluntários prontos a apontar cada movimento, a interpretar cada gesto, a publicar cada palavra deles. As testemunhas são encurraladas como lebre de cão de caça; depois, muitas vezes sondadas, sugestionadas, assalariadas. Os advogados são perseguidos pelos fotógrafos e pelos entrevistadores. E muitas vezes, infelizmente, nem os magistrados logram opor a este frenesi a resistência, que requereria o exercício de seu mister austero.”
Conclui Carnelutti que a degeneração do processo penal é um dos sintomas mais graves da civilização em crise e o indivíduo, único valor da civilização que deveria ser protegido, é feito em pedaços[14].
Portanto a mídia pode influenciar os sujeitos do processo e a presunção de inocência com uma condenação precoce sem a observância do devido processo legal.
CONCLUSÃO
Nos moldes do art. 1º, III da nossa Magna Carta, a dignidade humana foi recepcionada como verdadeiro fundamento da República Federativa do Brasil, e sendo assim, não admite a sua supressão ou depreciação por quem quer que seja, por maior que seja a sua autoridade.
Também o art. 5º LVII da Carta Magna garante ao acusado a presunção de inocência, até haja o trânsito em julgado de sentença condenatória, seja ela formal ou material.
Neste passo, é correto se afirmar que qualquer decisão que pretenda suprimir tais preceitos estará ofendendo de forma direta preceito Constitucional.
Até por uma questão de conveniência dos magistrados, a leitura que se faz e a conclusão a que se chega, é a de que a posição adotada no aresto ora analisada optou por um caminho mais curto, mais próximo das demandas postas nas ruas, na mídia, em demandas corporativas, mas sem dúvida alguma, distante dos preceitos e postulados contidos na Legislação Constitucional.
O represamento dos processos nos Tribunais Estaduais atende muito mais aos Ilustres magistrados, como afirmou o Ministro Eros Grau, do que aos Tribunais, propriamente ditos.
Existem princípios que não podem, de forma alguma, serem preteridos, como o princípio da presunção de inocência, sob pena de se infligir ao acusado o ônus de ter que produzir prova negativa.
O exercício da plena defesa exige que seja dado ao acusado o acesso pleno a todos os níveis do judiciário e ao exercício de todos os meios de recursos, previstos na legislação do país, não importando qual o custo, ou as inconveniências que possam decorrer deste ato.
Não pode o judiciário legislar de forma aberta usurpando funções que não lhe foram atribuídas pela Constituição Federal.
Também não pode, sob o argumento de dar interpretação à constituição no julgamento de um Habeas Corpus, suprimir clausula pétrea, consistente em direito e garantia individual.
A Dignidade Humana é preceito constitucional e não pode ser tocado, mormente pelo próprio guardião da Constituição.
O dano gerado pela prisão prematura e ilegal não poderá nunca ser reparado ou justificado.
Por fim, a efetivação de tal pretensão, concluirá pelo aumento de trabalho nos Tribunais Superiores, na medida em que as ilegalidades forem sendo constatadas, produzirão um número enorme de Habeas Corpus, sempre utilizado como remédio, para a correção de rumos e redução dos danos que invariavelmente serão praticados.
Mestre em Direitos Fundamentais pela Unifieo Advogado Professor e Coordenador do curso de Direito da Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra
Advogado Professor de Direito Penal da Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra Graduado em Direito nas FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas e Pós-Graduado Lato sensu em Processo do Trabalho pela UNIFEO.
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