Resumo: O presente trabalho é uma análise do instituto da guarda compartilhada no Brasil, sua aplicação e desdobramentos, à luz das modificações trazidas pela Lei 13.058/14, ponderando-se o interesse dos filhos menores nas situações onde haja conflito entre os genitores. O objetivo deste estudo é verificar a viabilidade da guarda compartilhada como regra. [1]
Palavras-chave: Guarda compartilhada; Guarda compartilhada como regra; Lei 13.058/14; Interesse dos filhos menores; Conflito entre os genitores.
Abstract: This present paper is an analysis of the joint custody[2] institute in Brazil, its application and developments, considering the changes introduced by the Law number 13.058/14, thinking over the interests of minor children in situations where there is conflict between the parents. The objective of this study is to verify the feasibility of joint custody as a rule.
Key words: Joint custody; Joint custody as a rule; Law number 13.058/14; Interests of minor children; Conflicts between the parents.
Sumário: Introdução; 1 – Poder Familiar; 1.1 – Breve Escorço Histórico; 1.2 – Poder Familiar Quanto à Pessoa do Filho; 2 – Guarda; 2.1 – Guarda Unilateral; 2.2 – Guarda Compartilhada; 2.2.1 – Direito Comparado; 2.2.2 – Pensão Alimentícia; 3 – Lei 13.058/14; 3.1 – Conflitos entre os Guardiões; 3.2 – Aplicabilidade da Lei em Casos Litigiosos; 3.3 – Guarda Compartilhada e Guarda Alternada; 4 – Interesse dos Filhos Menores e a Guarda Compartilhada; Considerações Finais; Referências.
Introdução
O instituto da guarda compartilhada existe no ordenamento jurídico pátrio desde o advento da Lei 11.698/08 e hoje é uma modalidade bastante conhecida e amplamente adotada em alternativa à guarda unilateral. Todavia, em 24 de dezembro de 2014, foi sancionada a Lei 13.058/2014 dispondo acerca do significado e da aplicação deste instituto, tornando-o regra, até mesmo quando não houver consenso entre os genitores acerca de quem será o detentor da guarda, como se observa a partir da nova redação dada ao § 2º, do artigo 1.584 do Código Civil[3].
É um fato que as situações de separação vêm aumentando gradativamente nos últimos anos. Pesquisas[4] apontam que em 2011 houve um aumento de 45% no número de divórcios em relação ao ano de 2010 e outras pesquisas recentes reputam esse crescimento como possível consequência da nova legislação que facilita a dissolução dos casamentos.
Considerando esta realidade, surge a necessidade de se conhecer mais à fundo a Lei 13.058/14, bem como as modalidades de guarda existentes, esclarecendo as distinções entre elas e seus desdobramentos, no que concerne inclusive à pensão alimentícia. Há também que se ponderar se a guarda compartilhada é, de fato, a melhor opção para as crianças e adolescentes filhos de pais separados e se esta seria a modalidade de guarda mais adequada a ser considerada regra, tendo em vista que grande parte dos casais que se separam não consegue manter uma convivência harmônica e pacífica.
Ressalta-se, finalmente, a relevância social do tema, vez que trata da forma de criação e educação das crianças de hoje que serão os futuros cidadãos e cidadãs que comporão a coletividade amanhã.
1.Poder Familiar
O poder familiar refere-se ao conjunto de direitos e deveres a serem exercidos pelos pais no tocante à pessoa do filho menor não emancipado e aos seus bens, visando à proteção dos interesses deste filho, seus cuidados, criação, educação e amparo.
Nas lições de CUNHA GONÇALVES[5], esta função atribuída aos pais pode ser considerada semipública, tendo em vista que aos mesmos cabe representar os seus filhos judicialmente, quando necessário, constituindo assim um múnus[6] público, tendo, portanto, caráter irrenunciável, inalienável, imprescritível, incompatível com a curatela e de natureza de relação de autoridade.
1.1.Breve Escorço Histórico
No Código Civil de 1916, o poder familiar, até então chamado de pátrio poder, era atribuído ao marido, uma vez que este era considerado o chefe da família, sendo exercido pela esposa apenas em casos específicos, de modo que as decisões relacionadas à vida dos filhos eram tomadas em regra pelo pai.
Mais tarde, com o advento da Lei 4.121/62, o exercício do pátrio poder foi legitimado como sendo de competência de ambos os pais. Contudo, o referido diploma ainda determinava que, havendo divergências entre os genitores, prevaleceria o que decidisse o pai, sendo facultado à mãe em desacordo o direito de recorrer judicialmente.
Apenas com a Constituição Federal de 1988[7], a titularidade do poder familiar passou a ser exercida igual e simultaneamente por ambos os genitores, possuindo, tanto o pai quanto a mãe, o poder de decisão sobre as questões referentes aos filhos, sem que o direito e a obrigação de um se sobrepusesse à do outro e vice-versa.
1.2. Poder Familiar Quanto à Pessoa do Filho
No que concerne ao poder familiar quanto à pessoa do filho, diversos são os diplomas legais que determinam as atribuições dos pais, seus direitos e deveres.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, trata os direitos fundamentais da criança e do adolescente como prioridades absolutas, vez que estabelece como sendo dever não somente da família, mas também do Estado e da sociedade, assegurar “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
As responsabilidades parentais seguem elencadas no art. 229 da Constituição, que trata como princípio constitucional o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Encontram-se presentes também em dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Código Civil de 2002 e do Código Penal os deveres fundamentais que constituem o poder familiar.
Dentre eles, destacam-se a manutenção dos filhos menores, representando-os ou assistindo-os, dirigindo a sua criação e educação, fixando seu o domicílio, orientando-os e preparando-os para o exercício da cidadania, bem como provendo-lhes alimentos e todo o necessário para uma condição de vida digna; a competência para autorizar ou não o casamento dos filhos menores; o dever de nomear-lhes tutor por testamento ou documento técnico; o direito de reclamar estes filhos de quem os detiver ilegalmente, e; o direito de lhes exigir a prestação de obediência.
2.Guarda
Diferentemente do poder familiar, a guarda é um instituto cujo objetivo é a proteção dos filhos menores. Trata-se de uma responsabilidade legal que preconiza o exercício da fiscalização da prole, visando o seu melhor interesse e garantindo a sua segurança.
2.1. Guarda Unilateral
A guarda unilateral, prevista na primeira parte do § 1º, do art. 1.583, do Código Civil, é a modalidade de guarda na qual a apenas um dos genitores, ou alguém que o substitua, é atribuída a qualidade de guardião dos filhos menores. Ao genitor não guardião fica resguardado o direito de supervisão dos interesses dos filhos.
Nesta hipótese, apesar da guarda ser de titularidade de apenas um dos genitores, o poder familiar continuará sendo exercido em conjunto por ambos, vez que este não está atrelado ao vinculo conjugal e sim à filiação.
“A simples destituição da guarda física de filho pela separação dos pais não implica, sob nenhum aspecto a perda do poder familiar, e talvez até reforce o seu exercício pela redução do contato do genitor não-guardião, com o seu filho que ficou sob a guarda do outro ascendente. Nem significa admitir sob qualquer pretexto, pudesse a cisão da guarda prejudicar por alguma forma o direito-dever dos genitores manterem uma sadia convivência familiar.”[8]
Encontra-se resguardado também o direito de ingressar com ação quando ficar evidenciada a prática de alienação parental por parte do genitor guardião. Deste modo, o convívio não seria afetado e seria possível garantir que a guarda unilateral não prejudicaria o exercício do poder familiar pelo outro genitor.
Observa-se que o legislador também resguardou ao genitor não guardião o direito de solicitar e prestar informações referentes ao menor nas mais variadas situações que envolvam seus interesses de maneira global, tais como educação, saúde física e mental, evidenciando-se, portanto, a obrigação genérica da prestação de cuidados materiais e emocionais, visando, principalmente, evitar o abandono afetivo.
Porém, faz-se necessário esclarecer que, no que concerne à responsabilidade civil pelos atos que gerem danos à terceiros praticados pelo menor, somente o genitor guardião responderá.
2.2.Guarda Compartilhada
Inserida formalmente no Código Civil através da redação dada pela Lei 11.698/2008 ao § 2º do art. 1.583, esta modalidade de guarda aparece para regular a família moderna com a intenção de equilibrar as relações familiares, sendo a hipótese na qual ambos os genitores detêm a guarda dos filhos menores, para fins de exercício dos direitos e deveres paternos e maternos, mesmo não vivendo sob o mesmo teto.
Ao contrário do que ocorre na modalidade de guarda unilateral, na guarda compartilhada existe uma pluralidade de responsabilidades, divididas de maneira equilibrada entre os dois genitores, no que diz respeito às decisões referentes à rotina dos filhos. Trata-se, portanto, de uma maneira de democratizar as prerrogativas dos pais, visando a manutenção dos laços de afetividade e diminuindo os impactos negativos oriundos da separação.
Em outras palavras, a guarda compartilhada prevê um aumento dos direitos e deveres parentais em virtude de ambos estarem convivendo mais intensamente com os filhos, participando mais ativamente do seu desenvolvimento e educação, compartilhando as responsabilidades e decisões atinentes ao seu cotidiano.
Todavia, já se cogitava doutrinária e jurisprudencialmente, a possibilidade de aplicação desta modalidade de guarda à partir da interpretação conjunta dos dispositivos constitucionais[9] que versam sobre o exercício equânime do poder familiar pelo homem e pela mulher, no que concerne às questões envolvendo os interesses dos filhos menores, cumulados com o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente acerca da necessidade de se assegurar, em caráter prioritário, a convivência familiar do menor com seus pais.
2.2.1.Direito Comparado
Analisando-se o direito alienígena, observa-se a existência do instituto da guarda compartilhada em outros países, respaldado pelo conceito de poder familiar exercido de maneira equilibrada por ambos os pais.
Nos Estados Unidos, a joint custody[10] tem um foco maior nas responsabilidades atribuídas a cada pai, de modo que ambos dividem os deveres e decisões acerca das questões relacionadas à vida dos filhos, sem que haja, necessariamente, igual divisão do tempo de convivência entre os genitores.
Por sua vez, o Direito Português[11] permite aos genitores acordarem sobre o exercício igualitário do poder paternal, para que as decisões sobre o cotidiano dos filhos sejam tomadas em condição equivalente às tomadas no período compreendido pela sociedade conjugal.
2.2.2.Pensão Alimentícia
A prestação de alimentos refere-se à manutenção individual do menor e não apenas a uma acepção fisiológica; refere-se ao sustento, à moradia, aos cuidados médicos, às necessidades essenciais e sociais do indivíduo e tudo o que estiver ligado à sua subsistência.
O Código Civil prevê a existência dessa obrigação alimentar por parte dos genitores quando da dissolução do vínculo conjugal, na proporção de seus recursos, a fim de manter o sustento dos filhos[12].
“APELAÇÃO CÍVEL. ALIMENTOS. GUARDA COMPARTILHADA. A forma de divisão estabelecida na sentença reconhece que ambos os genitores têm despesas com alimentação, moradia e transporte do filho. Reconhece também que os dois irão arcar com o pagamento de vestuário e lazer no exercício da guarda compartilhada. Apenas quanto a algumas despesas fixas do filho alimentado é que a sentença estabeleceu formalmente a divisão, o que evidencia que a fixação é apenas uma forma de organizar os pagamentos. […] Nesse contexto, a sentença mostrou-se equânime e adequada à situação das partes, razão pela qual vai mantida. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO”. (Apelação Cível Nº 70058323130, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 16/10/2014, grifo nosso).[13]
Não há razões, portanto, para que na guarda compartilhada este dever de prestar os alimentos cesse, uma vez que este compromisso está amparado constitucionalmente e é oriundo da responsabilidade parental lastreada na obrigação de manter, assistir e educar os filhos menores em decorrência do exercício do pleno poder familiar.
Ocorre que, em alguns casos, não há uma fixação de valor da prestação de alimentos, de modo que os pais dividem os custos de maneira equilibrada e viável para ambos. Isso significa dizer que há situações nas quais as condições econômicas dos genitores são diferentes e possivelmente eles irão contribuir em medidas distintas.
Havendo descumprimento do dever de prestar os alimentos por qualquer dos genitores, o inadimplente poderá ser executado, ter sua prisão decretada, seu nome inscrito em cadastros de devedores de pensão alimentícia ou ter a sentença que disciplinou a questão levada a protesto.[14]
3.Lei 13.058/14
A Lei 13.058/14 alterou novamente a redação dos artigos 1.583, 1.584, 1585 e 1.634 do Código Civil de 2002, tornando a guarda compartilhada a modalidade de guarda a ser adotada como regra, de maneira não obrigatória, porém, impositiva.
A primeira alteração trazida por esta nova Lei é a determinação, contida no § 2º do art. 1.583, de que os filhos passem uma quantidade de tempo equilibrada com ambos os pais, situação que enseja questionamentos acerca da viabilidade da aplicação da guarda compartilhada nos casos nos quais os genitores não residam em locais próximos ou não mais compartilhem os mesmos valores morais, ideais éticos e religiosos.
Mais adiante, no § 3º do mesmo artigo, o legislador, quase que controversamente, determina que a cidade na qual será fixada a moradia dos filhos na guarda compartilhada será a que melhor atenda aos seus interesses.
Ora, esse dispositivo aponta para a hipótese na qual os genitores não residam na mesma cidade, o que incita mais um questionamento acerca da existência de uma real possibilidade de divisão balanceada do tempo de convívio com os filhos entre estes genitores.
A Lei acrescenta ao art. 1.583 o § 5º, que dispõe acerca do dever de fiscalização por parte do genitor não guardião dos interesses dos filhos, gerando, conforme anteriormente referido, uma responsabilidade genérica material e emocional do pai não guardião para com a prole, instituindo, no § 6º do art. 1.584, pena de multa para o estabelecimento que se negar a prestar informações a qualquer dos genitores sobre seus filhos.
Já o § 2º do art. 1.584, traz a alteração tida como mais perigosa, qual seja a aplicação da guarda compartilhada quando ambos os pais demonstrarem aptidão para o exercício do poder familiar, mesmo que não haja acordo entre eles. Na segunda parte do texto, a nova redação apresenta a possibilidade de um dos genitores renunciar à guarda do menor.
No § 3º deste mesmo artigo, o legislador confirma a competência do Juiz para determinar, de ofício ou à requerimento do Ministério Público, as atribuições dos pais e os períodos de convivência, podendo valer-se de orientações de peritos, ressalvando, novamente, a divisão equilibrada do tempo de convívio entre os genitores, enquanto que no § 4º, ele retira a possibilidade de redução do número de horas de convívio em decorrência de descumprimento imotivado de cláusula de guarda.
A alteração feita pela Lei 13.058/14 no art. 1.585, foi mais ampla, no sentido de determinar que a decisão a respeito da guarda seja proferida, quando em sede de medida cautelar de separação de corpos ou de guarda, ou em outra sede de fixação liminar de guarda, apenas após a oitiva de ambas as partes pelo Juiz, excetuando-se os casos nos quais a oitiva da outra parte não seja exigida para que se protejam os interesses dos filhos.
Finalmente, a referida Lei trata de alterar o art. 1.634, no sentido de assegurar o pleno exercício do poder familiar por ambos os pais, independentemente da sua situação conjugal, consistindo nas hipóteses já esmiuçadas no Capítulo 1 do presente artigo.
3.1.Conflitos entre os Guardiões
Em se tratando de hipótese de divórcio litigioso, a opção pela guarda compartilhada não traria uma real possibilidade de convivência pacífica e harmônica entre os filhos e seus genitores. Quando o diálogo se torna difícil, os impactos na tomada de decisões acerca da educação e criação dos filhos podem ser desastrosos, causando danos à sua integridade e indo de encontro ao seu melhor interesse para dar lugar a uma disputa entre os pais.
Deste modo, não seria prudente por parte do magistrado a imposição desta modalidade, conforme lecionam RODOLFO PAMPLONA FILHO e PABLO STOLZE GALIANO, se fazendo indispensável, portanto, a constatação de que os genitores reúnem condições de manter uma relação respeitosa e estável, que sirva de alicerce para um ambiente saudável para os filhos.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA COMPARTILHADA. DESCABIMENTO. Para a instituição da guarda compartilhada mostra-se necessária a existência de consenso entre os genitores. Agravo de instrumento desprovido”. (Agravo de Instrumento Nº 70058925074, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 28/05/2014)[15]
Constatando-se a existência de um ambiente familiar desestruturado pelos constantes conflitos existentes entre os genitores, poderá o Juiz reverter a guarda compartilhada e, em casos mais graves, nos quais reste evidenciado que o filho não deva permanecer sob a guarda dos pais, esta poderá ser deferida a outra pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, conforme disposto no § 5°, do art. 1.584, do Código Civil, considerando-se o grau de parentesco e as relações de afetividade.
Ao magistrado também será facultada a prerrogativa de decidir de forma diversa ao constante dos artigos referentes ao tema, caso haja circunstância grave, no que concerne à situação dos filhos e seus genitores.
3.2. Aplicabilidade da Lei em Casos Litigiosos
A Lei 13.058/2014, ao modificar a redação do artigo 1.584, § 2º, do Código Civil de 2002, determinou que deveria ser aplicada como regra a guarda compartilhada, inclusive quando ambos os pais, apesar de possuírem condições de exercer o poder familiar, não estiverem de acordo acerca da questão.
Novamente evidencia-se a importância desta discussão para o Direito, uma vez que, apesar da recente aprovação desta lei, a guarda compartilhada pode não ser a melhor ou mais adequada modalidade de guarda a ser adotada em regra, conforme já se observa em alguns conflitos doutrinários e jurisprudenciais acerca desta aplicação e da interpretação da lei em questão.
“DIREITO DE FAMÍLIA. MODIFICAÇÃO DE GUARDA E CONCOMITANTE EXONERAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. DEMANDA PROPOSTA PELO GENITOR CONTRA A GENITORA. ESTUDO SOCIAL REVELADOR DE SEREM AMBOS OS GENITORES APTOS A POSSUIR A GUARDA DO INFANTE. AUSÊNCIA DE FATOR DESABONADOR CAPAZ DE INVIABILIZAR A MANUTENÇÃO DE GUARDA, PELA MÃE, SOBRE O FILHO DE 12 (DOZE) ANOS DE IDADE. IMPOSSIBILIDADE, AINDA, DE CONCESSÃO DA GUARDA COMPARTILHADA, UMA VEZ QUE OS GENITORES NÃO POSSUEM UM CONVÍVIO PACÍFICO. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. PEDIDOS INACOLHIDOS. GRATUIDADE JUDICIÁRIA NEGADA EM PRIMEIRO GRAU. MANTENÇA POR AUSENTE PROVA DA ALEGADA HIPOSSUFICIÊNCIA. MANUTENÇÃO, TAMBÉM, DO ESTIPÊNDIO ADVOCATÍCIO. RECURSO DESPROVIDO. Segundo a abalizada doutrina de Rolf Madaleno, "existindo sensíveis e inconciliáveis desavenças entre os pais, têm concluído os julgados e a doutrina não haver como encontrar lugar para uma pretensão judicial à guarda compartilhada apenas pela boa vontade e pela autoridade do julgador, quando ausente a boa e consciente vontade dos pais" (Curso de Direito de Família. 4. Ed. Rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 433-434).[16]
Deste modo, parece mais adequada a redação anterior, dada pela Lei 11.698/08, que preconizava a possibilidade[17] de aplicação da guarda compartilhada, levando-se em consideração o caso concreto, quando da determinação do regime de guarda a ser adotado.
Inúmeros doutrinadores alertam sobre a possibilidade de se obter consequências danosas para o desenvolvimento dos filhos, quando da adoção da guarda compartilhada em casos nos quais os genitores não tenham condições de conviver tranquilamente e chegar a um comum acordo acerca das questões relacionadas à rotina dos filhos.
“Alerte-se, no entanto, que este tipo de guarda de filhos na separação exige um efetivo entendimento entre os genitores; disputas permanentes, desrespeito e desavenças devem orientar para o sistema tradicional de regulamentação da convivência, sem afastar o direito de o genitor descontínuo participar das decisões relativas aos filhos.”[18]
Por isso, não basta apenas a intenção do legislador de encontrar uma solução boa para ambos os genitores, que por vezes revela-se utópica quando se observa a situação fática vivida pelos mesmos, de modo que a guarda compartilhada deverá ser ponderada e não apontada como regra para todos os casos.
Neste sentido, sabiamente leciona CARLOS ROBERTO GONÇALVES ao referir-se à guarda compartilhada como sendo modelo que, “naturalmente, não deve ser imposto como solução para todos os casos, sendo contraindicado para alguns” [19].
3.3.Guarda Compartilhada e Guarda Alternada
Conforme dito anteriormente, ao modificar a redação do § 2º do art. 1.583, determinando que os genitores tenham uma divisão equilibrada de tempo de convívio com os filhos, o legislador deu margem a interpretações conflituosas e a possíveis confusões entre os institutos da guarda compartilhada e da guarda alternada (não albergada pelo ordenamento jurídico pátrio). Esta última, refere-se à modalidade de guarda na qual o filho permanece em quantidade igual de tempo com o pai e com a mãe, preconizando-se uma custódia física dividida.
“Ademais, com o devido respeito ao pensamento contrário, a este colunista a novel legislação traz outros sérios problemas. O principal deles é a menção a uma custódia física dividida, o que parece tratar de guarda alternada e não de guarda compartilhada. Continuamos a seguir a ideia de que a guarda alternada é aquela em que o filho permanece um tempo com o pai e um tempo com a mãe, pernoitando certos dias da semana com o pai e outros com a mãe. A título de exemplo, o filho fica sob a custódia do pai de segunda a quarta-feira; e da mãe de quinta-feira a domingo. Essa forma de guarda não é recomendável, eis que pode trazer confusões psicológicas à criança(…).”[20]
O argumento que poderia sanar parcialmente esta questão seria o de que esta nova lei não faz referência expressa à alternância de residências, muito embora as decisões sejam tomadas conjuntamente e os filhos estejam sob a responsabilidade simultânea e isonômica de ambos os pais.
Tal instituto possui similaridades com o modelo americano da shared custody[21], o qual prevê uma igual divisão de tempo de convívio dos genitores com os filhos, ressaltando ser esta a modalidade ideal para ser adotada nos casos em que os pais morem próximos e sejam capazes de cooperar e acordar sem conflitos.
4.Interesse dos Filhos Menores e a Guarda Compartilhada
A Constituição Federal de 1988 preocupou-se em consolidar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, uma vez que valorizou ainda mais o instituto da família, conforme se observa no caput do seu art. 226, o qual define família como sendo a base da sociedade, tendo especial proteção do Estado, assegurando assim os direitos e garantias especiais destes indivíduos em fase de desenvolvimento.
Juntamente com outros diplomas legais, o Estatuto da Criança e do Adolescente também prevê a proteção do menor, a fim de que este possa se desenvolver física, mental, moral, espiritual e socialmente, gozando de prerrogativas como a liberdade e a dignidade[22].
Como ocorre com os demais princípios, dado o seu caráter subjetivo, o legislador, ao decidir a respeito da guarda, deverá observar as peculiaridades inerentes a cada caso concreto, visando garantir uma aplicação justa e condizente do instituto de acordo com o melhor interesse da criança. Critério este, que deverá ser utilizado como fundamento norteador pelo(s) detentor(es) da guarda, responsáveis pela educação deste menor.
Por isso, a imposição da guarda compartilhada como regra há que ser analisada com cuidado, tendo em vista o aspecto do bem-estar do filho, pois este estará inserido num contexto familiar no qual o poder decisório acerca dos mais diversos aspectos de sua vida estará dividido entre dois pais que, em muitos casos, não são capazes de conviver de maneira harmônica.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. AÇÃO DE DECLARAÇÃO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. GUARDA COMPARTILHADA. Em se tratando de discussão sobre guarda de criança, é necessária a ampla produção de provas, de forma a permitir uma solução segura acerca do melhor interesse da infante. Mostra-se correta a decisão que indeferiu o pedido de guarda compartilhada, diante da tenra idade da criança. Para que a guarda compartilhada seja possível e proveitosa para a filha, é imprescindível que exista entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, onde não existam disputas nem conflitos, mas, no caso, diante da situação de conflito e, especialmente pela idade da filha, a guarda compartilhada é totalmente descabida. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO”. (Agravo de Instrumento Nº 70064853344, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 19/05/2015).[23]
Compreende-se, todavia, que a convivência familiar é também preceito constitucional, consta do Estatuto da Criança e do Adolescente e a sua supressão pode acarretar danos no desenvolvimento do menor. Contudo, a própria doutrina ressalva “(…) o direito de a criança conhecer e conviver com seus pais, a não ser quando incompatível com seu melhor interesse;”[24].
Neste diapasão, faz-se necessário salientar que também é possível que nesta modalidade de guarda os filhos percam o referencial de lar, de rotina, de autoridade, vindo a desenvolver problemas de ordem psicológica, bem como presenciar ainda mais conflitos entre os pais, afinal, na maioria dos casos de indivíduos divorciados, o diálogo e o comum acordo é ainda mais difícil do que quando casados.
Nada obstante, o instituto não apresenta apenas desvantagens. Nos casos das famílias que são capazes conviver pacificamente, estudos mostram que os reflexos sociais e psicológicos na vida dos filhos são bastante positivos, pois estes pais são capazes de abstrair da educação dos filhos os seus eventuais problemas de relacionamento que levaram ao fim do relacionamento conjugal.
“A convivência com ambos os pais é fundamental para a construção da identidade social e subjetiva da criança. A diferença das funções de pai e mãe é importante para a formação dos filhos, pois essas funções são complementares e não implicam hegemonia de um sobre o outro.”[25]
Considerando a realidade apontada acima, a guarda compartilhada aparece como sendo um modelo no qual se observa uma boa convivência entre os pais refletindo na criança e no adolescente.
Seria necessário, portanto, que fosse avaliada a hipótese de aplicação da guarda compartilhada apenas quando houvesse uma mediação harmônica evidenciada em Juízo. Alguns doutrinadores ressaltam que, na impossibilidade da adoção desta modalidade de guarda, seria mais seguro e mais proveitoso optar-se pela guarda unilateral, sem prejuízo para o genitor não guardião.
Considerações Finais
Inicialmente, entendeu-se que a modalidade de guarda a ser determinada como regra deveria ser a guarda unilateral, de modo que a adoção da guarda compartilhada se desse apenas nos casos nos quais restasse comprovada a possibilidade de convivência harmônica e pacífica entre os ex-cônjuges, para que não houvesse conflitos acerca da educação dos filhos ou reflexos negativos na sua criação e desenvolvimento.
Contudo, estabelecendo-se critérios de aplicabilidade bem definidos, a guarda compartilhada poderia trazer mais benefícios do que prejuízos, desde que fossem observados, em primeiro plano, os interesses dos filhos menores em cada caso concreto.
Deste modo, o presente estudo constatou algumas possíveis soluções que resguardariam o melhor interesse dos filhos, sem afetar o exercício do poder familiar por ambos os genitores, garantindo, também, maior segurança jurídica na tomada de decisões acerca dos regimes de guarda pelo magistrado.
A primeira delas seria a revogação do § 2º, do art. 1.583, que fora inserido pela Lei 13.058/14, para que não houvesse qualquer possibilidade de se depreender desse texto a hipótese de exercício de uma custódia física dividida em conflito com o real significado de guarda compartilhada.
Outra proposta seria modificar o texto do § 2º, do art. 1.584, para que fosse aplicada a modalidade de guarda mais benéfica ao interesse dos filhos, quando da ausência de acordo entre os genitores aptos ao exercício do poder familiar no tocante à modalidade de guarda a ser adotada.
Conclui-se, portanto, que o legislador não deveria preconizar uma modalidade de guarda específica como regra, pois, conforme apresentado no presente trabalho, cada caso concreto demanda uma solução mais efetiva à atenção do melhor interesse do menor, considerando suas necessidades, seu contexto social, familiar e cultural.
Acadêmica de Direito pela Universidade Católica do Salvador
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