Nos transportando para os bancos da academia, mais precisamente para as saudosas aulas inaugurais de Teoria Geral do Processo, recordamos com muita saudade das explicações do mestre sobre o actum trium personarum, simbolizado pelo famoso triângulo que em seus vértices dispunham as partes e o magistrado, e, apaixonadamente, o professor falava sobre a inexistência de hierarquia entre as figuras dos vértices.
O cotidiano forense lamentavelmente ilustra uma realidade bastante diferente. O que vemos na verdade é uma disputa incessante para a quebra desse princípio, seja pelo magistrado ou pelo parquet, e com bastante culpa também o advogado, que por falta de uma postura ideal, ou até mesmo um despreparo técnico, limita esta igualdade.
Na verdade este distúrbio comportamental na vida forense acarreta problemas de relevância abissal, pois os operadores do Direito passam a ter um ambiente extremamente estressante e desagradável. Como se não já bastasse a própria lide em si, que na sua própria natureza é um conflito social, dotada de condições bastante difíceis, o trato vem somar mais um transtorno, na maioria das vezes tão grande, que o objeto da causa por si só desaparece perante a colisão de humores dos profissionais que nela operam.
Vê-se com bastante freqüência que em determinadas comarcas o juiz e o promotor são tão próximos ao ponto de o advogado sentir-se limitado e, de certa forma, coagido com a situação; em outras, a aproximação entre os juízes e advogados atrapalham o desenvolvimento do trabalho do Ministério Público; e ainda há, por incrível que pareça, como constatamos em uma pequena cidade do interior de Santa Catarina, a união entre a advocatícia e a promotoria numa rixa com a magistratura. Nas grandes metrópoles normalmente ninguém se dá com ninguém. O triste é que em comarca alguma vemos onde todos trabalham harmonicamente, embora queremos crer que exista nestas inúmeras comarcas brasileiras. Embora o tema pareça bastante infantil e muitos leitores podem estar pensando que absurdo alguém escrever sobre este isto, acreditamos que é um problema grave e de conhecimento de todos..
Em relação a “alguns” magistrados as causas dos problemas podem se dar por diversos fatores, o primeiro que temos certeza não ser o mais comum, embora sempre neste recaia todas as culpas, é a famosa “juízite”, muito mais comum entre os novos magistrados do que os que possuem mais tempo de toga. Outro seria talvez o princípio da imparcialidade, desvirtuado a tal ponto que o juiz acredita que uma relação demasiadamente dura com as partes é a forma ideal para manter a imparcialidade, criando um escudo que o protege de qualquer aproximação neste sentido, bem como, da cortesia, da educação e do bem estar da rotina forense. Seguramente estes elementos negativos somados às “condutas arredias” de “alguns” promotores e advogados tornam a judicatura uma atividade mais estressante do que é pela própria natureza.
A má conduta de “alguns” membros do Ministério Público ocorre em virtude de uma falsa impressão que os outros vértices do triângulo processual conspira contra a defesa social. Quando o advogado exerce o direito de defesa do seu cliente, constitucionalmente garantido, de forma equivocada é interpretado como se fosse um fomentador do crime, quando na verdade está somente exercendo o sacerdócio da advocacia. No que tange os atritos com os magistrados, mormente ocorrem quando o magistrado aceita a alegação do advogado, pois a prova da acusação encontra-se falha. O autoritarismo exacerbado de “alguns” membros do Ministério Público faz com que uma suposta justiça seja imposta na marra, quando na verdade uma relação mais amistosa em nada traria malefício a estes representantes sociais seguros e convictos do seu papel.
Na qualidade de advogado, não podemos nos abster de comentar os vícios dos advogados nestas relações. É certo que há muitos advogados que carecem de uma postura ética recomendável, que através de chicanas acabam por prejudicar consideravelmente a feitura da justiça, e quando citamos o termo chicanas, em momento algum incluímos as estratégias processuais, as teses jurídicas de direito material ou mesmo a retórica da oralidade nos procedimentos cabíveis, mas sim os atos que fogem deste rol, como o preparo de testemunhas e o mal estar estabelecido até mesmo entre os próprios advogados de partes litigantes, que dotados de uma paixão tóxica, esquecem do profissionalismo e duelam, como se partes fossem. Outro aspecto importante seria o despreparo técnico de “alguns” advogados, que fazem pedidos confusos e desamparados de fundamentação, como também alegações que aos ouvidos e aos olhos de outros operadores de Direito soam como uma verdadeira piada, acarretando em um atraso na prestação jurisdicional e motivando a irritabilidade dos outros pólos da relação processual. Este tipo de causídico desacredita o resto da classe que acaba sofrendo os efeitos no dia-dia forense, (sem conseguirem quebrar o ciclo vicioso que se forma) formando uma bola de neve.
Importante ressaltar que, embora o mal estar que se estabeleceu no meio jurídico passe a impressão de que todos os operadores têm esses defeitos, através de uma quase que generalização de críticas entres estes sujeitos do triângulo, cremos que é completamente equivocada quanto ao animus, pois com certeza tanto os magistrados, promotores e advogados querem trabalhar com elementos técnicos do Direito e afastar estas “ picuinhas “ que hoje são corriqueiras.
Tem-se a efetiva necessidade dos operadores do Direito respeitarem o papel processual de cada um, embora em um litígio as partes busquem pretensões diferenciadas. Deixemos a batalha para os autos do processo, e usemos como armas as fontes do Direito, facilitando assim o trabalho do julgador, que se preocupará unicamente com as alegações das partes, juridicamente fundamentadas, e trará a solução da demanda de forma objetiva, possibilitando uma prestação jurisdicional de melhor qualidade.
Destacamos em todo o texto que estes vícios por parte de “alguns” operadores do Direito, é característica de “alguns”, sendo que a maioria possui boa vontade, embora seja difícil de acreditarmos, face o caos que se estabeleceu no cotidiano jurídico. Em virtude da impossibilidade de saber se a boa vontade reside ou não em cada operador, infelizmente, generaliza-se os vícios e não as qualidades, e esta postura coletiva repulsiva se estabelece de forma cíclica e crescente, parecendo ser irreversível.
Ora como resolver este problema? É o que nos indagamos frente este grave problema.Como proceder para que estes conflitos sejam dirimidos e extintos? Quanto tempo levaríamos para estabilizar as relações interpessoais da rotina dos fóruns? Como e onde seriam surtidos os primeiros efeitos? Quais as esferas que terão que ser atingidas para reverter este quadro?
Nossas sugestões às indagações seriam estas:
Resolveríamos o problema se cada operador de Direito cedesse em seus atos, sem abrir mão de suas estratégias e prerrogativas, não se deixando contaminar pelas provocações e má educação dos adversários, usando da humildade, cortesia, cordialidade e educação sempre, mesmo em condições completamente críticas, de modo à nunca se igualar aos atos repulsivos que comentamos no discorrer do texto.
Se mantivermos sempre a postura ideal, a própria natureza indica que os ataques serão cada vez menos freqüentes, até a extinção, já que os outros vértices se corrijam por perceberem na nossa conduta o efetivo intuito de se trabalhar em harmonia.
Possivelmente o problema nunca acabe em decorrência de pessoas com personalidade revolta para se adequarem a este novo sistema. Porém a tendência é o conflito se tornar exceção e não regra, e com certeza demorará muito para este quadro ser revertido, talvez não presenciemos o ideal, porém precisamos começar para que as próximas gerações não convivam mais com isto. De qualquer maneira, de forma muito otimista, acreditamos que presenciaremos um ambiente forense bem mais agradável que vivenciamos hoje.
É bem provável que as pequenas comarcas serão os locais onde irão repercutir os primeiros sinais de melhora, já que os advogados, promotores e juizes se encontram com maior freqüência, o que certamente mudará os hábitos com maior rapidez.
Não obstante a aplicação destes princípios humanos entre os profissionais, também cabe a nós passarmos esta idéia para os aspirantes da justiça, ou seja, nossos estagiários e estudantes, para que ao se engajarem no mercado, venham educados com estes princípios. Assim, em médio prazo, não necessitaríamos corrigir os novos profissionais, cabendo somente a árdua missão de “reeducar” os profissionais já estabelecidos.
Tratemos uns aos outros com a dignidade e respeito inerente às carreiras jurídicas, aliás, saímos todos do mesmo berço, as Academias de Direito, para que possamos efetivamente cumprir o juramento que todos nós fizemos, REALIZAR A JUSTIÇA!!!!!!!!!
Advogado e Jornalista em São Paulo/SP.
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