Sumário: 1. Anotações iniciais; 2. Penhora de dinheiro e penhora on line de valores em depósitos bancários: distinções; 3. A impenhorabilidade dos créditos relacionados no artigo 649 do Código de Processo Civil, saldo de caderneta de poupança até 40 salários mínimos, saldos de contas salários, e outras; 4. A execução e a norma de sobre direito processual do artigo 620 do CPC – a execução deve ser processada pelo modo menos gravoso ao devedor; 5. A execução, o princípio da segurança jurídica e o princípio da efetividade processual; 6. A execução, o princípio da intimidade e da privacidade do cidadão e o sigilo bancário e financeiro; 7. A execução e o princípio de dignidade da pessoa humana; 8. A execução e o princípio da adequação processual; 9. As impenhorabilidades e inconstitucionalidades da penhora on line; 10. Anotações finais.
1. Anotações iniciais
Anotamos desde logo que o presente trabalho se situa no âmbito do processo civil, quando cuida da execução de obrigações de direito civil.
Nesses casos, em geral, os credores são Bancos ou Empresas, enquanto que os devedores, em regra, são os consumidores, pessoas físicas social e economicamente mais fracas e que merecem proteção legal.
2. Penhora de dinheiro e penhora on line de valores em depósitos bancários: distinções
No processo de execução do Brasil, no momento da penhora, há que se atentar para a ordem estabelecida no artigo 655 do atual Código de Processo Civil (1973).
Isso quer dizer que, se a penhora deixou de obedecer a ordem preferencial estabelecida na norma do artigo 655, poderá ser excluída por nulidade.
Por outro lado, os valores de contas bancárias que, em geral, na prática judiciária atual, estão sendo penhorados por bloqueios on line como se dinheiro fossem, o que, na verdade, não são, pois valores de conta bancárias, sejam de contas-correntes, sejam de cadernetas de poupanças, não correspondem a “dinheiro” (inciso I), porém, se caracterizam como “títulos de crédito” (inciso X), ou, ainda, como “outros direitos” (inciso XI). [1]
É que, quando se fala em “dinheiro” se fala em “moedas”, em “cédulas” que são emitidas pelas chamadas “Casas de Moedas” – no caso nosso, dos brasileiros, são as cédulas emitidas pela Casa da Moeda do Brasil.
Neste sentido extrai-se da Wikipédia[2]:
“O dinheiro é o meio usado na troca de bens, na forma de moedas ou notas (cédulas), usado na compra de bens, serviços, força de trabalho, divisas estrangeiras ou nas demais transações financeiras, emitido e controlado pelo governo de cada país, que é o único que tem essa atribuição. É também a unidade contábil. Seu uso pode ser implícito ou explícito, livre ou por coerção. Acredita-se que a origem da palavra remete à moeda portuguesa de mesmo nome (o dinheiro).”
De outro lado, os valores constantes de contas bancárias, tanto de contas-correntes quanto de contas de poupança, são “créditos”, ou “títulos de créditos”, tanto que são movimentados e/ou sacados através da emissão de títulos de créditos por seus titulares, os “cheques”, que são “títulos de crédito” regulados por legislação própria – Lei Uniforme de Genebra e Lei do Cheque.[3]
Neste sentido, sobre títulos de crédito, diz Adilson Koch[4]:
“Considerando suas principais características e o que melhor expressa a doutrina, podemos conceituar título de crédito como um documento representativo do direito de crédito pecuniário que nele se contém e que pode ser executado por si mesmo, de forma literal e autônoma, independentemente de qualquer outro negócio jurídico subjacente ou subentendido, bastando que preencha os requisitos legais.”
Acrescenta, também, sobre títulos de crédito:
“Os títulos de crédito são de fundamental importância para os negócios, haja vista que promovem e facilitam a circulação de créditos e dos respectivos valores a estes inerentes, além de propiciar segurança circulação de valores.”
Complementa, ainda, sobre títulos de crédito:
“Ressaltamos ainda sobre os títulos crédito que é fundamental o entendimento de que um título de crédito é um documento representativo de um direito de crédito e não propriamente originário deste, mesmo porque a existência de um direito de crédito não implica necessariamente na criação de um título, enquanto que ao contrário, a existência de um título de crédito, exige obrigatoriamente a existência anterior de um direito de crédito a ser representado formalmente pelo respectivo título.”
E, sobre cheque, anota o mesmo autor:
“A definição para cheque pode ser dada como sendo uma ordem incondicional de pagamento à vista, dada por uma pessoa física ou jurídica, denominada de sacador, contra o banco onde tem fundos, denominado de sacado, para que pague ao credor, tomador ou beneficiário a importância nele escrita. O cheque está disciplinado pela Lei n. 7.357, de 02 de setembro de 1985, denominada de Lei do Cheque.”
Além disso, é bom lembrar, também, que se crédito de conta bancária fosse tratado como “dinheiro”, os Bancos ou os Banqueiros seriam “depositários fiéis”, com atividade regulada pelo Instituto do “Depósito”, regulado pelo Direito Civil, especialmente pelo Código Civil.[5]
Ora, assim não é, pois a atividade bancária é regulada por legislação própria e os Bancos ou Banqueiros nunca foram considerados depositários civis, ou “depositários fiéis” dos valores de saldos de contas bancárias dos chamados “clientes”.
Cabe até perguntar se Você já viu, no Brasil, algum Banco ou Banqueiro responder como “depositário infiel” nas “quebras” acontecidas (?!), e a resposta todos sabem, não (!).
A atividade bancária, no Brasil, está regulada pelo chamado Direito Bancário, como bem registra esclarecedor trabalho de Celso Marcelo de Oliveira.[6]
É que a reforma processual da Lei 11382, de dezembro de 2006[7], colocou, ou pretendeu colocar o “crédito de conta bancária” como se fosse sinônimo de “dinheiro”, numa tentativa de tornar as execuções desde logo mais gravosas contra os integrantes do pólo passivo das execuções, porém, não há como admitir tal hipótese, juridicamente falando, cabendo agora, aos juristas e operadores do direito, através da interpretação, fazer aplicação de forma socialmente justa.
Como demonstrado acima, valores de saldo de conta bancária não se caracterizam como “dinheiro”. Dinheiro é “moeda”, “cédula”, “em mãos”, “no colchão”, “na gaveta”, “no cofre”!
Já valores de saldos de contas bancárias são “créditos”, “direitos de crédito”, “títulos de crédito”!
Por isso que valores de contas bancárias não podem ser equiparados a “dinheiro”, pois não o são!
Disto isso, a “penhora on line” não se caracteriza como “penhora de dinheiro”, porém, como “penhora de crédito”, “penhora de título de crédito” ou “penhora de direito de crédito”! E, como tal, não se inclui no inciso I do artigo 655, do CPC, porém inclui-se nos incisos X e XI do mesmo artigo!
3. A impenhorabilidade dos créditos relacionados no artigo 649 do Código de processo Civil, saldo de caderneta de poupança até 40 salários mínimos, saldos de contas salários, e outras
Por outro lado, nos casos em que se admite, excepcionalmente, a penhora on line, há que se atentar para os casos de impenhorabilidades absolutas, que devem ser excluídas pelo Juízo no momento em que faz o acesso através do Sistema BACENJUD, para evitar prejuízos por atos gravosos aos executados.
Desta forma, o Magistrado ou Magistrada que maneja o Sistema BACENJUD, ao deparar-se com casos de impenhorabilidade absoluta, deve abster-se de seu bloqueio, como nos casos em que, desde logo, se constata tratar-se poupança até o limite de quarenta (40) salários mínimos (CPC, art. 649, X), depósitos de contas salários, ou de contas-correntes mantidas com depósitos de verbas de natureza salarial, como salários, soldos, vencimentos, subsídios, aposentadorias, pensões, pecúlios, honorários profissionais, entre outros (CPC, art. 649, IV), saldos de contas bancárias com recursos públicos recebidos para aplicação compulsória em educação ou assistência social (CPC, art. 649, IX), saldos de contas bancárias com recursos públicos do fundo partidário, no caso de partidos políticos (CPC, art. 649, XI).[8]
As únicas ressalvas possíveis são aquelas previstas no próprio Código de Processo Civil, nos incisos primeiro (1º) e segundo (2º).[9]
O Egrégio STJ enfrentou recentemente o tema da impenhorabilidade absoluta da poupança, porém, por outro ângulo, pelo fato de que a formação do saldo a mesma teve origem no soldo que o titular recebia mensalmente como militar reformado, até pelo fato de que a penhora é de data anterior à reforma do inciso X do artigo 649 do atual Código de Processo Civil (1973).
Porém, de passagem houve referência à impenhorabilidade do inciso X do artigo 649:
O entendimento da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é que essa proteção ocorre mesmo antes das alterações promovidas pela Lei n. 11.382/2006, que incluiu, no rol dos bens absolutamente impenhoráveis, a poupança de até 40 salários mínimos.
A decisão unânime se deu no julgamento de um recurso especial do Estado do Rio Grande do Sul contra a decisão que favoreceu um militar reformado. (REsp n. 515770).[10]
Da mesma forma, não existe ainda nenhum julgamento do Egrégio STF que examine diretamente a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do atual inciso X do artigo 649 do Código de Processo Civil (1973), pois matéria de sua competência exclusiva, desde que haja provocação.
O certo, porém, é que o saldo de Caderneta de Poupança até 40 salários mínimos, que chamamos de “poupança alimentar”, em impenhorável, salvo excepcionalmente, quando não encontrados outros bens penhoráveis, fica passível de penhora para pagamento de débitos de natureza alimentar. E, nos casos excepcionais de penhora para pagamento de execuções de natureza alimentar, pela natureza alimentar de ambos, há que de limitar a penhora ao limite consagrado juridicamente, de trinta por cento (30%) do saldo da poupança, pois assim se respeita a garantia de sobrevivência alimentar ao credor de verba alimentar e também ao titular da “poupança alimentar”.
É que a chamada “poupança alimentar” constituída do saldo de Caderneta de Poupança até o limite de 40 salários mínimos se sustenta ideologicamente especialmente por representar verba alimentar necessária para garantia da alimentação e da sobrevivência do titular.
Por outro lado, é totalmente sem razão a tese levantada por alguns juristas, que defendem a inconstitucionalidade do inciso “X” do artigo 649, do CPC, pela utilização do salário mínimo como parâmetro, que, ofenderia a norma do artigo 7º, IV, da atual Constituição da República (1988).[11]
É sem razão, pois o salário mínimo da mesma forma, é medida de verba alimentar, o que, por si só, justifica a fixação do limite em salários mínimos.
E foi por isso que se construiu a tese de que em se tratando de alimentos ou de verba alimentar, não há inconstitucionalidade na fixação em salários mínimos, não incide a vedação constitucional. Alimentos e verba alimentar estão em lugar ainda mais alto, na hierarquia das leis, pois versam direitos humanos necessários para garantia da sobrevivência.
Aliás, encontra embasamento em cláusula pétrea da própria atual Constituição da República (1988), na cabeça do artigo 5º[12], que garante a vida – a garantia de vida, de sobrevivência, ou de alimentos para sobrevivência.
A garantia de vida ou de sobrevivência é maior que a inconstitucionalidade formal!
As verbas e/ou valores de natureza alimentar, inclusive a chamada “poupança alimentar”, necessárias para a garantia de vida ou de sobrevivência não podem quedar-se diante de dispositivo de ordem formal, na ordem da hierarquia das leis, como é o caso da vedação de vinculação do salário mínimo.
A tese de inconstitucionalidade da norma do inciso X do artigo 649 do Código de Processo Civil pela utilização do salário mínimo como parâmetro representa, no caso, uma “tese perversa”, pois perverte os valores ético-jurídicos, colocando a questão exclusivamente formal acima da garantia do direito à vida. É a “perversa” interpretação do “formalismo pelo formalismo”, forma de interpretação há muito tempo criticada, vencida e abandonada pela nossa hermenêutica jurídica.
4. A execução e a norma de sobredireito processual do artigo 620 do CPC – a execução deve ser processada pelo modo menos gravoso ao devedor
Esta é interpretação socialmente justa da atual norma do artigo 655 do CPC, que se completa com a norma do artigo 620, para que o Judiciário promova a execução do modo menos gravoso ao Devedor. [13]
Aliás, a norma do artigo 620 do atual Código de Processo Civil (1973) que concretiza a ideologia do processo de execução do Brasil, não pode ser contrariada por nenhum ato processual!
E, por outro lado, será viciado de nulidade insanável todo ato executório que contrariar a norma de sobredireito processual do artigo 620 do CPC!
5. A execução, o princípio da segurança jurídica e o princípio da efetividade processual
Da mesma o ato de penhor on line prematuro, liminarmente e sem investigação anterior sobre existência de outros bens, sem dar oportunidade ao devedor para ofertar bens para penhora, ofende o princípio de segurança jurídica, pois coloca o devedor, de surpresa, prostrado financeiramente, sem cobertura para os cheques emitidos e para os cartões de créditos e até para os cartões de débito.
E isso implica em deixar o devedor pessoa física “sem fundos de créditos”, repentinamente, até mesmo para “fazer a feira de final de semana”, e, ao devedor pessoa jurídica, a levá-lo à tortuosa estrada que inicia o caminha da “quebra” pela repentina indisponibilidade de seus fundos de créditos ou ativos financeiros.
6. A execução, o princípio da intimidade e da privacidade do cidadão e sigilo bancário e financeiro
Não olvidamos também, que o dispositivo que permite a penhora on line, ofende ao princípio da intimidade e da privacidade do cidadão, garantido pela norma do artigo 5º, X, da atual Constituição da República (1988)[14], pois permite a devassa de seus créditos, direitos de créditos, ou, de seus ativos financeiros, desnudando sua intimidade financeira, seu sigilo bancário, em nome de uma pretensa agilização na tramitação processual.
A quebra da intimidade, da privacidade, do sigilo bancário e financeiro dos cidadãos, não pode ser panacéia para cura de todos os males da morosidade da tramitação dos processos!
Além disso, a lenta e progressiva quebra dos princípios e garantias constitucionais dos cidadãos deve ser interrompida e, restabelecidos os princípios e garantias na sua plenitude, para garantir a perenidade da democracia republicana no Brasil.
A quebra dos princípios e garantias constitucionais dos cidadãos é questão ideológica, pois na medida em que diminui os direitos e garantias dos cidadãos, caminha para uma progressiva prostração de todos os cidadãos diante das maiorias poderosas e privilegiadas econômica e financeiramente, que, na verdade, é o caminho para a futura prostração do próprio Estado como refém dos poderosos grupos econômicos e financeiros!
Dito isso, a penhora on line não pode ser a regra nos processos de execução, cabendo aos intérpretes da lei a sua utilização somente em casos excepcionais.
7. A execução e o princípio de dignidade da pessoa humana
Além do mais, a penhora incidente sobre créditos do devedor em depósitos bancários, no início da execução, anterior à citação, sem investigar a possibilidade de fazer penhora de outros bens e sem oportunizar ao devedor a oferta de outros bens para penhora, por deixar o devedor, de surpresa, sem a necessária cobertura para seus cheques e/ou seus cartões de crédito e de débito, atenta contra o princípio da dignidade humana.
Embora seja medida emanada de Autoridade Judiciária, coberta pela legalidade processual, é medida poderosa, forte, que causa forte impacto financeiro e emocional ao devedor, deixando o mesmo prostrado e abalado emocionalmente, diante da força do Poder do ato, colocando em dúvida a dignidade do devedor.
Ora, deixar o devedor prostrado financeira e emocionalmente, colocando em dúvida sua dignidade perante a família e a sociedade implica ofender sua dignidade humana, ofensa ao princípio da dignidade humana.
8. A execução e o princípio da adequação processual
No que diz respeito ao Princípio do Devido Processo Legal, sendo este possuidor de várias ramificações, uma delas o Princípio decorrente do devido Processo Legal Atípico, ou seja, daqueles princípios que não estão previstos expressamente na atual Constituição da República (1988). E o Princípio da Adequação Processual, ressaltamos, tem origem no Princípio do Devido Processo Legal.
Pois bem, falando do princípio da adequação processual, lembramos que os estudos acadêmicos o subdividem em três critérios de adequação, quais sejam:
a adequação objetiva (o processo tem que ser adequado ao direito que será por ele tutelado – particularidade de cada direito – HC para prisão ilícita); a adequação subjetiva (o processo tem que ser adequado aos sujeitos que vão participar do processo, em consequência desta regra que existem os prazos diferenciados para a Fazenda Pública); e, finalmente o que nos importa aqui, a adequação teleológica.
No que diz respeito à adequação teleológica, o processo tem que ser adequado aos seus propósitos, às suas finalidades.
No tema do artigo, voltado ao processo de execução, a finalidade primordial é efetivar o direito, claro que não se pode mais discutir no que diz respeito a quem possui a razão do entrevero judicial. Nestes casos pode o juiz no caso concreto proceder a uma adequação do processo, sendo que atos que não estejam previstos na legislação constitucional e infraconstitucional possam ser realizados dentro de um juízo de proporcionalidade e razoabilidade, levando-se em consideração sempre a pessoa do executado, não podendo ser diminuída a dignidade da pessoa humana através dos atos processuais.
9. As impenhorabilidades e inconstitucionalidades da penhora on line na interpretação atual dos tribunais
9.1. Entendemos oportuno trazer para análise alguns dos muitos julgados de nossos Tribunais, especialmente e propositalmente prolatados após a reforma processual de dezembro de 2006, que estão produzindo uma interpretação ideológica em favor dos princípios, direitos e garantias dos cidadãos:
9.1.1. EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA ON LINE. MEDIDA EXCEPCIONALÍSSIMA. A penhora on line só se mostra viável quando demonstrado o esgotamento das possibilidades de localização de bens, situação que não ocorreu no presente caso. Agravo desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70028725828, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 09/07/2009).[15] (Negrito nosso).
9.1.2. EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. PENHORA “ON LINE¿. DESCABIMENTO. NEGADO PROVIMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70030635205, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em 06/07/2009).[16] (Negrito nosso).
E no corpo desta decisão, merece destaque parte da fundamentação, que optamos por transcrever:
“O Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o tema em 22.11.07, através do AG 952.491-RJ, sendo relator o Ministro José Delgado, referiu que: “Esta Corte Superior firmou-se no sentido de restringir a penhora sobre valores existentes em conta-corrente bancária, aceitando-a somente em casos excepcionais e devidamente fundamentados, mas não sobre qualquer importância existente em conta corrente da própria empresa executada ou de seus sócios, visto que tal procedimento constritório poderá ensejar deletérias conseqüências no âmbito financeiro da parte devedora, conduzindo-a, compulsoriamente, ao estado de insolvência, em prejuízo de sua família, que dela depende para sobreviver.”
Portanto, ao que interpreto, infelizmente, o referido Sistema BACEN-JUD que foi alardeado como solução para ausência de efetividade da prestação jurisdicional, na verdade e, na prática, tem se mostrado absolutamente ineficiente, inútil, inoperante, além de perfeitamente dispensável, até para evitar a criação de falsa expectativa no jurisdicionado.
Desta sorte, impõe-se negar seguimento ao recurso interposto, […].”[17] (Negrito nosso).
9.1.3. EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA ON LINE. MEDIDA EXCEPCIONALÍSSIMA. A penhora on line só se mostra viável quando demonstrado o esgotamento das possibilidades de localização de bens, situação que não ocorreu no presente caso. Agravo desprovido, em decisão monocrática. (Agravo de Instrumento Nº 70030663454, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 03/07/2009).[18] (Negrito nosso).
9.1.4. EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA ON LINE. BACEN-JUD. EXCEPCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. O bloqueio de contra corrente, com o fim de realizar penhora on line, somente é possível em casos excepcionais, após restarem infrutíferas as diligências para localização de bens passíveis de constrição. Caso concreto em que a parte exeqüente não comprovou ter diligenciado, recentemente, nesse sentido, junto aos órgãos públicos a seu alcance. Decisão denegatória do pedido confirmada. Precedentes desta Corte e do Egrégio STJ. Decisão mantida. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO POR DECISÃO DO RELATOR. (Agravo de Instrumento Nº 70030907026, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 30/06/2009).[19] (Negrito nosso).
9.1.5. EMENTA: AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ART. 557, § 1º, DO CPC. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA ON LINE. NÃO-CABIMENTO NO CASO. I ¿ Tratando-se de matéria a cujo respeito há jurisprudência dominante, o relator está autorizado a dar seguimento a recurso. II ¿ A penhora on line, por ser medida extrema, só deve ser utilizada quando comprovada a não-localização de outros bens penhoráveis, possível, no caso, a penhora do próprio imóvel. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70030616932, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 24/06/2009).[20] (Negrito nosso).
9.1.6. EMENTA: AGRAVO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA “ON LINE¿ SOBRE ATIVOS FINANCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. UTILIZAÇÃO SOMENTE EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. A utilização do Sistema Bacen-Jud importa quebra do sigilo bancário, e implica indevida intromissão na privacidade do cidadão, expressamente amparada pela Constituição Federal (artigo 5º, X). Por isso, somente poderá ser utilizado em situações excepcionais, após exauridas todos os demais meios, e não localizados bens outros passíveis de penhora. Agravo desprovido, por maioria. (Agravo de Instrumento Nº 70029304664, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 03/06/2009).[21] (Negrito nosso).
9.1.7. EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA `ON LINE¿, PELO SISTEMA BACEN-JUD, DOS ATIVOS FINANCEIROS DO EXECUTADO. MEDIDA EXCEPCIONAL. INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE O PEDIDO. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. Hipótese em que o credor não demonstrou o prévio esgotamento das diligências que imprimiu na tentativa de localizar bens do devedor passíveis de penhora, situação que coexiste com a real possibilidade de a constrição recair sobre valores impenhoráveis, ainda mais em se tratando o executado de pessoa física, fatores que, conjugados, tornam inviável o deferimento da medida. Precedentes desta Corte e do STJ. Decisão mantida. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70030111041, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 21/05/2009).[22] (Negrito nosso).
9.1.8. EMENTA: Agravo de Instrumento. Ação de indenização. Execução. Penhora on line. Incabível em face da oferta de bens pela executada e pela ausência de demonstração do exaurimento dos meios de localização de bens. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70022582712, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário José Gomes Pereira, Julgado em 14/12/2007).[23] (Negrito nosso).
9.2. Anotamos que até mesmo o Superior Tribunal de Justiça ainda em 2007 teve oportunidade de julgar caso em que a penhora on line foi colocada em mesa para debate e decisão. O julgamento ocorreu em novembro de 2007, através do AG 952.491-RJ, em que foi relator o Eminente Ministro José Delgado, cuja Ementa foi a seguinte:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU FALTA DE MOTIVAÇÃO NO ACÓRDÃO A QUO. PENHORA SOBRE VALORES EXISTENTES EM CONTA CORRENTE BANCÁRIA. POSSIBILIDADE EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. NÃO-OCORRÊNCIA DOS REQUISITOS NECESSÁRIO, IN CASU. PRECEDENTES. 1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento. 2. O acórdão que considerou viável o bloqueio e posterior penhora de valores em contas correntes bancárias, a fim de viabilizar a execução. 3. Decisão a quo clara e nítida, sem omissões, obscuridades, contradições ou ausência de motivação. O não-acatamento das teses do recurso não implica cerceamento de defesa. Ao juiz cabe apreciar a questão de acordo com o que entender atinente à lide. Não está obrigado a julgá-la conforme o pleiteado pelas partes, mas sim com seu livre convencimento (CPC, art. 131), usando fatos, provas, jurisprudência, aspectos atinentes ao tema e legislação que entender aplicáveis ao caso. Não obstante a oposição de embargos declaratórios, não são eles mero expediente para forçar o ingresso na instância especial, se não há vício para suprir. Não há ofensa aos arts. 165, 458, 535 do CPC quando a matéria é abordada no aresto a quo. 4. Esta Corte Superior firmou-se no sentido de restringir a penhora sobre valores existentes em conta corrente bancária, aceitando-a somente em casos excepcionais e devidamente fundamentados, mas não sobre qualquer importância existente em conta corrente da própria empresa executada ou de seus sócios, visto que tal procedimento constritório poderá ensejar deletérias conseqüências no âmbito financeiro da parte devedora, conduzindo-a, compulsoriamente, ao estado de insolvência, em prejuízo de sua família, que dela depende para sobreviver. Para tanto, a jurisprudência do STJ acena na linha de que: – “admissível o bloqueio de valores em conta-corrente da executada somente após a constatação da inviabilidade dos meios postos à disposição do exeqüente para a localização de bens do devedor” (REsp nº 904385/MT, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 22/03/2007. Idem: REsp nº 832877/MT, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 28/06/2006); – “admite-se, excepcionalmente, a penhora de dinheiro em conta-corrente da executada ante, dentre outros requisitos, a comprovação da inexistência de outros bens suficientes à garantia da execução” (AgRg no REsp nº 734265/SP, 1ª Turma, Relª Minª Denise Arruda, DJ de 26/02/2007); – “em observância ao consagrado princípio favor debitoris (art. 620 do CPC), tem-se admitido apenas excepcionalmente a penhora do faturamento ou das importâncias depositadas na conta-corrente da executada, desde que presentes, no caso, requisitos específicos que justifiquem a medida, quais sejam: a) realização de infrutíferas tentativas de constrição de outros bens suficientes a garantir a execução, ou, caso encontrados, sejam tais bens de difícil alienação; b) nomeação de administrador (arts. 678 e 719, caput, do CPC), ao qual incumbirá a apresentação da forma de administração e do esquema de pagamento; c) manutenção da viabilidade do próprio funcionamento da empresa” (REsp nº 857879/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 25/09/2006. Idem: REsp nº 839954/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 24/08/2006); – “a penhora em saldo bancário do devedor equivale à penhora sobre o estabelecimento comercial. 3. Somente em situações excepcionais e devidamente fundamentadas é que se admite a especial forma de constrição” (REsp nº 863773/SP, 2ª Turma, Relª Minª Eliana Calmon, DJ de 03/10/2006. Idem: REsp nº 769545/SP, 2ª Turma, Relª Minª Eliana Calmon, DJ de 24/10/2005; REsp nº 557294/SP, 2ª Turma, DJ de 15/12/2003, Relª Minª Eliana Calmon); 5. In casu, à recorrente foi deferido plano de recuperação judicial e a constrição de dinheiro em conta-corrente irá comprometer toda a sua atividade econômica e o pagamento de sua folha de salários, assim como o referido plano de recuperação. Foram oferecidos bens imóveis em substituição à penhora em dinheiro. Tais condições afastam, nos termos da jurisprudência acima citada, a possibilidade, ao menos na hipótese versada, da penhora dos valores constantes na conta-corrente da executada. 6. Agravo regimental não-provido. (AgRg no Ag 952.491/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/03/2008, DJe 23/04/2008). (Negrito nosso).
10. Anotações finais
Por tudo isso, depois da reforma processual, cabe aos intérpretes, na aplicação dessas normas, atentar para as normas ideológicas, de sobredireito processual e para os princípios gerais do direito, processuais e constitucionais e éticos.
O direito não pode ser interpretado por “tiras” formais e independentes, deve ter interpretação dentro do “corpo inteiro”, de toda a legislação, dos princípios gerais de direito e dos princípios e garantias constitucionais!
Não se pode interpretar separadamente um texto, que no passado, em determinada circunstância de fatos, interesses e acordos legislativos, foi redigido e “sepultado” num artigo, numa parte de um artigo, num inciso ou num parágrafo, de alguma lei ou de algum código!
A interpretação precisará estar sempre atenta ao contexto do universo do direito do tempo e do lugar atual!
Do Juízo, Magistrados e Magistradas, espera-se, pela liturgia simbólica e ética do Poder que encarna e representa, pela força legal da medida, e até mesmo pela força do impacto psicológico que causa aos devedores, ao acessar as contas bancárias dos devedores, desde logo, examinar e excluir do bloqueio os saldos de contas com valores absolutamente impenhoráveis, como de poupança até 40 salários mínimos, de salários, soldos, subsídios, vencimentos, entre outros.
Além disso, não é demais lembrar que o Juízo, como integrante de um dos Poderes da República, pelo poder legalmente recebido, de acesso que representa quebra da intimidade, da privacidade e do sigilo bancário e financeiro dos cidadãos devedores, há que retribuir aos mesmos com uma espécie de contraponto ou contrapeso, buscando analogia com a ideologia e com os princípios da democracia republicana, especialmente ao chamado Sistema de Pesos e Contrapesos do Sistema Democrático Republicano.
E isso, sem contar que, contribuirá, com certeza, para a diminuição de ações, impugnações, incidentes e recursos judiciais, ou, para diminuição do tempo de tramitação dos processos de execução.
Dito isso, será sempre eivada de nulidade a penhora on line que desrespeitar as normas ideológicas, de sobredireito e os princípios, direitos e garantias constitucionais!
Advogado e Professor de Direito
Advogado em São Borja/RS
Bel. em Direito e Servidor do MPF
Advogada em Brasília/DF
Advogado em Ijuí/RS
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