Imunidade recíproca por ricochete: breve análise da pertinência da aplicação da cláusula imunizante às sociedades de economia mista anômalas

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Resumo: A imunidade tributária recíproca existente no Brasil é fruto, de certa forma, do federalismo adotado por nosso país. Atualmente, a Constituição Federal de 1988 imunizou expressa e taxativamente alguns entes estatais da cobrança de impostos. Dentre eles, podemos citar a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, e, também, as Autarquias e Fundações Públicas. Diante desse panorama político-fiscal, nada mais propício do que uma análise de sua extensão a algumas das pessoas jurídicas que, não obstante detenham capital público, são também integradas por particulares. Fala-se, pois, da sociedade de economia mista, cuja composição acionária é majoritária (50% mais 1) do ente público, sendo o restante de propriedade de particulares. Nessa esteira, em uma breve análise do dispositivo que imuniza as pessoas estatais acima, é possível observar que as sociedades de economia mistas não figuram entre elas. Contudo, diante de uma interpretação sistemática, o Supremo Tribunal Federal entendeu por bem estender o benefício a essas pessoas jurídicas, mesmo sabendo que essa imunização respingaria por ricochete em particulares, desde que estas preencham aos requisitos que se seguem, quais sejam, que o referido benefício se restrinja à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos; não haja benefício de atividades voltadas à exploração econômica; e que inexista efeito colateral relevante à quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita.

Palavras-chave: Constituição Federal. Sistema Tributário Nacional. Limitação ao Poder de Tributar. Imunidade Recíproca. Impostos. Sociedade de Economia Mista.

Abstract: The reciprocal tax immunity exists in Brasil is the result somewhat, the federalism adopted by our country. Currently, the 1988 Federal Constitution expressly and exhaustively immunized some state entities in tax collection. Among them we can mention the União, Estados-membros, the Distrito Federal and the Municípios, and also the Local Government and Public Foundations. Given this political landscape-tax, nothing more suitable than an analysis of its extension to some of the entities that nevertheless hold public capital, are also integrated by individuals. We speak therefore of mixed capital company, which is majority shareholding (50% plus 1) of the public entity, with the remainder owned by private individuals. On this track, in a brief analysis of the device that immunizes people state above, you can see that the mixed economy companies are not among them. However, before a systematic interpretation, the Supremo Tribunal Federal saw fit to extend the benefit to those corporations, even knowing that this immunization spill by ricocheting in particular, provided they meet the following requirements, namely, that this benefit is limited to property, goods and services from federal entity used to provide public services, there is no benefit from activities related to economic exploitation, and which there was no side effect to the relevant breach of the principles of free competition and the pursuit of economic or professional activity lawful.

Keywords: Federal Constitution. National Tax System. Limitations on the Taxing Power. Reciprocal immunity. Taxes. Society of Mixed Economy.

Sumário: Introdução; I.  Sistema Tributário Nacional; 1.1. Noções gerais; 1.2. Definição de tributo; 1.3. Espécies de tributos; 1.3.1. Impostos; 1.3.2. Taxas; 1.3.3. Contribuições de melhoria; 1.3.4.      Empréstimos compulsórios; 1.3.5. Contribuições especiais; II. Principais limitações ao poder de tributar; 2.1. Noções gerais; 2.2. Princípios; 2.2.1. Legalidade; 2.2.2. Isonomia; 2.2.3. Não surpresa; 2.2.4. Não confisco; 2.2.5. Liberdade de tráfego; 2.2.6. Não discriminação; 2.3. Espécies de limitação; 2.3.1. Limitações implícitas x explícitas; 2.3.2.      Limitações formais x materiais; 2.3.3. Limitações de primeiro grau x de segundo grau; III. Imunidades; 3.1. Noções gerais; 3.2. Fundamentação constitucional; 3.3. Tributos passíveis de aplicação; 3.4. Destinatários expressos; IV. Imunidade recíproca por “ricochete”; 4.1. Noções gerais; 4.2. Conceito; 4.3. “Leading case”; 4.4. Requisitos para reconhecimento e aplicação; 4.4.1. Restrição à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos; 4.4.2. Não benefício de atividades voltadas à exploração econômica; 4.4.3. Inexistência de efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita; 4.5. Exemplos recentes; Considerações finais; Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Inicialmente, no tocante ao tema da presente pesquisa – IMUNIDADE RECÍPROCA POR RICOCHETE: breve análise da pertinência da aplicação da cláusula imunizante às sociedades de economia mista “anômalas” –, destaco que o mesmo surgiu do desejo de analisar a extensão da imunidade de impostos às pessoas jurídicas de direito privado, ainda que constituídas e mantidas em sua maioria pelo poder público, notadamente as sociedades de economia mista. Essa abordagem se mostra importante na medida em que tais benefícios foram estabelecidos com o fito de se preservar a intangibilidade do princípio federativo.

Verifica-se no texto constitucional, precisamente em seu artigo 150 e SS., que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Além isso, o parágrafo 3º do artigo 150 estendeu esse benefício às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

Assim, verifica-se, a contrario sensu, que as pessoas jurídicas de direito privado instituídas e/ou mantidas pelos entes da federação, tais como empresas públicas e sociedades de economia mista, não foram alvos dessa limitação ao poder de tributar, pelo menos de forma expressa. As primeiras delas, isto é, as empresas públicas, não obstante apresentem natureza privada, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que as mesmas quando prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica,[1] integrando o conceito de fazenda pública, fazendo jus, portanto, a essa imunidade. As segundas, que são o principal foco da presente pesquisa, não integram o conceito de fazenda pública no tocante a essa imunidade, tendo em conta que são dotadas de capital privado, e aparentemente, como tal, vai de encontro a outro princípio, qual seja, o da livre concorrência[2], ficando excluídas, portanto.

Nessa banda, o Supremo Tribunal Federal ao julgar caso de uma sociedade de economia mista de São Paulo pugnava pelo reconhecimento do sobredito privilégio[3], deparou-se com uma situação em que sua composição acionária era quase em sua totalidade (99,97%) da União, ao passo que o restante (0,03%) era constituído de capital privado. Concluiu o Pretório Excelso pelo reconhecimento da imunidade quanto ao pagamento do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana – IPTU – em favor da dita sociedade de economia mista, indo, portanto, de encontro com a jurisprudência até então consolidada na Corte, qual seja, de que não era cabível a extensão da cláusula imunizante às referidas entidades.

Nessa esteira, se o benefício fosse concedido de maneira deliberada, isto é, pelo simples fato de conter capital público, o desequilíbrio concorrencial e a livre concorrência seriam atingidos em cheio. A uma porque as demais concorrentes sofreria desvantagem no tocante aos impostos devidos, como por exemplo IPTU, IPVA, IOF, ICMS etc. A duas porquanto o mercado ficaria afetado quando o estado estivesse presente, o mínimo que fosse. A três pelo fato de que esses custos certamente seriam repassados aos consumidores, alimentando ainda mais a famigerada tributação indireta, ou seja, aquela em que a natureza jurídica e estrutural do tributo permite que o sujeito passivo legal repasse o encargo econômico financeiro a terceira pessoa, geralmente o destinatário final do produto ou serviço.

Como essa espécie de imunidade foi desenvolvida em face do princípio federativo, isto é, para garantia da autonomia dos entes federativos, inviável seria que não se estabelecesse parâmetros palpáveis. Portanto, como o texto constitucional quedou-se silente quanto essas entidades, coube ao STF decidir pela extensão ou não da imunidade recíproca de impostos, sempre garantido a eficácia do princípio federativo.

O resultado prático disso é a estabilização das relações concorrenciais que envolvam dinheiros públicos investidos e sua distinção para com aquelas que buscam a consecução das atividades estatais.

Logo, o efeito “ricochete” causado no leading case citado acima não tem, a princípio, em tese, o condão de prejudicar a livre concorrência e o principio federativo, até porque o Pretório Excelso estabeleceu três critérios objetivos (ou estágios – como preferiu denominar o Ministro relator do leading case) a que a sociedade de economia mista deve atender para que lhe seja reconhecida a extensão da imunidade tributária recíproca.

Esses estágios restaram consignados de forma expressa na Ementa do Acórdão no qual se analisou os meandros do tema posto, bem o que será explorado no decorrer do trabalho.

Por derradeiro, é objetivo do trabalho trazer à tona alguns casos em que se pode identificar o fenômeno da imunidade recíproca, mormente no que tange às sociedade de economia mista “anômalas”[4] à guisa de julgados emanados da Excelsa Corte do país, notadamente nos Acórdãos do AI 558.682 AgR[5] e do AI 551556 AgR[6].

1. SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

1.1. Noções Gerais

Ao imaginarmos um sistema, por mais simples ou complexo que seja, nos vem à cabeça algo que envolve a conexão entre determinados elementos, postos em funcionamento para servir a um todo, o sistema.

Com o sistema tributário nacional não é diferente, ou seja, determinados elementos foram dispostos na Constituição Federal, de maneira ordenada e com funções próprias, para regular o mínimo desse fenômeno chamado tributação em nosso país.

Para o mestre Geraldo Ataliba, o sistema tributário nacional pode ser definido como o “conjunto de princípios constitucionais que informa o quadro orgânico de normas fundamentais e gerais de Direito Tributário vigentes em determinado país.”[7]

Nossa atual Constituição Federal (1988) alberga o sistema tributário nacional em seus artigos 145 a 162.

Nos dizeres de Ricardo Lôbo,

“o poder tributário – da mesma forma que o poder estatal em geral – se divide verticalmente, segundo os vários níveis de governo no Estado Federal (poder federal, estadual e municipal), e, também, horizontalmente (poder de legislar, administrar e julgar). Não se cuida de duas questões distintas, mas da integração do critério material com o vertical, pois o Judiciário e os outros Poderes da União colocam-se vis-à-vis aos Poderes dos Estados e Municípios.”[8]

É sabido e consabido que nossa Carta Magna é classificada pela doutrina constitucionalista como sendo analítica (ou prolixa)[9], de modo que regula com maior minudência possível a grande maioria dos assuntos de que trata.

Nesse passo, Sacha Calmon Navarro Coelho assevera que:

“Somos, indubitavelmente, o país cuja Constituição é a mais extensa e minuciosa em tema de tributação. Este cariz, tão nosso, nos conduz a três importantes conclusões:

Primus – os fundamentos do Direito Tributário brasileiro estão enraizados na Constituição, de onde se projetam altaneiros sobre as ordens jurídicas parciais da União, dos estados e municípios;

Secundus – o Direito Tributário posto na Constituição deve, antes de tudo, merecer as primícias dos juristas e dos operadores do Direito, porquanto é o texto fundante da ordem jurídico-tributária;

Tertius – as doutrinas forâneas devem ser recebidas com cautela, tendo em vista as diversidades constitucionais.”[10]

Isso de um todo não é ruim, posto que quanto mais matérias a Constituição Federal, menos margem de diferenças haverá no que concerne ao direito de tributar dos entes federativos.

Alexandre de Moraes relembra que a

“tendência de constitucionalização do sistema tributário nacional surgiu com a Emenda Constitucional nº 18/65, à Constituição Federal de 1946, e, posteriormente, foi adotada pela Constituição de 1967”.[11]

É bom lembrar também que de acordo com o artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT – da Constituição Federal de 1988, o sistema tributário nacional atual entrou em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores.

Por fim, Mauro Luis Rocha nos adverte que

“O Sistema Tributário Nacional mostra-se rígido, também como decorrência da forma constitucional de que se revestem suas principais normas. Estas, quando não petrificadas pela disposição do art. 60, § 4º, da Constituição de 1988, dependem de processo legislativo árduo para serem alteradas (emenda constitucional – quorum qualificado de 3/5).”[12]

Como se observa, o constituinte pátrio optou por bem em blindar, de certa forma, o sistema tributário nacional, com vistas a dificultar a sua alteração de forma oportunista, embora saibamos que isso ainda ocorre com certa frequência, principalmente quando determinadas forças interessadas na referida mudança convergem para esse sentido.

1.2. Definição de tributo

Não obstante a hodierna Constituição Federal se mostrar amplamente prolixa no tocante ao tema tributação, esta não conceitua o que vem a ser tributo, nem mesmos se lida de uma ponta a outra.

É bem verdade que implicitamente, com base nos seus inúmeros princípios, até disciplina algo que lembre o conceito de tributo, mas nada de forma expressa, razão pela qual não se pode afirmar que dispõe o conceito de tributo.

Entretanto, essa mesma Constituição acolheu o conceito aduzido no artigo 3º do Código Tributário Nacional (Lei Ordinária nº 5.172/66), o qual recepcionou com status de Lei Complementar[13].

Com efeito, prevê o artigo 3º do CTN que:

“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

Lado outro, a doutrina tributarista brasileira nos elenca uma série de conceitos de tributo, geralmente acrescidos de eventual crítica ao conceito legal.

Como exemplo, citamos o conceito elaborado por Luciano Amaro, para o qual “tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público.”[14]

Como este trabalho não tem por escopo a profunda análise do conceito de tributo, não há necessidade de se minudenciar todos os elementos constantes do conceito legal de tributo, uma vez que não trará contribuições além daquelas embutidas na simples conceituação de tributo.

1.3. Espécies de tributos

Na Constituição Federal de 1988, os tributos são subdivididos em cinco espécies distintas, quais sejam, impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. Essa é a chamada teoria pentapartida (ou quinquipartida).

O Código Tributário Nacional, por sua vez, adotou a chamada teoria tripartida (ou tricotômica), abarcando tão somente impostos, taxas e contribuições de melhoria.

No entanto, após enfrentar o tema, o Supremo Tribunal Federal adotou a primeira teoria citada, qual seja, a pentapartida.[15]

Desse modo, adotaremos e conceituaremos, de forma simplória, os cinco tributos elencados na Carta Magna de 1988 (impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais).

Por fim, é dom alvitre lembrar que a Constituição Federal não criou nem instituiu qualquer tributo, mas tão somente autorizou os entes federativos que o fizessem, observados, contudo, cada fatia de competência reservada a estes.

1.3.1. Impostos

Segundo dispõe o artigo 16 do Código Tributário Nacional, “imposto é todo tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.

Ao contrário das taxas, as quais pressupõem uma contrapartida do Estado, isto é, seu atuar dentro de seu poder de polícia, ou prestação de um serviço público específico e divisível, os impostos são cobrados simplesmente em razão do poder e império do ente estatal para cobrir as despesas de toda coletividade.

Para Leandro Paulsen, “é dever fundamental contribuir para as despesas públicas, sendo que o principal critério para a distribuição do ônus tributário, inspirado na ideia de justiça distributiva, é a capacidade contributiva.[16]

E essa capacidade contributiva é aferida, essencialmente pelo pagamento de impostos, os quais incidem sobre a manifestação de riqueza do contribuinte.

Por fim, calha lembrar que os recursos carreados através de impostos não podem ser destinados a fim específico, isto é, não podem ser previamente afetados a determinado fim.

Antes, esses recursos compõem e integram o todo do orçamento estatal, e só então, poderão ser utilizados conforme as políticas publicas orientadas pelos governantes, ressalvadas ainda as parcelas de destinação obrigatória a outros entes federativos.

Entretanto, essa questão relacionada a destinação dos recursos carreados por meio da instituição e cobrança de impostos transcende ao objetivo que aqui se pretende, qual seja, a breve análise da conceituação dos tributos, dentre eles os impostos, de modo que se deve buscar mais esclarecimentos na literatura financeira e orçamentária, caso isso auxilie o leitor no entendimento da matéria aqui tratada.

1.3.2. Taxas

Ao contrário dos impostos, as taxas foram definidas pela Constituição Federal de 1988. Ademais, tratou de arrolar as possíveis hipóteses para a sua instituição e cobrança.

Conforme se verifica do artigo 145, inciso II, da Carta Magna de 1988, os entes federativos (União, estados, municípios e o Distrito Federal) poderão instituir taxas, “em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”[17].

Observa-se aqui que as taxas devem ser pagas em razão de uma atividade estatal, diferentemente do que ocorre com os impostos, conforme visto anteriormente.

Consoante os ensinamentos de Luis Eduardo Schoueri,

“tem-se que a taxa é paga porque alguém causou uma despesa estatal. A ideia é que, se um gasto estatal refere-se a um contribuinte, não há razão para exigir que toda coletividade suporte. Daí a racionalidade da taxa estar na equivalência.”[18]

Em suma, são duas as espécies de taxas que os entes estatais poderão instituir e cobrar, caso o fato gerador se complete, quais sejam, a) taxa de polícia – devida em razão do exercício do poder de polícia; e b) taxa de serviço – utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.

Por fim, é de se ressaltar que se não houver a atuação do ente estatal, não há que se falar em taxa, pois o tributo decorrente única e simplesmente do poder de império do Estado é o imposto.

1.3.3. Contribuições de melhoria

Prevista no atual artigo 145 da Carta Magna de 1988, precisamente em seu inciso III, a contribuição de melhoria é uma das cinco espécies tributárias reconhecidas pela doutrina e também pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Baseada em dois pressupostos, um deles expressamente insculpido na Constituição Federal, as contribuições de melhoria são tributos decorrentes da execução de obra pública pelo ente estatal.

Não obstante o texto constitucional atual não faça menção à valorização dos imóveis, tal como o da constituição de 1967 fazia em seu artigo 18, inciso II, esse é o outro dos pressupostos fáticos para a legitimação da cobrança da contribuição de melhoria.

Desse modo, é preciso que o ente empregue determinada verba pública em específica obra pública da qual seu resultado enseje a valorização dos imóveis de determinada comunidade.

E isso tem uma razão de ser. Não seria correto que toda a coletividade (sociedade) arcasse com o custo de determinada obra que beneficie diretamente a apenas algumas pessoas.

Outro ponto que é importante ressaltar é o limite a ser cobrado dos beneficiários das melhorias. Em razão de a Constituição não delimitar o espectro de valorização, e também de cobrança, convencionou-se no Código Tributário Nacional[19] que esta estaria limitada ao valor total empregado na obra, sob pena de estarmos diante de um verdadeiro enriquecimento sem causa por parte do ente estatal.

Nessa linha, são os ensinamentos de Kiyoshi Harada. Vejamo-los, pois:

“A maior dificuldade na cobrança dessa espécie tributária está na delimitação da zona de influência benéfica da obra pública. Sabemos que existem obras que acarretam valorização longitudinal, ao longo da obra; outras que ocasionam valorização radial, ao redor da obra; outras, ainda, como o conhecido “minhocão” (Elevado Costa e Silva) motivam valorização nos pontos extremos. Daí a dificuldade na detectação de imóveis passíveis de valorização em decorrência de obra pública. Isso explica a razão pela qual a maioria das municipalidades vêm cobrando de pavimentação de vias e logradouros públicos, hipótese em que é fácil a delimitação da zona de influência benéfica. Alguns Municípios vêm instituindo taxa de asfaltamento com o fito de facilitar sua cobrança”. (Nota do autor: O STF vem declarando a inconstitucionalidade desse tipo de taxa por entender exigível, no caso, unicamente a contribuição de melhoria – RTJ 116/1075)[20]

Em suma, a contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.

Não obstante a isso, o artigo 82 do CTN prevê ainda que devem ser respeitados alguns requisitos para a cobrança das contribuições de melhoria. In verbis:

Art. 82. A lei relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos:

I – publicação prévia dos seguintes elementos:

a) memorial descritivo do projeto;

b) orçamento do custo da obra;

c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição;

d) delimitação da zona beneficiada;

e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas;

II – fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação pelos interessados, de qualquer dos elementos referidos no inciso anterior;

III – regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se refere o inciso anterior, sem prejuízo da sua apreciação judicial.

§ 1º A contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização.

§ 2º Por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integram o respectivo cálculo.”

Por fim, sobreleva destacar ainda que mesmo que o ente tenha dispendido recursos em determinada obra e o cobre a título de contribuição de melhoria, a cobrança será indevida se não houver comprovação da valorização imobiliária das residências, lojas etc, próximas ao empreendimento público.

1.3.4. Empréstimos compulsórios

Previstos no artigo 148 da Constituição Federal de 1988, os empréstimos compulsórios também são abarcados pela Teoria Pentapartida dos tributos, sendo considerados como mais uma das espécies de tributos.

Para Ricardo Lobo, o empréstimo compulsório

“é o dever fundamental consistente em prestação pecuniária que, vinculada pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva do princípio constitucional da capacidade contributiva, com a finalidade de obtenção de receita para as necessidades públicas e sob promessa de restituição, é exigida de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência especificamente outorgada pela Constituição.”[21]

Ademais, é preciso destacar que para a criação dessa espécie tributária a Carta Magna exige a elaboração de Lei Complementar, ou seja, diploma normativo que, inobstante seja de mesma hierarquia das Leis Ordinárias, demandam quórum qualificado para a sua aprovação[22].

Lado outro, imperioso destacar ainda que os empréstimos compulsórios são tributos de arrecadação vinculada, isto é, os recursos carreados com sua criação somente podem ser destinados àquela despesa que a fundamentou.

Diferentemente das espécies anteriores, esse tributo é de competência exclusiva da União, não havendo que se falar em empréstimos compulsórios estaduais e/ou municipais.

Por fim, a Constituição elenca de forma expressa em seu artigo 148 as situações em que os empréstimos compulsórios terão vez em nosso sistema tributário, são elas: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".

1.3.5. Contribuições especiais

Previstas no artigo 149 da Constituição vigente, as contribuições especiais encerram a lista da teoria Pentapartida dos tributos.

Vejamos a redação do referido artigo:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo”.

Para Carrazza, “com a só leitura deste artigo já percebemos que a Constituição Federal prevê três modalidades de ‘contribuições’: as interventivas, as corporativas e as sociais[23].

Além destas, podemos citar ainda a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE -, as Contribuições Corporativas (OAB, CRM, CREA, CONFEA etc) e a Contribuição para o custeio do Serviço Público de Iluminação Pública – COSIP.

Em geral, essas contribuições somente podem ser instituídas pela União, regra que comporta exceção, a exemplo do que diz o § 1º do artigo 149, cuja redação determina aos demais entes da federação a instituição de contribuição especial para o custeio do regime previdenciário de seus servidores.

Conforme ressaltado alhures, não há necessidade de maior aprofundamento sobre o assunto, já que não se faz necessário para a perfeita compreensão do tema posto como principal.

2. PRINCIPAIS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR

2.1. Noções Gerais

Primeiramente, há de se ressaltar que quando se fala em limitações ao poder de tributar, esses limites são criados e destinados ao próprio Estado, para que este não se valha dos atributos a si conferidos para abusar e sobrecarregar o contribuinte quando este contribui para o cumprimento das finalidades estatais.

É fato que todo o poder emana do povo, consoante preceito constitucional constante no parágrafo único do artigo 1º da Carta Magna em vigor.

Contudo, este mesmo poder não é exercido diretamente pelo povo, não ao menos em todo o tempo, uma vez que para isso que são eleitos os governantes.

Nos dizeres do Mestre José Afonso, “embora a Constituição diga que cabe à lei complementar  regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 146, II), ela própria já as estabelece mediante a enunciação de princípios.”[24]

Basicamente, as limitações ao poder de tributar incidem sobre as competências tributárias que lhes foram anteriormente conferidas.

Nessa linha de raciocínio, Hugo de Brito Machado aduz:

“Cada uma das pessoas jurídicas de direito público, vale dizer, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tem sua competência tributária, que é, como já foi dito, uma parcela do poder tributário. O exercício dessa competência, porém, não é absoluto. O direito impõe limitações à competência tributária, ora no interesse do cidadão, ou da comunidade, ora no interesse do relacionamento entre as próprias pessoas jurídicas titulares de competência tributária.

Alguns preferem dizer, em vez de “limitações da competência”, “limitações ao poder de tributar” – e talvez seja esta última expressão mais adequada, visto como as limitações são, na verdade, impostas ao poder de tributar, e dessas limitações, vale dizer, do disciplinamento jurídico do poder, resulta a competência.”[25]

Ao final, cumpre destacar que, conforme dito anteriormente, as limitações ao poder de tributar se consubstanciam nos princípios enumerados no decorrer de toda a Constituição Federal, tendo em vista que esta é uma só, nos moldes do que é delineado no princípio da unidade da constituição.

Com efeito, é possível que encontremos limitações ao poder de tributar em outros pontos da Constituição Federal de 1988, além dos artigos destinados ao Sistema Tributário Nacional.

2.2. Princípios

O Poder Constituinte originário criou, dentre outras garantias e direitos fundamentais previstos na Carta Magna de 1988, uma série de princípios cuja finalidade é proteger o cidadão, na maioria das vezes, por que não dizer em quase todas elas, contra o próprio poder do Estado.

Os mais conhecidos e consagrados pela doutrina e jurisprudência encontram-se delineados no artigo 150 da Constituição Federal, são eles: Legalidade, Isonomia, Não surpresa, Não confisco, Liberdade de tráfego, Não discriminação.

Conforme declinado em outro momento, será feito uma breve análise conceitual desses primados, os quais, sem dúvida alguma, são as principais ferramentas deixadas ao cidadão a título de proteção ante a comum insaciedade estatal.

2.2.1. Legalidade

Um dos mais importantes, senão o mais importante deles, o princípio da legalidade pode ser traduzido como o direito de o contribuinte ter contra si a exigência ou o aumento de tributo somente a após a aprovação de uma lei.

Em consonância com o princípio constitucional genérico da legalidade, previsto no inciso II do artigo 5º da Constituição da República, o princípio da legalidade tributária prevê que não é dado a qualquer dos entes estatais o poder de exigir ou aumentar o valor de tributos sem lei que o estabeleça.

Se analisarmos pelo lado de que o princípio da legalidade geral tem aplicação universal, vale dizer, a todos os ramos do direito, desnecessário seria a instituição de princípio específico com essa finalidade.

Para Paulo de Barros Carvalho,

“efunde  sua influência por todas as províncias do direito positivo brasileiro, não sendo possível pensar no surgimento de direitos subjetivos e de deveres correlatos sem que a lei os estipule. Como o objetivo primordial do direito é normar a conduta, e ele o faz criando direitos e deveres correlativos, a relevância desse cânone transcende qualquer argumentação que pretenda enaltecê-lo. A diretriz da legalidade está naquela segunda acepção, isto é, a de norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos.”[26]

Dessa forma, o princípio da legalidade atua como verdadeiro óbice de caráter objetivo, impedindo a realização de abusos concernentes à exigência e aumento de tributos.

2.2.2. Isonomia

Tal como o princípio antecedente, o primado da isonomia também está previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, possuindo aplicação universal no sistema jurídico pátrio.

Luciano Amaro destaca dois aspectos de aplicação do princípio da isonomia. Para o autor, o referido primado possui aplicação em face do aplicador e também do legislador. Em outras palavras, aduz que

“esse princípio implica, em primeiro lugar, que, diante da lei “x”, toda e qualquer pessoa que se enquadre na hipótese legalmente descrita ficará sujeita ao mandamento legal. Não há pessoas “diferentes” que possam, sob tal pretexto, escapar do comando legal, ou dele ser excluídas. Até aí, o princípio da igualdade está dirigido ao aplicador da lei, significando que este não pode diferenciar as pessoas, para efeito de ora submetê-las, ora não, ao mandamento legal (assim como não se lhe faculta diversificá-las, para o fim de ora reconhecer-lhes, ora não, benefício outorgado pela lei). Em resumo, todos são iguais perante a lei.

Mas há um segundo aspecto a ser analisado, no qual o princípio se dirige ao próprio legislador e veda que ele dê tratamento diverso para situações iguais ou equivalentes. Ou seja, todos são iguais perante o legislador (= todos devem ser tratados com igualdade pelo legislador).”[27]

Com efeito, seria inconstitucional o tratamento diferenciado para situações idênticas ou similares.

Não obstante a isso, o primado da igualdade possui outras duas frentes de atuação, as quais podem ser resumidas na máxima de que o princípio da isonomia consiste em tratar os iguais de maneira igual e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.

Isso implica dizer que é sim possível o tratamento diferenciado em alguns casos, desde que isso seja feito para corrigir distorções eventualmente criadas pelo próprio legislador ou decorrentes de outros fatores passíveis de aplicação.

Por fim, a doutrina convencionou dividi-lo ainda em igual formal e igualdade material, ou seja, aquela baseada em questões de fato, ao passo que essa em questões eminentemente jurídicas.

2.2.3. Não surpresa (anterioridade)

Diferentemente do princípio da anualidade, não albergado em nosso direito, o qual exige a aprovação de lei instituindo e estabelecendo tributos a cada ano, o primado da anterioridade (não surpresa) prevê que não é dado ao ente estatal cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.

Da mesma forma, é vedado ainda cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.

Inobstante a isso, a própria Constituição Federal excepciona a regra da não surpresa, e o faz por uma razão bem simples. Existem alguns tributos em nosso sistema tributário que possuem natureza extrafiscal, ou seja, sua principal função não é a de arrecadar fundos aos cofres estatais, mas atuam como verdadeiros reguladores da economia etc.

Assim, os tributos como o IPI (imposto sobre produtos industrializados), IOF (imposto sobre operações financeiras), II (imposto sobre importação de produtos estrangeiros), IE (exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados), por exemplo, não se inserem na vedação elencada pela Carta Magna, de modo que podem ser cobrados imediatamente do contribuinte.

Alexandre Rossato nos lembra que

“como o texto constitucional refere-se à “cobrança” do tributo, alguns autores entendem que a lei entra em vigor no mesmo exercício financeiro em que foi publicada, mas sua eficácia fica suspensa até o início do exercício financeiro seguinte. Outros sustentam que a lei publicada num exercício financeiro, só entra em vigor no exercício seguinte, ocorrendo, neste intervalo, a vacatio legis. O resultado, porém, para o STF é sempre o mesmo: “a lei que instituiu ou aumenta tributo, para observar o princípio da anterioridade, só tem incidência no exercício financeiro seguinte ao que foi publicada”.[28]

2.2.4. Não confisco

A Constituição brasileira em vigor repudia a instituição de tributo como forma de confisco em seu artigo 150, inciso IV.

Dos ensinamentos de Mauro Luis Rocha Lopes, extrai-se o seguinte conceito para o princípio da vedação do confisco (ou simplesmente, não confisco):

“Adotando-se linha doutrinária clássica, pode-se identificar o tributo confiscatório como sendo aquele que absorve todo valor da propriedade num curto espaço de tempo ou impede a pessoa – física ou jurídica – de exercer atividade econômica lícita e moral.”[29]

Por exemplo, se determinado município cobra um IPTU cuja alíquota seja calculada no montante de 25% sobre o valor venal do imóvel, certamente em pouco o imóvel perderia a razão de ser para o proprietário, já que a cada ano, perderia ¼ de seu valor, de modo que esse percentual aparenta ter efeito confiscatório.

Com vistas a evitar que essa prática aconteça, é que o Constituinte optou por bem declinar de forma expressa desse mandamento no texto da Carta Magna vigente.

Contudo, não fora estabelecido um parâmetro para se analisar a existência (ou não) de efeito confiscatório, razão pela qual é necessário que o contribuinte provoque o Poder Judiciário, o qual se valerá de outros parâmetros e princípios para decidir se é caso de tributo com efeito confiscatório.

2.2.5. Liberdade de tráfego

Intimamente ligado ao que informa o artigo 150, inciso V, da Constituição Federal, o princípio da liberdade de tráfego foi estabelecido para evitar que se estabelecessem limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.

Isso por uma razão muito simples. É que um ente poderia estabelecer, por exemplo, em determinada lei que caso alguém fosse passar por seu território, teria que pagar determinado tributo (imposto, taxa etc) para poder fazê-lo. Do contrário seria impedido, devendo buscar outra rota, outra alternativa.

É óbvio que essa regra não guarda relação direta com a circulação de bens e serviços, estes sim passíveis de serem tributados por meio do ICMS, por exemplo, desde que a operação se dê entre municípios e estados distintos, isto é, sejam operações intermunicipais ou interestaduais.

Sobre a referida proibição, Hugo de brito aduz que

“o que ela proíbe é a instituição de tributo em cuja hipótese de incidência seja elemento essencial a transposição de fronteira interestadual ou intermunicipal.

Essa limitação ao poder de tributar decorre e de certa forma realiza o princípio federativo. Não configura propriamente uma imunidade. Apenas estabelece parâmetros para a atividade tributária. Define, na verdade, circunstâncias que a podem tornar inconstitucional. No inciso V, do art. 150, a circunstância que pode tornar um tributo inconstitucional é a interestadualidade, se tomada como essencial para o nascimento do dever jurídico de pagar o tributo, ou como critério para seu agravamento.”[30]

Observe, por seguinte, que a própria Constituição Federal excepcionou o pagamento de pedágios em rodovias conservadas pelo Poder Público.

Por fim, é importante ressaltar que o princípio da liberdade de tráfego, assim como todos os demais primados relacionados às limitações ao poder de tributar, deve ser compatibilizado com os demais princípios constitucionais, como por exemplo, o da isonomia, segundo o qual todos devem, a princípio, serem tratados de forma igual.

2.2.6. Não discriminação

Semelhantemente com o que ocorre com princípio anteriormente citado, o princípio da não discriminação baseada na procedência ou destino foi concebido com o fito de cumprir as disposições do princípio federativo, dentre elas, a de manter a autonomia dos entes, e também de vedar a ocorrência de discriminação de uns para com os outros.

Com efeito, não seria constitucional determinada lei estadual, distrital ou municipal, que discriminasse qualquer dos demais entes por meio de tributos a eles direcionados.

Por exemplo, não seria dado a qualquer dos estados-membros elaborar lei no sentido de eleger alíquotas diferenciadas em razão da procedência ou destino de determinados bens e serviços de qualquer natureza.

Assim, se o estado-membro X estabelece em lei que os estados-membros Y e W pagarão n e que os estados-membros Z e K pagarão 2n, simplesmente por serem quem são, esta lei será evidentemente inconstitucional.

Ricardo Alexandre nos alerta que

“a União – e somente ela – está autorizada a estipular tratamento tributário diferenciado entre os Estados da federação tendo por meta diminuir as desigualdades socioeconômicas tão comuns no Brasil (item 2.10.1). Providências semelhantes, portanto, não são lícitas aos Estados e Municípios, sob pena de grave risco ao pacto federativo.”[31]

Calha bem lembrar ainda que esse princípio tem aplicação no âmbito interno, isto é, na relação entre os entes que compõem a República Federativa do Brasil, e só.

Dessa forma, não são inválidos os tratamentos diferenciados conferidos a outros países, pois aí já estamos a envolver a soberania do Estado.

No entanto, se o Estado brasileiro optar por bem elevar o valor do IPVA para veículos importados, em razão de sua procedência, não poderá fazê-lo, pois após o ingresso no país, todos os carros devem se submeter à legislação vigente.

Ao final, cumpre destacar que esse princípio está delineado no artigo 152 da Constituição Federal de 1988[32].

2.3. Espécies de limitação

Doutrina e jurisprudência fazem uma série de classificações acerca das espécies de limitações ao poder de tributar.

Dentre todas elas, abordaremos, e forma muito superficial, as mais relevantes e que podem levar o leitor à reflexão quanto ao tema principal do trabalho, isto é, se as imunidades recíprocas concernentes às sociedades de economia mistas podem ser enquadradas em alguma dessas classificações.

Para não alongar demasiadamente a presente pesquisa, será utilizada a classificação defendida por Humberto Ávila[33]. São elas: a) limitações implícitas e explícitas; b) limitações formais e materiais; e; c) limitações de primeiro grau e limitações de segundo grau.

2.3.1. Limitações implícitas x explícitas

Tal como o nome indica, as limitações implícitas e explícitas são simples assim. Se previstas expressamente, estaremos diante de limitações expressas, tais como aquelas constantes dos sete incisos, e respectivos parágrafos, do artigo 150 da Carta Magna.

Lado outro, as limitações implícitas, não estão a vedar de forma clara determinada atividade do estado no tocante à tributação, mas ao se analisar todo o sistema e seus princípios, percebe-se a vedação de determinado comportamento estatal atinente à sua atividade jurídico-tributária.

Nessa linha de raciocínio, Humberto Ávila aduz que

“no sistema jurídico, encontram-se várias espécies de limitações. A descrição dessas espécies depende do ponto de vista. Se for analisada a forma de exteriorização, há cláusulas de reserva e prescrições comportamentais que são expressas enquanto explicitamente estabelecidas pela ordem jurídica e a partir das quais são instituídas limitações ao poder de tributar. E também há limitações implícitas, construídas a partir de um ou mais dispositivos.”[34]

Por fim, cumpre ressaltar ainda que tanto as limitações explícitas quanto as implícitas devem ser respeitadas pelo ente estatal, o qual não pode deixar de observá-las ao desempenhar o seu papel relacionado ao poder tributário.

2.3.2. Limitações formais x materiais

A limitação formal ao poder de tributar tem relação com o modo, o meio, o instrumento, pelo qual o ente estatal faz valer a sua competência tributária.

Com vistas a evitar que os governantes desrespeitem a legislação deixando de cumprir o mínimo de procedimentos e ou formas é que se criou essa modalidade de limitação ao poder de tributação.

Não foi por outros motivos, senão por estes, que o legislador constituinte originário desenvolveu esse mecanismo, sob pena de ter que ver o Poder Judiciário atuando com muito mais intensidade e habitualidade, o que, certamente, causaria demasiada insegurança jurídica ao contribuinte e a toda coletividade.

“As aqui denominadas limitações formais estabelecem o procedimento (limitações formais procedimentais) ou a condição temporal de eficácia das normas (limitações formais ou temporais)”.[35]

Lado outro, conforme dito inicialmente, “as limitações materiais dizem respeito ao conteúdo da restrição”[36].

Elas incidem sobre o que é regulamentado em determinado diploma legislativo. Essas limitações podem ser previamente limitadas por meio de uma norma precedente, a qual veda a elaboração de determinada matéria por algum ente estatal (regras de competência).

Por fim, é possível que ocorra de estarem presentes no mesmo momento limitações de cunho formal e material, sendo que em determinados casos, uma pressupõe a existência da outra.

2.3.3. Limitações de primeiro grau x de segundo grau

Inicialmente, é preciso entender o que vem a serem normas de primeiro e segundo graus adotadas pelo autor em sua classificação.

As normas de primeiro grau são aquelas que são objeto de aplicação direta ao caso concreto, ao passo que as normas de segundo grau são aquelas chamadas de metanormas, isto é, que estrutura a aplicação das normas que lhe precedem, quais sejam, as de primeiro grau.

Para Humberto Ávila,

“isso pode ser demonstrado no caso em que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional uma lei estadual que determinava a pesagem de botijões de gás à vista do consumidor. Nesse caso, o princípio da livre iniciativa foi considerado violado, por ter restringido de modo desnecessário e desproporcional.[37] Sendo assim, não foi a proporcionalidade que foi violada, mas o princípio da livre iniciativa, na sua inter-relação horizontal com o princípio da defesa do consumidor, que deixou de ser aplicado adequadamente”.[38]

Desse modo, o ente estatal deve observar tanto as normas que regulam a matéria de forma direta (norma de primeiro grau) quanto àquelas que a circundam, isto é, que tem aplicação reflexa, sob pena de avançar sobre limitação advinda de outra norma, nesse caso de regulação (norma de segundo grau).

3. IMUNIDADES

3.1. Noções gerais

Em linhas iniciais, imperioso é fazer a diferenciação entre imunidades e isenções, tendo em vista a grande confusão que o tema ainda pode gerar.

Para Regina Costa, a imunidade apresenta natureza dúplice, de modo que “de um lado exsurge como norma constitucional demarcatória de competência tributária, por continente de hipótese de intributabilidade, e, de outro, constitui direito público subjetivo das pessoas direta e indiretamente por ela favorecidas”[39].

Noutra via, em curtas palavras, Ricardo Lobo aduz que as isenções “consistem na autolimitação do poder fiscal, porque objeto de concessão do legislador”[40].

Observando com mais percuciência, é possível perceber que ambas as espécies acima são corolários da competência tributária atribuída aos entes federativos.

Outro ponto que se destaca na comparação entre ambas, só que desta vez em forma de distinção, se dá na incidência do tributo. Ao passo que na primeira hipótese (imunidade) não há que se falar em incidência, na segunda (isenção) esta é possível de ocorrer, só que por conta de um autorizativo legal do legislador, essa incidência é obstada antes de se tornar efetiva.

Hugo de Brito arremata as diferenças essências da seguinte forma:

“O que distingue, em essência, a isenção da imunidade é a posição desta última e plano hierárquico superior. Daí decorrem consequências da maior importância, tendo-se em vista que a imunidade, exatamente porque estabelecida em norma residente na Constituição, corporifica princípio superior dentro do ordenamento jurídico, a servir de bússola para o intérprete, que ao buscar o sentido e o alcance da norma imunizante não pode ficar preso à sua literalidade.

Ainda que na Constituição esteja escrito que determinada situação é de isenção, na verdade de isenção não se cuida, mas de imunidade. E se a lei porventura referir-se a hipótese de imunidade, sem estar apenas reproduzindo, inutilmente, norma da Constituição, a hipótese não será de imunidade, mas de isenção.”[41]

Em suma, essas são, basicamente, as diferenças existentes entre imunidades e isenções.

3.2. Fundamentação constitucional

É consabido que os princípios são os pilares de todo o direito. Eles estão presentes em todos os ramos e esferas de atuação. Não é diferente quando se fala em direito tributário, neste caso, precisamente, do constante na Constituição.

Leandro Paulsen nos faz um alerta sobre as imunidades na Constituição Federal. Para o autor,

“o texto constitucional não refere expressamente o termo “imunidade”. Utiliza-se de outras expressões: veda a instituição de tributo, determina a gratuidade de determinados serviços que ensejariam a cobrança de taxa, fala de isenção, de não incidência etc. Mas, em todos esses casos, em se tratando de norma constitucional, impede a tributação, estabelecendo, pois, o que se convencionou denominar de imunidades.”[42]

Tendo em vista que as imunidades estão atreladas às competências dos entes federativos, devem estar abrigadas na Constituição Federal.

Tanto é que são tidas pela doutrina tributarista como “numerus clausus[43].

Assim, qualquer espécie de imunidade tributária deve estar prevista no texto constitucional, sob pena ser considerado como isenção ou puramente como hipótese de não incidência, mas nunca imunidade.

Noutra banda, é importante lembrar, ainda, que um dos mais importantes, se não o mais importante deles, reside na igualdade e autonomia constitucionais que o artigo 18[44] da Carta Magna vigente atribui aos entes federativos.

Aliomar Baleeiro resume os fundamentos constitucionais da imunidade recíproca da seguinte forma:

“Como sabemos, a imunidade recíproca assenta-se basicamente no princípio federal. Esse princípio, consagrado desde a primeira Constituição republicana brasileira, informa o Estado, no qual tanto as descentralizações político-jurídicas regionais e locais (Estados e Municípios) como a Federação (ou União) têm natureza estatal.”[45]

3.3. Tributos passíveis de aplicação

Tendo em vista a literalidade do artigo 150, inciso VI, o qual prevê que é vedado aos entes instituírem impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros, assim como a incompatibilidade de extensão do benefício às demais espécies de tributos, é possível afirmar, de plano, que a imunidade recíproca somente tem lugar para os impostos.

Inobstante a essa constatação rápida, vemos que a mais abalizada doutrina e jurisprudência reproduzem esse entendimento no mundo jurídico.

Nessa linha, Mauro Luis Rocha aduz que

“a imunidade recíproca alcança apenas a específica figura do imposto, não sendo extensível a taxas e contribuições. É verdade que muitos desses tributos não são cobrados de entidades públicas, mas isso se deve a favores fiscais (isenções) concedidos por leis das entidades que desempenham as atividades remuneradas por eles. A Lei nº 9.289/1996, por exemplo, ao tratar da taxa judiciária no âmbito da Justiça Federal, isenta do tributo as entidades públicas federativas, além de suas autarquias e fundações, consoante os termos de seu art. 4º, inciso I.”[46]

Antonio Roque Carrazza vai além e assevera que a imunidade recíproca estende-se a todos os impostos. Para chegar a essa conclusão, sustenta esse entendimento com dois argumentos, quais sejam:

“O primeiro: a Constituição usou, nesta passagem (como em tantas outras), de uma linguagem econômica e, portanto, não-jurídica. Lembramos que, para a Economia, todos os impostos ou são sobre a renda, ou sobre o patrimônio ou sobre serviços. Assim, por exemplo, para a Economia, são impostos sobre o patrimônio, dentre outros: a) o imposto sobre grandes fortunas; b) o imposto territorial rural; c) o imposto sobre a propriedade de veículos automotores; e d) o imposto predial e territorial urbano. Já para o Direito, eles são impostos diferentes: os dois primeiros, de competência privativa da União; o terceiro, dos Estados-membros; o último dos Municípios. Em suma, quando aludiu aos impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços, ela, na verdade, fez referência a todos eles, sem exceção.

O Segundo: conforme já vimos, ainda que a Constituição tivesse silenciado a respeito, as pessoas políticas não poderiam exigir, umas das outras, impostos, exatamente para não destruí-las ou criar-lhes dificuldades de funcionamento.”[47]

Frise-se que a extensão se dá a todos os impostos, não a todos os tributos como pode parecer a primeira vista.

Lado outro, a própria Constituição Federal de 1988 excepcionou, por meio do § 4º do artigo 150, o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário.

Por fim, é possível concluir, então, que as taxas, as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais não foram abarcadas pela imunidade intragovernamental.

3.4. Destinatários expressos

Antes de apontar os beneficiários expressos da referida imunidade, importante se faz uma análise, ainda que superficial, acerca das limitações opostas ao intérprete constitucional, tendo em vista que, consequentemente, esses freios terão reflexos em todos os mecanismos utilizados para se fixar entendimentos sobre as normas constitucionais.

Gilmar Mendes e outros entendem que essa questão não reside na hermenêutica jurídica, mas nos comandos da difusão compassiva. Para eles, “a questão dos limites da interpretação não é um problema próprio da hermenêutica jurídica, nem muito menos da interpretação especificamente constitucional, antes se colocando em todos os domínios da comunicação humana.”[48]

Segundo doutrina autorizada, os princípios da segurança jurídica e da certeza são uns dos principais freios à interpretação constitucional, já que são cânones hermenêuticos do direito.

Basicamente, os destinatários expressos das imunidades consagradas na Carta Magna estão previstos em seu artigo 150, inciso VI, in verbis:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[omissis].

VI – instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

[omissis].

§ 2º – A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.”

Dentre alguns deles, estão os entes que compõe a federação (alínea “a” do inciso VI) e as autarquias e as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público (§ 2º), que são os que mais nos interessam, pois guardam estreita relação na composição da Administração Pública.

É sabido e consabido que a Administração Pública é subdividida em direta e indireta. Aquela, “é o conjunto de órgãos que integram as pessoas federativas, aos quais foi atribuída a competência para o exercício, de forma centralizada, das atividades administrativas do Estado[49]”, ao passo que esta é a junção dos demais entes que são mantidos e organizados pelo Estado.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro,

“compõem a Administração Indireta, no direito positivo brasileiro, as autarquias, as fundações instituídas pelo Poder Público, as sociedades de economia mista, as empresas públicas e os consórcios públicos. Tecnicamente falando, dever-se-iam incluir as empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, constituídas ou não com participação acionária do Estado.

Dessas entidades, a autarquia é pessoa jurídica de direito público; a fundação e o consórcio público podem ser de direito público ou privado, dependendo do regime que lhes for atribuído pela lei instituidora; as demais são pessoas jurídicas de direito privado.”[50] (grifo no original)

Destarte, a que mais apresenta pertinência com o presente trabalho é a sociedade de economia mista, a qual não está prevista no rol de destinatários expressos da imunidade constante do inciso VI do artigo 150 da Constituição da República de 1988, nem tampouco no parágrafo que estendeu o benefício às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público.

Para Celso Antonio Bandeira de Mello, a sociedade de economia mista em nível federal, a cujo conceito pode ser considerado a qualquer dos níveis estatais, há de ser entendida como a

“pessoa jurídica cuja criação é autorizada por lei, como um instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de Direito Privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes desta sua natureza auxiliar da atuação governamental, constituída sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou entidade de sua Administração indireta, sobre remanescente acionário de propriedade particular”.[51]

Não obstante a isso, veremos mais adiante que, a depender do preenchimento de alguns requisitos, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser possível a extensão da referida imunidade a algumas dessas pessoas jurídicas que integram a Administração Indireta.

Aliomar Baleeiro era um dos defensores de que a imunidade recíproca não deveria ser estendida a particulares. Em uma de suas obras, asseverou o seguinte, no tocante ao tema:

A imunidade recíproca, conformada dentro dos grandes princípios que a norteiam, como o federalismo e a inexistência de capacidade econômica das pessoas estatais (art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º), norteia-se pelos seguintes critérios na Constituição de 1988:

a) o tratamento imunitório de reciprocidade entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios torna-se necessariamente deduzido da descentralização de poder, própria do Estado federal, ainda que não tivesse sido sucessivamente expresso nas Cartas Constitucionais brasileiras;

b)  a imunidade recíproca não beneficia particulares, terceiros que tenham direitos reais em bens das entidades públicas, nem créditos ou rendas de outrem contra tais entidades como queria Pontes de Miranda -, cessando os “odiosos” privilégios de funcionários públicos, magistrados, parlamentares ou militares; não se estende, pelos mesmo fundamentos, aos serviços públicos concedidos, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel (art. 150, II, §§ 2º e 3º);

c)  a imunidade recíproca se deduz ainda da superioridade do interesse público sobre o privado, beneficiando os bens, o patrimônio, as rendas e os serviços de cada pessoa estatal interna, como instrumentalidades para o exercício de suas funções públicas, em relação às quais não se pode falar em capacidade econômica, voltada ao lucro ou à especulação (art. 150, §§ 2º e 3º);

d)  a imunidade não beneficiará atividades, rendas ou bens estranhos às tarefas essenciais das pessoas estatais e de suas autarquias, que tenham caráter especulativo ou voltadas ao desempenho econômico lucrativo, em respeito ao princípio da livre concorrência entre as empresas públicas e privadas e à tributação segundo o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, art. 173, §§ 1º e 2º)”;[52]

Não obstante os entendimentos contrários, o STF acabou por estender, inicialmente, o alcance da cláusula imunizante a uma conhecida empresa pública, a saber, a Empresa Brasileira de Correios e Telegrafos – ECT.

Quanto à referida extensão, Kiyoshi Harada aduz que

“a Corte Suprema equiparou a referida empresa pública a uma autarquia, para fins do § 2º do art. 150 da CF e afastou, ao mesmo tempo, as restrições de seu § 3º. Afastou, também, as restrições dos §§ 1º e 2º do art. 173 da Carta Política, porque a ECT, enquanto prestadora de serviço público de competência privativa da União (art. 21, X, da CF), não se identifica como empresa privada, mas integra o conceito de fazenda pública. Assim, não caberia falar em quebra do princípio da livre concorrência, motivadora das restrições impostas a empresas estatais.”[53]

Não obstante as parecenças apresentadas entre as empresas públicas e as sociedades de economia mistas, a presença de capital privado em sua composição é a dessemelhança que mais nos interessa.

Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal passou a fazê-lo também com sociedades de economia mista, desde que o referido benefício se restrinja à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos; não haja benefício de atividades voltadas à exploração econômica; e que inexista efeito colateral relevante à quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita.

É o que veremos na sequência, à miúde.

Antes, porém, imperioso é justificar também a nomenclatura utilizada pelo Supremo Tribunal, qual seja, sociedade de economia mista “anômala”.

Em linhas anteriores, foi transcrito o conceito doutrinário de sociedade de economia mista.

Além disso, o STF acrescentou ao termo o verbete “anômala”, que significa, no contexto do julgamento do RE 253472/SP, que a referida sociedade de economia mista é diferente do comum, visto que, não obstante ostente natureza de direito privado, é prestadora de um específico serviço público, tal como ocorre com a Empresa de Correios e Telégrafos – ECT.

O termo acrescentado às sociedades de economia mistas (anômala), foi utilizado, por exemplo, no julgamento do AI 558.682 AgR[54] e do AI 551556 AgR[55], restando transcrito em suas respectivas ementas.

Em suma, a sociedade de economia mista anômala é aquela que, não obstante seja marcada por ser uma pessoa jurídica de direito privado, foi concebida para a prestação de serviço público, isto é, caracteriza-se inequivocamente como instrumentalidade estatal.

4. IMUNIDADE RECÍPROCA POR “RICOCHETE”

4.1. Noções Gerais

Inicialmente, antes de avançar sobre o tema posto, é importante aclarar um pouco sobre o tema e sua nomenclatura (IMUNIDADE RECÍPROCA POR RICOCHETE: breve análise da pertinência da aplicação da cláusula imunizante às sociedades de economia mista “anômalas”).

A imunidade recíproca é a regra consagrada no artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988, segundo a qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.

O § 2º do mesmo artigo estende a referida imunidade às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo poder público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

Essa regra, exsurge de importantes princípios constitucionais, quais sejam, do pacto federativo e da autonomia dos entes federados, insculpido no artigo 18 da atual Carta Magna.

Logo, a reciprocidade no tratamento entre os entes, no tocante a não criação de impostos, cujo cunho é eminentemente arrecadatório, é a regra vigente em nosso Sistema Tributário Nacional, que, a rigor, não comporta exceções.

Essa, portanto, é a cláusula imunizante.

A pergunta que se faz na sequência é: Por que “imunidade recíproca por ricochete”? A resposta é simples. Porque a imunidade pode atingir (respingar) de forma indireta entes que não estão previstos de forma expressa no artigo supramencionado.

Malgrado a Constituição em vigência não fazer menção expressa da possibilidade de concessão de tal benefício às sociedades de economia mistas, o Supremo Tribunal Federal deu interpretação à Carta Magna no sentido de ser sim possível, desde que o referido benefício se restrinja à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos; não haja benefício de atividades voltadas à exploração econômica; e que inexista efeito colateral relevante à quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita.

4.2. Conceito

Conforme salientado anteriormente, a imunidade recíproca por ricochete (ou reflexa) é aquela em que a cláusula imunizante atinge (respinga sobre) pessoa diversa daquela para qual foi destinada, mesmo que esta não se enquadre nos requisitos dispostos no inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal.

Com o objetivo de aclarar o entendimento, será utilizado o exemplo da CODESP para ilustrar a imunidade recíproca por ricochete.

Para tanto, vejamos a composição acionária da companhia:

De acordo com os dados constantes no RE 253.472/SP, noventa e nove, noventa e nove por cento (99,97%) do capital acionário pertencem à União Federal, ao passo que o restante (0,03%) é de natureza privada.

Observe que no caso em destaque, essas pessoas privadas que integram a CODESP acabaram sendo beneficiadas de forma indireta, isto é, por ricochete. De sorte que também estarão imunes ao pagamento de impostos aos entes que compõem a federação (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), evidentemente, na forma do artigo 150, inciso VI, da Carta Magna em vigor.

4.3. “Leading case”

O caso que primeiramente reconheceu a aplicação da imunidade recíproca a uma sociedade de economia mista, julgado no Brasil, precisamente no Supremo Tribunal Federal, se deu em meados do ano de 2010, no qual a Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP – buscou junto ao Poder Judiciário a imunidade quanto ao Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU – sobre imóveis que compõem o patrimônio do Porto de Santos, cuja administração é de sua responsabilidade.

Inicialmente, a CODESP teve seu pedido negado em primeira e segunda instâncias, interpondo, posteriormente, Recurso Extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal, autuado sob o nº 253.472, cuja relatoria ficou a cargo do ministro Marco Aurélio Mello.

Ao julgar o referido recurso, o Pretório Excelso entendeu, por maioria de votos, que, se fossem atendidos alguns requisitos de natureza objetiva (declinado abaixo), era de rigor a aplicação da cláusula imunizante às sociedades de economia mista, mesmo que estas não estejam previstas expressamente no rol do artigo 150 da Constituição Federal de 1988.

Para o relator original, min. Marco Aurélio, a referida imunidade recíproca somente seria cabível entre as pessoas de direito público, o que exclui, por efeito, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, pelo que foi acompanhado pelos eminentes ministros Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski.

No entanto, prevaleceu a tese encabeçada pelo ministro Joaquim Barbosa, o qual destacou que, não obstante haja ações privadas na composição da CODESP, a grande maioria (99,97% – noventa e nove virgula noventa e sete por cento) do capital pertence exclusivamente à União Federal.

Ademais, no entendimento do ministro, era preciso, pois, saber se a referida entidade privada enquadrava-se aos três requisitos construídos, após uma interpretação sistemática da Constituição, para aferir a possibilidade de aplicação da referida cláusula imunizante.

Esses requisitos foram elencados no acórdão do julgamento do RE 253.472  (rel.  min.  Marco  Aurélio,  red.  p/ acórdão  min.  Joaquim  Barbosa,  Pleno,  j.  25.08.2010), o qual restou assim ementado:

“TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA CONTROLADA POR ENTE FEDERADO. CONDIÇÕES PARA APLICABILIDADE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA. COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (CODESP). INSTRUMENTALIDADE ESTATAL. ARTS. 21, XII, f, 22, X, e 150, VI, a DA CONSTITUIÇÃO. DECRETO FEDERAL 85.309/1980. 1. IMUNIDADE RECÍPROCA. CARACTERIZAÇÃO. Segundo teste proposto pelo ministro-relator, a aplicabilidade da imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a da Constituição) deve passar por três estágios, sem prejuízo do atendimento de outras normas constitucionais e legais: 1.1. A imunidade tributária recíproca se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em conseqüência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em circunstâncias mais vantajosas, independentemente do contexto. 1.2. Atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política. 1.3. A desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Em princípio, o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da administração, sem que a intervenção do Estado seja favor preponderante. 2. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA. CONTROLE ACIONÁRIO MAJORITÁRIO DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE INTUITO LUCRATIVO. FALTA DE RISCO AO EQUILÍBRIO CONCORRENCIAL E À LIVRE-INICIATIVA. Segundo se depreende dos autos, a Codesp é instrumentalidade estatal, pois: 2.1. Em uma série de precedentes, esta Corte reconheceu que a exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres caracteriza-se como serviço público. 2.2. O controle acionário da Codesp pertence em sua quase totalidade à União (99,97%). Falta da indicação de que a atividade da pessoa jurídica satisfaça primordialmente interesse de acúmulo patrimonial público ou privado. 2.3. Não há indicação de risco de quebra do equilíbrio concorrencial ou de livre-iniciativa, eis que ausente comprovação de que a Codesp concorra com outras entidades no campo de sua atuação. 3. Ressalva do ministro-relator, no sentido de que “cabe à autoridade fiscal indicar com precisão se a destinação concreta dada ao imóvel atende ao interesse público primário ou à geração de receita de interesse particular ou privado”. Recurso conhecido parcialmente e ao qual se dá parcial provimento.” (RE 253472, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 25/08/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-04 PP-00803 RTJ VOL-00219- PP-00558)

Como visto, mesmo tendo em sua composição capital privado, a CODESP recebeu o benefício referente à imunidade recíproca.

Por fim, o STF entendeu que a referida companhia atendia aos três requisitos insculpidos na Ementa supramencionada.

4.4. Requisitos para reconhecimento e aplicação

A Constituição Federal de 1988 não estabeleceu qualquer parâmetro para a concessão da imunidade recíproca.

Isso se deu por uma razão muito simples. É que a referida imunidade foi direcionada apenas aos entes que integram o pacto federativo (União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal).

Não obstante a isso, o parágrafo segundo do artigo 150 da Carta Magna estendeu às autarquias e fundações (instituídas e mantidas pelo Poder Público) a aplicação da cláusula imunizante.

Ocorre que em razão de uma das finalidades específicas do Estado, isto é, a prestação de serviços públicos, foram sendo criados outros “braços” do Estado, constituídas em pessoas jurídicas de direito privado, tais como as empresas públicas e as sociedades de economia mista, sendo que estas detém em seu capital acionário o controle do ente estatal, ao passo que aquelas são dotadas de capital exclusivamente público.

No entanto, essas entidades guardam uma semelhança entre si, qual seja, são pessoas jurídicas de direito privado.

Nessa esteira, surgiu a dúvida sobre a extensão da imunidade recíproca também a essas pessoas que integram a Administração Indireta.

Em razão disso, desse questionamento, o Pretório Excelso, de início, acabou estendendo a aplicação da cláusula imunizante às empresas públicas, e, posteriormente, às sociedades de economia mistas, desde que estas preencham aos requisitos que se seguem, quais sejam, que o referido benefício se restrinja à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos; não haja benefício de atividades voltadas à exploração econômica; e que inexista efeito colateral relevante à quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita.

Vejamos, pois, a cada um deles:

4.4.1. Restrição à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos

Como se pode observar, a imunidade recíproca de impostos aplicada às sociedades de economia mista se restringe à propriedade, bens e serviços do ente federado.

É evidente que esses bens e serviços devem se referir à consecução das finalidades do ente que integra a sociedade de economia mista.

Ademais, não ficou muito claro se, diante dessa premissa, haveria a extensão do benefício ao todo, isto é, à parte privada que integra a companhia. Tudo indica que não.

Dessa forma, a imunidade seria proporcional ao capital pertencente ao ente federativo, arcando, o particular, com sua parte.

Mas essa questão não restou muito clara no julgamento do leading case supramencionado.

4.4.2. Não benefício de atividades voltadas à exploração econômica

Outro ponto exigido como requisito, se resume à impossibilidade de se beneficiar sociedades de economia mistas que esteja envolvidas na exploração da atividade econômica.

Assim, somente as sociedades de economia mistas prestadoras de serviço público não voltado à obtenção e captação de renda é que podem ser beneficiadas pela aplicação da cláusula imunizante.

4.4.3. Inexistência de efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita

Enquanto a companhia estiver sendo beneficiada com a imunidade recíproca, devem ser monitorados os seus efeitos, a fim de se avaliar se a concessão do benefício está a interferir no mercado de trabalho, mormente no tocante ao exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas, isto é, permitidas de serem exploradas em âmbito privado.

Desse modo, se a companhia integrada pelo ente estatal estiver no mercado competindo com outras empresas puramente privadas, não há que se falar em benefício da imunidade, já que com isso estar-se-ia a afrontar a livre concorrência e os princípios mercadológicos.

4.5. Exemplos recentes

O exemplo mais recente se deu com a aplicação da cláusula imunizante foi o da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – CETESB –, a qual obteve provimento judicial favorável junto ao Supremo Tribunal no Recurso Extraordinário 631.309/SP[56], cuja ementa segue abaixo:

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUA E ESGOTO. APLICABILIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que a sociedade de economia mista prestadora de serviço público de água e esgoto é abrangida pela imunidade tributária recíproca, nos termos da alínea “a” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido”.

Por fim, dentre alguns mais de que se dispensa a citação, está o caso em que o STF reconheceu a incidência da cláusula imunizante ao Hospital Nossa Senhora da Conceição S/A, no bojo do RE 580264/RS[57].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo de tudo o que foi exposto, observou-se que, principalmente em razão do princípio federativo, um dos primados que informam o estado democrático de direito, a imunidade tributária fora concebida com o fito de demonstrar a igualdade dos entes na constituição da federação.

Não obstante a isso, observou-se também que, no modelo constitucional atual, essas imunidades somente podem ser concebidas em âmbito constitucional. Se o forem em sede infraconstitucional, estaremos, diante de isenções, não de imunidades.

Outro ponto que ficou aclarado é que a imunidade recíproca se refere tão somente a impostos, ou seja, uma das espécies do gênero tributo.

Como dito em linhas anteriores, não impede que os entes se isentem entre si do pagamento de taxas.

Entretanto, mesmo que este considere como imunidade, tal como no exemplo dado acima, em que a Justiça Federal isenta os demais entes do pagamento de taxas judiciárias, as quais têm natureza de tributo, estaremos diante de verdadeiras isenções e não de imunidades.

Foi delineado ainda o conceito de tributo à luz do Código Tributário Nacional e da mais abalizada doutrina tributarista.

Na sequência, vimos as principais limitações ao poder de tributar, mormente aquelas relacionadas às imunidades.

Por seguinte, vimos cada um dos princípios constantes na Constituição Federal pertinentes à tributação, notadamente o da Legalidade, Isonomia, Não surpresa, Não confisco, Liberdade de tráfego, Não discriminação.

Depois, vimos as principais classificações das limitações constitucionais ao poder de tributar desenhadas por Humberto Ávila, tais como limitações formais, ou seja, aquelas ligadas à forma, e as materiais (essência da limitação); implícitas e explícitas (como os próprios nomes sugerem); e as limitações de primeiro e segundo graus (a depender da norma que contém a limitação).

No tocante ao fundamento constitucional, vimos que somente por meio da Constituição Federal é que se pode conceder qualquer tipo de imunidade tributária. Ao percorrer a Carta Magna, vemos que as principais imunidades são atreladas às competências atribuídas aos entes que integram a federação, sendo que cada um deles é livre para criar as imunidades que entender possível e cabível, desde que isso não seja contrário às disposições da Constituição Federal, sob pena de se conceder imunidade tributária eivada de inconstitucionalidade, tanto formal quanto material.

No tocante aos destinatários da imunidade recíproca, destacamos aqueles que vêm arrolados de forma expressa na alínea “a” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal de 1988.

Ademais, além deles, viu-se que o Supremo Tribunal Federal estendeu a aplicação da cláusula imunizante às empresas públicas e sociedades de economia mistas prestadoras de serviços públicos, desde que sejam instrumentalidades estatais para a consecução de seus misteres e preencham a alguns requisitos, quais sejam, que o referido benefício se restrinja à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos; não haja benefício de atividades voltadas à exploração econômica; e que inexista efeito colateral relevante à quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita.

Outro ponto abordado no presente trabalho foi o conceito de imunidade recíproca por ricochete, isto é, aquela em que determinado ente se encontra imunizado da cobrança de impostos em razão de integrar determinada pessoa jurídica de direito privado que esteja sob o manto da imunidade.

O leanding case utilizado foi o Recurso Extraordinário 253472/SP[58], que envolveu a imunidade perquirida pela Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP –, que é uma sociedade de economia mista, vinculada à Secretaria de Portos da Presidência da República, é que é regida pela legislação relativa à sociedades por ações, no que lhe for aplicável, e por seu estatuto.

No julgamento do mencionado Recurso, o STF entendeu que a referida Companhia preenchia a todos os requisitos anteriormente alinhavados.

A título de exemplo, foram arrolados ainda os casos da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – CETESB –, a qual obteve provimento judicial favorável junto ao Supremo Tribunal no Recurso Extraordinário 631.309/SP[59], e do caso em que o STF reconheceu a incidência da cláusula imunizante ao Hospital gaúcho Nossa Senhora da Conceição S/A, no bojo do RE 580264/RS[60].

Por fim, a conclusão a que se chega é que o fenômeno estudado ao longo desta pesquisa encontra-se hodiernamente consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, mais ainda quando se verificam os votos proferidos nos julgamentos citados acima, notadamente o que envolveu a Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP, o qual se tornou importante precedente no tocante à interpretação da imunidade recíproca, antes aplicada somente aos entes previstos expressa e taxativamente no artigo 150 da Constituição Federal.

Dessa forma, está pacificado que é possível a incidência da cláusula imunizante às demais pessoas jurídicas que integram a Administração Indireta.

 

Referências bibliográficas
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Notas:
[1] In RE nº 407.099-RS, 2ª T., Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 6/8/2004, Ata nº 21/2004.
[2] Artigo 170, IV, da Constituição Federal de 1988.
[3] In RE 253472/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 25/08/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-04 PP-00803.
[4] Nomenclatura dada pelo Supremo Tribunal Federal às Sociedades de Economia Mista que, não obstante sejam pessoas jurídicas de direito privado, prestam serviços públicos.
[5] (AI 558682 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 29/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 18-06-2012 PUBLIC 19-06-2012).
[6] (AI 551556 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 01/03/2011, DJe-062 DIVULG 31-03-2011 PUBLIC 01-04-2011 EMENT VOL-02494-01 PP-00118).
[7] ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 8.
[8] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 16. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 360.
[9] Nesse sentido: BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a constituição do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 82.
[10] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 47-48.
[11] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. E. ed. atualizada até a EC nº 67/10. – São Paulo: Atlas, 2011, p. 1677.
[12] ROCHA, Mauro Luis Lopes. Direito tributário brasileiro. Niterói: Impetus, 2009, p. 39.
[13] Nessa linha: MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 79.
[14] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 25.
[15] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. – 6. ed. rev. E atual. – Rio de Janeiro, Método, 2012, p. 17.
[16] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. 3. Ed. rev. atual. – Porto Alegre: Livraria do advogado editora, 2010, p, 37.
[17] Artigo 145, inciso II, Constituição Federal de 1988.
[18] SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito tributário. – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 167.
[19] Artigo 81 e SS..
[20] HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. – 20. ed. – São Paulo: Atlas, 2011, p.  314.
[21] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 16. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 423.
[22] Maioria absoluta (art. 69 da Constituição Federal de 1988).
[23] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 28. Ed. – São Paulo: Malheiros, 2012, p. 652.
[24] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. – 34. ed. rev. e atual. até a EC nº 67/2010 – São Paulo: Malheiros, 2011. p. 713.
[25] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 32. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros, 2011, p. 276.
[26] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. – 21. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 167.
[27] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 135.
[28] ÁVILA, Alexandre Rossato da Silva. Curso de direito tributário. – Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008, p. 54
[29] LOPES, Mauro Luis Rocha. Direito tributário brasileiro. Niterói: Impetus, 2009, p. 75.
[30] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 32. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros, 2011, p. 42.
[31] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. – 6. ed. rev. E atual. – Rio de Janeiro, Método, 2012, p. 135.
[32] Art. 152. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.
[33] ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.
[34] ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 128.
[35] Ibidem, p. 129.
[36] Ibidem, p. 130.
[37] Nota do autor: “Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n. 855-2, Relator: Ministro Octávio Galloti, Relator p; acórdão: Ministro Gilmar Mendes, DJe-059, 27.03.2009.”
[38] ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 133.
[39] COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 79.
[40] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 16. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 306.
[41] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 32. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros, 2011, p. 230.
[42] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. 3. Ed. rev. atual. – Porto Alegre: Livraria do advogado editora, 2010, p. 60.
[43] Ibidem, p. 61.
[44] “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”
[45] BALEEIRO, Aliomar. 11. Ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 121.
[46] ROCHA, Mauro Luis Lopes. Direito tributário brasileiro. Niterói: Impetus, 2009, p. 86.
[47] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 28. Ed. – São Paulo: Malheiros, 2012, p. 764.
[48] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual.. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 122.
[49] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. – 24. ed. rev., ampl. e atual. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 414
[50] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 19. Ed. – São Paulo: Atlas, 2006, p. 416
[51] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. – 29. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 68, de 21.12.2011. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 195.
[52] BALEEIRO, Aliomar. 11. Ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 129-130.
[53] HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. – 20. ed. – São Paulo: Atlas, 2011, p. 377.
[54] (AI 558682 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 29/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 18-06-2012 PUBLIC 19-06-2012).
[55] (AI 551556 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 01/03/2011, DJe-062 DIVULG 31-03-2011 PUBLIC 01-04-2011 EMENT VOL-02494-01 PP-00118).
[56] RE 631309 AgR, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 27/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 25-04-2012 PUBLIC 26-04-2012.
[57] RE 580264, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 16/12/2010, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-192 DIVULG 05-10-2011 PUBLIC 06-10-2011 EMENT VOL-02602-01 PP-00078.
[58] RE 253472, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 25/08/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-04 PP-00803 RTJ VOL-00219- PP-00558
[59] RE 631309 AgR, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 27/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 25-04-2012 PUBLIC 26-04-2012.
[60] RE 580264, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 16/12/2010, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-192 DIVULG 05-10-2011 PUBLIC 06-10-2011 EMENT VOL-02602-01 PP-00078.

Informações Sobre o Autor

Joabson Carlos Pereira Silva

Especialista em Direito Público pelo Instituto Processus de Direito; Pós-graduando (lato sensu) em Direito e Contemporaneidade pela Escola da Magistratura do Distrito Federal; Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios


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Equipe Âmbito Jurídico

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