Milhares de contribuintes do IPTU do Município do Rio de Janeiro foram surpreendidos, em 2008, pela majoração do imposto em percentuais que ultrapassam 300% (trezentos por cento). Ocorre, contudo, que o supracitado aumento do imposto, no nosso sentir, é inconstitucional, pois não respeitou os princípios constitucionais tributários, conforme se pretende demonstrar no presente arrazoado.
Inicialmente, é importante entender quais foram os mecanismos legislativos utilizados pelo Município do Rio de Janeiro para ultimar o malfadado “reajuste” do IPTU. Ressalte-se que os contribuintes do imposto perderam o direito ao desconto de 40% sobre o valor venal do imóvel – valor que serve como referência para se chegar à base de cálculo do IPTU e da TCL (Taxa de Coleta de Lixo), cobradas no mesmo carnê -, tal alteração foi ultimada pelo Decreto Municipal n.º 28.726 de 26 de novembro de 2007[1].
Cabe esclarecer que o Decreto Municipal n.º 28.726/2007 alterou o critério para atendimento às previsões de regulamentação constantes do § 8.º do art. 64 da Lei n.º 691, de 24 de dezembro de 1984[2], e do inciso I do parágrafo único do art. 8.º da Lei n.º 2.277, de 28 de dezembro de 1994[3], passando a ser unicamente o valor de R$ 23.000,00 (vinte e três mil reais), não se levando em consideração a área do imóvel. Assim, o Decreto Municipal n.º 28.726/2007 revogou expressamente o Decreto Municipal n.º 18.305, de 29 de dezembro de 1999[4] – que, desde 2000, permitiu a concessão do desconto de 40% para os imóveis de uso residencial e área de até 100 m2 (cem metros quadrados) cujo valor venal para fins de cobrança do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana não fosse superior a 20.000 (vinte mil) UFIR – que, por sua vez, havia revogado o Decreto Municipal n.º 14.229, de 27 de setembro de 1995[5].
Em síntese, o parágrafo 8.º do art. 64 da Lei n.º 691, de 24 de dezembro de 1984 estabelece que as Unidades Autônomas Populares (UAP), assim defenidas pelo Prefeito, terão uma redução de 40% do seu valor venal. Desta forma os Decretos Municipais acima mencionados foram decretados pelo Prefeito para definir quais os imóveis serão considerados UAP.
A Prefeitura do Rio de Janeiro divulgou uma Nota Oficial[6], explicando o seguinte: “A Prefeitura do Rio decidiu redefinir o teto do valor venal que dá direito ao desconto de 40% para R$ 24.003,00, a partir de 2008, seguindo o mesmo critério adotado pelo Governo Federal para o financiamento de habitações para a baixa renda. No ano passado, esse teto era de R$ 34.995, muito superior ao teto utilizado pela Caixa Econômica Federal. A Prefeitura também retirou a exigência de área máxima de 100 metros quadrados para o imóvel, o que beneficiou residências antigas, na periferia da cidade, com baixo valor venal. O mesmo teto foi fixado para a concessão de isenção do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis Inter-vivos (ITBI) para a compra de unidades habitacionais de baixa renda.”
No nosso entendimento, os argumentos da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro não são suficientes para afastar a inconstitucionalidade que incede sobre a majoração da carga tributária que milhares de contribuintes cariocas irão amargar.
É cediço que a Constituição Federal, em seu artigo 156, I, atribui aos municípios a competência e a capacidade tributária ativa para instituição, regulamentação e cobrança do Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
O Município do Rio de Janeiro exerce a sua competência legislativa plena através da Lei n.º 691/84 (Código Tributário do Município do Rio de Janeiro)
A competência tributária não é, porém, ilimitada. A Constituição Federal, em seus artigos 145 e seguintes, impõe restrições através dos princípios tributários, que visam a proteger valores básicos do indivíduo, como a segurança e a estabilidade das relações jurídicas, a previsibilidade da ação estatal, a liberdade e o patrimônio, a federação e a igualdade. Entre os princípios limitadores do poder de tributar, o sistema constitucional inclui o da capacidade contributiva, o da legalidade, o da isonomia tributária, o da irretroatividade da lei e o da anterioridade da lei.
Neste sentido, é necessário afirmar que o Decreto n.º 28.726/2007 é inconstitucional, pois, desrespeita expressamente o disposto no artigo 150, § 6º da CF[7]. O dispositivo constitucional impede que isenções ou alterações de base de cálculo sejam ultimadas por Decretos. Apenas Lei Municipal, devidamente votada da Câmara de Vereadores poderia majorar a base de cálculo do IPTU e TCL.
Aqui vale destacar que o Código Tributário Nacional – Lei Geral de Regulamentação da Tributação -, em seu artigo 176 estabelece que “a isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.”
Os dispositivos supracitados são cristalinos! É proibido que o Prefeito decrete as condições ou requisitos para concessão de isenções. Ressalte-se que a redução da base de cálculo equivale a uma isenção parcial. Neste sentido, o Decreto n.º 28.726/2007 é inconstitucional, pois, somente lei poderia versar sobre o tema de redução ou restabelecimento de base de cálculo.
Mesmo que não fosse inconstitucional o Decreto n.º 28.726/2007 seria ilegal, pois majorou tributos em desrespeito ao que estabelece o artigo 97 do CTN – que é claro ao disciplinar que somente lei poderá estabelecer a majoração de tributos e alteração das alíquotas e base de cálculo.
Frise-se que não há que se falar que a majoração dos tributos ultimada pelo Decreto n.º 28.726/2007 encontra respaldo no que determina o §2º do artigo 97 do CTN – in verbis: “Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.”. Ora, in casu, a majoração da base de cálculo do IPTU e da TCL só seria constitucional se a Prefeitura do Município do Rio de Janeiro atualizasse a base de cálculo com base no percentual de 4,36%, correspondente ao IPCA-E (INDICE DE PREÇOS AO CONSUMIDOR AMPLO ESPECIAL – IBGE) do período.
Vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no verbete da Súmula 160 estabelece que “é defeso, ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.”
Da mesma forma é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo oportuno transcrever a Ementa: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPTU. VALOR VENAL DO IMÓVEL. ATUALIZAÇÃO. NECESSIDADE DE LEI EM SENTIDO FORMAL.I. – É vedado ao Poder Executivo Municipal, por simples decreto, alterar o valor venal dos imóveis para fins de base de cálculo do IPTU. Precedentes. II. – Agravo não provido.” (AI 450.666 – Relator: Min. Carlos Velloso – 2ª Turma do STF – DJ: 18.06.2004)
É fácil perceber a impossibilidade de se aumentar o valor venal do imóvel por meio de um simples decreto, esvaindo-se de todo o tramite legislativo necessário e garantido pela Constituição Federal e pelo Código Tributário Nacional.
Contudo, não são estas as únicas irregularidades presentes no nefasto Decreto.
Podemos afirmar que um aumento real de 300% (trezentos por cento) é, além de absurdo, inconstitucional!
Ora, milhares de contribuintes foram surpreendidos com a majoração perpetrada pela Prefeitura do Município do Rio de Janeiro!
É importante destacar que, nos últimos 5 (cinco) anos, os reajustes dos valores cobrados no carnê do IPTU decorriam da aplicação do IPCA-E sobre o valor cobrado no ano anterior. Neste sentido, os contribuintes aguardavam um aumento de no máximo 5% (cinco por cento). Jamais poderiam supor que seriam agraciados com o escárnio de 300%!
Neste sentido, o Decreto n.º 28.726/2007 é inconstitucional, pois, violou expressamente o que determina o §1º do artigo 145[8] e inciso IV do artigo 150[9], ambos da Constituição Federal. No primeiro dispositivo mencionado o constituinte visou garantir que o governante respeitasse a evolução patrimonial do contribuinte. O dispositivo visa impedir que os impostos possam ser cobrados em parâmetros que não guardem equivalência com a capacidade econômica do contribuinte. Neste ponto, é óbvio que nenhum dos contribuintes surpreendidos com a majoração do IPTU teve um acréscimo de rendimentos no porte de 300%.
Já o segundo dispositivo constitucional supracitado versa sobre a proibição de criação de tributos confiscatórios, isto é, o constituinte proibe expressamente o excesso de tributação. Ora, no caso em tela, não devem restar dúvidas de que o aumento de 300% é confiscatório e, portanto, inconstitucional.
Diante de todo o exposto, é possível afirmar que os milhares de contribuintes que foram surpreendidos com os valores estampados no carnê do IPTU/2008 do Município do Rio de Janeiro, possuem legitimidade e interesse para ajuizarem demandas judiciais com o desiderato de obterem tutela jurisdicional no sentido de afastar a malfadada cobrança inconstitucional. Podem requerer liminar para não serem inscritos na Dívida Ativa do Município ou, até mesmo, podem depositar os valores cobrados para suspender a exigibilidade dos créditos tributários enquanto tramitarem os processos judiciais.
Advogado Especializado em Direito Tributário; Professor de Pós-Graduação em Direito Material e Processual Tributário; Mestre em Direito Empresarial e Tributário; Pós-Graduado em MBA de Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade; Pós-Graduado em Direito Tributário e Legislação de Impostos; Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil; Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior; Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário – ABDT; Filiado à Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT; Sócio-Pleno da Associação Brasileira de Direito Financeiro – ABDF; Associado Máster da Associação Paulista de Estudos Tributários – APET; Sócio-Professor do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT; Membro da International Fiscal Association – IFA
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