A sociedade brasileira está prestes a presenciar modificações mais agudas numa das instituições mais antigas do país: o júri
Dentre as propostas que possivelmente entrarão em vigor no segundo semestre, é provável que deixe de existir um dos grandes problemas atuais dessa modalidade de julgamento, qual seja? O protesto por novo júri.
Por conta de uma possibilidade recursal já há muito superada, os julgamentos de competência do júri ficavam, informalmente, restritos a uma pena inferior ao período de 20 anos, porque, segundo a letra da lei, quando qualquer pessoa for condenada no Tribunal do Júri a pena superior ao período mencionado existe a previsão legal de protestar por novo júri, ou seja, requerer um novo julgamento.
E o que tal possibilidade representa para as decisões práticas?
Em verdade, a competência do júri é o julgamento de crimes dolosos contra a vida, ou seja: homicídio qualificado (art. 121, §2º), induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (Art. 122, parágrafo único), infanticídio (art. 123) e as diferentes formas de aborto (arts. 124, 125, 126 e 127).
De tal sorte, que o Tribunal do Júri é responsável pelo julgamento de crimes dolosos contra a vida, também, ainda que na forma tentada, ou seja, sem a consumação do resultado por motivo diverso ao pretendido pelo agente.
Alguns casos recentes de repercussão a serem citados: Suzane von Richthofen, Pimenta Neves, Guilherme de Pádua, Paula Thomaz, etc. Nos quais houve homicídios contra os pais, namorada, companheira de trabalho (Daniela Perez), respectivamente.
E o zelo dos magistrados em questão era na dosimetria da pena evitar a possibilidade para a defesa de requerer um novo julgamento, pois, ao remarcar e, mais do que isso, ao iniciar todo o processo novamente, existe o risco dos fatos não serem tratados com a mesma eficiência, o impacto midiático não ser o mesmo e, por conseguinte, existir um risco de absolvição.
Com isso, crimes atrozes resultavam numa condenação considerada baixa ao agente, ora, mas 19 anos não pode ser considerada uma pena pequena, não é mesmo?
Em verdade, é preciso ter em conta dois momentos muito distintos do processo: a condenação de um culpado em contraposição ao tempo que efetivamente o mesmo permanecerá preso.
Por decorrência de alguns benefícios concedidos pela própria legislação, além, é claro, da possibilidade de progressão de regime, o tempo efetivo na prisão é consideravelmente menor.
O resultado é que o Tribunal do Júri beneficia o acusado, porque se condenado por uma pena superior a 20 anos existe a possibilidade de um novo julgamento e, se condenado a período inferior, haverá os benefícios que propiciam um cumprimento menor de pena.
O protesto por novo júri é um completo retrocesso no sistema processual penal, pois, justamente este órgão que deveria coibir os criminosos de maior periculosidade faz, concretamente, diametralmente o oposto, facilita a saída do sistema prisional.
O ideário precípuo da pena é o processo reflexivo para o arrependimento do infrator em relação ao delito praticado e, também, que o tempo preso tenha o condão de indenizar a sociedade e estar apto ao convívio com a mesma, via ressocialização.
No Brasil, existe a estatística em relação à reincidência que coloca em xeque a eficiência do próprio sistema prisional nacional e, para colaborar ainda mais, temos o protesto por novo júri que caminha na contramão criminal.
Crimes graves são apenas dentro de um mínimo possível apenas e tão somente por uma regra processual retrograda e desatualizada que caminha em contrario sensu à própria sociedade e, o mais interessante, é que o povo brasileiro se mostra tão preocupado com o endurecimento das penas no país, mas, em momento nenhum, atenta para o fato de que os crimes mais violentos não são reprimidos na mesma proporção de sua prática.
Já foi levantada bandeira defendendo a redução da maioridade penal para se responsabilizar o jovem infrator ou para implementação da lei dos crimes hediondos, mas a sociedade nunca atentou que um dos seus grandes males é o engessamento do Tribunal do Júri.
Agora, felizmente, existe uma nítida sinalização de mudança e o período obscuro da Justiça no combate aos grandes crimes pode dar lugar a um procedimento mais equânime de responsabilização.
O que deverá ser acompanhado de perto é o respeito ao aspecto temporal da entrada em vigência da norma, no que tange aos processos já em andamento.
Todavia, enfim, os crimes dolosos contra a vida poderão ter a dosimetria de pena adequada e na mesma proporção do dano causado.
Advogado, Membro da Association Internationale de Droit Penal, Membro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas. Membro da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/SP, Mestrando em Filosofia do Direito – PUC/SP, Especialista em International Criminal Law: Terrorism´s New Wars and ICL´s, Responses – Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, Pós Graduado em Direito Penal – Teoria dos delitos – Universidade de Salamanca, Pós Graduado em Direito Penal Econômico da Fundação Getúlio Vargas – FGV
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