Resumo: O presente trabalho tem por escopo abordar a cobrança de juros abusivos nos contratos bancários, especialmente, os contratos de crédito e empréstimo, embasada na falta de legislação específica e objetiva, que estabeleça um limite legal para tal atitude por parte das instituições financeiras, propondo soluções para respeitar-se a base objetiva destes negócios jurídicos e o equilíbrio contratual. Para isto, analisa-se, inicialmente, a definição e caracterização dos contratos de crédito, finalidade e importância no mercado de consumo, bem como faz-se um breve histórico da cobrança de juros, suas modalidades e consequências trazidas aos consumidores, notadamente o superendividamento e inscrição em cadastros negativos, por afigurar verdadeira prestação onerosa e cláusula abusiva, uma vez que não há limite legal estabelecido no ordenamento jurídico pátrio. Num segundo momento, aponta-se a abusividade da cláusula contratual, que estipula taxa de juros excessivos e em desconformidade com os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva. Por derradeiro, trata-se da forma como a nossa atual jurisprudência superior tem solucionado a problemática, propondo que se aplique a Teoria da Base Objetiva do Negócio Jurídico, uma vez que, com a onerosidade excessiva da prestação, perde-se a base contratual e o objetivo do negócio celebrado.
Palavras-Chave: Contratos Bancários. Juros Abusivos. Base Objetiva do Negócio Jurídico. Equilíbrio Contratual. Função Social do Contrato. Boa-fé Objetiva.
Abstract: This present monograph aims to approach the abusive interests on bank contracts, especially the credit contracts and loan, based on the lack of specific and practical legislation that sets a legal limit to such attitude from Finacial Institutions, and it proposes solutions to respect the objective base and the natural balance of these legal businesses. For this purpose, initially, this work analyzes, the definition and characterization of credit contracts, its aim and importance on the credit market; there is also a brief historical review about charging interests, its modalities and consequences to consumers, such as the high indebtedness and the inclusion on negatives registry, by configuring truly onerous installment and abusive clause, once there is no legal limit on brazilian legal system. Then, it indicates the abuse of contract clause that establishes excessive interest in noncompliance with the principle of the social role of the contract and objective good faith. Finally, it will deal with the way our jurisprudence has been solving this situation, and it proposes the application of the theory of objective base, once, with the excessive burden of instalment, the contractual basis and the aim of celebrated business are lost.
Sumário: 1 Introdução; 2 O Contrato de Crédito e o Contrato de Empréstimo Bancário; 2.1 Aplicação do CDC às Operações Bancárias; 2.2 Caracterização da Relação de Consumo: O Conceito de Consumidor e de Fornecedor; 2.3 Os Bancos Como Fornecedores de Produtos e Serviços; 2.3.1 O crédito como produto bancário; 3 Juros: Conceito e Classificação; 3.1 Juros Abusivos nos Contratos Bancários; 3.2 Cadastro negativo e o superendividamento dos consumidores; 3.3 A Concessão Inadequada de Crédito; 3.3.1 A responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras; 4 Princípios Contratuais Aplicáveis aos Contratos Bancários; 4.1 Teorias Revisionais no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor; 4.1.1 Teoria da Imprevisão; 4.1.2 Teoria da Onerosidade Excessiva; 4.1.3 Teoria da Quebra da Base Negocial; 5 Revisão Judicial dos Contratos Bancários; 5.1 Os Contratos Bancários Como Contratos de Adesão; 5.2 Práticas e Cláusulas Abusivas: Os Juros Excessivos; 5.3 O Atual Posicionamento da Jurisprudência; 5.4 Aplicação da Teoria da Quebra da Base Objetiva do Negócio Jurídico; 6 Considerações Finais; Referências.
INTRODUÇÃO
O crédito desempenha um grande papel na sociedade, pois, ao mesmo tempo que possibilita o crescimento da economia, é responsável pela dinâmica do mercado financeiro, pela circulação de moeda e pela inserção de novos investidores e empreendedores que, muitas vezes, possuem excelentes negócios, boas ideias, mas não dispõem do capital necessário ao desenvolvimento ou materialização de seus projetos.
Nesse contexto, é que surgem as instituições financeiras, que são a base do Sistema Financeiro Nacional e as grandes responsáveis pela guarda de valores, pela circulação de moeda, pelo empréstimo, pelo recebimento e por inúmeras negociações, bem como prestação de serviços e disponibilização de produtos financeiros, para seus clientes que aqui denomina-se consumidor bancário.
A cobrança de juros é atitude legítima e necessária à atividade bancária. Deve-se pagar um preço, já que alguém diminui o seu patrimônio, deixando de usá-lo, para colocar à disposição de outrem, que não pagará no mesmo instante, ao contrário, poderá quitar seu débito, em prestações, ao longo de um determinado tempo. Os juros é o preço pago ao serviço prestado pelo banco ou pelo produto posto à disposição. Dessa forma, o banco deve ser remunerado pela sua atividade, de forma a compensar o dispêndio de numerários, recursos e tecnologia.
Ocorre que não há uma norma específica sobre os limites que devem ser obedecidos para o estabelecimento das taxas de juros, restando livremente pactuadas entre os bancos e os consumidores, numa relação desproporcional e desequilibrada, uma vez que não há critérios objetivos a serem observados na legislação vigente.
Afigura-se, assim, o direito de revisão contratual, previsto no art. 6°, V, como direito básico do consumidor, sempre que restar excessivamente onerosa determinada prestação estabelecida num contrato bancário, normalmente oriunda de uma alta taxa de juros, imposta ao consumidor de crédito, através de uma cláusula contratual abusiva. Nesse diapasão, a Teoria da Base Objetiva do negócio jurídico, e não analisa a extraordinariedade e nem a imprevisibilidade, como o fazem as teorias adotadas pelo Código Civil, mas, sim, a base, o objeto do negócio jurídico avençado, ou seja, aquilo que atende a necessidade de um ser humano.
Para tanto, buscar-se-á definir e conceituar o contrato de crédito e financiamento bancário, salientando a sua submissão ao Código de Defesa do Consumidor (CDC); examinar, com base na Lei de Usura, Código de Defesa do Consumidor e Código Civil, bem como na atual jurisprudência, se vem sendo aplicado os limites legais estabelecidos para os juros, nos contratos de mútuo bancário; abordar a abusividade dos juros estabelecidos ao consumidor, notadamente, a posição privilegiada das Instituições financeiras, o que leva o consumidor a inadimplência e a sua consequente inscrição em cadastros negativos de crédito; tratar da aplicação da Teoria da Base Objetiva do negócio jurídico, bem como da incidência da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da responsabilidade das instituições financeiras pela concessão irresponsável desses créditos e propor soluções para a obtenção do equilíbrio entre os interesses dos contratantes no que concerne ao estabelecimento das taxas de juros.
Adotando um ponto de vista mais crítico e menos descritivo, no quinto capítulo far-se-á uma análise da atual jurisprudência sobre a cobrança excessiva de juros, bem como que solução tem dado os nossos tribunais para solucionar tal problema. Finalmente, se proporá sugestão de solução para o problema aqui abordado, com o fim de restabelecer o equilíbrio contratual, pautando o comportamento das partes da relação jurídica bancária na boa-fé objetiva, confiança e lealdade, tendo em vista que todo contrato deve visar atender a sua função social.
1 O CONTRATO DE CRÉDITO E O CONTRATO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
Os contratos bancários são divididos em variadas espécies, tais como, o depósito bancário, a abertura de crédito, a carta de crédito, a conta corrente, o desconto, a abertura de crédito, dentre outros, sendo objeto principal desta apreciação, os contratos de financiamento e os de empréstimo, por serem operações mais difundidas e antigas, notadamente, com a massificação do mercado de consumo. Aliás, é dessa massividade, desse crescimento na população usuária dos serviços bancários, que o banco aufere seus lucros. O crédito é conceito que reúne dois fatores: o tempo e a confiança. Toda relação creditícia estará baseada na confiança do banco, no consumidor, em honrar os devidos pagamentos, ao longo do tempo. Crédito, então, será definido como “toda operação monetária, pela qual se realiza uma prestação com o compromisso de pagamento futuro”.
O contrato de empréstimo, também chamado de mútuo financeiro, é uma modalidade de financiamento bancário e consiste em transferir a outrem coisas fungíveis, tendo como efeito jurídico a aquisição da propriedade, da coisa emprestada. Segundo o atual Código Civil, trazido pela Lei 10.406[1], de 10 de janeiro de 2002, o contrato de empréstimo é divido em comodato e mútuo. O comodato, na dicção do art. 579, “é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis”, perfazendo-se com a tradição do objeto. Já o mútuo, segundo o art. 586, “é o empréstimo de coisas fungíveis”, sendo o mutuário obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade, transferindo ao mesmo, o domínio da coisa emprestada, por conta de quem correm todos os riscos, desde a tradição. Aliás, é esse o entendimento de Márcio Mello Casado[2], que afirma que, o contrato de empréstimo, “pode também receber o nome, no jargão bancário, de contrato de financiamento, se tiver por objeto a aquisição de algum bem”, não sendo, nada mais, ainda segundo o citado autor, que o contrato de mútuo previsto no Código Civil, com a característica peculiar de o credor ser uma instituição financeira. Nessa linha de pensamento, cabe fazer um breve comento. Não há que se confundir contrato de financiamento bancário com empréstimo (mútuo), pois enquanto este visa a atender interesses gerais, onde o consumidor toma a coisa fungível do banco, para dar a destinação que desejar, naquele, necessariamente, estará o objeto do contrato, atrelado a aquisição de determinada coisa, objeto.
1.1 APLICAÇÃO DO CDC ÀS OPERAÇÕES BANCÁRIAS
Para que se aplique as regras estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, é preciso que, antes, esteja configurada a relação de consumo. Muito embora já haja o enunciado da Súmula 297, do Superior Tribunal de Justiça[3], não foi colocado um ponto final na discussão. Há ainda, a dicção do art. 3°, § 2º, do Código de Defesa do consumidor[4], no sentido de que “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. O diploma consumerista não deixou dúvida alguma, se observada atentamente a sua redação, quando destaca inclusive as atividades bancárias. Se ainda assim, reste alguma sombra de dúvida ou inconformidade, a própria Lei tratou de inserir a citada ressalva em seu capítulo I, onde define os sujeitos da relação de consumo.
Ocorre que os bancos não oferecem apenas serviços, fornecem também produtos, que se trata do mais corriqueiro objeto da relação jurídica estabelecida com o consumidor. Tal objeto refere-se ao crédito e aqui reside a fonte de debates acalorados na doutrina, sobre a aplicabilidade do CDC às operações bancárias. Parte da doutrina, que não se dá por vencida pelo mandamento advindo do STJ ou pela forma expressa da Lei, sustenta que o consumidor, tomador de crédito, muitas vezes através dos contratos de empréstimo ou mútuo bancário, não o utiliza como destinatário final, ficando descaracterizada, então, a relação de consumo, por força do art. 2°, do CDC. Não merece prevalecer tal posicionamento, inclusive, como ensina Márcio Mello Casado[5], para quem “o crédito é um bem juridicamente consumível. Desta forma, a caracterização do banqueiro, como fornecedor de produtos e dos mutuários como consumidores fica facilitada”. Como dissemos linhas acima, um dos produtos do banco é o Crédito, sendo os juros, o preço cobrado por ele. O contrato creditício, é um negócio firmado a partir da confiança, de que o mutuário, após o prazo convencionado, devolverá ao banco, aquilo que dele pegou emprestado. Dessa forma, se o crédito for utilizado para pagar contas ou comprar outros objetos, o mutuante será sim o destinatário final, pois estará suprindo uma utilidade pessoal. Márcio Mello Casado[6], exemplifica o que pode ser utilidade pessoal do crédito bancário, como o pagamento de contas de uma pessoa física ou a compra de um maquinário para uma empresa.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 2.591) foi intentada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro no sentido de que o Supremo Tribunal Federal, em sua apreciação, fizesse crer que é inconstitucional o dispositivo do art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, transcrito acima. Deve-se ressaltar que, mesmo com o ajuizamento de tal ação, o consumidor não restou prejudicado, quando da apreciação de seus direitos, tendo o Superior Tribunal de Justiça já pacificada a matéria, conforme enunciado da Súmula 297, aplicando o CDC aos serviços bancários e securitários. A suprema Corte decidiu pela improcedência da ação, por maioria, ficando entendido que a decisão do Supremo equivale a declaração de constitucionalidade e tem força vinculante, devendo os órgãos do Poder Executivo e os demais órgãos do Poder Judiciário, aplicarem a Lei.
1.2 CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE CONSUMO: O CONCEITO DE CONSUMIDOR E DE FORNECEDOR
Duas teorias norteiam o conceito de consumidor: a teoria finalista ou subjetiva e a teoria maximalista ou objetiva[7]. A teoria finalista, defende que o consumidor, quando adquire um produto ou serviço, o torna para proveito próprio, ou seja, não o reinsere no mercado, encontrando no comprador, o seu próprio fim, ou seja, o consumidor, seria o destinatário final de sua aquisição. É o entendimento estampado, na redação do art. 2°, caput, do Código de Defesa do Consumidor, literis: “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Observe-se que se infere de forma direta do texto legal, que não compõe o conceito de consumidor, a aquisição e a colocação no mercado para revenda, é preciso usar como destinatário final, ainda que não seja em proveito próprio.
A proteção ao consumidor tem matriz constitucional, e é endereçada, como diz Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, “àquele que utiliza o produto ou serviço para seu uso exclusivo ou familiar, sem finalidade de utilizá-lo no bojo de uma atividade econômica com fins lucrativos”[8]. Nesse contexto, continua o autor, “não faria sentido uma proteção especial àqueles que utilizam o produto ou serviço como insumos ou etapas de sua atividade produtiva”[9]. Aliás, se assim fosse, se trataria, em análise apriorística, de atividade empresarial, bem regida pelo Código Civil. O tipo de consumidor estabelecido no art. 2º, é o chamado “consumidor padrão” ou “consumidor standard”.
O sujeito ativo da relação de consumo também é visto sob o enfoque econômico, pois toda produção, fomentada pelos empresários, visa atender uma demanda. Deste modo, do ponto de vista econômico, o consumidor, dentro da economia de mercado, é o personagem a quem se destina toda a produção de bens, “ora determinando os rumos que devem seguir os fornecedores, ora tendo suas preferências sutilmente influenciadas pelos mesmos fornecedores; trata-se o consumidor, de qualquer sorte, do destinatário de toda produção econômica[10]”.
Em contrapartida à teria finalista, que foi a adotada pelo CDC, foi desenvolvida a teoria objetiva ou maximalista. Como o próprio título já induz, tal acepção olha para o objeto, visando uma ampliação do conceito de consumidor, abarcando mais situações que se configurariam como relação de consumo. Neste conceito, “consumidor seria o destinatário final fático do produto ou do serviço, ou seja, aquele que o retira do mercado e o consome, ainda que no bojo de uma atividade produtiva”[11]. Observe que há a retirada do produto da escala de produção, não sendo usado para comercialização e transformação, pois, nesse caso, se caracterizaria atividade empresária. Assim, conclui Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, para tal teoria, para ser consumidor, basta que o adquirente seja o destinatário fático do produto. Já para a teoria finalista, não haveria relação de consumo, uma vez que “os produtos em questão foram adquiridos em razão do desenvolvimento (ainda que de maneira indireta), de uma atividade empresarial e, assim, a empresa adquirente não será o destinatário econômico do bem” [12].
Ressalte-se que a corrente finalista, admite certa mitigação em sua concepção, estendendo o conceito de consumidor, como destinatário final também aos profissionais ou pequenas empresas, que adquirem produtos ou serviços para uso indireto ou com finalidade instrumental, desde que presente a situação de “vulnerabilidade”.
Por derradeiro, resta discorrer a respeito do conceito de consumidor equiparado, trazidos pelos artigos 17 e 29, ambos do CDC. O primeiro dispositivo citado, traz à baila o consumidor by standard. A seção II, do Código de Defesa do Consumidor, trata da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, mais conhecidos como os acidentes de consumo. As vítimas do fato, a se configurar através da ocorrência de um evento danoso, são os consumidores diretos ou indiretos. Os consumidores diretos, seriam aqueles que adquirem produtos ou contratam serviços, para si, estabelecendo com o fornecedor, uma relação direta. Em outras palavras, aquele consumidor que se dirige a uma agência bancária e usufrui diretamente dos produtos e serviços bancários. Já os consumidores indiretos, são aqueles que usam produtos ou serviços adquiridos por outrem, não tendo qualquer relação jurídica com o fornecedor, ou seja, o quando um consumidor que não é cliente bancário, dirige-se a um banco para solicitar meras informações, perpetradas pelo atendente. Deste modo, toda vez que um consumidor indireto, for vítima de um evento danoso, será protegido pelas normas estabelecidas na lei 8.078/90. Assim, conclui Celso Marcelo de Oliveira, “qualquer pessoa que, apesar de não ter adquirido o produto, vier a vitimar-se com seu uso, poderá exigir indenização pelos danos sofridos, como se fosse adquirente (consumidor direto), dele”.[13] A outra figura de consumidor equiparado, trazida pelo artigo 29 do CDC, refere-se à coletividade de consumidores, sejam eles determinados ou não, vale dizer, seja um grupo específico de pessoas, sejam aqueles que foram atraídos, que tiveram sua atenção chamada, deslocada, para as condições da oferta de um produto ou de um serviço, ou mesmo por sua publicidade ou propaganda. Entretanto, não há como tratar dos consumidores abarcados pelo dispositivo acima citado, sem abordar do tema da publicidade e propaganda, ao menos, em linhas gerais. Se qualquer consumidor, for atraído pela publicidade de determinada oferta, independente de haver relação jurídica, propriamente dita, com o fornecedor, poderá, por via judicial, o consumidor obrigá-lo a cumprir as condições constantes da publicidade da oferta. Asseverando de outra forma, entrando em contato com o fornecedor, constata serem inverídicas aquelas condições, pois sofrem substancial modificação, a fim de que, o ato de consumo se complete. Encontrando-se nessa situação, “o interessado pode, com estribo nas disposições do Código de Defesa do Consumidor, compelir o fornecedor a respeitar o que divulgou a cerca do produto ou serviço”[14]. Deve-se lembrar que, a coletividade de consumidores, identificáveis ou não e independentes de serem consumidores de crédito, devem participar, de alguma forma, da relação de consumo. Daí é forçoso concluir que não é preciso que o negócio esteja efetivamente fechado, por exemplo, uma compra já realizada, dispondo esses consumidores da Ação Coletiva, que pode ser proposta pelos legitimados, provendo o CDC, tratamento para direitos difusos; coletivos e individuais homogêneos, nos incisos do art. 81.
O outro polo, ou seja, a outra face da relação jurídica de consumo, é integrada pela figura do fornecedor. O polo passivo da relação jurídica consumerista é ocupado por aquele que disponibiliza seus produtos e oferece, comercializa, também, seus serviços. A constituição jurídica do fornecedor[15] extrapola as definições trazidas pelo art. 3º, §§ 1° e 2°.
Com efeito, fornecedor, “é a pessoa natural ou jurídica, que oferta um serviço no mercado”[16]. Essa definição está estampada na primeira parte do art. 3°, do CDC. Já na segunda parte, o dispositivo elenca as atividades mercantis, sendo o seu exercício, condição suficiente, para que se possa atribuir a um agente econômico a condição de fornecedor[17].
1.3 OS BANCOS COMO FORNECEDORES DE PRODUTOS E SERVIÇOS
Dentre os mais variados serviços prestados pelos bancos, a concessão de crédito, que é objeto do presente trabalho, é vista como prestação de serviço. Logo, havendo consumidor e, produtos e serviços, resta saber de que forma atua o fornecedor na relação consumerista bancária. O fornecedor bancário é aquele que coloca à disposição de seus clientes ou potenciais clientes, os serviços de natureza bancária, como os de crédito e securitária, salvo decorrentes das relações de caráter trabalhista. Aliás, essa é a redação da segunda parte do § 2º, art. 3° do Código de Defesa do Consumidor, que já foi objeto de longos debates, quando do julgamento da ADin n° 2.591, conforme afirmado nas linhas acima. No mais, como assevera Antônio Carlos Efing, “as instituições desenvolvem como atividades a comercialização de produtos e prestação de serviços (caput do art. 3° do CDC) em caráter habitual, mediante remuneração”[18]. A atividade econômica desenvolvida por um banco, uma instituição financeira, de crédito ou securitária no mercado de consumo certamente visa à obtenção de lucro, mediante remuneração direta ou indireta dos serviços ou produtos prestados”. Desta forma, continua o autor, se uma instituição financeira estiver contratando qualquer espécie de financiamento, “posiciona-se na condição de fornecedora, sendo remunerada com o lucro obtido entre a taxa de captação de dinheiro e a taxa cobrada do consumidor/financiado – spread”.[19]
Portanto, é a Lei 8.078/90, completamente aplicável aos bancos, se caracterizando tais instituições como fornecedoras de produtos e serviços.
1.3.1 O crédito como produto bancário
O crédito é o produto bancário por excelência e sua utilização, por um consumidor, chamado de creditado, se dá, dentre outras formas, através do contrato de abertura de crédito. Este se aperfeiçoa com o mero consenso entre as partes, assumindo o banco o compromisso de prestar o crédito ao creditado em troca da contraprestação ajustada[20]. Nota-se que se trata de um contrato bilateral, com obrigações sinalagmáticas, ou seja, obrigações recíprocas, no sentido de que, enquanto o banco creditante ou creditador, se compromete a colocar a disposição do cliente certa quantia em dinheiro ou em documentos (como cheque, p. ex.). O creditado se compromete, na hora da assinatura do contrato, remunerar o banco, seja através da prestação do numerário total utilizado, seja por estar a sua disposição, a todo tempo, o crédito em sua conta. Aliás, Arnoldo Wald e Ivo Waisberg, exemplificam, asseverando que “o negociante pode fazer uma compra para pagamento futuro, “entregando ao vendedor um documento, declarando que pagará o preço acertado em moeda na data combinada”. “O vendedor pode utilizar-se deste documento para efetuar outra compra e o devedor pagará, então a terceiro (…)”. [21]
A relação creditícia, segundo Antônio Carlos Efing, se divide em duas fases. Na primeira, o banco creditante comporta-se como devedor do cliente creditado, visto que se compromete a acatar as ordens do cliente creditado nos termos do contrato. Nessa mesma fase, a contraprestação que cabe ao cliente creditado é a de pagar ao banco creditante a comissão acertada, independente do uso ou do desuso do crédito disponibilizado. Na fase subsequente, continua o autor, “havendo utilização de crédito pelo cliente, o banco creditante passa de devedor para credor, ingressando no direito de exigir do cliente creditado o pagamento dos juros convencionados e a devolução dos valores utilizados (…)”[22].
Ressalte-se que não há que se confundir contrato de crédito com contrato de mútuo feneratício ou mútuo bancário. No primeiro, os valores ficam à disposição do cliente, sendo dele cobrados juros, que é a forma de remunerar o banco por prestar esse serviço, apenas se o creditado utilizar-se dele. Hipótese há em que o cliente paga taxas, por ter tal serviço à sua disposição, como visto linhas atrás. Já no mútuo ou empréstimo bancário, o consumidor se dirige à instituição financeira com o intuito de obter o numerário, para dar a ele a devida destinação fática. Neste caso, como é da essência do contrato de mútuo a fungibilidade, o mutuário está obrigado a devolver, no prazo acordado, objeto de mesma quantidade e de mesma natureza. Trata-se do chamado mútuo feneratício, que é uma das formas mais tradicionais e corriqueira, de transferência de crédito. O interessado, obtém da instituição financeira empréstimo de quantia em dinheiro que é depositada em sua conta corrente e, “ao final do prazo estipulado, devolverá à instituição a quantia emprestada, mais valores referentes a juros e comissões pelo serviço prestado”.[23]
Por fim, insta lembrar que os serviços também se caracterizam como produtos oferecidos pelas instituições financeiras. Esses serviços consistem em abertura de contas, títulos de capitalização, cestas de pacotes especiais de serviços, monitoramento eletrônico ou à distância, das contas e investimentos, extratos, pagamento de contas, recolhimento de tributos, dentre muitos outros[24]. Não se manifesta importante fazer distinção entre operações financeiras, operações bancárias ou serviços bancários. Como dito linhas acima, após o julgamento da ADin 2.591, perdeu a importância tal discussão, vez que, seja qual for a espécie de operação, a ela aplicar-se-á o Código de de Defesa do Consumidor[25]. A própria legislação, cuidou de definir o que vem a ser serviços, no § 2°, do art. 3º, dispondo que “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”, ressalvando as decorrentes da relação trabalhista.
2 JUROS: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
A palavra “juros”, “aplicada no plural, exprime os interesses, ganhos ou lucros que o detentor do capital aufere pela inversão, ou seja, pelo uso por alguém que não possui capital”[26].
Nessa esteira, juros seriam “o preço pago pelo uso de capita alheio, ou seja, um valor pago pelo tomador de um empréstimo àquele que lhe disponibilizou capital, durante determinado lapso de tempo”[27]. Aplicando-se o conceito a uma relação consumerista bancária, num contrato de empréstimo ou de mútuo feneratício, o cliente remunerará a instituição financeira, através do recolhimento dos juros, baseado em uma determinada taxa. Fica claro, assim, que juros e taxas de juros são conceitos distintos. “Taxa de juros é a porcentagem (%) que incidirá sobre o valor do capital em função de determinado lapso temporal, sendo que juros é o valor resultante desse cálculo, que irá somar-se ao capital devido”[28]. O quanto afirmado pelo citado autor corrobora com o dito nas linhas acima, com a ideia de que os juros são acessórios que se soma a um valor principal, dando origem a um montante.
2.1 JUROS ABUSIVOS NOS CONTRATOS BANCÁRIOS
Analisar os juros abusivos, incidentes nos contratos bancários, remete, primeiramente, a indagar se existe uma limitação para a cobrança pode juros por parte das instituições financeiras. O mercado é dinâmico, desenvolvendo o crédito um papel muito importante. Deste modo, se houver taxas de juros mais acessíveis, serão mais atraentes e estimularão a tomada de empréstimos, injetando capital no mercado e aquecendo a economia, desenvolvendo seus setores e criando novas oportunidades de emprego, diminuindo, por consequência, a inadimplência[29].
O Brasil já tentou fixar um limite à taxa de juros, como o fez no art. 1º, do Decreto 22.626/1933[30] (Lei de Usura). Todavia, com o advento da Lei de Reforma Bancária, afastou-se a incidência desse limite às instituições financeiras, expressamente, em seu artigo 4°, IX, passando ao Conselho Monetário Nacional (CMN), a competência para limitar, sempre que necessário, as taxas de juros nesse setor. Essa limitação nunca veio a ser estabelecida, através de nenhuma norma.
O próprio constituinte, reconhecendo a existência de excesso na fixação de juros, entendeu por bem, reiterar especificamente em relação às instituições financeiras, a limitação de 12% ao ano, do Decreto 22.626/33, no parágrafo 3°, do antigo artigo 192 da Carta Magna. No entanto, a previsão constitucional restou extirpada do nosso ordenamento jurídico, por meio da Emenda Constitucional n° 40/2003, reforçada pela Súmula 648 do STF[31].
No Brasil, adotou-se a política de que os juros são livremente pactuados. Na medida em que nenhum limite é estabelecido na lei ou pelas agências públicas, incumbidas de regular e fiscalizar o mercado, é possível que existam abusos[32]. Ora, frente à fracassada tentativa de se positivar, de forma objetiva, a limitação dos juros na constituição e, já que a tão sonhada determinação legal nunca veio, fica a cargo da livre convenção das partes, onde se pergunta: ante essa autonomia, perpetrada pela vontade dos contratantes, como se verificar a abusividade dos juros estabelecidos? A resposta seria clara e fácil: quando ultrapassar determinado patamar estabelecido por lei, podendo o judiciário, nesse caso, intervir e declarar de ofício que tal cláusula contratual seria abusiva. E onde se encontra esse limite? Concordando com o pensamento de Márcio Mello Casado[33], segundo o qual, “os juros são limitados no patamar dos artigos 406 e 591 do Código Civil, sendo então, pela própria natureza, matéria de Direito Privado”. No entanto, “a tentativa de regulamentação das taxas de juros, diretamente no texto constitucional, além de traduzir uma ingenuidade legislativa, foi feita de forma ambígua”, conclui Fabiano Jantália[34].
Não se pode adotar um entendimento em desfavor da sociedade, no sentido de que, o que não se encontra proibido por lei, se está permitido, a despeito do teor do art. 4°, caput, e inciso IX, da Lei 4.595/64, literis: “compete ao Conselho Monetário Nacional, seguindo Diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República: (…) limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operação e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover (…)”[35]
Outrossim, a percepção de juros em altos níveis e lucros exorbitantes por parte das instituições financeiras ou outros entes integrantes do Sistema Financeiro Nacional, pode vim a se constituir como crime contra a economia popular, se ficar caracterizado in casu a usura pecuniária ou a usura real, espécies presentes no art. 4°, alíneas a e b, da Lei 1.521/1951 (Lei dos Crimes contra a Economia Popular).
Esses conceitos são tratados por Luiz Antônio Scavonne Júnior[36], quando assevera que “a usura pecuniária é ligada aos juros, na exata medida em que representa sua cobrança exorbitante, acima dos limites impostos pela lei (…), além do exagero em atividades exclusivas das instituições financeiras (…)”, ou seja, aquelas reguladas pela lei 4.595/64. Já a usura real (lesão), continua o autor, é instituto que não contou expressamente do Código Civil de 1916 como fator de rescisão dos contratos, “mas se infere da prática de lucros exorbitantes, cobrados do contratante que ocupa o polo passivo da relação jurídica obrigacional (…)”. Assim, dessa cobrança por juros exorbitantes, visando lucros excessivos, pode-se gerar uma lesão aos consumidores, como, por exemplo, ter ele o seu nome inscrito em cadastros negativos de crédito, bem como pode gerar seu superendividamento, por não suportar os encargos demasiadamente onerosos e excessivos, trazidos pelas taxas abusivas de juros e pela concessão irresponsável de crédito e empréstimos, por parte das instituições financeiras, conforme se verá no item seguinte.
2.2 CADASTRO NEGATIVO E O SUPERENDIVIDAMENTO DOS CONSUMIDORES
O sistema SERASA é uma espécie de cadastro, pertencente ao gênero dos Arquivos de Consumo, elencados no art. 43 do Código de Defesa do Consumidor. Os arquivos de consumo são também denominados de Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores. Na linha de pensamento de Márcio Mello Casado[37], “o poder que detém os cadastros de inadimplentes, merece ser severamente controlado e fiscalizado, pois é local fértil para abusos (…)”. Como no caso do SERASA, as informações e a composição do cadastro, são gerenciadas pelos próprios bancos, o que denota uma vantagem acentuada em relação ao consumidor. Isso porque exerce forte influência sobre a vida pessoal do consumidor (seja ele pessoa física ou jurídica) e psicológica, no momento em que as informações ali constantes podem decidir se o consumidor obterá ou não o crédito.
Os bancos de dados são criados, esclarece Antônio Carlos Efing[38], na sua maioria, “para fins de crédito ou sua concessão, havendo outros destinados ao armazenamento de informações relativas à saúde do cadastro e quanto à imposição de restrições públicas”. Todavia, observa-se que o objetivo dos bancos de dados, muitas vezes, não tem sido buscado, tendo os fornecedores de crédito usado tais cadastros como listas negras. E o que se observa, na maioria das ocasiões, é a inclusão dos consumidores nos cadastros negativos, que se dá pela concessão irresponsável de crédito por parte das instituições financeiras, ou seja, as informações ali constantes deveriam servir de base para a concessão ou não do crédito ao consumidor.
O CADIN é o Cadastro Informativo de créditos não quitados no setor público federal. Daí porque essas informações devem ser verídicas e estar, a todo tempo, à disposição do consumidor, sob pena de uso do remédio constitucional do habeas data. Da análise e da comparação dos dados contidos nos Sistemas de Informações, durante os procedimentos bancários, é que deveria os bancos outorgar ou não o crédito aos consumidores. A contrario sensu, essas informações têm sido usadas, tão somente, para “repercutir na avaliação de risco da operação e via de consequência, nas garantias exigidas pelo financiador”[39]. Nenhuma dificuldade tem sido imposta aos consumidores para que eles obtenham crédito. Analisa-se apenas o grau de risco que o tomador de crédito representa. E porque os bancos não tem se preocupado com as restrições contidas nos cadastros (consumidores com nome negativado)? Porque, ao formalizar o contrato, os bancos, a depender do risco que o cliente representa, busca recuperar nas altas taxas de juros, o dinheiro que colocou à disposição do consumidor, num determinado intervalo de tempo. Esse risco é chamado de risco de crédito.
O risco de crédito consiste “no risco de não pagamento do empréstimo pelo tomador, sendo também denominado risco de inadimplência.”[40] Em suma, o consumidor paga não só pelo aluguel do valor emprestado (juros remuneratórios), como paga também aos investidores dos bancos, quando depositam neles seus valores em conta poupança, bem como pelo risco de inadimplência dele mesmo e dos outros consumidores.
O superendividamento dos consumidores apresenta-se como “desafio ao desenvolvimento sustentável da economia”, assevera Antônio Carlos Efing, visto que é o resultado de “uma economia instável e insuficiente, com carência de empregos e renda, agravado pela cobrança de altos juros e publicidade e concessão de crédito de forma facilitada”. O autor apresenta como causas do superendividamento: a concessão irresponsável de crédito (que será tratada no próximo tópico); a publicidade de crédito fácil; a falta de informação ao cidadão; a falta de formação do cidadão brasileiro, para compreender o impacto das taxas de juros em seu contrato; o comprometimento da renda como custo do crédito tomado; a falta de concorrência do setor bancário (dessa possível causa, ousamos discordar); e a falta de controle e intervenção estatal nos contratos privados[41].
Dentre as causas citadas pelo referido autor, merece comento a publicidade de crédito fácil, a falta de maturidade e de formação do cidadão brasileiro, para entender o impacto de uma determinada taxa de juros estabelecida em seu contrato e a falta de concorrência no setor bancário. A primeira já foi objeto de atenção nas linhas acima, quando se trata dos Bancos de dados e Arquivos de Consumo, oportunidade na qual afirmou-se que aos cadastros, atualmente, não interessa as informações ali contidas, concedendo crédito de forma irresponsável e inadequada a qualquer pessoa, ainda que se trate de um inadimplente reincidente. A segunda causa, elencada como sendo um dos fatores que têm levado a população ao superendividamento, é a falta de compreensão do impacto que a cobrança de juros abusivos pode causar no orçamento e na vida do consumidor, como sinalizou Márcio Mello Casado[42], “há interesse público envolvido nas operações de concessão de crédito”. Daí tal afirmativa guarda relação com a seguinte conclusão: uma população superendividada prejudicará a economia do país, que tem nos consumidores o seu ator principal. Já a terceira causa que merece também atenção, é a falta de concorrência entre os bancos. Essa causa vê-se com certa reserva. Se a concorrência for vista do ponto de vista da existência das instituições bancárias, tal causa não se verifica. Observa-se que há muitos bancos, porém cobram, o quanto querem e à seu bel prazer, configurando, muitas vezes, cartel. Todos os bancos cobram altas taxas pelos seus serviços e juros abusivos, para quem deseja usufruir de seu crédito. É verdade, observa Luiz Antônio Scavonne Júnior[43] , que “há liberdade para que o fornecedor venda a prazo, se quiser, exigindo o justo acréscimo”. Entretanto, elevar o valor cobrado pelo bem ou pelo serviço, “mediante imposição de comissão ou taxas de juros ilegais, constitui ato ilícito, inclusive crime, previsto no art. 4º, da Lei 8.137/90 (Lei de Crimes contra a Economia Popular)”[44].
2.3 A CONCESSÃO INADEQUADA DE CRÉDITO
Quando um consumidor pessoa física ou jurídica se dirige a uma agência bancária para obter um crédito, quais os deveres e responsabilidades da instituição financeira frente ao cliente? Pode essa instituição ser responsabilizada civilmente pela concessão inadequada ou irresponsável de crédito aos consumidores? Atento aos questionamentos feitos, analisemos o conceito de responsabilidade civil, seus elementos caracterizadores, bem como seus elementos, para uma possível responsabilização das chamadas IF’s, pelos prejuízos ou danos causados aos consumidores, pelo crédito ou empréstimo a ele outorgado de forma irresponsável.
Responsabilidade civil é a “obrigação que pode incumbir uma pessoa de reparar o prejuízo causado a outra”[45]. Coaduna-se com o conceito de imputabilidade. Responsabilizar é imputar a alguém, é atribuir a prática ou omissão de algum ato ilícito que trouxe certas consequências à esfera jurídica de outrem. Na dicção do Professor Pablo Stolze Gagliano[46], a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de “alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar).” Infere-se, desse modo, que tal responsabilidade decorre do cometimento de ato ilícito, ato este que pode ser praticado por omissão, quando a ação do agente será negativa, ou ainda, por ação, quando a conduta do agente será positiva, empregando algum tipo de comportamento. É nesse diapasão o dispositivo trazido pelo artigo 186, do nosso Novo Código Civil.
A responsabilidade civil pode ser classificada em objetiva e subjetiva. A responsabilidade civil subjetiva, “é a decorrente de um dano causado em função de ato doloso ou culposo”[47], sendo essa culpa de natureza civil, se caracterizando quando o agente causador do dano atuar com negligência ou imperícia. Em outras palavras, quando houver uma atuação mediante voluntariedade, vontade ou atitude volitiva por parte do agente, bem como, quando o comportamento não for dotado de vontade e intenção, como requer o dolo, mas quando a ação ou omissão for composta pela culpa, desdobrada na imperícia (o excesso de ação) ou negligência (a falta de ação).
Por outro lado, a responsabilidade civil objetiva, se caracterizará quando não interessar a constatação de dolo ou culpa do agente causador do dano, desde que haja nexo de causalidade entre o dano ou prejuízo e a conduta do agente. Nesse caso, não há que se apurar a presença de qualquer elemento subjetivo (dolo ou culpa), sendo essa espécie, muito mais fácil de ser verificada na prática. A responsabilidade objetiva está insculpida no art. 927 do Código Civil, de onde se infere que, independentemente, de dolo ou culpa, haverá obrigação de reparar, se a atividade desenvolvida pelo agente implicar riscos para os direitos de outrem.
2.3.1A responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras
A atividade bancária, por sua própria natureza, é uma atividade de risco e, como tal, pode implicar riscos para os direitos de outrem. Sendo assim, a responsabilidade civil das instituições que exercem tal atividade é objetiva, independe de aferição de dolo ou culpa do agente causador do dano e nexo de causalidade. É nesse sentido o pensamento de Márcio Mello Casado[48], para quem “o art. 927 do Código Civil de 2002, estabeleceu a responsabilidade objetiva para as atividades de risco, tala qual sustentamos ser a concessão de crédito.” O mesmo autor traz à baila o art. 6°, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que as atividades bancárias sofrem influência dessa lei. Assim sendo, é direito básico do consumidor, o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.
Daí porque, se a concessão indevida de crédito levar o consumidor a dano ou prejuízo, será imputada responsabilidade objetiva do banco, reparar os danos patrimoniais e morais, ressalte-se, que eventualmente tenha sofrido. Isso porque, exerce atividade de risco e por si só, implica em perigo de lesão para os direitos do consumidor de crédito. Essa responsabilidade objetiva encontra proteção, além dos dispositivos do Código Civil citados, nos artigos 12 e 14 da Lei 8.078/90. Deste modo, é forçoso reconhecer que o Brasil, como os países ingleses e o sistema norte americano, buscou a proteção extrema ao consumidor, ao não exigir a configuração da culpa da instituição financeira ou restaria letra morta a disposição da lei, vez que, vulnerável como é, seria impossível ao consumidor provar em juízo a culpa do banco, pela concessão do crédito de forma inadequada[49]. Na esteira da diretiva da Comunidade Europeia 85/374/CEE, é que se conclui que “a responsabilidade sem averiguação de culpa do produtor surgiu como melhor meio de solucionar o problema, peculiar ao mesmo tempo de tecnicidade crescente, de uma justa repartição de riscos, inerentes à produção tecnológica moderna”[50].
As instituições financeiras devem, também, informar o consumidor a respeito dos riscos e das condições, quando do fechamento do negócio creditício. Crédito concedido de forma responsável e adequada é aquele precedido ao direito básico de informação dos consumidores, manifestando-se como os deveres conexos do princípio da boa-fé objetiva, por parte dos bancos. A respeito do tema, Márcio Mello Casado[51], conclui que sobre os deveres de transparência, aconselhamento e lealdade dos fornecedores para com os consumidores “aplicam-se ao relacionamento entre bancos e clientes”. Logo, o crédito deve ser apresentado ao consumidor de forma acessível (art. 12, § 1º, I, do CDC), em contratos cuja linguagem e efeitos da contratação sejam compreendidos não só por especialistas”. O consumidor, ainda, deve ser advertido dos riscos que envolvem o uso do crédito adquirido, visando à preservação de seu equilíbrio financeiro, a depender da forma que for consumir o seu produto.
3 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS APLICÁVEIS AOS CONTRATOS BANCÁRIOS
O direito bancário sofre influência de vários ramos, como o direito civil, direito empresarial, direito do consumidor e direito constitucional, devido as ideias que se confluenciam, muitas vezes até chegando a causar choque entre as normas que devem ser aplicadas à relação jurídica por ele estabelecida. A relação jurídica contratual bancária, como se discutiu nas linhas acima, configura-se relação de consumo, na qual incidem os mesmos princípios atinentes aos contratos em gerais.
Entretanto, é bom ressaltar que o fato de se aplicar a mesma gama de princípios, não torna as disciplinas idênticas, sendo o direito bancário, possuidor de caracteres peculiares, merecedor de um olhar mais atento, por apresentar uma feição especial. Por exemplo, em sua maioria, os contratos bancários são atípicos ou inominados, não possuem formas preestabelecidas em lei, onde, nesse contexto, se exigirá uma maior expressão da autonomia da vontade, como se verá adiante. Até porque, como alerta Bruno Miragem, asseverando que as noções de utilidade e interesse das partes no contrato vinculam-se a um campo mais largo de desenvolvimento de sua autonomia, “tanto por intermédio de construção de novas operações contratuais (marcando-lhes do traço da atipicidade contratual), quanto justificando a regulação de seus instrumentos por intermédio de legislação infralegal (…)”[52]. Corrobora com tal entendimento, o uso recorrente, por parte das instituições financeiras, dos meios de informática e tecnologia, inerentes à sua atividade, requerendo, portanto, uma maior segurança para as partes componentes da de relação contratual bancária.
Desse modo, o caráter especial dos contratos bancários é notório e de fácil constatação, por envolver guarda de valores, oferecimento de crédito e prestação de serviços de grande importância, que podem determinar o sucesso da economia de toda uma nação. Por essa razão, revela-se de extrema importância a incidência de normas jurídicas sobre a atividade bancária, notadamente, princípios basilares, norteadores e diretivos, para que se garanta a liquidez, não só entre cliente e instituição financeira, mas de todo um Sistema Financeiro. Assim, passa-se a analisar, em apertada síntese, os princípios contratuais aplicáveis à relação jurídica bancária, que, não raro, tem sido invocado pela jurisprudência, para resolução dos casos concretos para si levados.
São seis, segundo o Bruno Miragem[53], os princípios aplicáveis aos contratos bancários: a) Autonomia da vontade; b) a boa-fé; c) função social; d) do equilíbrio; e) liberdade de forma; f) conservação do contrato; e g) vulnerabilidade do consumidor.
a) O princípio da autonomia da vontade é nucelar dos contratos bancários. Fundamento do direito dos contratos, uma vez que reconhece à declaração da vontade eficácia constitutiva de relação jurídica, assim como define seu conteúdo, em matéria de contratos bancários tem ainda mais relevo, uma vez que a disciplina jurídica é flexível. E pelo fato de se tratar ou de contratos atípicos, por não possuírem disciplina legal específica, ou por partirem de contratos típicos, porém, lhe conferindo outros elementos não previstos expressamente em lei (casos do mútuo e do depósito bancário, especialmente),[54] a autonomia da vontade figura como pilar de uma negociação bancária. Desse modo, em casos particulares, é com base em tal princípio que, por exemplo, em alguns contratos bancários realizados com a pessoa jurídica, ou até mesmo com a pessoa física micro empresário, é possível ao gestor bancário criarem novos modelos de contratuais, notadamente pela ausência de um formalismo exagerado, como acontecia na época tradicionalista, sob a égide do antigo Código Civil.
Entretanto, é mister lembrar que o princípio em comento não se apresenta em sua forma plena aos consumidores que comumente contratam com uma instituição financeira. Quando um cliente se dirige a um Banco, no mais das vezes, não discute o conteúdo e as cláusulas do contrato, encontrando um instrumento contratual pronto, para aderir ou não. Trata-se do Contrato de (por) Adesão, que atende a sociedade de massas, como o é a nossa atualmente. Orlando Gomes[55]ensina que “o contrato de adesão caracteriza-se por permitir que seu conteúdo seja pré construído por uma das partes, eliminada a livre discussão que precede, normalmente, à formação dos contratos.” Assim, o contrato de adesão é característica que limita o princípio da autonomia da vontade, todavia não elimina a vontade, pois essa se manifesta na escolha do cliente de aderir ou não. É assim que, quando um consumidor, por necessidade, quer contratar serviço de crédito, por exemplo, ele não discute as condições e cláusulas com a instituição financeira, aceitando em bloco, o contrato que, normalmente, já está pré disposto, restando apenas, ao cliente, o assinar.
b) O princípio da boa-fé é também basilar na relação jurídica bancária, uma vez que, na sua modalidade objetiva, devem as partes agir com lealdade, sem o intuito de enganar um ao outro, prestando para tanto, as informações adequadas. Isso porque, a atividade bancária move-se sob o fundamento da confiança nas próprias instituições financeiras e em seus clientes: “a partir de certos atos típicos de obtém recursos financeiros ou se entregam custódia de valores, visando á realização de objetivos legítimos dos sujeitos envolvidos na relação jurídica[56].” Verifica-se, então, que a boa-fé nos contratos bancários, encontra-se fortemente relacionada com o direito básico de informação, presente no Código de Defesa do Consumidor, especialmente seu art. 6º, III. Um exemplo nos ajudará a imaginar tal correlação. Quando um cliente se dirige a um banco, a fim de obter um empréstimo bancário, através do contrato de mútuo, deve prestar informações à instituição financeira, como, por exemplo, a renda que aufere mensalmente, comprovada mediante apresentação de documentos. Já o banco, tem o dever de informar ao cliente todos os detalhes do contrato, inclusive as taxas de juros ao qual estará o consumidor submetido, bem como, analisar todas as suas informações, verificando sua veracidade, para que o numerário seja concedido de forma responsável, sob pena de responsabilização, na esfera civil, da instituição financeira. Logo, a lealdade, a honestidade e o comportamento probo devem vim de ambas as partes da relação jurídica bancária.
c) O princípio da função social do contrato, “é, antes de tudo, um princípio jurídico de conteúdo indeterminado, que se compreende na media em que reconhecemos o precípuo efeito de impor limites à liberdade de contratar, em prol do bem comum[57]”. Nesse diapasão, como reflexo da nova leitura que se faz das normas de direito privado, bem como das normas consumeristas, que é de interesse público, nos contratos bancários deve ser obervada a função social. Assim, não só a propriedade passa a atender a um bem comum, mas também o conteúdo contratual, bem como o objeto nele contido. Dessa forma, se um contrato bancário estabelece juros abusivos, a ponto de fazer com que uma pessoa se torne “escrava” de seu cumprimento, além de ferir princípios de toda uma sociedade, afetará também o princípio inspirador da nossa Constituição, qual seja, a dignidade da pessoa humana. Márcio Mello Casado[58] observa que “o contrato, sob o enfoque constitucional, deve servir ao destinatário das normas previstas no ordenamento jurídico pátrio”. Logo, conclui o autor, “o contrato servirá ao destinatário das normas constitucionais, sempre que atender e prezar pela dignidade dessas pessoas”.
d) O princípio do equilíbrio ou da equivalência material parte do pressuposto de que, nos contratos de trato sucessivo (e os negócios jurídicos bancários são, em sua grande maioria dessa forma, como os de financiamento), a situação não se altere, vale dizer, que as circunstâncias permaneçam as mesmas, da época da contratação. Assim, “como os contratos bancários são, em regra, comutativos e onerosos, submetem-se à proteção do equilíbrio econômico das prestações[59]”. Entretanto, o CDC admite a revisão dos contratos de consumo bancário, quando se verificar onerosidade excessiva ao consumidor (como é o caso de uma cobrança de juros manifestamente abusivos) e proíbe a inserção de cláusulas abusivas nesses contratos.
e) O princípio da liberdade de forma pode ser observado no art. 107 do Código Civil, literis: “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. Ocorre que, “a agilidade e a massificação das relações bancárias impõem certo grau de informalidade na execução dos contratos e nas ordens e comunicações entre cliente e banco. O contrato, todavia, faz-se normalmente por escrito, embora isso não seja requisito de forma, mas necessidade de cumprimento dos deveres de informação, e, especialmente, de prova do negócio e do seu conteúdo.[60]” A liberdade da forma, assim, um dos princípios que tem sua utilidade e aplicação reduzida na atividade bancária, uma vez que, apesar de não ser a regra, seguir uma forma, as instituições financeiras possuem verdadeiros modelos, prontos para serem preenchidos e impressos, muitas das vezes pelo próprio cliente, através de um simples acesso à rede mundial de computadores ( a internet).
f) O princípio da conservação dos contratos é mais verificado quando da apreciação judicial do negócio jurídico avençado entre as partes. O Código de Defesa do Consumidor elenca, em seu art. 51, um conjunto de cláusulas abusivas, que são nulas de pleno direito. Entretanto o mesmo artigo, em seu parágrafo segundo, dispõe que “a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.” Infere-se, do dispositivo descrito que, preferencialmente, ao analisar um contrato, através da revisão judicial manejada pelo consumidor, por ser um direito básico seu, o juiz deve procurar, ao máximo, conservar o contrato, afastando a cláusula que considerar abusiva, salvo se ela constituir a essência do contrato, e se, de sua manutenção sobrevier às partes, insuportável onerosidade.
g) O princípio da vulnerabilidade do consumidor norteia, não só os contratos bancários, como, também, é a base de todo sistema protetivo do Direito das Relações de Consumo. Cláudia Lima Marques[61] ensina que “vulnerabilidade é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direito, desequilibrando a relação de consumo. Vulnerabilidade é uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção.” A mesma autora, observa que existem três tipos de vulnerabilidade: a técnica, a fática, a jurídica e a informacional. As vulnerabilidades técnica e informacional são as mais verificadas na atividade bancária, quando da realização de um contrato. Daí porque, “no caso do contrato bancário, a vulnerabilidade do consumidor resulta, geralmente, da ausência de conhecimento técnico quanto a aspectos inerentes à contratação (vulnerabilidade técnica), embora, não raro, estejam presentes, concomitantemente, a ausência de conhecimento sobre os efeitos jurídicos do contrato e sua disciplina legal (vulnerabilidade jurídica) e circunstâncias que permitem identificar níveis distintos de dependência e/ou catividade do consumidor em relação ao banco (vulnerabilidade fática) [62]”.
Superada a gama de princípios gerais e específicos dos contratos bancários, irá se analisar as teorias acerca da possibilidade de revisão das avenças feitas com as instituições financeiras, uma vez que, é direito básico do consumidor, esculpido no seu Código de Defesa.
3.1TEORIAS REVISIONAIS NO CÓDIGO CIVIL E NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
São três as teorias revisionais, segundo o ensinamento de Antônio Carlos Efing[63]: a Teoria da Imprevisão, a Teoria da Onerosidade Excessiva e a Teoria da Quebra da Base Negocial. Analisemos a origem, os requisitos e aplicação de tais entendimentos teóricos em nosso ordenamento.
3.1.1Teoria da Imprevisão ou da Imprevisibilidade
Pela teoria da imprevisão no Direito brasileiro, admite-se a resolução do contrato em que, tendo em vista o advento de um acontecimento imprevisível, posterior à fase de formação da relação contratual, a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, em extrema vantagem para a outra[64]. Desta forma, ensina Antônio Carlos Efing, “havendo uma profunda alteração nas circunstâncias de fato que turbarem o equilíbrio entre as prestações, é necessário averiguar o pressuposto da imprevisibilidade, sendo tal alteração ou fato imprevisível” e, portanto, fora da esfera da autonomia privada, admitindo-se a resolução ou revisão ou contrato. Não é outro o pensamento do jurista Carlos Roberto Gonçalves[65], para quem, a teoria da imprevisão consiste, portanto, na “possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato quando, por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes tornar-se exageradamente onerosa.”
Entretanto, a teoria em comento possui alguns requisitos para que seja aplicada ao caso concreto, descritos no art. 478, literis: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato (…)”. Da dicção do dispositivo se extrai os seguintes requisitos: a) a existência de um contrato comutativo (não aleatório) e de execução continuada (de trato sucessivo) ou execução diferida; b) fato imprevisível e superveniente, advindo após a celebração do contrato; e c) alteração nas condições de execução do contrato, tornando-a excessivamente onerosa e trazendo extrema vantagem para a outra parte contratante[66]. Observe-se que a teoria da imprevisão é possuidora de vários requisitos, muitos deles de cunho interpretativo aberto, ficando a critério da doutrina e da jurisprudência contornar suas definições. Daí porque, torna-se uma teoria com requisitos cumulativos e de difícil aplicação e comprovação na vida prática, razão pela qual não foi adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, que tem finalidade protecionista. Nesse diapasão, Carlos Roberto Gonçalves[67] reconhece que “as cláusulas gerais servem de fundamento à revisão ou à resolução do contrato, mesmo indo além do critério da imprevisibilidade do fato.”
Um exame superficial ao dispositivo do código civil acima transcrito levaria a crer que é possível apenas a resolução do contrato, quando presentes os requisitos para aplicação da Teoria da Imprevisão. Sucede que, é possível a revisão contratual, em obediência ao princípio da conservação dos contratos, conforme se infere da leitura do art. 317 da lei civilista: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”. Assim, sentindo que “o desequilíbrio da economia do contrato afeta o próprio conteúdo da juridicidade ou ultrapassado o grau de razoabilidade” [68], ficará ao alvedrio da parte interessada recorrer ao judiciário, para que se promova a revisão judicial.
3.1.2Teoria da Onerosidade Excessiva
Oriunda na Itália, no Brasil foi difundida por Arnold Medeiros da Fonseca[69], surgindo com uma maior simplicidade e maior campo de abrangência do que a teoria da lei civil. Para esta teoria, basta haver, para ensejar a revisão, uma superveniente e excessiva onerosidade da prestação, independentemente, de qualquer arguição a respeito da imprevisibilidade do evento[70], não ficando a cargo do magistrado, realizar a difícil tarefa do juízo de imprevisibilidade.
A teoria da onerosidade excessiva encontra-se prevista no art. 6°, V, do Código de Defesa do Consumidor, o que representou uma astuta inovação, em relação a normas protetivas do mercado de consumo. Essa teoria enfatiza o critério da onerosidade, diminuindo a rigidez e a dificuldade da Teoria da Imprevisão, adotada pelo Novo Código Civil. Como aduz Antônio Carlos Efing, “de fato, o Código de Defesa do Consumidor prenunciou o advento de uma nova teoria geral dos contratos, coerente a Ordem Constitucional e fundada em pilares como a dignidade humana, a boa-fé objetiva, a funcionalização da relação contratual” e a busca por uma harmonização e um verdadeiro equilíbrio material e substancial.
Desse modo, infere-se que tutela protecionista do CDC, que prescreve a revisão contratual pela superveniente e excessiva onerosidade, sem importar-se com a imprevisibilidade, não é sem razão. Assim, uma vez que a Lei 8.078/90, no próprio art. 4°, “reconhece a vulnerabilidade do consumidor frente ao mercado de consumo, criando todo um mecanismo de política Nacional para sua perfeita proteção e execução prática das normas ali contidas”[71], impondo verdadeiros deveres ao Estado Legislador, Juiz e Administrador.
A busca do equilíbrio contratual se desdobra em dois momentos: a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais e a sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas[72]. Assim, por exemplo, se um cliente se dirige a uma agência bancária, para firmar um contrato de mútuo ou empréstimo, num valor vultoso, porque, no momento da celebração dispunha de meios financeiros para quitar as prestações e se por algum motivo esse cliente vier a perder tal condição financeira, ou se o banco por outro lado, onerar excessivamente o numerário emprestado, fixando altas taxas de juros, por esta teoria haverá uma excessiva onerosidade do cliente, enquanto banco continuará lucrando da mesma forma, como quando do momento da celebração do contrato, o que configurará prestação desproporcional e desequilíbrio da relação de consumo. Terá então esse consumidor, o direito de pleitear revisão judicial desse contrato de empréstimo.
A Teoria da Onerosidade Excessiva objetiva, que a relação contratual atinja e satisfaça plenamente os fins almejados – e isso de forma equilibrada, sem que o consumidor se veja excessivamente onerado em razão de fatos supervenientes à contratação[73].
3.1.3Teoria da Quebra da Base Negocial
A Teoria da Quebra da Base do Negócio Jurídico desenvolveu-se a partir da Teoria da Pressuposição, de Windscheid, e dos avanços e críticas às teorias da Quebra da Base Subjetiva e Quebra da Base Objetiva, de Karl Larenz[74]. A Teoria da Base Objetiva, segundo Larenz, apresenta-se em dois modelos: quando há a destruição da relação de equivalência entre as prestações e a frustração dos fins do contrato. Como exemplo, cita-se um contrato de alienação fiduciária em garantia, usado em financiamentos de veículos. Se um cliente se dirige a uma concessionária e opta por financiar o seu automóvel, supomos que o veículo custe R$ 17.000. Todavia, ao final do financiamento, o cliente acabe pagando o dobro do valor, pela taxa abusiva de juros a ele imposta. Neste exemplo, verifica-se então a frustração dos fins do contrato, vale dizer, a perda da base contratual, no momento em que, deixa o contrato de ser uma mera alienação, para se transformar em instrumento de enriquecimento por parte da instituição financiadora, ao submeter o cliente ao pagamento do valor do veículo em dobro.
Assim, ocorre a quebra da base objetiva com a frustração da finalidade do contrato nos casos em que, embora seja materialmente possível cumprir a prestação, houver “perda de sua utilidade diante de fatores externos que superam os riscos normais do contrato, não sendo necessário, contudo, que haja imprevisibilidade ou extrema excepcionalidade[75].” Essa teoria admite expressamente a possibilidade de revisão contratual se houver superveniente alteração das circunstâncias que serviram de base para a celebração do contrato.
4 REVISÃO JUDICIAL DOS CONTRATOS BANCÁRIOS
O Código de Defesa do Consumidor se mostra como um dos microssistemas legislativos mais protecionistas dos últimos anos. Tendo em vista que a relação de consumo se caracteriza por ter, de um lado, um fornecedor, conhecedor das técnicas e detentor dos meios e da tecnologia, e, do outro lado, o consumidor, pessoa jurídica ou física, no mais das vezes, completamente vulnerável, e, em alguns casos, hipossuficiente. A vulnerabilidade e a hipossuficiência, aliadas à necessidade, leva o sujeito a realizar negociações, adquirir produtos ou serviços, a fim de satisfazer suas precisões ou realizar um sonho, um desejo, fazendo para tanto planos, de curto, médio e, na maioria das vezes, longo prazo.
É, nesse contexto, que se usa da boa-fé do consumidor, para cometer contra ele todo tipo de práticas abusivas, a começar pela propaganda e, não raro, terminando no pós – venda. Usa-se de todas as formas de atração do consumidor, de forma ostensiva e extremamente atrativa, o que leva o consumidor a ver tais ostentações, não mais como meros desejos, mas como necessidades. Aliás, como nota Márcio Mello Casado[76], há efetiva liberdade de consentir nas sociedades de massas capitalistas? Os meios de comunicação de massa, como rádio e televisão, passaram a ter notável influência na manifestação da vontade, em outras palavras, passaram a criar necessidades, a forçar a contratação para forçar a aquisição de coisas de utilidade duvidosa.
Desse modo, o CDC, legislação extremamente inteligente, visualizando esse comportamento do consumidor, traz a possibilidade de revisão dos contratos, celebrados sob a égide da legislação consumerista. É bom ressaltar que se visualizou também o comportamento do fornecedor, que, no mais das vezes, esquece-se do princípio da boa-fé objetiva, deixando de lado a lealdade, o bom comportamento e do dever de informação ao consumidor, praticando atos que, futuramente, poderá se caracterizar lesão consumerista, o que, poderá levar a nulidade da cláusula estabelecida ou de todo o contrato. Sérgio Cavalieri Filho[77] sintetiza bem tal contexto, quando afirma que “só se mantém um contrato quando ele é útil – traz alguma vantagem – e é justo e equilibrado. Por mais útil ou necessário que seja um contrato, continua o citado autor, se ele não for justo e equilibrado” tanto na prestação como na contra prestação, ele acabará sendo rompido ou descumprido, como acontece no mais das vezes, por sua excessiva onerosidade. E, graças ao dirigismo contratual, que se configura como um controle mais intenso do Estado sobre as relações contratuais, é que, competirá ao julgador, se estiver certo de que a avença negocial não é mais campo da autonomia das vontades, de que não são mais fontes únicas das obrigações, nem se assegura a função social ou o equilíbrio contratual, assegurar a aplicação dos novos paradigmas contratuais e estabelecer uma relação jurídica justa.
Recorre-se, assim, ao diálogo das fontes, expressão criada por Erik Jayme e definida por Cláudia Lima Marques[78] como “um conceito de aplicação simultânea e coerente de muitas leis ou fontes de direito privado, sob à luz da Constituição Federal de 1988”, vale dizer, significa a atual aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas, leis especiais (como o CDC) e gerais (como o CC), com campos de aplicação convergentes, mas que não são iguais. Tal técnica ajudará a tratar da revisão judicial, sempre trazendo distinções da forma como é tratada na Lei Civil de 2002 e na Lei do Consumidor.
Os contratos, segundo co Código Civil, podem ser anulados se uma das partes invocar e provar a ocorrência de uma das hipóteses de vício de consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo ou lesão) ou por terceiro prejudicado (fraude contra credores e à execução)[79]. Poderá também o contrato ser rescindido na hipótese de onerosidade excessiva, segundo o que dispõe os artigos 478 a 480, do CC/2002. Assim, verifica-se que nenhum contrato no código civil pode ser revisto, modificado, podendo ser anulado ou rescindido, hipótese na qual é de difícil prova, uma vez que o fato tem que ser extraordinário superveniente e imprevisível. Já nos contratos de consumo, inclusive nos bancários, há a prevalência do negócio jurídico, mesmo após a revisão ou modificação da cláusula contratual. Isso graças ao princípio da conservação dos contratos e ao equilíbrio contratual. Bruno Miragem[80], por exemplo, reconhece que, no caso dos contratos bancários, especialmente na cobrança de juros, não há uma providência legislativa que fixe padrão máximo ou mínimo de cobrança, em caráter geral e abstrato. Contudo, aduz que seria incorreto, do mesmo modo, dizer que tais contratos são insuscetíveis de qualquer controle, pois, sendo contratos comutativos e sinalagmáticos, é intuitivo que a concessão de crédito por instituição financeira submete-se a controle do equilíbrio econômico das prestações. Assim, enquanto a Código Civil de 2002 apresenta maiores dificuldades, inclusive levando a rescisão com solução finalística, o CDC primeiro propõe a modificação e revisão, e se for caso de nulidade, que seja de uma só cláusula do contrato, salvo se dela depender todo contrato, vale dizer, se ela for a base, a essência do negócio.
Resta observar que a revisão ou modificação se trata de direito básico do consumidor, elencado no rol do art. 6°, do CDC. O inciso V do citado artigo dispõe que é direito básico do consumidor “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.” Assim, o contrato deve ser preservado e pela disposição do referido inciso, “comporta modificação sempre que a prestação carreada ao consumidor for desproporcional”, exigindo-se para a revisão fato superveniente que resulte dele a onerosidade[81]. É que, como observa Sérgio Cavalieri Filho[82], “no âmbito do regramento geral dos contratos, o sistema protetivo do consumidor está estruturado sobre os princípios da equidade, da boa-fé e da função social do contrato, dos quais decorrem a vedação da lesão e do enriquecimento indevido”, tendo como corolário o resgato da dignidade humana. Na relação contratual, continua o autor, assim, deve imperar a convivência entre os interesses, bem como o equilíbrio entre as prestações acertadas, para que, se possível, o Estado nem precise intervir. Tal conclusão é fácil de ser verificada, uma vez que, não se pode imaginar os consumidores realizando negócios, num mundo estático e sem qualquer variação. As relações contemporâneas são extremamente ágeis e o processo de contratação deve ser encarado como processo composto por um início, meio e fim.
Dois são os direitos trazidos pelo artigo 6°, V, do Código de Defesa do Consumidor: o de modificação e o de revisão das cláusulas contratuais. O direito de modificação tem lugar diante das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais. Na espécie, diante da vulnerabilidade do consumidor, indica-se que a vantagem desproporcional obtida pelo fornecedor geraria o direito do consumidor pleitear a intervenção judicial para o restabelecimento do equilíbrio contratual[83]. Por outro lado, o dispositivo estabeleceu o direito de revisão de cláusulas contratuais, que apresentem prestações que demonstre ser excessivamente onerosa, em razão de fato posterior à celebração do contrato. Como já nos debruçamos linhas acima, à espécie não se aplica a chamada teoria da imprevisão, pois a leitura o dispositivo é clara e não exige a imprevisibilidade, como requisito, aduzindo apenas a onerosidade excessiva e que tenha fundamento em fato posterior.
Assim, arremata Cláudia Lima Marques[84], “há tendência de contínuo crescimento em importância desse permissivo legal da revisão judicial dos contratos”, devendo ser ressaltados dois aspectos: o limite imposto pelo próprio CDC, ao elencar apenas cláusulas referentes à prestação do consumidor, no mais das vezes, prestações de cunho monetário, envolvendo preços e demais acréscimos; e o a liberdade do consumidor para requerer ou a modificação da cláusula e a modificação do vínculo, ou a rescisão do contrato, com fim do vínculo contratual, havendo decretação da nulidade, se for a cláusula abusiva ou a modificação se for onerosa. Ressalte-se, entretanto, que se trata de direito e não de obrigação do consumidor, não podendo o fornecedor de produtos ou serviços usar o CDC e sim o CC/2002, em caso de mudança unilateral abusiva por consórcio. É o que se infere da ementa do REsp 1269.632-MG, D.J. 18.10.2011, da relatoria da Min. Nancy Andrighi: “O art. 6°, V, do CDC disciplina não uma obrigação, mas um direito do consumidor à modificação de cláusulas consideradas excessivamente onerosas ou desproporcionais”. Assim, continua a relatora, “referida norma não pode ser invocada pela administradora de consórcios para justificar a imposição de modificação no contrato que gere maiores prejuízos ao consumidor.”
Caracterizada a revisão judicial como direito básico do consumidor fundamentado no dever do Estado de promover e defesa do consumidor, reflexo do dirigismo contratual e na ideia de que os contratos devem ser vistos na perspectiva trazida pela Constituição de 1988, passa-se a analisar as hipóteses ensejadoras de revisão ou de uma reinterpretação do contrato de consumo, notadamente os contratos bancários, que em sua expressiva maioria, se tratam de cotratos de adesão.
4.1 OS CONTRATOS BANCÁRIOS COMO CONTRATOS DE ADESÃO
A contratação de serviços bancários é, atualmente, realizada em alta escala. Daí observa Bruno Miragem[85], “exigir-se para administração de todas as relações estabelecidas pela instituição financeira, com outras instituições de mesma natureza e com a clientela, a padronização dos instrumentos contratuais.” Assim, não seria verificável, na prática, no mundo dos fatos, que se pudesse celebrar com cada cliente, discutindo com ele cada cláusula da avença, um contrato diferente com conteúdo diverso. Um banco recebe milhares de clientes por dia, no mais das vezes para abrirem contas, depositarem valores, solicitar empréstimos, créditos, financiamentos, cada consumidor com perfil financeiro diferente. Por certo, seria inviável e demorada a prestação do serviço, não se coadunando com a globalização, que exige rapidez na prestação do serviço e na troca de informações.
O contrato de adesão singulariza-se pelo seu afastamento, quanto aos caracteres essenciais, do sistema clássico de contratação, já que seu teor é predeterminado pelo fornecedor, restando ao consumidor a prerrogativa de aceitação das cláusulas[86], desde que tal prerrogativa não seja dividida, devendo aceitar em conjunto. Nesses contratos, de maneira diferente como ocorre com os demais contratos, as partes não discutem cada cláusula de forma individual. Elas são disponibilizadas pelo fornecedor ao apresentar uma espécie de formulário pronto e acabado ao consumidor. Pode ocorrer, algumas vezes, a introdução de cláusulas manuscritas nos formulários, todavia não terão o condão de tirar a característica de adesão, deste negócio.
O contrato de adesão é regulamentado pelo Código Civil/2002 e pelo CDC, representando uma limitação à autonomia na vontade de contratar[87]. Silvio de Salvo Venosa[88] reconhece que a “necessidade de criar situações negociais homogêneas e numerosas, predispõe, portanto, um esquema contratual, isto é, um complexo uniforme de cláusulas”, atingindo esse contrato standard, por mimetismo e pela lei do mínimo esforço, relações essencialmente paritárias, como é o caso de contratos de locações de imóveis, de seguro, de abertura de contas, títulos de capitalização bancária e etc.
Além das regras de hermenêutica dos contratos existentes, o próprio CDC cuidou de apresentar duas importantes regras de apresentação. Assim dispõe o § 3º, do art. 54, verbis: “Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e lesivos, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar a sua compreensão pelo consumidor.” Portanto, infere Cláudia Lima Marques[89], “não se admitem contratos com letras miúdas, palavras e expressões complexas, fórmulas matemáticas para cálculo de juros, termos técnicos ou de difícil compreensão para o leigo (…)”, como o uso de expressão em outras línguas ou compreensíveis por uma única parcela da sociedade.
A segunda regra de apresentação do contrato de adesão é a disposta no § 4º, do art. 54 do CDC, literis: “As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor, deverão ser redigidas com destaque permitindo sua imediata e fácil compreensão.” O propósito de tal regra é chamar atenção do consumidor para o conteúdo e importância dessas cláusulas[90].
4.2 PRÁTICAS E CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS BANCÁRIOS: OS JUROS EXCESSIVOS
Encontra-se disposto no art. 39, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor, veiculado pela Lei 8.078/90, a vedação ao fornecedor de produtos e serviços, dentre outras práticas abusivas, exigir do consumidor qualquer tipo de vantagem manifestamente excessiva. Já o art. 51, IV do mesmo diploma legal, diz que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas constantes do contrato, que sejam relativas ao fornecimento de produtos ou serviços, que estabeleçam prestações consideradas iníquas, abusivas, que coloque o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade[91]. Nessa seara, buscar-se-á demonstrar que a cobrança de juros excessivos, veiculada através de uma cláusula contratual, é abusiva, sendo esta prática repelida pela legislação consumerista. Se faz necessário, então, compreender as práticas consideradas abusivas, bem como o rol de cláusulas elencadas pelo CDC como tal.
As cláusulas abusivas, elencadas no art. 51 do CDC[92], são consideradas como nulas de pleno direito, “consta de rol organizado pela Lei, apenas de forma exemplificativa, pois, em caráter geral, presumem-se abusivas, todas as cláusulas que, se aceitas pelo consumidor, poderiam colocá-lo em posição inferior na relação contratual” [93]. Aliás, o próprio Código, cuida de definir o que vem a ser “situação de inferioridade”, nos incisos I a III, do § 1º, do citado artigo. Assim, continua o referido autor, a aferição de cláusula abusiva não se faz a partir da concepção pessoal de cada um dos contratantes, devendo se ater aos limites impostos pela lei. Sobre o rol exemplificativo trazido pela Lei 8.078/90, Luiz Antônio Rizzato Nunes[94] observa que não deve haver discussão, não havendo muito que argumentar, porque a redação do próprio art. 51, deixa patente o critério da lei, ao trazer a expressão “entre outras”. Além disso, continua o autor, “a exigência da boa-fé objetiva com princípio (art. 4º, IV) e como norma, é verdadeira cláusula ou condição geral a ser observada nos contratos, de sorte que outras cláusulas abusivas podem ser identificadas.”
Ocorre que não é causa de revisão contratual a abusividade de uma cláusula, não se confundindo uma com a outra, sendo, inclusive, entendimento sumulado no STJ, conforme se vê do teor da Súmula 381, do Colendo Tribunal: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”. Como observa Sérgio Cavalieri Filho[95], tanto as cláusulas abusivas com as causas de revisão contratual se manifestam na fase de execução do contrato, mas por fundamentos diferentes. As causas que podem ensejar a revisão são supervenientes à formação do contrato, ou seja, o contrato nasce prefeito, até que surge um fato novo, que desequilibra a relação, exigindo-se uma revisão[96]. Já as cláusulas abusivas, que ensejam a modificação da cláusula e, eventualmente, até o fim do contrato, são concomitantes à formação[97]. Entretanto, entende-se que independente do momento da formação ou inserção da cláusula abusiva, o importante é verificar o desequilíbrio da relação contratual consumerista, especialmente a bancária. Se houver a excessiva onerosidade do consumidor ou a perda da base, da finalidade do contrato, merecerá revisão tal pacto contratual, independente de ser ou não causa de revisão, pois se observa apenas se ao consumidor está sendo causado algum gravame.
Os fornecedores de serviços financeiros (instituições financeiras) não podem exigir dos consumidores juros abusivos, ou seja, juros manifestamente altos demais, sendo nulas as cláusulas de contratos de mútuo ou financiamento que estabeleçam juros abusivos[98], em outras palavras, que estabeleça uma prestação excessiva, colocando mutuário em extrema desvantagem. Tal situação pode ser observada no julgado da Apelação n° 598.605.111/TJRS[99], onde ficou clara a possibilidade de controle de cláusulas contratuais abusivas, por estabelecer encargos financeiros e juros acima dos limites legais, sem autorização expressa do Conselho Monetário Nacional – CMN, conforme observou Márcio Melo casado[100].
Já as práticas abusivas referem-se à desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. Prática abusiva seria apenas aquela prática que, de modo direto e no sentido vertical da relação de consumo, afeta o bem – estar do consumidor[101]. Trata-se de um conceito genérico, fluido, podendo abarcar várias situações dispostas no CDC. No caso dos contratos bancários, qualquer prática que cause desconforto ao consumidor, ocorra na fase pré-contratual ou pós-contratual, como por exemplo, a cobrança irregular de dívida ou envio de cartão de crédito sem anuência do consumidor.
De maneira mais concatenada, práticas abusivas são ações sou condutas do fornecedor, em desconformidade com os padrões de boa conduta nas relações de consumo.[102] São ações que no cotidiano da atividade empresarial, passam dos limites estabelecidos pelas boas práticas e costumes empresariais, especialmente a lealdade, a confiança e a boa-fé. Conclui Luiz Antônio Rizzato Nunes[103], que práticas abusivas são “ações e/ou condutas que, uma vez existentes, caracterizam-se como ilícita, independentemente de se encontrar ou não algum consumidor lesado ou que se sinta lesado”. Desse modo, as práticas seriam ilícitas em si mesmas, apenas por existirem no mundo dos fatos.
No ramo das atividades desenvolvidas por instituições financeiras, é de fácil constatação as práticas abusivas, inclusive a elencada no inciso III, do art. 39, do CDC[104]. Quando um banco, por exemplo, envia ou entrega a um consumidor, sem solicitação prévia, um cartão de crédito, não poderá cobrar anuidade pelo mesmo, uma vez que, pelo parágrafo único do citado artigo, equivalerá a amostra grátis, inexistindo obrigação de pagamento. Definidos os conceitos de cláusulas e de práticas abusivas, analisar-se-á a cobrança excessiva de juros, como causa ensejadora de revisão judicial.
4.3 O ATUAL POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA
A indagação, que já se fez na presente pesquisa, traz – se novamente em tela, tentando respondê-la à luz da nossa atual jurisprudência, a respeito da existência ou não de limites para cobrança de juros. Sobre a aplicação do CDC às atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras, não resta qualquer dúvida. Porém, é bom ressaltar o posicionamento do STJ, no REsp n. 536.844/RS[105], de relatoria do Min. Castro Filho, como seguinte teor: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações jurídicas originadas dos pactos firmados entre consumidores e os agentes econômicos, as instituições financeiras e os usuários de seus produtos e serviços.” Sendo assim, toda vez que houver uma hipótese ensejadora de revisão contratual, especialmente a cobrança abusiva de juros pelas instituições financeiras, será aplicado o CDC, devendo ser analisado caso a caso. Aliás, é nesse sentido o posicionamento do STJ[106], que vem decidindo que “os negócios bancários estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, inclusive quanto aos juros remuneratórios; a abusividade destes, todavia, só pode ser declarada, caso a caso, à vista da taxa que comprovadamente discrepe”, de forma substancial, da média praticada pelo mercado, na praça do empréstimo, ressalvada a hipótese do risco da operação.
Pelo crescimento exagerado de demandas revisionais, Sérgio Cavallieri Filho[107] observa que a jurisprudência tem amadurecido a questão, restando pacificada em relação aos juros cobrados pelas instituições financeiras, ficando claro que, efetivamente, não podem ser limitados segundo taxas idealizadas. Com a orientação do Supremo Tribunal Federal, estabelecida no julgamento da ADIn n° 4 e a Emenda Constitucional n° 43/2003, que suprimiu o texto que limitava a cobrança de juros a 12% ao ano, bem como, com a edição da Súmula 596[108], pelo Supremo, que afastou a incidência da Lei de Usura ás instituições financeiras, os bancos ficaram livres para pactuarem com os consumidores as taxas de juros que entendessem ser cabíveis. Além de toda tentativa de se impor limites, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que as relações de crédito realizadas pelo banco, enquanto prestadores de serviço, submete-se ao CDC, desde que destinadas a consumidor final, excluindo-se a taxa de juros, que será regulada por lei específica[109], lei essa, que lembre-se, nunca veio a ser editada. Com a demora na edição da referida lei, fica mesmo para análise do caso concreto, a apreciação da abusividade ou não das taxas de juros cobradas pelos bancos. Se não há, então, um limite legal estabelecido, resta saber qual tem sido o critério utilizado pela jurisprudência, para que se considere, determinada cobrança abusiva, determinando, assim, a revisão contratual, uma vez que, sendo excessiva e onerosa a prestação para o consumidor, será hipótese de revisão, entendimento corroborado com o acórdão proferido no REsp n. 777.496/RS, do STJ[110].
O Superior Tribunal de Justiça, deste modo, tem considerado legítima a cobrança de juros, se a taxa for a média praticada por outras instituições financeiras no mercado. Ora, não é porque ma determinada taxa é praticada no mercado financeiro que se afigura como justa, podendo até ser para alguns indivíduos. Num mundo globalizado, de uma economia fortemente capitalista, não há que se esperar lealdade por parte das instituições financeiras que, atuam visando apenas o lucro. O que se verifica, na prática, é a formação de verdadeiros cartéis, onde os bancos, longe de pensarem em concorrência, elevam suas taxas de juros, tornando a cobrança linear no mercado de crédito. Como já se disse, na esteira do pensamento de Márcio Mello Casado[111]·, o regime de juros remuneratórios hoje se resume em: limitados a 12% ao ano, pelo diálogo das fontes havido entre o Código Civil de 2002 e Lei 4.595/1964[112]. O que falta é as instituições financeiras se adequarem a essa realidade.
Como se não bastasse todo exposto, data máxima vênia, parece que o STJ esqueceu-se da relação de desigualdade de forças que possui, a relação consumerista, que tem, em um dos polos, uma pare vulnerável. Isso porque, conforme se infere do Resp. 728.372/RS[113], “a limitação da taxa de juros em face da suposta abusividade somente se justifica diante de uma demonstração cabal da excessividade do lucro da intermediação financeira”, valendo, portanto, as taxas contratadas. O consumidor, então, terá que fazer prova do lucro excessivo e da abusividade da taxa. Todavia, observa-se que cláusula que impõe extrema desvantagem ao consumidor é nula de pleno direito. Mas os magistrados encontram-se obstados a tomar qualquer providência, a teor do contido na Súmula 381 do STJ, conforme se observou linhas acima. Aliás, é nesse sentido, a conclusão nº 05[114], aprovada no IV Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, realizado em Gramado – RS, literis: “As instituições financeiras, ao prestarem os serviços atinentes ao crédito, manipulam interesses públicos relevantes e devem agir com a maior diligência, cumprindo com as funções inerentes ao crédito (…) de molde a não causar danos.”
Desse modo, fica a cargo de cada julgador, verificar qual será a taxa média de mercado e considerá-la razoável ou não, no caso concreto. Veja-se o trecho do Resp 213.825/RS, do STJ[115]: “Na presente hipótese, entretanto, restou assentado na r. Sentença que os juros remuneratórios foram fixados em 14.934% ao ano ou 1,2445% ao mês, portanto, dentro de um patamar razoável, apto a remunerar o banco mutuante”, sem que haja demasiada e excessiva onerosidade do consumidor, razão pela qual, não incidiria o art. 51 do CDC, àquela espécie. Não se pode tratar todos os consumidores de maneira uniforme, não sendo razoável pra uns, o que seria para outros. Ademais, “a dificuldade concreta está em se determinar critérios de identificação do eventual desequilíbrio contratual”[116], admitindo o STJ a possibilidade de controle dos juros, conforme se percebe da decisão proferida no REsp 1.061.530/RS[117], restando consolidada a revisão, desde que caracterizada a relação de consumo e a abusividade da cláusula, ou seja, dizer de outra forma, colocar o consumidor em desvantagem exagerada. Todavia, as taxas de juros praticadas nos contratos bancários (os denominados spread bancário) são integradas por custos administrativos, custos tributários, custos de direcionamento e encargos de intermediação financeira, custos de inadimplência e o denominado spread líquido, que é o lucro efetivo do banco[118].
Ante todo o exposto, conclui-se que a estipulação de cláusula que veicule taxa de cobrança excessiva de juros, pode ser considerada não só uma prática abusiva, como também uma cláusula abusiva, que pode ser levada ao judiciário para que seja, o contrato celebrado com a instituição financeira, devidamente revisado, modificando a cláusula declarada abusiva ou, se não houver outra forma de solução, que seja rescindido o contrato.
4.4APLICAÇÃO DA TEORIA DA BASE OBJETIVA DO NEGÓCIO JURÍDICO
Da análise da atual jurisprudência, como se fez dos diversos julgados aqui elencados, observou-se que a revisão contratual, ainda é feita pela nossa jurisprudência, quando da apreciação do caso concreto, com base nas teorias da imprevisão, adotada pelo Código Civil ou com base na teoria da onerosidade excessiva, adotada de forma clara, pelo Código de Defesa do Consumidor. É importante que se faça uma rápida distinção entre as teorias. Enquanto a teoria da imprevisibilidade, como quer Carlos Roberto Gonçalves[119], requer um fato extraordinário e imprevisível, e a tória da onerosidade excessiva resta configurada com a desproporção da prestação das partes, bem como com o desequilíbrio do contrato[120], a teoria da base objetiva do negócio jurídico, a imprevisibilidade não é do evento superveniente, mas do desequilíbrio na relação contratual, que não era legitimamente previsto pelos contratantes.[121] Se houver superveniente alteração das circunstâncias que serviram de base para a relação contratual, ainda que imprevisível, por que será sempre extraordinário, já que não se espera o fracasso de um negócio celebrado, haverá a possibilidade de revisão.
Então, se um consumidor dirige-se a uma instituição financeira, possuindo determinada condição financeira, e celebra com ela um contrato de crédito, por exemplo, para pagar em prestações, leva-se em conta as circunstâncias do momento da avença, formando a base objetiva do negócio aquele conjunto de dados fáticos, sendo legítimas as expectativas do consumidor, no sentido de que, o banco lhe foi fiel em prestar as informações e assim, conseguirá cumprir, até o fim, o seu contrato. Haverá então a quebra da base jurídica negocial, quando os fins do contrato forem frustrados, em outras palavras, quando as expectativas legítimas do consumidor, forem completamente frustradas[122].
Ocorre que, conforme se infere dos julgados do STJ, especialmente o REsp. n. 792.790/PE[123] e REsp n. 258.682/RS[124], a nossa jurisprudência vem adotando como referência de cobrança de juros, a taxa efetiva média, aquela praticada no mercado e regulada pelo Banco Central do Brasil – BACEN. Como observa Márcio Melo Casado[125], não se pode concordar com o entendimento do Colendo Tribunal. Ele parte da premissa de que as taxas divulgadas pelo BACEN representam as taxas praticadas em todo mercado, numa verdadeira dedução. O mesmo autor afirma que “não há taxa de mercado no Brasil!”. É que o Sistema Financeiro tem operado de forma cartelizada, a fim de que se aumente cada dia mais seus lucros. Se no momento da celebração do contrato do contrato de empréstimo ou crédito, ou qualquer operação que envolva o mútuo, por parte de um banco, o consumidor aderir a cláusula que estabeleça como a taxa de juros da avença, o valor médio do mercado, esse mesmo percentual, com o passar do tempo, pode desequilibrar a relação contratual, podendo se tornar desproporcional para o consumidor. Desse modo, mesma que seja a taxa média, nem por isso será a taxa justa, pois as situações financeiras das pessoas não são iguais e não permanecem estanques, podendo mudar com o tempo. E ainda que o consumidor tenha como adimplir as prestações pactuadas, alerta Antônio Carlos Efing[126], ainda que seja possível se cumprir materialmente a prestação, haverá “perda da utilidade diante dos fatores esternos, que superam os riscos normais do contrato, não sendo necessário, contudo, que haja imprevisibilidade ou excepcionalidade”.
CONCLUSÕES
Ante o estudo realizado acerca da cobrança de taxas abusivas de juros, bem como o estabelecimento de práticas e cláusulas abusivas nos contratos de crédito e empréstimo bancários, verifica-se que:
a) Não há dúvidas que a Lei de Defesa e Proteção às Relações de Consumo se aplica às relações jurídicas bancárias, seja pela vasta jurisprudência aqui elencada, seja pelo julgamento do Supremo Tribunal Federal, na ADIn 2.591, que de forma clara e indubitável, confirmou a previsão do art. 3°, notadamente o § 2º, da Lei 8.078/90, que é de clareza solar, ao ressaltar que o CDC se aplica, “inclusive”, às atividades de natureza bancária.
b) A cobrança de juros é legítima. Deve-se pagar um preço por usar um determinado numerário, e poder pagar em prestações, divididas no tempo. A instituição financeira disponibiliza crédito, serviços e comodidade, colocando à disposição do consumidor bancário todos os seus serviços, devendo ser remunerada prestação da atividade bancária. Ela diminui o seu patrimônio, deixando de usá-lo, para colocá-lo à disposição de seu cliente, o que, por certo, deve custar um preço justo.
c) As instituições financeiras, ao oferecer seus produtos, especialmente o crédito, deve fazê-lo de forma responsável, a fim de que se evite o superendividamento dos consumidores. A facilidade de contratar com os bancos, bem como as propagandas, que muitas vezes são abusivas, podem levar consumidores que não se encontram em necessidade de utilização de crédito, a se endividarem, porque foram atraídos, melhor dizendo, praticamente obrigados a usar crédito, sem qualquer necessidade. A concessão de crédito tem finalidade social, por isso, o consumidor deve ser bem orientado, informado, o que é direito básico seu elencado no art. 6º, III, do CDC, podendo a instituição financeira ser responsabilizada civilmente, pela concessão inadequada de crédito.
d) Em obediência ao princípio da equivalência material ou equilíbrio contratual, toda vez que restar desajustada e não condizente com a realidade, e relação contratual bancária, deve ser recolocada de forma equânime, ainda que pelo uso da via judicial, especialmente pela Revisão Judicial, onde se intentará a Ação Declaratória de Equilíbrio Contratual, pois, o Código de Defesa do Consumidor é claro, quando não permite a colocação do mesmo em desvantagem exagerada.
e) A Teoria da Base Objetiva do Negócio Jurídico, nascida na Alemanha, é aquela que mais alinha com a ideia de revisão contratual, pela cobrança de juros excessivos, porque, no momento em que, uma instituição financeira estabelece cláusula abusiva, com taxas de jutos exorbitantes, entende-se que houve uma quebra da base do negócio jurídico celebrado, que era norteado pelos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, bem como, o princípio do equilíbrio contratual. Perde-se a finalidade do contrato, havendo quebra da lealdade e da confiança, por parte de um dos contratantes, por ter se comportado de forma contrária a boa-fé objetiva, ao estipular taxa excessiva de juros, num contrato de crédito, empréstimo ou financiamento bancário.
f) Não resta dúvida, também, que há um limite legal estabelecido para a cobrança de juros. Ele surge da combinação do art. 1º do Decreto 22.626/1933, com os artigos 591 e 406 do Código Civil de 2002, que nos leva a concluir ser de 12% ao ano, a taxa de juros máxima, permitida pelo nosso ordenamento jurídico, não havendo necessidade de qualquer legislação específica, pois enquanto essa não vem, as instituições financeiras tem se sentido à vontade para submeter seus clientes às taxas que entendem convenientes.
g) Não se concorda com o tratamento dado pela atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de ser a cobrança de juros, limitada à taxa média praticada pelo mercado. Não há uma concorrência clara entre as instituições financeiras no Brasil, podendo se verificar uma verdadeira cartelização no estabelecimento do preço do dinheiro, o que leva o mercado de crédito a ficar linear, não tendo o consumidor opção de escolha. Portanto, sem uma fiscalização efetiva do Banco Central do Brasil, não se verificará com facilidade o estabelecimento de uma “taxa média”, e ainda que haja, ela não refletirá a mesma situação para todo e qualquer consumidor bancário, pois cada um encontrar-se-à em diferente situação financeira.
h) Deve-se rever o teor da Súmula nº 381 do Superior Tribunal de Justiça, dando ao juiz a oportunidade de declarar abusiva cláusula contratual que estipule taxa excessiva de juros, declarando – a, nos moldes no art. 51 do CDC, nula de pleno direito, promovendo à revisão do contrato celebrado pela instituição financeira e o consumidor.
Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pós Graduando em Direito Processual Civil pela AVM Faculdades Integradas de Brasília. Advogado
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