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Justiça Virtual

Pelo que pude ler recentemente, o Poder Judiciário no RS, como já ocorre em outros estados, começa a realizar audiências virtuais com prisioneiros. Pelo sistema, ao invés dos presos se deslocarem até o Fórum seriam ouvidos à distância através de monitores de TV.   Quero estar enganado, mas afirmo que este caminho é um equívoco de graves proporções.

O deslocamento dos presos sustenta os defensores da experiência, causa sempre muitos transtornos. Primeiro, o Estado deve providenciar o transporte e a escolta, o que significa dinheiro e tempo.

Segundo, dependendo  de quem está sendo deslocado, resgates podem ser tentados. Tal risco à segurança poderia ser evitado pelo novo sistema. Tais argumentos são mais do que procedentes. A eles eu acrescentaria que os translados permitem, freqüentemente, que vários abusos sejam praticados, como espancamentos e maus tratos. Há, mesmo, casos piores: há alguns anos, no presídio de Passo Fundo, me entrevistei com um  preso que me relatou a forma pela qual, algemado dentro de um ônibus da SUSEPE, foi currado por vários outros detentos no trajeto do Fórum de Porto Alegre ao Presídio.

Central. Embora ele tivesse alertado a escolta de que a sua condição homossexual o colocaria em risco dentro do ônibus, os agentes simplesmente não se importaram com isso.

O que me parece incrível, entretanto, é que a solução mais óbvia para se evitar os deslocamentos não seja estimulada. Essa solução é, simplesmente, o deslocamento dos Juízes até os presídios.  Uma iniciativa que diz respeito, inclusive, a mais elementar das suas obrigações.  O sistema de justiça “virtual” que se quer implantar introduz, na verdade, uma aberração: primeiro, ele seqüestra o direito do cidadão preso ter acesso pessoal ao Juiz o que é, muitas vezes, a única oportunidade para realizar denúncias sem o risco das mesmas serem, de alguma forma, testemunhadas por integrantes do sistema.

Segundo, ele afasta comodamente o Juiz do convívio com as condições de vida e sofrimento daquele que demanda alguma providência, o que faz com que as suas decisões sejam tomadas sempre fora do contexto que mais importa. Tomar decisões que dizem respeito à vida dos outros colhendo informações em um monitor de TV significa evitar o olhar dos concernidos. Estamos falando, então, de uma “justiça” que evita a relação entre os seres humanos e que, por isso mesmo, é injusta por definição.

O discurso em favor da “modernidade” aqui é, tão somente, uma técnica de neutralização moral pela qual a negação do outro aparece como um atributo da razão. Por conta disso, imagino que a maioria dos Juízes gaúchos não irá permitir tamanho absurdo.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Marcos Rolim

 

Jornalista

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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