A tutela da liberdade da imprensa e, a responsabilidade civil, derivada daí envolve a superação da colisão de princípios.
De um lado, temos a liberdade de informação (art.5º,IV, IX e XIV da CF) e, outro lado, a tutela dos direitos da personalidade (art. 5º, V e X da CF) que inclui a proteção a honra, a imagem, e a vida privada. Só é possível a superação desse conflito de princípios através da interpretação ponderada dos valores consagrados nos princípios.
Revelam os princípios, as orientações da ordem positiva, as coordenadas básicas para tornar possível a solução de quaisquer lides.
Assevera Canotilho que um primeiro critério hábil a laborar a distinção entre princípio e regra reside justamente no grau de abstração da norma.
De sorte que: “os princípios não normas com um grau de abstracção relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstracção relativamente reduzida”.
O mesmo nobre doutrinador luso indica outra distinção entre os princípios e regras: “fundamentalidade no sistema das fontes de direito.”
Exercendo os princípios função primordial no sistema jurídico notavelmente superior. Precisamos encontrar o princípio que fundamente a liberdade e a defesa dos direitos da personalidade.
Assim, a liberdade de imprensa é fundada no princípio democrático descrito no art. 1º da Constituição Federal da República.
Já a tutela civil dos direitos da personalidade que se escora no princípio da dignidade da pessoa humana previsto no art. 1º, III da CF.
Lembremos da íntima relação entre a liberdade de expressão e a democracia fora evidenciada pela Corte Européia de Direitos do homem no julgamento de Handyside (apud Wachsmann).
A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de semelhante sociedade democrática, é uma das condições primordiais de seu progresso e do desabrochar de cada um.
A democracia é sistema onde coexistem liberdade e igualdade e, onde o povo tem participação positiva e política, tem chances de alcançar o poder e participar efetivamente das formas mais variadas da decisão política.
Montesquieu sabedor de que a democracia direta é inviável e inconveniente, sublinha a relevância da escolha dos representantes.
O fator cultural do povo influi decisivamente e diretamente nem sua escolha, e justamente a liberdade de imprensa que vem a ser a propulsora dinâmica da opinião pública. E, se torna mesmo imprescindível para regular funcionamento do governo.
Portanto, a imprensa é necessária e legitimadora em duplo sentido por ser formadora da opinião pública e, ainda, por ser instrumento útil a propiciar a informação do povo.
Somente um povo informado está apto a prover escolhas conscientes e, a influir de forma positiva e construtiva na decisão política.
Só havendo liberdade poderá a imprensa desempenhar sua missão, o de trazer a informação, de promover debates, de divulgar notícias projetos, ideologias e propiciando cada vez mais análises criticas e a formação de opinião capaz de deslindar os mistérios sobre o governo estatal.
A liberdade de imprensa é a concretização do princípio democrático e, portanto, tão inviolável quanto a própria intimidade, vida privada, honra e imagem da pessoa.
A lesão a tais direitos faz surgir inexoravelmente a indenização seja por ocorrer o dano patrimonial ou extrapatrimonial (moral).
É elevado e superior o valor da pessoa humana, sendo o mais elevado de todos os valores. Revela-se em ser critério de legitimidade de toda ordem jurídica.
A dignidade da pessoa humana não pode ser sacrificada nem mesmo por qualquer interesse coletivo. Vai além do “mero existir” implica no reconhecimento de condições mínimas para o desenvolvimento da personalidade, na esfera mínima de proteção que lhe assegura o minimum de respeito ao homem, e, portanto, a todos os homens que são dotados de igual dignidade.
Essa dimensão irrenunciável que é a dignidade humana que abarca sua integridade física, espiritual e moral é a garantia de autonomia e igualdade dos cidadãos. Entre eles, e perante a lei e perante o Estado.
Foi o Renascimento e, especialmente o humanismo que consagrou novo papel ao homem, traçando uma nova visão do mudo. À luz do antropocentrismo e distante do feudal teocentrismo.
Com o predomínio da razão desenvolveu-se a necessidade da liberdade de expressão e de todos consectários dos direitos da personalidade.
A liberdade de imprensa encontrou especial consagração com o iluminismo e nos demais movimentos revolucionários do século XVIII.
Assim mais tarde, a liberdade de expressão e de imprensa é direito fundamental consagrado no art. 11 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 16.8.1789.
A evolução dos direitos fundamentais repaginaram todo o conceito de liberdade de expressão e de imprensa.
E, se antes nas primeiras declarações, estes direitos representavam um limite ao poder do governante, a garantia de uma área de liberdade para atuação por parte do cidadão, hoje contemporaneamente, encaminha-se no sentido de assegurar posição mais ativa e efetiva ao detentor destes mesmos direitos, franqueando-lhe acesso às informações, reconhecendo em seu favor o direito de obtê-las, inclusive daquelas informações tuteladas pelo Estado.
E, nesse contexto se insere o writ habeas data. As liberdades públicas vieram a reconhecer a autonomia da liberdade de expressa e de imprensa atribuindo-lhe status de direito fundamental e autônomo a todas as formas de manifestação do pensamento.
A liberdade de imprensa é liberdade secundária que se funda justamente na liberdade de pensamento. Essa, de natureza primária e primeira e, se distingue ainda em seu aspecto interior e a sua manifestação.
Parafraseando o dito popular: “O pensamento é terra que ninguém passeia…”. Ab initio, reconhece-se a existência de liberdade de consciência e de crença. De fato, é foro interior, íntimo do pensamento, e diz respeito à liberdade de consciência de caráter não-religiosa.
A liberdade de crença é também a liberdade de foro íntimo só que voltada para a religião. Exteriormente, consagra-se a proteção geral às manifestações do pensamento, mais precisamente a liberdade de opinião que significa o direito de formular juízos, conceitos e convicções e exteriorizá-los livremente.
Porém, em algumas relações jurídicas como as laborais, as de consumo, temos que preservar a esfera jurídica da dignidade humana. De sorte que o empregador, o vulgo “patrão” não pode chamar o empregado de idiota, de otário, ou outros termos pejorativos e difamantes.
Também na seara consumerista, e visando a proteção ao consumidor e aos seus direitos básicos, não se pode permitir a publicidade enganosa ou abusiva que se dirige às crianças, adolescentes e, mesmo , aos adultos de forma irresponsável e, conduzindo-os a erro, enganos e logros. (http://www2.camara.gov.br/internet/homeagencia/materias.html?pk=124768 – Lei 5.921/01).
É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Sem dúvida, a liberdade de expressão pressupõe o direito de manifestação sem a ingerência do Estado.
Sem a censura prévia, sem a intermediação seletiva ou outras designações politicamente corretas que se traduzem em filtrar o direito de livre expressão.
O segundo corolário da referida liberdade consiste no valor de indiferença da opinião manifestada. Isso significa que a opinião expressada não pode servir de alvo para discriminar o agente.
Impõe-se assim um dever de neutralidade, até para se garantir a igualdade no tratamento das pessoas. Ratifique-se que a liberdade de imprensa, consiste numa das formas de manifestação da liberdade de expressão do pensamento.
É o que modernamente é designado por ser “direito de informar”. Na lição inolvidável de José Afonso da Silva informação designa “conjunto de condições e modalidades de difusão para o público (ou colocada à disposição do público) sob formas apropriadas, notícias, elementos de conhecimento, idéias e opiniões.”
A liberdade de informação compreende a busca, o acesso, o recebimento e a difusão de informações ou idéias por qualquer meio e sem censura.
O acesso à informação é direito individual e resguarda-se ainda o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional (jornalistas, advogados, médicos, padres, psicólogos e, etc. art 5º, XIV).
Ressalva assim o direito do jornalista e do comunicador social de não declinar a fonte onde obteve a informação divulgada. Assim respondem pelos danos e prejuízos e eventuais abusos que perpetrarem ao bom nome, à reputação e à imagem do ofendido.
Mas, o direito de informar não é exclusivo dos jornalistas, é liberdade pública onde todos são indistintamente beneficiados. E, só para citar como exemplo, o direito de informar compete também ao educador, ao médico, ao advogado, ao assistente social.
Inspiradora realmente é a Constituição alemã em seu art. 1º expressa in litteris: “declara ser intangível a dignidade do homem” e, adiante, em seu art. 2º, “reconhece o livre desdobramento da personalidade, soube a jurisprudência criar uma cláusula geral para defender a personalidade.
Mais adiante, passou-se a reconhecer a tutela geral da personalidade no §823 BGB dando azo a reparação civil destas lesões.
Na tutela a honra, temos a chamada honra objetiva que corresponde ao respeito, a consideração a reputação, a fama de que gozamos no meio social.
Já a honra subjetiva consiste na consciência da própria honorabilidade, no íntimo, a idéia que a pessoa faz de si mesma na sua consideração pessoal e de sua dignidade.
Nesse caso a honra subjetiva é a estima própria. Nem sempre é possível determinar quando a ofensa atinge o aspecto objetivo (reputação) e o aspecto subjetivo (consideração pessoal).
A tutela jurídica da honra engloba o campo penal (crimes contra a honra) e civil. A ofensa à honra produz dano indenizável. Aliás, a personalidade se sustenta na reputação.
Cifuentes aponta que a ofensa à honra gera alterações psíquicas, orgânicas e, quiçá econômicas produzidas pela degradação sofridas.
A pessoa jurídica também possui honra objetiva de haver doutrinadores como Callejon que negam tal direito afirmando que somente a pessoa física, desfruta de tal direito à honra.
Mas prevalece entre nós a tendência de reconhecer a possibilidade de ofensa à honra da pessoa jurídica.
A lesão à honra objetiva da pessoa jurídica, por não importar em elementos psicológicos de auto-estima caracteriza dano moral.
Exemplar mesmo fora a jurisprudência pátria exarada pelo Superior Tribunal de Justiça sob a relatoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar que nos expõe um verdadeiro leading case:
“Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um, e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc… causadores de dor, humilhação, vexame;
a honra objetiva, externa ao sujeito que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa.
Por isso se diz ser a injúria um ataque a honra subjetiva, à dignidade da pessoa enquanto que a difamação é ofensa a reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive.
A pessoa jurídica, criação de ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso, desprovida de honra subjetiva e imune à injúria.
Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua. (…)”
Esta ofensa pode ter seu efeito limitado à diminuição do conceito público de que goza no seio da comunidade, sem repercussão direta e imediata sobre seu patrimônio.
São também atingíveis as pessoas morais dotadas portanto de direitos análogos aos direitos da personalidade. Mas são privadas somente dos direitos cuja existência está ligada necessariamente à personalidade humana.
Por isso sintetizou nossa jurisprudência o verbete 227 do STJ que aduz claramente que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral.
Outro importante direito, é o à intimidade e à vida privada onde se protegem bens jurídicos distintos.
A doutrina nos ensina que a vida privada é o gênero, dentro do qual encontram-se outros bens jurídicos tutelados. Um destes é a intimidade.
A vida privada, grosso modo abarca portanto todas as formas de proteção contra a indevida intromissão e divulgação de fatos da sua vida não pública.
O direito à vida privada pode ser definido com o direito de viver a sua própria vida em isolamento, sem estar submetido a uma publicidade que não provocou e nem desejou.
A vida particular admite a esfera pública e outra individual. E, ainda, há a esfera do segredo, que significa parcela da vida que é conservada em segredo, acessível somente as pessoas mais íntimas, sejam familiares, sejam amigos.
A invasão de privacidade costuma causar danos espirituais e emocionais, e temos alguns exemplos, como http://www.conjur.com.br/static/text/63857,1; http://www.conjur.com.br/static/text/58870,1; http://www.conjur.com.br/static/text/46770,1; http://www.conjur.com.br/static/text/45253,1.
Quanto ao direito à imagem que implica no reconhecimento da autonomia pessoal, atribuindo o titular o poder último de determinar como e em quais circunstâncias sua imagem pode ser utilizada.
A necessidade de proteger a pessoa contra a arbitrária exibição de sua imagem, deriva de uma exigência individualista.
O direito à imagem é entendido de forma extensa, como toda sorte de representação de uma pessoa, incluindo a figuração artística, a pintura, a escultura, o desenho e, obviamente, a fotografia.
Atualmente, pela popularidade dos celulares com câmaras cada vez mais potentes e precisas a imagem é atributo físico da personalidade mais difícil de se proteger, e se manifesta no meio social.
Pode a pessoa jurídica sofrer violação de sua imagem? Não.
Simplesmente a pessoa jurídica não possui imagem, tal como objeto do direito de personalidade. Não, pois, conteúdo material da imagem, como forma de representação da personalidade humana.
O direito à imagem não se confunde com o popular “boa imagem” que implica em seus predicados de honrabilidade e de boa reputação.
De qualquer maneira, nesse embate entre liberdade de imprensa e a tutela à honra, à imagem, à vida privada e intimidade devemos sopesar os valores postos em discussão.
E, devemos tutelar a liberdade de expressão do pensamento e de imprensa com a mesma frêmita convicção com qual defendemos os direitos da personalidade.
Pois defender essa liberdade é tão importante como defender a própria humanidade, em seu direito de usar a palavra, de manifestar sua opinião, de esclarecer, debater e procurar insistentemente pela verdade. Ainda que saibamos que não existem verdades perfeitas e acabadas.
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
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