Diante da notícia de terem sido denunciados os oficiais e soldados da Brigada Militar, que investiram contra os torcedores, no jogo entre o Internacional e o Fluminense, e tendo em vista acontecimentos como os que resultaram na morte, por asfixia, de um sindicalista, tempos atrás, bem assim pelos tiros disparados contra um menino, pelas costas, ao se encontrar na carona do pai, numa motocicleta, do homicídio de um tenista, em São Leopoldo, e da forma arbitrária como estão acontecendo as abordagens a civis, especialmente aos motociclistas, aos jovens e aos trabalhadores que transitam à noite, seja na saída do trabalho, da escola, ou no retorno das festas, passei a questionar-me, e aos meus circunstantes, sobre qual o sentimento – segurança, gratidão, ordem – preponderante na população, em relação àquela corporação.
Esclareço, de logo, não haver nesta pesquisa pessoal, por evidente, nenhum compromisso científico, por basear-se ela, tão-somente, em uma amostragem colhida empiricamente.
A resposta à indagação, infelizmente, não tem passado por nenhuma das opções antes aludidas: a maioria – mas ponha-se maioria nisso – das pessoas questionadas responde ser o medo o sentimento que sobressai à lembrança da nossa polícia militar.
Ou não é medo pânico o que sente o cidadão quando, na fila para entrar nos estádios de futebol, ordeiramente, depara-se com a soldadesca – botas, escudos, capacetes de batalha -, em formação, cacetetes à mão, cruzando entre os torcedores e batendo sem perguntar? Ou, numa barreira, quando antes de poder se identificar, é obrigado a se postar de costas, pernas abertas e as mãos na nuca, para ser revistado, debaixo de pesado armamento, sem que haja a “fundada suspeita” reclamada pela lei? Pergunte o leitor às empregadas domésticas, aos garçons, aos modestos trabalhadores das madrugadas, muitas vezes obrigados a se deslocar em direção à periferia das grandes cidades, na solidão dos horários inóspitos, a quem eles mais temem? Indague-se das mães de adolescentes quais os maiores temores que as habitam enquanto os jovens não retornam para casa, à noite, e veja-se se lá não se encontra o filho postado contra um muro, tomando tapas, sendo humilhado, espancado e morto.
Não são, portanto, “só os delinqüentes” quem têm razões para temer os soldados – como alegam os néscios defensores dessa postura gendarme: a maior parte dos gaúchos têm medo das tropas!
Nas democracias, polícia é sinônimo de paz, de cidadania, de tranqüilidade. No RS, pelo que se tem visto, acontece exatamente o contrário – embora as provas dos desmandos sejam quase impossíveis de ser realizadas, porque os abusos, em geral, acontecem sem que ninguém os testemunhe, vindo a lume apenas as agressões cujo resultado ultrapasse o pretendido pela truculência.
Tampouco justifica o argumento de ser à Brigada a quem a população, de regra, primeiramente recorra nos momentos de perigo. A função de proteção à cidadania é afeta àquela instituição. Assim, ao servir e ao proteger, cumpre o brigadiano apenas com a sua obrigação. Nem se diga que a Administração, no combate ao crime, teria o direito de desrespeitar a lei. A dignidade da pessoa humana mais do que um direito é um valor, e nada justifica que o Estado, sob a desculpa de manter a “lei e a ordem”, fira ele mesmo a legalidade, em face de sua incompetência em encontrar meios legais para o controle da criminalidade.
Por fim, socorro-me das palavras do eminente Professor Catedrático de Direito Constitucional da Universidad Complutense de Madrid, Francisco Fernandez Segado, em palestra realizada no último dia 31/03, na Escola Superior da Magistratura: “ – O Estado é mero acidente na história humana; só o homem é transcendente!”
Advogado em Porto Alegre. Professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal na ULBRA/Gravataí – RS
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