Nexo causal e excludentes da responsabilidade extracontratual do Estado

Sumário: 1 – Introdução. 2 – Nexo causal: considerações preliminares. 3 – Teorias do nexo causal. 4 – Teoria da equivalência das condições. 5 – Teoria da causalidade adequada. 6 – Teoria dos danos diretos e imediatos ou teoria da interrupção do nexo causal. 7 – Excludentes do nexo causal. 8 – Fato da vítima. 9 – Fato de terceiro. 10 – Força maior ou caso fortuito. 11. Considerações finais.

Introdução

Este texto foi especialmente produzido para um livro que tornou-se referência obrigatória em matéria de responsabilidade civil. Tal mérito certamente deve-se mais aos ilustres colaboradores da obra coletiva, que a nossa singela contribuição. Trata-se do livro: Responsabilidade Civil do Estado[1], organizado pelo grande amigo e referencial do Direito Público contemporâneo, Professor Juarez Freitas. Mais uma vez nossos agradecimentos em participar daquela valorosa e exitosa obra. O notável organizador bem percebeu a riqueza e a complexidade da responsabilidade estatal, que, diante da hipertrofia da Administração e dos desafios por ela enfrentados no limiar deste século, deve atender novas tarefas de legitimação da atividade administrativa.[2] [3]

O tema por nós desenvolvido trata do que nos parece ser um dos aspectos mais relevantes do universo da Teoria da Responsabilidade: o nexo causal e as excludentes de responsabilidade. Afinal, para imputarmos ao Estado a responsabilização objetiva, por ação ou omissão, a tarefa que de súbito se impõe ao operador jurídico, é verificar se há ou não o nexo entre a conduta estatal e o resultado danoso.[4]

Curiosamente, apesar de tal análise anteceder lógica e cronologicamente a verificação in concreto do dano causado pelo Estado, a doutrina administrativista nacional raramente aprofunda a idéia do nexo causal. Em regra, trata-se da evolução da responsabilidade estatal; se a aplicação da responsabilização objetiva deve ocorrer tanto nas condutas comissivas como nas omissivas; das excludentes do nexo causal; da responsabilidade por atos jurisdicionais e legislativos, entre outros aspectos importantes do problema, porém, a estrutura interna do nexo causal normalmente é mais bem aprofundada pelos privatistas que pelos publicistas.[5]

Em tal senda, o estudo do nexo causal, especialmente no âmbito da responsabilidade extracontratual do Estado, talvez esteja entre os aspectos que mais carecem de estudos monográficos, mormente se considerarmos que a manutenção ou elisão do nexo entre a conduta e o dano assume aspecto central em qualquer demanda indenizatória movida contra o Estado. “Daí o acerto da doutrina e da jurisprudência mais atualizadas, que, na perquirição da responsabilidade objetiva do Estado, dão ênfase ao elemento concreto da causalidade entre dano injusto sofrido pelo particular e atividade comissiva ou omissiva do ente público.”[6]

Entrementes, o estudo do nexo causal é de igual relevância tanto na responsabilidade subjetiva como na objetiva. Em sede de responsabilidade estatal, o dano deve ser necessariamente ligado a uma ação ou omissão estatal, e essa tarefa é exercida pelo nexo causal. Este deve ser efetivamente demonstrado e, dependendo das premissas teóricas do nexo, podemos chegar a resultados diametralmente opostos em matéria de responsabilidade extracontratual do Estado. Nesse contexto é possível falar em um nexo causal mais ou menos elástico, dependendo dos pressupostos teóricos que balizam a análise de qualquer caso concreto.

Justamente pelo fato de ser o caso concreto indispensável à boa inteligibilidade da ocorrência ou não do nexo causal, é que a jurisprudência pátria se mostra tão rica e ao mesmo tempo tão contraditória em matéria de responsabilidade do Estado. Em parte, acreditamos que tais divergências encontram fundamento não apenas no modo de apreciar os fatos, mas na compreensão teórica do tema, nem sempre abordada com a profundidade desejável, principalmente se considerarmos a aplicação das teorias que dão fundamento ao nexo causal, por vezes não tratadas com o rigor técnico necessário.

Nexo Causal: considerações preliminares

O nexo causal é a indispensável relação de causa e efeito para que o dano possa ser juridicamente relevante. Como destaca Sérgio CAVALIERI FILHO: “(…) o nexo causal é um elemento referencial entre a conduta e o resultado. É através dele que poderemos concluir quem foi o causador do dano.”[7]

Embora o nexo causal nos interesse do ponto de vista jurídico, sua verificação tem por base critérios eminentemente técnicos, balizantes do seu surgimento. Por essa razão, diz-se que o nexo causal decorre das leis naturais.[8]

Especialmente no tocante à responsabilidade extracontratual do Estado, importa saber qual a relação causal existente entre os danos sofridos por terceiros, imputáveis a uma conduta comissiva ou omissiva do Estado, ou por quem lhe faça as vezes, para que se busque a devida reparação.[9]

Desde logo, é de todo apropriado não confundir causalidade com culpabilidade. O aprofundado texto de Gisela Sampaio da CRUZ sobre o tema, citando Rubén H. C. de CASO, bem sintetiza a diferenciação entre tais categorias:

“Com efeito, culpa não se confunde com causalidade, como bem esclarece Rubén H. Compagnucci de Caso, na seguinte passagem: ‘La relación causal tiende a resolver si las consecuencias dañosas pueden ser imputadas a la acción del sujeto, la cual nos dará la autoría del hecho; la culpabilidad implicará un reproche legal al comportamiento que sólo se hará si previamente se demuestra la vinculación del hecho (…) El análisis de la relación causal debe ser siempre anterior al de la culpabilidad. Es necesario establecer previamente la existencia de relación causal (…) entre el accionar del agente y las consecuencias dañosas ocurridas para, en una etapa posterior, juzgar si hubo culpabilidad.’”[10]

Assim, nem sempre a existência de nexo causal estará adstrita à culpa. Às vezes pode haver nexo causal entre o ato e o dano, sem que haja necessariamente culpa, a exemplo da responsabilidade do Estado por ato lícito, nos casos em que há nivelamento das vias públicas, implicando prejuízo a terceiros que tiveram seus imóveis rebaixados em relação ao novo nível.

Igualmente relevante é distinguir causa de condição. Embora a tarefa de distinguir causa de condição seja tormentosa, a doutrina especializada costumeiramente define as condições como aqueles fatores associados ao dano, ainda que sejam mera circunstância para que o dano possa ter ocorrido; já a causa do dano seria a condição qualificada, a que efetivamente determina o dano, revestida de relevância jurídica.[11]

O problema do nexo causal nem sempre gera maiores desdobramentos administrativos ou judiciais. Em certas circunstâncias, diante da complexidade ou multiplicidade dos fatos envolvendo a relação de causa e efeito, discute-se a existência ou não do nexo causal. Porém, ainda que existente o nexo causal, cumpre verificar se a incidência de alguma excludente do nexo, ou mesmo a minoração do dano causado pelo Estado, a exemplo da conduta da vítima que agrava o resultado danoso.

É justamente a possibilidade de se ilidir ou mitigar a responsabilidade do Estado que a adoção em nosso sistema da Teoria Publicista Objetiva da responsabilização estatal se mostra a mais adequada. Assim, não se trata de aceitar a responsabilidade estatal em toda e qualquer hipótese, pois justamente a análise do nexo causal, ou ainda das suas excludentes, é que de modo razoável e proporcional possibilitam a plena aplicação de tal sistema de responsabilização, sem o receio de que o Estado seja espécie de segurador universal.

Com efeito, apesar das respeitáveis vozes dissonantes no sentido de admitir-se, em casos de omissão, a responsabilização subjetiva e não objetiva do Estado, pensamos que mesmo na hipótese omissiva[12], a responsabilidade sempre será objetiva, seja porque a Constituição da República não faz qualquer distinção no art. 37, § 6°, na categoria dano, seja porque a interpretação mais adequada é a que prestigie a máxima efetividade da constituição e o respeito ao princípio da dignidade humana.[13]

Partilhamos das preocupações de Maria Paula Dallari BUCCI, de que no Brasil infelizmente a adoção da responsabilidade objetiva não foi acompanhada do uso, pela Administração, do direito de regresso contra o agente que causou o dano.[14] Aliás, se pudéssemos apontar o agente público que normalmente responde regressivamente pelos danos causados a terceiros no Brasil, estes seriam os que exercem a função de motorista da Administração Pública. Fora isso, entramos nas exceções. Quando o dano é causado pelos agentes políticos, especialmente na implementação de políticas públicas equivocadas, entramos no reino da fantasia. A propósito das políticas públicas, também concordamos com as observações de BUCCI, no tocante à inexistência, em nosso País, da adoção de medidas tendentes a evitar a ocorrência de novas demandas indenizatórias, em face de situações danosas similares.[15] Exemplo pueril, mas facilmente verificável, é a existência de buraco em via pública – provocando vários sinistros e conseqüentes pedidos de indenização – sem que sejam tomadas as providências para consertá-lo.

Nessa linha, é interessante observar que, em regra, o Poder Judiciário tem assimilado adequadamente a responsabilidade objetiva do Estado (em que pese muitas decisões estarem fundadas na faute du service, revelando intrínseca contradição), mas tal avanço jurisprudencial não se faz acompanhar das ações de regresso para recompor o patrimônio público, tampouco da implementação de medidas que evitem a ocorrência de novos danos.[16]

De qualquer sorte, apesar desses paradoxos na aplicação concreta da responsabilidade objetiva do Estado, o fato é que se inexistente ou ilidível o nexo causal, não se há de falar em responsabilidade extracontratual do Estado. Adentremos agora nas teorias do nexo causal, imprescindíveis à boa compreensão da matéria.

Teorias do Nexo Causal

Não pretendemos fazer alusão a todas as teorias do nexo causal,[17] especialmente se tomarmos por base o direito comparado, de profícua aplicação no tratamento do tema.[18] Para fins deste texto, trataremos das teorias mais trabalhadas ou aceitas pela doutrina e pela jurisprudência pátria, e suas implicações na determinação da relação de causalidade.

Tais teorias adquirem especial relevo quando nos deparamos com os eventos de causalidade múltipla, ou seja, aqueles eventos que reúnem diversas causas e/ou condições, cabendo ao direito separar as meras condições das causas determinantes do dano, de modo a determinar ou partilhar a responsabilidade e o quantum indenizatório. Destarte, apesar de tais teorias serem de especial relevo nas hipóteses de causalidade múltipla, são igualmente relevantes mesmo quando estamos diante de relação causal simples entre o fato e o dano.

As principais teorias a serem tratadas neste estudo são as seguintes: i) Teoria da Equivalência das Condições; ii) Teoria da Causalidade Adequada; iii) Teoria dos Danos Diretos e Imediatos.

Teoria da Equivalência das Condições

A teoria da equivalência das condições ou da conditio sine qua non, pensada para o direito penal, cujos reflexos influenciaram a doutrina dos civilistas, teve em Maximiliano von Buri seu formulador e propõe que “em havendo culpa, todas as ‘condições’ de um dano são ‘equivalentes’, isto é, todos os elementos que, ‘de uma certa maneira concorreram para sua realização, consideram-se como ‘causas’, sem a necessidade de se determinar, no encadeamento dos fatos que antecederam ao evento danoso, qual deles pode ser apontado como sendo o que de modo imediato provocou a efetivação do prejuízo.”[19]

Bem se pode perceber que tal teoria não faz distinção entre a causa mais ou menos relevante para produção do eventus damni, além de permitir a inserção de um grande número de causas geradoras do evento danoso. Essa teoria teve grande influência em vários países, inclusive o Brasil, conforme a redação do artigo 13 do Código Penal, embora em matéria de superveniência de causa relativamente independente se tenha adotado a condição qualificada.[20]

Entretanto, a equivalência das condições foi gradativamente perdendo prestígio, justamente pelos excessos dela decorrentes. Por essa teoria, se o agente causasse leve lesão corporal a terceiro, e este viesse a óbito em face de infecção hospitalar, haveria a responsabilidade integral daquele agente pelo resultado morte.

O ponto fraco da teoria é considerar todas as condições como equivalentes, sem distinguir, na cadeia causal, quais fatos foram mais ou menos relevantes na produção do resultado.

A adoção da teoria da equivalência das condições implica a disseminação da responsabilidade sobre um grande número de agentes, sendo esta uma das dificuldades em implementá-la concretamente, além de ampliar significativamente a corrente do nexo causal no tempo.

Situação interessante é tratada na cinematografia estadunidense[21] (O Júri): um indivíduo, sofrendo de surto psicótico, irrompe armado um escritório e mata sistematicamente a todos que encontra. Na aludida trama, uma das viúvas ingressa contra a fabricante da arma de fogo, sob a premissa de que tal empresa não tinha qualquer controle ou critérios na venda e na distribuição de seus armamentos a terceiros, devendo então ser responsabilizada pela morte de seu esposo. Tal caso parece bem adequar-se à aplicação da teoria da equivalência das condições na determinação do nexo causal.

A teoria da equivalência das condições não é adotada em matéria de responsabilização estatal no Brasil, como bem assentou o Ministro Sepúlveda PERTENCE, ao asseverar que “a teoria da equivalência das condições não é levada, sequer na ordem penal, às suas últimas conseqüências; ela é temperada pela força interruptiva da cadeia causal, reconhecida a superveniência da causa relativamente independente (…) O que limita a teoria da equivalência das condições é a causa relativamente independente, vale dizer, aquela que, levada a teoria às últimas conseqüências, também seria considerada condição do resultado.”[22] Apesar disso, ainda que raramente, serve de fundamento jurídico a certas decisões judiciais, mas isso deve-se mais a imprecisão técnica do que a real enfrentamento teórico do tema.[23]

Teoria da Causalidade Adequada

Como assevera Yussef Said CAHALI, citando Roberto BREBBIA: “A teoria da causalidade adequada sustenta – assentada, assim, sua discrepância fundamental com a teoria da equivalência – que não basta que um fato seja condição de um resultado para que o agente possa ser considerado autor desse evento, todas as vezes que as condições não forem equivalentes.”[24]

Tal teoria formulada em 1871 por Ludwig von BAR e desenvolvida por Johannes von KRIES, por volta de 1888, aborda a causalidade em razão das possibilidades e probabilidades de certo resultado ocorrer levando em conta a causa do ponto de vista abstrato. Daí porque tal juízo de probabilidade ser denominado “prognose póstuma” ou “prognose retrospectiva”,[25] pois, diferentemente da teoria da equivalência das condições, a causalidade adequada considera hipoteticamente se determinada causa seria ou não adequada a produzir o dano.[26]

O nó górdio da questão esta em saber qual critério deve ser empregado para se chegar a um juízo sobre o fato que efetivamente produziu o dano. Dois são eles. O primeiro, elaborado pelo próprio J. von Kries, analisa o nexo causal sob a perspectiva do agente causador do dano (subjetivista), de como este agiria no caso concreto. O segundo, objetivo (von Thur), aprecia a relação de causa e efeito levando em conta as circunstâncias objetivas da ação, “tendo em conta todas as circunstâncias que um homem normal pode prever, ou seja, o que seria cognoscível para a generalidade das pessoas”.[27]

Sérgio CAVALIERI FILHO bem exemplifica a questão com clássico exemplo de Antunes VARELA:

“É preciso, ainda, que o fato constitua, em abstrato, uma causa adequada do dano. Assim, prossegue o festejado Autor, se alguém retém ilicitamente uma pessoa que se aprestava para tomar certo avião, e teve de pegar um outro, que caiu e provocou a morte de todos os passageiros, enquanto o primeiro chegou sem incidente ao destino, não se poderá considerar a retenção ilícita do indivíduo como causa (jurídica) do dano ocorrido, porque, em abstrato, não era adequada a produzir tal efeito, embora se possa verificar que este (nas condições em que se verificou) não se teria dado se não fora o fato ilícito. A idéia fundamental da doutrina é a de que só há uma relação de causalidade entre o fato e dano quando o ato ilícito praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e experiência comum da vida.”[28]

Tal teoria ganhou também uma formulação positiva e outra negativa. Para a positiva, determinado evento será causa do dano sempre que for considerada “conseqüência natural” ou “efeito provável” na cadeia dos fatos que desaguaram no resultado danoso. Já a vertente negativa, mais ampla, analisa os fatos por uma óptica inversa, ou seja, o fato tido por danoso não será causa na hipótese de se verificar ser “indiferente” na cadeia causal.[29]

Assim, se determinado agente público, nessa qualidade, agride cidadão desferindo-lhe um golpe que em princípio não teria maiores desdobramentos não fosse a condição de hemofílico da vítima, pela vertente positiva da teoria da causalidade não haveria responsabilização. Contudo, na acepção negativa seria admissível a existência do nexo de causalidade. Entretanto, no clássico exemplo onde a vítima, recuperando-se de mera lesão corporal em leito hospitalar, vem a morrer não em decorrência da lesão, mas por incêndio ocorrido no estabelecimento hospitalar, mesmo na vertente negativa não se pode responsabilizar aquele que causou a lesão corporal pelo resultado morte, embora possamos todos reconhecer, do ponto de vista lógico, que se a vítima não tivesse sofrido a lesão corporal não teria morrido no incêndio.[30]

As críticas à teoria da causalidade adequada se deve a sua complexidade em determinar qual a verdadeira causa adequada para produção do dano, especialmente porque tal teoria pressupõe um método de trabalho mui abstrato, partindo de juízos hipotéticos mesmo que o fato já tenha ocorrido.

Em sede de responsabilidade extracontratual do Estado, J.J. Gomes CANOTILHO bem acentua os problemas da teoria da causalidade adequada no tocante à supressão ou deslocamento de certas atividades administrativas (como podemos verificar na mudança de estradas, terminais rodoviários etc…) reconhecendo que, apesar de incabíveis tais indenizações, essas medidas são abstratamente consideradas causa para os danos sofridos pelos comerciantes[31]

Com efeito, se a Administração constrói nova rodovia, mais moderna e permitindo maior velocidade pelos motoristas, e com isso vem a causar desuso da antiga estrada, onde se desenvolvia profícuo comércio, abalando expressivamente toda a atividade comercial lá desenvolvida, há ou não responsabilidade? Pela Teoria da Causalidade Adequada seria possível exigir da Administração a respectiva indenização. Mas tais casos não se resolvem pela via da causalidade. A doutrina bem assinala a impossibilidade de indenização, porquanto nem todo dano econômico necessariamente será jurídico.[32]

De tal modo, a Teoria da Causalidade Adequada padece da dificuldade em determinar o que efetivamente é ou não causa adequada, além de depender demasiadamente do “arbítrio do julgador para ser aplicada em concreto”.[33]

Esta teoria é freqüentemente adotada, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência pátria[34], a exemplo do que ocorre com a teoria dos danos diretos e imediatos como veremos a seguir. Entrementes, salta aos olhos que raramente é adotada em sua pureza conceitual. Por vezes, doutrinadores e julgadores dizem adotar a teoria da causalidade adequada, mas em verdade não aplicam seu método abstrato para chegar ao estabelecimento do nexo causal e, mais das vezes, acabam buscando a causa necessária do dano o que leva a adoção implícita da teoria dos danos diretos e imediatos.[35]

Teoria dos Danos Diretos e Imediatos ou Teoria da Interrupção do Nexo Causal

Segundo essa teoria, nem todo fator que desemboca no evento danoso será necessariamente causa do dano. Desse modo, nem toda condição que influenciou o resultado danoso será causa necessária. Pouco importa a distância temporal entre o fato e o dano, pois o que rompe o nexo causal é o surgimento de outra causa não o tempo. Há que se traçar um liame lógico-jurídico para verificar a causa necessária para o dano.[36]Nosso direito positivo a consagra no art. 403 do Código Civil, prescrevendo:

“Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.” (grifo nosso).

Para explicar a teoria dos danos diretos e imediatos surgiram subteorias, a saber: i) a de Tomaso MOSCA (teoria da causalidade jurídica), que assenta a distinção entre causa física e causa jurídica. Para o jurista, são causa os atos ilícitos, desconsiderando-se fatos naturais e lícitos da relação causal, pois apenas o surgimento de outro ato ilícito é que poderia excluir a responsabilidade do agente originário. A segunda ii) teoria, de COVIELLO, estabelecia “verificar se a causa que gerou o novo dano o teria produzido, abstração feita do ato do devedor, autor do primeiro dano. Caso a resposta fosse positiva, romper-se-ia o nexo. Na prática, entretanto, os críticos observaram ser difícil chegar a conclusão tão exata, pois seria necessário medir a força do evento para saber se este, por si só, seria ou não capaz de produzir o dano.”[37]

Mas a subteoria que melhor a explicou foi a da iii) necessariedade da causa (Dumoulin e Pothier). Por ela, o dever de indenizar apenas surge quando o dano for efeito necessário de uma causa. Assim, por direto e imediato, leia-se necessário. Como dito, ainda que um evento não seja temporalmente próximo ao dano, poderá sê-lo, do ponto lógico. Como salienta DE PAGE[38], pouco importa se certo evento danoso é conseqüência direta ou indireta de determinada causa, o que importa é o aludido dano será conseqüência necessária daquela.

Por bem distribuir a responsabilidade entre a vítima e seu devedor, possibilitando a exclusão do devedor originário ou ainda a inclusão de novo devedor caso se detecte a existência de nova relação causal, além de permitir a aplicação das excludentes do nexo causal, é que essa teoria se mostra capaz de resolver inúmeros problemas em matéria de responsabilidade, especialmente nos eventos de causalidade múltipla, envolvendo vários sujeitos processuais.

Mesmo assim, apesar de ser muito utilizada pela jurisprudência pátria, essa teoria também sofre críticas, afinal o fenômeno da responsabilização não é estático, é dinâmico, envolvendo constante aprimoramento. Destarte, para Fernando NORONHA, a causalidade necessária restringe por demais a obrigação de indenizar, exigindo que uma condição, além de necessária e suficiente para provocar o dano, seja também sua causa.Tal dificuldade residiria especialmente em encontrar a condição necessária causadora do dano.[39]

Neste caso, nas hipóteses de nos deparamos com outras condições que igualmente são causas, estaremos então diante da concorrência de causas, devendo assim ambas gerar o direito à indenização, e então se discute o modo de distribuir os danos entre os agentes que o causaram. Normalmente, se recorre aos seguintes sistemas de divisão da responsabilidade: i) sistema da paridade; ii) sistema da gravidade da culpa e iii) sistema do nexo causal.[40]

Adentrando a jurisprudência acerca da adoção da teoria em comento, é imprescindível aludir à emblemática decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, acerca da adoção da Teoria dos Danos Diretos e Imediatos, enfrentada no Recurso Extraordinário n° 130.764-1/PR. A decisão trata de evasão de prisioneiro de hospital – onde estava provisoriamente confinado – que, após 21 meses da fuga, participou de furto em famosa joalheria na cidade de Curitiba. Mesmo com decisão favorável à vítima no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o STF entendeu que reconhecer a responsabilidade no aludido caso seria elevar o Estado a condição de segurador universal (responsabilidade objetiva pelo risco integral), e que pela Teoria dos Danos Diretos e Imediatos, adotada no Brasil, o lapso temporal entre a fuga e o evento danoso teriam rompido a cadeia causal, o que ilidiria a responsabilidade do Estado.

Um aspecto que sempre nos chamou a atenção no referido aresto, é que não houve maior discussão (apesar dos naturais limites em sede de recurso de estrito direito) se o foragido era ou não líder da quadrilha, fato este que nos parece relevante na discussão sobre a necessariedade ou não da fuga como causa. De qualquer sorte, o fato é que o STF entendeu que o lapso temporal, de per si, seria suficiente para quebrar a cadeia causal entre a fuga do presidiário e o assalto por ele realizado.

Já no RE 136.247-2/RJ, julgado em 20.06.2000, cujo relator foi o Ministro Sepúlveda PERTENCE, o Supremo Tribunal Federal tratou de fuga de preso de consultório odontológico, atribuída à incúria da guarda que o acompanhava, resultando na morte de seu sogro e de outro desafeto a quem atribuíra sua prisão, tudo preordenado com o objetivo de saciar sua sede de vingança. Nesse caso, aplicando a idéia de causa necessária, foi reconhecida a responsabilidade estatal, até porque tais mortes foram direta e imediatamente relacionadas à fuga do preso.

Por ocasião do julgamento do Resp. 2004/0112790-9, DJ 01.07.2005, p. 414, o Relator, Ministro Luiz FUX, entendeu pela responsabilização do Estado do Rio de Janeiro, por suspender o fornecimento de medicamento a transplantado de rim, que levou a rejeição do órgão, reconhecendo a ocorrência de nexo causal. Nesse caso, a conduta omissiva específica[41]levou a responsabilização estatal.

Além de ser utilizada pelas Cortes Superiores, a teoria dos danos diretos e imediatos é constantemente adotada nos tribunais estaduais,[42] ainda que camuflada como teoria da causalidade adequada (freqüentemente invocada), para resolver os problemas ligados a determinação do nexo causal.

Diante da análise das três principais teorias determinantes do nexo causal (equivalência das condições, causalidade adequada e danos diretos e imediatos) e ainda das decisões judiciais acima referidas, é-nos lícito concluir que não há uniformidade na doutrina nem na jurisprudência brasileira na utilização das teorias do nexo causal. Desafortunadamente, há sérios equívocos, tanto na conceituação precisa do que seja cada uma dessas teorias, como no método de aplicação in concreto ou in abstrato na verificação da causa efetiva do dano. Por vezes se fundamenta o nexo causal em mais de uma teoria, inclusive havendo “fusão” teórica de conceitos jurídicos distintos. Ademais, nas hipóteses de eventos com causalidade múltipla, nem sempre fica definida a ocorrência de mera concausa ou existência de causas concomitantes, o que implicaria repartição dos prejuízos entre os agentes direta e imediatamente envolvidos.

As conseqüências são enormes e não podem ser ignoradas sob o argumento simplista de que: “o importante é responsabilizar, pouco importando o fundamento teórico do nexo causal.” Apenas será possível traçar um liame lógico-jurídico entre conduta e dano se verificarmos concretamente a existência do nexo causal, e os pressupostos teóricos que utilizarmos nessa tarefa é que determinarão positiva ou negativamente a existência da relação de causalidade.

Excludentes do Nexo Causal

Uma vez demonstrado o liame jurídico entre o fato lesivo e o dano, a Administração apenas não será responsabilizada se presentes as excludentes do nexo causal, ou seja: i) fato da vítima; ii) fato de terceiro; iii) força maior e caso fortuito.[43]

As excludentes do nexo causal não se confundem com as excludentes de ilicitude. As excludentes de ilicitude estão previstas no art. 188 do Código Civil Brasileiro:

“Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.”

Bem se percebe que nem sempre a invocação de uma excludente de ilicitude necessariamente implicará exclusão de responsabilidade. Mesmo o exercício regular de um direito (188, I, do CC) deve ser realizado de modo proporcional e no exato atendimento das funções delegadas aos agentes públicos. Ademais, diante do caso concreto, se realmente ensejarem a exclusão do nexo causal, as excludentes de ilicitude facilmente serão enquadráveis nas hipóteses de i) fato da vítima; ii) fato de terceiro; iii) força maior ou caso fortuito.[44]

Fato da Vítima

Na hipótese de fato da vítima o agente causador do dano o é apenas na aparência, porque efetivamente quem propiciou o evento danoso foi o próprio lesado. Exemplo clássico é o suicida que de inopino se lança sobre a via pública, impossibilitando ao veículo atropelador evitar o resultado dano.

A doutrina corriqueiramente fala em fato exclusivo da vítima, porque mesmo no exemplo acima citado, se o automóvel estivesse em alta velocidade e tal condição fosse a causa para o dano, mesmo havendo fato da vítima, seria possível invocar a responsabilização do agente por excesso de velocidade, ainda que atenuada.

De todo adequada a expressão fato da vítima – mais ampla – e não culpa da vítima, mais estrita. Nesta matéria não se está a perquirir culpabilidade. Caso uma criança infortunadamente se precipite sobre um automóvel que trafega normalmente, não cabe falar-se em culpa, mas em fato da vítima.

Situação mais complexa trata de situação na qual a vítima não usa capacete quando trafega em motocicleta que vem a ser abalroada. A jurisprudência varia o entendimento em tais casos, por vezes reconhecendo a culpa concorrente, outras vezes não reconhecendo o fato da vítima suficiente para ilidir o nexo causal.[45] Contudo, para resolver tais impasses, sempre há que verificar, em caso de vítima que não usasse capacete, se o dano, por sua própria gravidade, redundaria no evento morte, mesmo com o uso da proteção adequada. Casos dessa natureza sempre devem ser analisados não abstrata, mas concretamente.

Situação interessante, narrada por Yussef Said CAHALI, trata de ação movida contra a Administração Pública, por morte de menor em razão de enchente que teria sido causada por falta de obras de responsabilidade do município. No caso em comento, a análise do caso concreto verificou que a vítima, mesmo sendo advertida dos riscos que corria em apanhar uma bola, ainda assim lançou-se nas águas revoltas resultando em sua morte. A imprudência do menor ilidiu o nexo causal e a responsabilidade extracontratual do Estado.[46]

Fato de Terceiro

O nexo causal pode ainda ser ilidido com o fato de terceiro, ou seja, de pessoa diversa da vítima e do aparente causador do dano, mas que efetivamente foi o responsável pela conduta danosa. Do mesmo modo que no fato da vítima, aqui para o rompimento absoluto do nexo causal, o fato deve exclusivamente ser atribuído a terceiros, sob pena de responsabilização, ainda que parcial, do Estado.

Como bem assinala Gisela Sampaio da CRUZ:

“A participação de terceiro na causação do dano pode ocorrer de maneira total ou parcial. Na primeira hipótese, o dano é causado exclusivamente por terceiro; na segunda, o terceiro é apenas co-partícipe, ou elemento concorrente no desfecho prejudicial. Apenas no primeiro caso é que se verifica a eliminação do nexo causal, com a conseqüente exclusão da responsabilidade do agente. Quando a participação do terceiro é parcial e o agente concorre com ele na produção do evento danoso, o agente também concorrerá na composição das perdas e danos.”

O fato de terceiro deve ser efetivamente provado pelo causador aparente do dano, ligando a conduta de terceiro ao evento danoso. Ademais, a ação ou omissão de terceiro deve constituir causa estranha ao devedor, para que efetivamente o exonere do dever de indenizar.[47] Não é imprescindível que o terceiro aja culposamente para ilidir a responsabilidade do causador aparente do dano, bastando que produza qualquer fato juridicamente relevante para alterar a cadeia causal.[48]

Evidentemente, se o terceiro tiver agido sem dolo ou culpa não lhe caberá a responsabilização. Porém, quando o terceiro for o Estado, tal responsabilidade, por ser objetiva, prescinde de dolo ou culpa. Nessa hipótese, só é possível suprimir a responsabilidade estatal na condição de terceiro, se estiver presente uma das excludentes do nexo causal.

Ainda na esteira de Gisela Sampaio da CRUZ, destacamos que se o terceiro não seja encontrado, ex vi, de haver-se evadido do local do acidente, ainda assim será invocável o fato de terceiro como excludente, persistindo o direito da vítima em sua pretensão ressarcitória, não mais contra o aparente causador, mas contra o terceiro evadido. Já no caso fortuito ou força maior, uma vez ilidido o nexo, a vítima não pode mais exercer sua pretensão de ressarcimento. Doutra banda, para que o fato de terceiro seja capaz de excluir a relação causal, deve ser imprevisível e inevitável pelo agente. Nos casos de transporte, a jurisprudência tem entendido que certos riscos dos transportes são conhecidos e previsíveis, a exemplo de assalto a cargas de alto valor, não podendo qualquer fato de terceiro ilidir a responsabilidade do transportador.[49]

Recentemente, em decisão ainda não apreciada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, enfrentou-se situação que desafia a mais fértil imaginação. A esposa de um presidiário levou-lhe refeição, que por sua vez foi repartida com colega de cela. Ocorre que a comida estava adredemente envenenada, resultando na morte de ambos. A família de uma das vítimas ingressou com a respectiva ação indenizatória contra o Estado, e o MM. Juiz a quo, indeferiu a pretensão dos autores, acatando a excludente: fato de terceiro. O problema enfrentado nos parece um hard case, especialmente se consideramos: i) o costume generalizado de enviar alimento aos detentos e inviabilidade fática de serem realizados testes preliminares para detecção de veneno e ii) a omissão do Estado em permitir a entrada de comida envenenada.

Força Maior e Caso Fortuito

Igualmente a ocorrência de força maior ou caso fortuito podem romper o nexo causal entre a conduta e o dano. Muito se debate sobre as diferenças entre força maior e caso fortuito, sem contudo haver consenso entre os juristas. Sérgio CAVALIERI FILHO apresenta interessante distinção ao alegar que: “Entendemos, todavia, que diferença existe, e é a seguinte: estaremos em face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e, por isso, inevitável; se o evento for inevitável, ainda que previsível, por se tratar de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da Natureza, como tempestades, enchentes etc., estaremos em face da força maior, como o próprio nome diz.”[50]

Há inclusive teorias que pretendem explicar as diferenças entre estas categorias. A tendência atual é que “não há uma diversidade de natureza, ‘mas uma diferença de grau, referindo-se a força maior, tanto quanto o caso fortuito, a acontecimentos independentes da vontade do devedor, não culposos, mas, naquele caso, bem mais violentos, ou bem mais ostensivos, refletindo-se isso na questão da prova.’”[51]

A par da discussão quanto ao conteúdo de ambas as categorias, o nosso Código Cível não fez distinção entre força maior e caso fortuito, podendo ambos ilidirem o nexo causal.

A doutrina costumeiramente enumera algumas características que devem revestir a força maior e o caso fortuito, especialmente: i) imprevisibilidade – acontecimento imprevisível relativa a um fato concreto; ii) inevitabilidade – acontecimento inevitável dentro do que seria adequado exigir.[52]

Apesar de em regra a ocorrência de força maior ou caso fortuito ilidirem a responsabilidade, há exceções, como na hipótese do art. 393 do Código Civil, em que o devedor pode responder pelas excludentes, salvo se expressamente por ele se responsabilizar; o art. 399 do CC, art. 246 do CC; e, especialmente em matéria de responsabilidade extracontratual do Estado, o acidente nuclear igualmente não admite sejam invocadas tais excludentes.[53]

Outra faceta relevante do tema trata da exclusividade da força maior ou caso fortuito como causa do dano, para que excludentes possam ser plenamente invocáveis pelo agente envolvido na relação causal. Dois são os posicionamentos. O primeiro, que o agente deve ser responsabilizado pela inteireza dos prejuízos. O segundo, que deva responder apenas na medida de sua participação. Concordamos com o entendimento que minora a responsabilidade do agente na medida de sua efetiva atuação na cadeia causal. Quando a invocação de força maior ou caso fortuito for pouco significativa na produção do dano, este deverá ser inteiramente suportado pelo agente.[54]

Em regra a jurisprudência pátria em regra não responsabiliza a concessionária de transporte coletivo por assalto ocorrido no interior de transporte coletivo, sob a alegação de que seria impossível, ou mesmo inviável economicamente, manter estrutura que resguardasse integralmente a segurança dos usuários do transporte coletivo. Contudo, caso mui interessante foi enfrentado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no Resp. 200808/RJ (DJ 12.02.2001 pg. 00112 e RSTJ vol. 00142 pg. 00265), cujo Relator foi o Ministro Ari PARGENDLER, que fixou a seguinte ementa: “CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS. O transportador só responde pelos danos resultantes de fatos conexos com o serviço que presta, mas nestes se inclui o assalto, propiciado pela parada do veículo em ponto irregular, de que resultou vítima com danos graves.”

Doutra banda, as coisas que demandam conservação não podem, diante de situações previsíveis, ser consideradas caso fortuito ou força maior, conforme bem decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: “Caso fortuito. Temporal comum, cujo único dano consiste em causar a queda de poste de rede telefônica em mau estado, não constitui caso fortuito. Previsibilidade desse tipo de intempérie, cujas eventuais conseqüências são perfeitamente evitáveis”. TJRS, 2a C. Cível ESP., ap. j. 17.7.75 (RJTJRS 58/215).

Considerações finais

Como pudemos observar ao longo de nosso texto, o estudo do nexo causal, especialmente no âmbito da responsabilidade extracontratual do Estado, é tema que necessita ser mais problematizado no âmbito da responsabilidade objetiva do Estado. Afinal, as discussões acerca da existência do nexo causal entre a conduta estatal e o dano, assumem aspecto central em qualquer demanda indenizatória movida contra o Estado.

Nem sempre haverá maiores desdobramentos administrativos ou judiciais na configuração do nexo causal. Porém, diante da complexidade ou da concorrência de causas envolvendo a relação de causa e efeito, discute-se a existência ou não do nexo causal, além de ser imperioso definir em que medida a Administração efetivamente arcará com responsabilidade total ou parcial.

Justamente pela possibilidade de se ilidir ou mitigar a responsabilidade do Estado é que a adoção em nosso sistema da Teoria Publicista Objetiva da responsabilização estatal, seja nas condutas comissivas ou omissivas, configura-se a mais adequada. Com efeito, não se postula a aplicação da responsabilidade estatal em toda e qualquer hipótese, pois justamente a análise do nexo causal ou de suas excludentes é que permitirão, de modo razoável e proporcional à plena aplicação desse sistema de responsabilização, sem o receio que o Estado seja elevado a segurador universal.

As três principais teorias determinantes do nexo causal são: i) equivalência das condições, ii) causalidade adequada e iii) danos diretos e imediatos. Destas, apenas as duas últimas são invocadas tanto pela doutrina como pela jurisprudência como incidíveis sobre nosso ordenamento jurídico. Infelizmente, não há uniformidade na doutrina nem na jurisprudência brasileira na utilização das teorias do nexo causal. Ao contrário, há sérios equívocos, tanto na conceituação precisa do que seja cada uma destas teorias, como no método de aplicação in concreto ou in abstrato na verificação da causa efetiva do dano. Não é incomum na tarefa de verificar o nexo causal que se utilize mais de uma teoria, inclusive havendo “fusão” teórica de conceitos jurídicos distintos. Ademais, nas hipóteses de eventos com causalidade múltipla, ou seja, naqueles com mais de uma causa, nem sempre ficam claros os critérios de repartição dos prejuízos entre os agentes direta e imediatamente envolvidos.

É bem verdade que na aplicação dessas teorias, “nem uma nem outra conseguem resolver em termos satisfatórios o problema.”[55] Por outro lado, é fato que certas teorias se mostram mais eficazes que outras, e especificamente no Brasil, é bem acolhida a teoria dos danos diretos e imediatos, que permite boas soluções nos eventos de causalidade múltipla.

As conseqüências práticas da adoção de determinadas teorias são enormes e não podem ser ignoradas pelo aplicador do direito; afinal, apenas será possível traçar um liame lógico-jurídico entre conduta e dano, se verificarmos concretamente a existência do nexo causal, e os pressupostos teóricos que utilizarmos nessa tarefa é que determinarão positiva ou negativamente a existência da relação de causalidade.

Entrementes, uma vez configurado o nexo causal, este apenas será ilidido se presentes as excludentes do nexo causal, ou seja: i) fato da vítima; ii) fato de terceiro; iii) força maior e caso fortuito. A correta aplicação das excludentes, de modo razoável e proporcional, é fundamental para a adequada incidência do regime objetivo de responsabilização estatal.

 

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Notas:
[1] FREITAS, Juarez (Org.). Responsabilidade civil do estado. São Paulo: Malheiros, 2006.
[2] Breve panorama da crise de legitimação por que passa a atual Administração é bem colocado por João Carlos Simões Gonçalves LOUREIRO, no seu O procedimento administrativo entre a eficiência e a garantia dos particulares: algumas considerações. Boletim da Faculdade de Direito. Stvdia Ivridica 13. Coimbra: Coimbra Editora, 1995; p. 94-103. A disciplina da responsabilidade extracontratual do estado não é indiferente à chamada crise do Direito Administrativo, que como bem salienta Odete MEDAUAR: “O termo crise, de uso freqüente para o direito em geral, para o Estado, para determinadas figuras jurídicas, referido ao direito administrativo expressa situação de passagem para um novo momento de sua elaboração. Adquirido o status de ciência autônoma, edificada sua estrutura sistemática fundamental, seu nível de maturidade permite que evolua, sem riscos de diluição das suas características científicas. (…) Este é o significado da crise atribuída ao direito administrativo: sua passagem para um momento de modificação de antigas concepções.” O direito administrativo em evolução. 2a ed., rev. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 266.
[3] Acerca dos desafios da Administração hodierna, não poderíamos deixar de mencionar as atualíssimas palavras de Amaro CAVALCANTI, ao expor sobre os desafios do século XIX para o XX em matéria de responsabilidade estatal: “Só assim, de um lado a Administração Pública (lato sensu) poderá agir, livre de tropeços, na sua missão tutelar dos direitos e interêsses gerais do Estado e da nação; e de outro lado, os indivíduos particulares e as associações privadas se considerarão, efetivamente garantidos contra os excessos ou violências da autoridade ou funcionário público, que venham, por ventura, lesá-los na sua liberdade, na sua propriedade, ou nos direitos, que lhes pertençam.” Responsabilidade civil do estado. atual. por José de Aguiar Dias, Tomo I, Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1957, p. 140.
[4] Na esteira de Romeu Felipe BACELLAR FILHO: “A reparação – como já assentado – subordina-se à demonstração do nexo causal e da conduta do agente ou do aparato administrativo, observadas as causas mitigadoras ou excludentes.” Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 204. Nessa linha vai o entendimento de Weida ZANCANER: “Importante dizer que o rompimento do nexo causal faz ruir toda a estrutura de imputação de responsabilidade a quem quer que seja, e sua falta, como não poderia deixar de ser, acarreta a inexistência de responsabilidade.” Da responsabilidade extracontratual da administração pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1981, p. 70.
[5] Sem querer adentrar aspectos que fogem aos objetivos deste texto, parece-nos embora o conceito de responsabilidade no direito público tenha suas peculiaridades, há evidente compartilhamento com os conceitos da responsabilidade no Direito Privado, nem por isso havendo retrocesso nas conquistas da matéria no âmbito da publicística, que remonta aos célebres arrêts do Conseil d’État: Rothschild, Blanco, Pelletier, Cames, La Fleurette, e outros, conforme José CRETELLA JÚNIOR. Tratado de direito administrativo. Vol. VIII Responsabilidade em direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 74-80. Nesse mesmo caminho ensina Alvino LIMA: “A responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público pelos atos ilícitos de seus órgãos e funcionários ou agentes públicos, em geral, embora seja mais complexa, é regida, em substância, pelos mesmos princípios gerais que regulamentam a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado, e as soluções são comumente idênticas.” A responsabilidade civil pelo fato de outrem. 2a ed. rev. e atual., por Nelson Nery Jr. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 176-177. Em sentido oposto caminha Juary C. SILVA: “No que respeita ao tema da responsabilidade, a distinção entre Direito Público e Privado é fundamental, visto como ela é informada, em cada um deles, de maneira diversa”. A responsabilidade do estado por atos judiciários e legislativos. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 40.
[6] CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado. 2a ed. ampl., rev., e atual., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 42-43.
[7] CAVALIERI FILLHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5a ed. , rev., aum. e atual., 2a tiragem, São Paulo: Malheiros, 2004, p. 66.
[8] Ibidem.
[9] Como assevera José Carlos OLIVEIRA: “A responsabilidade do erário ocorrerá somente quando estiver devidamente evidenciada a relação de causalidade entre o comportamento que seja imputável e o dano, devidamente comprovado. A causa provocadora do dano tem que ser necessariamente vinculada ao Estado, ainda que não seja a causa única da ocorrência; mas deve ser suficiente idônea para produzir o resultado antijurídico. A causa que propiciou o dano tem de relacionar-se direta e indiretamente como resultado apontado como injusto.” Responsabilidade patrimonial do Estado: danos decorrentes de enchentes, vendavais e deslizamentos. Bauru: Edipro, 1995, p. 45.
[10] CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 23.
[11] Para Fernando NORONHA, “As teorias da causalidade procuram saber, dentre todos os fatores sem os quais um determinado dano não teria ocorrido, quais devem ser selecionados como dele determinantes. Os fatores determinantes serão causas, os demais serão meras condições. Condições, assim, são todos os fatores que estão na origem de um dano, são todos os elementos sem os quais ele não teria sido produzido, são todas as circunstâncias de que não se pode abstrair, sem mudar o resultado danoso. Causas do dano são apenas aquelas condições consideradas como sendo efetivamente determinantes desse resultado.” O nexo de causalidade na responsabilidade civil. In: Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina – ESMESC, vol 15, jun. 2003, p. 127.
[12] Em tal senda, concordamos com o entendimento de Juarez FREITAS: “Não há nada que justifique o tratamento radicalmente distinto entre ações e omissões, no modelo constitucional brasileiro: a responsabilidade é proporcional, seja por ações, seja por omissões danosas causadas por agentes das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras dos serviços de titularidade do Poder Público.” A responsabilidade do estado e a eficácia imediata dos direitos fundamentais. In: Revista Negócios Públicos, Ano II, n° 06, 2005, p. 42.
[13] Acerca dos princípios que informam a atuação da Administração pública na consecução de seus altaneiros fins, fazemos remissão ao trabalho de Ruy Samuel ESPÍNDOLA, no seu Princípios constitucionais e atividade jurídico-administrativa: anotações em torno de questões contemporâneas. In: Dos princípios constitucionais. George Salomão Leite (Org.), São Paulo: Malheiros, 2003, p. 254-293. Ainda na esteira desses princípios, importantes as observações de Juarez FREITAS, que na aplicação do nexo causal adota a teoria dos danos diretos e imediatos e agrega a fundamental aplicação do princípio da proporcionalidade. Cf. o seu: A responsabilidade do estado e a eficácia imediata dos direitos fundamentais, op. cit., p. 42-44.
[14] BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 195.
[15] Idem, p. 195-196.
[16] Idem, p. 209.
[17] A obra de Gisela Sampaio da CRUZ, aqui utilizada em face da abordagem analítica da questão do nexo causal, e cuja leitura recomendamos para aprofundamento do tema, aborda as seguintes teorias do nexo causal: 1) Teoria da equivalência dos Antecedentes causais, 2) Teoria da Causa Próxima; 3) Teoria da Causa Eficiente e da Causa Preponderante; 4) Teoria da Causalidade Adequada; 5) Teoria da Regularidade Causal; 6) Teoria do Escopo da Norma Jurídica Violada; 7) Teoria da Ação Humana; 8) Teoria do Dano Direto e Imediato 96. Op. cit., p. 33-153.
[18] A obra de Yussef Said CAHALI apresenta panorama das teorias acerca do nexo causal, a saber: 1) teoria da equivalência das condições, supra mencionada, na qual todas as condições são equivalentes sem a distinção do que é causa e o que é condição; 2) teoria da causa próxima, e da causa direta, segundo a qual se seleciona causa de relevância e cronologicamente próxima do evento danoso; 3) teoria da causalidade eficiente, onde a causa seria a que tivesse “intrínseco poder de produção do fenômeno”; 4) teoria negativa de M. E. Mayer, que aborda negativamente a causalidade, considerando que toda condição “sine qua non relevante carece de uma relação de causalidade para efeito de imputação das conseqüências”, sendo decisiva a indagação da culpabilidade; 5) teoria da causalidade típica, que subordina a questão da ação a um tipo no âmbito penal, e não ao problema da causalidade. 6) teoria da causalidade adequada, na qual “não basta que o fato seja condição de um resultado para que o agente possa se considerar autor desse evento”. Op. cit., p. 96.
[19] PEREIRA. Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9a ed., rev. e atual., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p. 78.
[20] CRUZ, Gisela Sampaio. Op. cit., p. 40-41.
[21] Valendo-se ainda da sétima arte, por igual fundamento, seria possível responsabilizar o estabelecimento bancário que incentiva a abertura de contas-corrente através da doação de arma de fogo aos novos e bem armados clientes, como bizarramente se pode verificar no documentário Tiros em Columbine.
[22] Cf. Gustavo TEPEDINO, em Notas sobre o nexo de causalidade. In: Revista Jurídica. Porto Alegre: Notadez, n° 296, jun., 2002, p. 11.
[23] CRUZ, Gisela Sampaio da. Op. cit., p. 144.
[24] CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 98.
[25] NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 135.
[26] CRUZ, Gisela Sampaio da. Op. cit., p. 64-66.
[27] CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 98-99.
[28] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 68.
[29] Nesse sentido, ver as observações de Fernando NORONHA, op. cit., p. 136-140.
[30] Idem, p. 139.
[31] CRUZ, Gisela Sampaio da. Op. cit., p. 80.
[32] Como bem assinala Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO: “Não há confundir dano patrimonial, dano econômico, com dano em direito. O primeiro é qualquer prejuízo sofrido por alguém, inclusive por ato de terceiro consistente em uma perda patrimonial que elide total ou parcialmente algo que se tem ou que se terá. O segundo, ademais de significar subtração de um bem ou consistir em impediente a que se venha tê-lo, atinge bem a que se faz jus. Portanto, afeta o direito a ele. Incide sobre algo que a ordem jurídica considera pertinente ao lesado. Logo, o dano assim considerado pelo Direito, o dano ensanchador de responsabilidade, é mais que simples dano econômico. Pressupõe sua existência, mas reclama que consista em agravo a algo que a ordem jurídica reconhece como garantido em favor de um sujeito.” Curso de direito Administrativo. 11a ed., rev. atual e ampl., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 679.
[33] CRUZ, Gisela Sampaio da. Op. cit., p. 83.
[34] Exemplo de Tribunais que utilizam, ainda que não exclusivamente a Teoria da Causalidade Adequada: “TJ/RJ, 3a Câm. AC 2003.001.28359, Rel. Des. Walter Agostinho, j. 25.05.2004; TJ/RJ, 6a Câm. Cív., AC 2003.001.17630, Rel. Des. Nagib Slaibi Filho, j. 27.04.2004; TJ/RJ, 3a Câm. Cív. AC 2003.001.14129, Rel. Des. Murilo Andrade de Carvalho, j. 02.03.2004; (…) TJ/SC Ap. Cív. 2000.003966-7, Rel. Anselmo Cerello, j. 29.05.2002; TJ/SC 1ª Câm. Civ., AC 00.009308-4, Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. 14.08.2001; TJ/SC 4a Câm., Civ., AC 97.001971-8, Rel. Des. Pedro Manuel Abreu, j. 31.08.2000.” Cf. Gisela Sampaio da CRUZ, op. cit., p. 130 e 148.
[35] Observação quanto a essa confusão conceitual é bem trazida por Gisela Sampaio da CRUZ: “A bem da verdade, muitos dos autores que consideram a Teoria da Causalidade Adequada à teoria adotada pelo direito brasileiro, no momento de aferir o nexo causal, buscam, no mais das vezes, a causa necessária ao dano, confundindo-a com a Teoria do Nexo Causal Direto e Imediato”. O problema do nexo causal na responsabilidade civil, op. cit., conf. nota de rodapé. p. 85.
[36] Idem, p. 102.
[37] Idem, p. 98-99.
[38] O posicionamento de Henry DE PAGE, é bem sintetizado por Gustavo TEPEDINO: “Segundo ele [DE PAGE] o nexo causal implica a necessariedade do dano, pouco importando que se trate de conseqüência direta ou indireta, desde que possa ser considerado uma conseqüência certa do ilícito.” Importantes igualmente as observações constantes do original: “L’expression ‘dommage indirect’ est un terme impropre à plus d’un titre. On se sert d’abord de cette expression pour qualifier des choses très different (…) Le dommage indirect ne donne jamàis fleu à reparation, ni em matière contractuelle, ni en matière aquillenne. En réalité, lorsqu’on dit qu’il y a dommage indirect, on entend simplement souligner que la relation causale n’existe pas. Or, nous avon vu que, pour que la relation causale existe, in ne faut pas qu’elle soit directe; elle peut étre indirect, c’est-à-dire médiate, dès l’instant ou elle est necessaire lorsque le dommage est une suite certaine de ta faut. Elle cesse dès que cette certitude n’existe plus. Cela est clair et cela suffit. L’expression ‘dommage indirect’, qui prête a confusion devrait donc disparaître de notre langue.” Op. cit., p. 11
[39] CRUZ, Gisela Sampaio da. Op. cit., p. 108-109.
[40] Os sistemas de distribuição da responsabilidade fogem aos limites traçados para este estudo. A eles fazemos apenas menção. O i) sistema da paridade, como o próprio nome indica, propõe a divisão do dano em partes iguais; o ii) sistema da gravidade da culpa divide o dano na proporção da culpa dos agentes causadores do dano, embora nem sempre a culpa mais gravosa implique num dano mais significativo; iii) o sistema do nexo causal divide a distribuição do dano na medida da “eficácia causal” das condutas. Para aprofundar o tema, sugerimos a obra de Gisela Sampaio da CRUZ, Op. cit., p. 325-344.
[41] Apesar de não ser o tema central de nosso estudo, é bom lembrar a distinção que a doutrina faz entre as omissões genéricas e específicas. As omissões genéricas, como o dever de segurança prestado pelo Estado aos seus cidadãos, em face da impossibilidade da onipresença estatal, em regra não conduzem a indenização, a exemplo dos assaltos em logradouros públicos não indenizáveis pelo Estado. Contudo, quando a conduta omissiva é específica, ou seja, decorre de omissão pontual e individuada do Estado, pode haver a respectiva indenização, como por exemplo, a polícia rodoviária federal libera veículo sem condições de trafegabilidade por seu visível estado de má conservação, e este vem a provocar acidente logo adiante, causando dano a terceiro. Acerca da distinção entre omissão genérica e específica, fazemos remissão à obra de Sérgio CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 248. Similar a tal entendimento é o de Marçal JUSTEN FILHO, que distingue os ilícitos omissivos próprios dos ilícitos omissivos impróprios. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 800. Para nós, a única divergência reside no apelo à responsabilidade subjetiva nas condutas omissivas impróprias, afinal se não é exigível da Administração que aja concretamente em determinados casos, em face da inviabilidade fática de fazê-lo, igualmente não será possível perquirir-lhe a responsabilidade subjetiva, mormente quando se lhe aplica a objetiva.
[42] Além de preponderante no STF e no STJ, a teoria dos danos diretos e imediatos vem sendo cada vez mais utilizada nos tribunais estaduais, como se pode inferir dos seguintes julgados: “TJ/RJ, 1a Câm. Cív. AC 2002.001.05420, Rel. Des. Maurício Caldas Lopes, j. 25.06.2002; TJ/RJ 1a Câm, Cív., AC 1999.00102428, Rel. Nagib Slaibi Filho, j. 25.05.1999; TJ/RJ 11a Câm. Cív., AC 1998.001.00058, Rel. Des. João N. Spyrides, j. 23.03.1999; (…) TJ/SC, 1a Câm. Civ., AC 02.005293-6, Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. 13.08.2002; TJ/SC, 6a Câm. Civ., AC 1999.009732-3, Rel. Des. Newton Trisotto, j. 24.06.2002.”, CRUZ, Gisela Sampaio da. Op. cit., p. 130-147.
[43] Como bem salienta Odete MEDAUAR: “Se outra atuação, outro acontecimento, provados pela Administração, levaram ao dano, sem o vínculo ou sem o vínculo total ou parcial com a atividade administrativa, poderá haver isenção total ou parcial do ressarcimento.” Direito administrativo moderno. 2a ed., rev. e atual., 1998, p. 391.
[44] No âmbito da responsabilidade civil subjetiva, as excludentes de ilicitude demandam maiores reflexões, visto que podem efetivamente excluir a responsabilidade, além de interferirem diretamente nas conseqüências do nexo causal, como se deflui do disposto no art. 929 e 930, parágrafo único, do Código Civil. Assim, se X desvia seu automóvel de manobra imprudente e potencialmente perigosa causada por Z, e em razão disso atinge outro automóvel dirigido por Y, será possível Y demandar contra X, e este poderá mover a respectiva ação regressiva contra Z. Essa conseqüência imposta pelo direito positivo, a nosso sentir contrasta com melhor solução do ponto de vista puramente causal. Ora, se alguém causa um sinistro em função de ter desviado de ação de terceiro sem a qual o dano não se teria realizado, parece-nos injusto que tenha de arcar com o ônus indenizatório para buscar posterior ressarcimento do causador originário do dano (ainda que possa fazê-lo via denunciação da lide). Evidentemente que, no exemplo em tela, se X adota, na condução de seu automóvel, manobras defensivas que extrapolam o que seria razoável e necessário, causando o dano, poderia então responder efetivamente perante Y. Aliás, há nítida contradição entre o disposto no art. 929 e 930 do CC, com o disposto no art. 188, II do mesmo diploma, pois se a conduta na referida hipótese não é ilícita, como responsabilizá-la? Em posição oposta à por nós adotada, está Carlos Roberto GONÇALVES, ao criticar decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que justamente transpôs esta questão para o âmbito puramente causal, in verbis: “Destoa deste entendimento decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que desconsiderando a hipótese de estado de necessidade e deslocando a solução para o âmbito da ausência de nexo causal direto e imediato entre a conduta e evento e da ausência de previsibilidade e conseqüente imputabilidade, assentou: ‘Não há obrigação de indenizar da parte do motorista que, para não atropelar uma criança, que surgiu na frente do ônibus, lançou este contra um carro estacionado’. Não podemos, no entanto concordar em que o prejuízo recaia sobre a vítima inocente. Entre responsabilizar a empresa de transporte coletivos que assumiu o risco de explorar tal serviço, colocando em atividade máquina potencialmente perigosa, ou isentá-la de qualquer responsabilidade, fazendo com que todo o prejuízo seja suportado por aquele que nenhuma culpa teve no evento (o dono da coisa danificada), mais justa é sem dúvida a primeira alternativa, ressalvando-lhe a possibilidade de propor ação regressiva contra o responsável pela criança.” Responsabilidade civil. 9a ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 732. Em nossa opinião, do ponto de vista estritamente causal, parece justo que a concessionária de transporte coletivo não deva ser responsabilizada em tal hipótese. Contudo, se partirmos da premissa que o risco pelo transporte deve ser arcado pela concessionária e que tais riscos lhe são previamente conhecidos, poderíamos, em face da Teoria do Risco Administrativo, deixar de aplicar a excludente fato de terceiro, mantendo a relação causal. Contudo, em matéria de aplicação das excludentes de nexo na responsabilidade objetiva pelo risco administrativo é sempre tormentoso estabelecer as balizas que efetivamente separam um risco “previsível” dos “não-previsíveis”, sob pena de responsabilizarmos a Administração sem a possibilidade de invocar qualquer excludente de nexo causal, o que, para parte da doutrina, enquadrar-se-ia no risco integral.
[45] Tal caso trazido por Sérgio CAVALIERI FILHO, trata da Ap. 2.440/91 da 6a Câmara do Tribunal de Alçada do Estado do Rio de Janeiro, em que o réu, ao dirigir seu veículo em altíssima velocidade e ainda de faróis apagados, colidiu na traseira de uma moto que trafegava regularmente e matou jovem que não usava capacete. Naquela oportunidade, entendeu-se pela ocorrência de culpa concorrente. A decisão foi posteriormente reformada pelo 4o Grupo de Câmaras da aludida Corte, no EInfrs. 247/93, que afastou a culpa concorrente. Programa de responsabilidade civil, op. cit., p. 77-78.
[46] CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 61-62.
[47] CRUZ, Gisela Sampaio da. Op. cit., p. 180.
[48] Idem, p. 182.
[49] Idem, p. 184-188.
[50] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 84.
[51] CRUZ, Gisela Sampaio da. Op. cit., p. 195.
[52] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit.,  p. 84-85.
[53] CRUZ, Gisela Sampaio da. Op. cit., p. 199-200.
[54] Idem, p. 203-205.
[55] NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 127.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Rodrigo Valgas dos Santos

 

Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Universidade Regional de Blumenau – FURB. Presidente do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina – IDASC. Professor de Direito Administrativo de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Florianópolis/SC e da extensão da Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina – ESMESC. Coordenador do Curso de Especialização em Direito Administrativo do Complexo de Ensino Superior do Estado de Santa Catarina – CESUSC. Advogado e Consultor Jurídico.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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