Resumo: Trata-se acerca da existência ou não de direito subjetivo à nomeação a cargo/emprego público, quando da aprovação dos candidatos nos certames de seleção, à luz da doutrina e jurisprudência pátrias. Nesta perspectiva, delineia-se, inicialmente, a postura clássica perfilhada pelo Supremo Tribunal Federal, a doutrina favorável à referida e os reflexos daquela na jurisprudência nacional. Noutro ponto, analisa-se o novel postulado acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça e a adoção deste pela doutrina e jurisprudência brasileiras. Por fim, busca-se, cotejando as duas correntes que se ocupam do tratamento da matéria, analisar qual vertente se mostra mais coerente no atual Estado Democrático de Direito, tecendo-se, inicialmente, breves comentários acerca da evolução história do Estado, para, entendido o papel e as feições do referido ente no ordenamento jurídico pátrio, compreenda-se a coesão ou não de cada postulado. Para persecução da proposta aqui aventada, utilizou-se precipuamente da pesquisa bibliográfica e da análise jurisprudencial, elencando-se os principais referenciais teóricos nas searas administrativa e constitucional.[1]
Palavras chave: Certames Públicos. Investidura. Direito. Existência.
Sumário: Introdução. 1 – Aprovação Em Concurso Público Como Mera Expectativa. 1.1 Posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal. 1.2 Possível conflito entre a súmula n. 15 do Supremo Tribunal Federal e os princípios do direito administrativo. 1.3 Doutrina favorável. 1.4 Reflexos na jurisprudência. 2 – O Direito Subjetivo à Nomeação a Cargo/Emprego Público. 2.1 O novo parâmetro defendido pelo Superior Tribunal de Justiça. 2.2 A corrente doutrinária favorável. 2.3 Reflexos na jurisprudência. 3 – Direito Subjetivo X Mera Expectativa. 3.1 A evolução histórica do Estado e suas atuais feições. 3.2 Qual entendimento mais coerente? 3.3 Efeitos práticos da adoção de cada posicionamento. 3.4 O papel dos operadores do direito na defesa da postura mais justa. 4- Considerações Finais. Referências Bibliográficas e Fontes Consultadas
INTRODUÇÃO
É crescente o número de pessoas que se voltam à busca de melhores condições de vida, proporcionadas, em parte, pela realização profissional proporcionada pelo trabalho exercido por cada qual.
Nesta perspectiva, a sistemática do serviço público, acessível, via de regra, através de concurso público, mostra-se cada vez mais atrativa, haja vista as diversas vantagens que oferece aos servidores estatais. Em decorrência disso, o interesse pelos certames públicos aumenta consideravelmente entre os indivíduos, fazendo nascer toda uma estrutura voltada àqueles que desejam se preparar para a árdua concorrência.
Ponto intrigante e ainda controvertido no ordenamento jurídico é a questão referente à situação daqueles que logram êxito nos procedimentos seletivos públicos: haveria direito subjetivo dos aprovados à nomeação ou ter-se-ia tão-somente uma expectativa de direito?
Diversos são os questionamentos que decorrem do quadro retro, sendo que não raras vezes os candidatos urgem de pronunciamento jurisdicional para a resolução do impasse criado.
Num primeiro momento a problemática será encarada segundo a hermenêutica do Supremo Tribunal Federal, sendo, em momento oportuno, cotejada com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
A temática ora discutida vem sendo enfrentada há tempo considerável pelo judiciário brasileiro, que possuiu como parâmetro inicial, conforme se delineará na parte inicial desta pesquisa, o posicionamento clássico da inexistência de direito subjetivo de nomeação, adotado reiteradamente pelo Supremo Tribunal Federal e materializado na súmula número 15 dessa Corte, amplamente utilizada pelos demais órgãos jurisdicionais pátrios ao emitirem pronunciamentos sobre a matéria.
Entretanto, tal entendimento constantemente vem sendo questionando judicialmente, haja vista a necessidade de mudança na abordagem da problemática, que deve passar a observar as noções constitucionalistas contemporâneas que tratam das novas feições do dito Estado Democrático de Direito.
Nesta perspectiva, a discussão ganha novo fôlego a partir da proposta defendida pelo Superior Tribunal de Justiça, que, desde 2008, imprime vigor à tese de que os candidatos aprovados em concurso público possuem direito subjetivo à nomeação dos cargos/empregos públicos aos quais concorreram desde que estejam aprovados entre o número de vagas estabelecidas no edital regulamentador do certame.
Voltando-se a este novo parâmetro, tratar-se-á no posteriormente sobre a nova sistemática proposta pelo Superior Tribunal de Justiça através da abordagem do tema quanto à existência ou não de direito subjetivo dos concursados à nomeação aos cargos/empregos públicos pleiteados, apresentando os apontamentos da doutrina favorável bem como a adesão da jurisprudência à nova ótica.
Desta maneira, abordadas de forma exaustiva as duas correntes existentes no ordenamento jurídico brasileiro acerca do status jurídico dos aprovados em concursos públicos, resta, através da análise dos dois posicionamentos, ponderar qual entendimento mostra-se mais coerente na atual sistemática jurídica brasileira, que se embasa nos ditames do Estado Democrático de Direito e nos princípios que dele decorrem.
Ao fim, será promovido um confronto analítico entre as duas correntes que se ocupam da matéria, examinando qual destas melhor se adequa aos preceitos jurídicos contemporâneos. Para tanto, serão feitas observações acerca da evolução histórica do papel do Estado e seu atual perfil, para que, entendidas quais as feições do dito Estado Democrático de Direito no qual se insere a realidade sócio-política brasileira, possa ser defendida qual postura se mostra mais coerente, abordando-se ainda os efeitos práticos decorrentes da adoção de cada vertente e o papel dos operadores do direito na defesa da postura que se apresenta mais justa.
Ficam claros, portanto, os objetivos perseguidos no presente: numa ótica geral, busca-se analisar as hipóteses que, conforme doutrina e jurisprudência pátrias, configurarão a aprovação em concurso público de provas e/ou títulos em direito subjetivo à nomeação ou em mera expectativa de direito, delineando, portanto, as duas perspectivas presentes na dinâmica jurídica brasileira, e, destrinchando as nuances da matéria, almeja-se especificamente verificar o tratamento dado pela jurisprudência à discussão central deste artigo, entender a sistemática atual proposta pela doutrina brasileira e conhecer as implicações jurídicas resultantes da adoção de um ou outro posicionamento quanto à existência ou não de direito subjetivo à nomeação a cargo/emprego público.
Neste mister, serão trazidas à baila as principais referências doutrinárias presentes nas searas constitucional e administrativa, cotejando-as de forma constante face aos principais pronunciamentos jurisprudenciais de nosso país, para que, dissecado o cerne da questão, seja possível formar um arcabouço teórico que possa demonstrar possibilidades coerentes para resolução da problemática em tela.
1 – APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO COMO MERA EXPECTATIVA DE DIREITO
1.1 POSIÇÃO ADOTADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
No ordenamento jurídico brasileiro existem duas vertentes que abordam a situação dos candidatos aprovados nos concursos públicos destinados ao ingresso nos quadros funcionais do Estado: a primeira entende que a aprovação em concurso público, via de regra, gera ao aprovado única e exclusivamente a mera expectativa de direito à nomeação, ao passo que a segunda defende a existência de direito subjetivo em prol daqueles que lograram êxito nos certames públicos em que há número de vagas pré-fixadas no edital regulamentador.
Posicionando-se quanto à matéria supramencionada, o Supremo Tribunal Federal, pela maioria de seus membros, filia-se à corrente de que os candidatos aprovados terão, prima facie, apenas a mera expectativa de nomeação.
Ao longo do tempo, cristalizou-se no âmbito do Pretório Excelso o teor do texto sumulado, consoante se verifica nos precedentes abaixo colacionados:
“CONCURSO PÚBLICO: DIREITO À NOMEAÇÃO: SÚMULA 15 – STF. Firmou-se o entendimento do STF no sentido de que o candidato aprovado em concurso público torna-se detentor de mera expectativa de direito, não de direito à nomeação: precedentes. O termo dos períodos de suspensão das nomeações na esfera da Administração Federal, ainda quando determinado por decretos editados no prazo de validade do concurso, não implica, por si só, na prorrogação desse mesmo prazo de validade pelo tempo correspondente à suspensão.” (Supremo Tribunal Federal in Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 501.573-1 Distrito Federal, Primeira Turma. Relator Ministro Sepúlveda Pertence, data de julgamento 12/04/2005, DJ em 26/08/2005)
“RECURSO. EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO. ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO. OBSERVÂNCIA. PRETERIÇÃO. INEXISTÊNCIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 15.A aprovação em concurso público não gera, em princípio, direito à nomeação, constituindo mera expectativa de direito. Esse direito surgirá se houver o preenchimento de vaga sem observância de ordem classificatória.”
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. SERVIDOR PÚBLICO. PROVIMENTO DERIVADO. APROVEITAMENTO DE SERVIDORES DE OUTOR ÓRGÃO À DISPOSIÇÃO DOS TRF NOS TERMOS DA LEI N. 7227/89. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. A jurisprudência fixada a partir da ADI n. 231, DJ de 13.11.92, de que o ingresso nas carreiras públicas se dá mediante prévio concurso público, não alcança situações fáticas ocorridas anteriormente ao seu julgamento, mormente em período cujo entendimento sobre o tema não era pacífico nesta Corte.”
“RECURSO. AGRAVO. REGIMENTAL. JURISPRUDÊNCIA ASSENTADA SOBRE A MATÉRIA. CARÁTER MERAMENTE ABUSIVO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IMPOSIÇÃO DE MULTA. APLICAÇÃO DO ART. 557, §2°, CC. ARTS. 14, II E III, E 17, VII, DO CPC. Quando abusiva a interposição do agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o Tribunal condenar o agravante a pagar multa ao agravado.” (Supremo Tribunal Federal in Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 306.938-1 Rio Grande do Sul, Segunda Turma. Relator Ministro Cezar Peluso, data de julgamento 18/09/2007, DJ em 11/10/2007)
“EMENTA: RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. NOMEAÇÃO DE CANDIDATA APROVADA EM CONCURSO PÚBLICO. PRETERIÇÃO NA ORDEM CLASSIFICATÓRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO DO DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO PROFERIDA NA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N. 4/DF. RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE. 1. O pedido de nomeação e posse em cargo público, decorrente de preterição na ordem de classificação dos aprovados em concurso público, não se confunde com o pagamento de vencimentos, que é mera conseqüência lógica da investidura no cargo para o qual concorreu. 2. Aplicação da súmula 15 deste Supremo Tribunal Federal: “dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”. 3. As consequências decorrentes do ato de nomeação da Interessada não evidenciam desrespeito à decisão proferida nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 4/DF. Precedentes. 4. Reclamação julgada improcedente.” (Supremo Tribunal Federal in Reclamação n. 4879 Ceará, Tribunal Pleno. Relatora Ministra Cármen Lúcia, data de julgamento 20/05/2009, DJ em 01/10/2009)
Apesar de majoritário, o ideário de total inexistência de direito de concursados à nomeação não é uníssono entre os membros do Supremo Tribunal Federal. De forma constante o ministro Marco Aurélio tem demonstrado apreço à modificação do posicionamento esposado pela Corte, sendo acompanhado recentemente pela ministra Cármen Lúcia, esta que relatou acórdão inédito pelo qual a Suprema Corte entendeu pela existência de direito subjetivo à nomeação dos aprovados em concurso público quando classificados dentro do número de vagas, conforme se constata do excerto a seguir transcrito:
“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NOMEAÇÃO DE APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE VAGAS PARA CARGO PÚBLICO COM LISTA DE APROVADOS EM CONCURSO VIGENTE: DIREITO ADQUIRIDO E EXPECTATIVA DE DIREITO. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO EM PROVER CARGOS VAGOS: NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. ARTIGOS 37, INCISOS II E IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Os candidatos aprovados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a vagar no prazo de validade do concurso. 2. A recusa da Administração Pública em prover cargos vagos quando existentes candidatos aprovados em concurso público deve ser motivada, e esta motivação é suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.” (Supremo Tribunal Federal in Recurso Extraordinário n. 227.480-7 Rio de Janeiro, Primeira Turma. Relator Originário Ministro Menezes Direito, Relatora para o acórdão Ministra Carmén Lúcia, data de julgamento 10/06/2008, DJ em 21/08/2009)
Conclui-se, portanto, da singela leitura dos votos já apresentados, que a reflexão a respeito da existência ou não de direito à nomeação a cargo/emprego público, apesar de majoritária, não é matéria pacífica entre os membros do STF. A discussão acerca da divergência de posicionamento no referido tribunal, dada sua constante discussão junto àquele órgão, talvez resulte no decorrer dos anos na modificação do pensamento preponderante na Excelsa Corte até o momento.
1.2 POSSÍVEL CONFLITO ENTRE A SÚMULA N. 15 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Na lição de Carvalho Filho (2008, p. 16):
“os princípios administrativos são os postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exercício de atividades administrativas”.
De igual forma, Freire (2009, p. 21), menciona que “(…) princípios administrativos são os postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública.”
Os princípios administrativistas podem ser divididos em dois grupos: expressos e reconhecidos. Os primeiros são aqueles que se encontram insculpidos nas disposições da Carta Magna ao tratar da Administração Pública (art. 37), enquanto os segundos, apesar de não constarem expressamente no corpo do texto constitucional, são aqueles aceitos pela doutrina e jurisprudência pátrias, pois, de certa forma, decorrem dos postulados constitucionais que regem a Administração (Carvalho Filho, 2008, p.17).
Nesta perspectiva, considerando-se que a Administração Pública deve manter observância à principiologia que a circunda, é possível chegar-se à conclusão de que a Súmula n. 15 da Excelsa Corte, ainda vigente em nosso ordenamento, apresenta certa desconformidade com os princípios da moralidade administrativa, da razoabilidade e da proporcionalidade.
Analisada em conjunto com os pronunciamentos jurisprudenciais anteriormente colacionados, infere-se que para o Supremo Tribunal Federal prevalece a tese de que os candidatos aprovados em certames públicos, sem distinções, têm mera expectativa de direito à nomeação, expectativa esta que se só se convalidará em direito subjetivo quando, nos termos do pronunciamento sumulado, o cargo for preenchido sem observância à ordem classificatória.
Evidencia-se assim que a Suprema Corte brasileira, ao pronunciar-se face aos casos concretos, tem desconsiderado, por vezes, se o concurso público realizado pela Administração possuía ou não número certo de vagas previsto no edital regulamentador do certame.
Segundo Carvalho Filho (2008, p. 19):
“O princípio da moralidade impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios da conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também em distinguir o que é honesto do que é desonesto”.
A seu turno, Valle (2006, p. 57) consigna que:
“(…) o princípio da moralidade vai corresponder ao conjunto de regras de conduta da Administração que, em determinado ordenamento jurídico, são consideradas os Standards comportamentais que a sociedade deseja e espera”.
Por fim, Moraes (2005, p. 101) assevera que:
“Pelo princípio da moralidade administrativa, de difícil conceituação doutrinária, não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade; deverá ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública”.
Desta maneira, seria ético impor ao administrado diversas exigências sem que seja dada ao mesmo qualquer contrapartida? É justamente neste posto que reside a possível afronta ao princípio constitucional da moralidade administrativa, haja vista que ainda nos casos em que há cargos vagos delimitados no edital de seleção a Administração estaria autorizada, por razões de conveniência e oportunidade, a não promover quaisquer nomeações.
E tal postura estatal poder-se-á se mostrar temerária, pois o administrador teria em suas mãos a total prerrogativa de “desconsiderar” a existência de aprovados em determinado certame.
Ademais, recordando-se que, segundo a doutrina, o edital, de certa forma, estabelece “lei entre as partes”, é deveras melindroso defender que o Estado possa simplesmente permanecer inerte, sem que seja demonstrada a existência de convincentes motivos que, em detrimento dos concursados, o impeçam de prover os cargos objeto do certame, pois, por via reflexa, o próprio poder público fica prejudicado por não possuir o implemento eficaz de todas suas funções ante o desfalque de seu quadro funcional.
Noutro ponto, a razoabilidade, princípio que o administrador deve observar no uso de suas atribuições, também resta prejudicada com a adoção do ideário da mera expectativa, já que a Administração poderia, sob o resguardo do entendimento sumulado, agir de forma insensata e imprudente em face dos aprovados no concurso público, mesmo que existam cargos vagos, o que resultaria na ausência de qualquer responsabilidade do administrador público.
Mello (apud GASPARINI, 2008, p.24), exemplifica como ofensivas à razoabilidade administrativa:
“as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada”.
Dentro desta ordem de ideias, podendo o Estado deixar de nomear os concursados sem a inequívoca existência de motivos justificadores, além de não realizar o ato para o qual se lançou certame, qual seja, a implementação do quadro funcional público, deixar-se-ia o interessado à mercê da própria sorte, mesmo após este ter cumprido todos os requisitos exigidos pela administração e logrado êxito entre os aprovados dentro do número de vagas estipuladas, o que demonstraria a inobservância à sensatez e coerência indispensáveis à atuação estatal. Compartilha deste entendimento Di Pietro (2009, p. 527), aduzindo que:
“(…). Se o poder público realiza o concurso, que é um procedimento oneroso, é porque necessita de pessoal para preenchimento dos cargos vagos. Não tem sentido e contraria o princípio da razoabilidade o Poder Público deixar de nomear os candidatos aprovados em consonância com o edital. Menos justificável ainda é a hipótese cogitada no inciso IV do art. 37 da Constituição, em que a Administração Pública inicia outro concurso público quando existem candidatos habilitados em concurso anterior”.
Por fim, a defesa irrestrita da inexistência de direito dos concursados mitiga por sua vez o princípio da proporcionalidade, posto que tal conduta poderá estar corroborando ato estatal que, em sua essência, revele-se um verdadeiro abuso de poder.
Ao dissertar acerca da função do princípio da proporcionalidade, Carvalho Filho (2008, p. 34), leciona que:
“O princípio da proporcionalidade, que está ainda em evolução e tem sido acatado em alguns ordenamentos jurídicos, guarda alguns pontos que o assemelham ao princípio da razoabilidade e entre eles avulta o de que é objetivo de ambos a outorga ao Judiciário do poder de exercer controle sobre os atos dos demais poderes.(…)
O grande fundamento do princípio da proporcionalidade é o excesso de poder, e o fim a que se destina é exatamente o de conter atos, decisões e condutas de agentes públicos que ultrapassem os limites adequados, com vistas ao objetivo colimado pela Administração, ou até mesmo pelos Poderes representativos do Estado. Significa que o Poder Público, quando intervém nas atividades sob seu controle, deve atuar porque a situação reclama realmente a intervenção, e esta deve processar-se com equilíbrio, sem excessos e proporcionalmente ao fim a ser atingido”.
Mukai (2008, p.106) afirma que “Este princípio impõe que a Administração evite, sob pena de ilegalidade do ato, utilizar medida mais enérgica do que a necessária à obtenção do resultado pretendido pela lei”.
Por sua vez, Meirelles (2008, p. 112-113) ao tratar do abuso de poder pontua que:
“O abuso do poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas.(…)
O ato administrativo – vinculado ou discricionário – há que ser praticado com observância formal e ideológica da lei. Exato na forma e inexato no conteúdo, nos motivos ou nos fins, é sempre inválido. O discricionarismo da Administração não vai ao ponto de encobrir arbitrariedade, capricho, má-fé ou imoralidade administrativa. Daí a justa advertência de Hauriou de que “a Administração deve agir sempre de boa-fé, porque isto faz parte da sua moralidade”.
Ora, se inexistirem motivos que justifiquem o não reconhecimento do concursado ao cargo/emprego público objeto estabelecido no certame a inércia do administrador ensejará ato abusivo, conquanto despido de motivação, ganhando contornos de arbitrariedade ou reles capricho.
Ainda, caso o próprio poder judiciário lance mão do entendimento sumulado aqui discutido sem ponderar as peculiaridades do caso concreto (existência ou não de vagas/motivação do agir estatal) estará o Estado-Juiz também contribuindo para a mitigação do princípio da proporcionalidade administrativa, posto que ratificará, em patamar jurisdicional, a suposta legalidade de ato da administração que, conforme a análise até então proposta, fere à principiologia da seara jurídica administrativa.
1.3 A DOUTRINA FAVORÁVEL
Na sistemática doutrinária brasileira, percebe-se que a deferência pelos preceitos constantes na súmula n. 15 do STF dá-se com maior força na doutrina clássica.
Comungando da exegese preceituada pela Excelsa Corte, Meirelles (2008, p. 442) assevera que:
“(…) Ainda mesmo a aprovação no concurso não gera direito absoluto à nomeação ou à admissão, pois que continua o aprovado com simples expectativa de direito à investidura no cargo ou emprego disputado; mas a Administração deve demonstrar, de forma consistente, o motivo da conveniência administrativa da não-nomeação daquele que está dentro do número de vagas previsto no concurso”.
De igual forma são os apontamentos de Gasparini (2008, p. 178), defendendo que o concursando “Nenhum direito subjetivo tem à nomeação, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial”.
Também compartilha do entendimento referendado acima Zimmer Júnior (2007, p. 255), ao afirmar que:
“A nomeação é forma de provimento originário, mera expectativa de direito, ato administrativo discricionário, salvo nas hipóteses de preterição da ordem de classificação ou provando-se a existência das vagas e a necessidade de pessoal – é, pois, uma expectativa de direito”.
Perfilhando a mesma inteligência, Miguel Filho assevera:
“(…) impende tecer algumas considerações de ordem prática para perfeito delineamento da vexata quaestio.
Aprovação e classificação em concurso público não se confundem.
A primeira é conferida aos que obtiverem logrado o grau mínimo. Entretanto, estes não se podem dizer classificados, eis que se encontram na dependência da existência de vagas, que é fator meramente circunstancial.
Tanto aos aprovados classificados quanto aos aprovados não classificados reconhece-se direito subjetivo tão-somente à estrita observância da ordem classificatória para que se proceda à nomeação, porque a este direito corresponde o dever jurídico da Administração Pública em manter imaculado o Princípio Constitucional da Impessoalidade e Moralidade, insculpidos no caput do artigo 37 da Carta Magna.
Possuem mera expectativa de direito à nomeação, segundo a análise meritória da conveniência e oportunidade da prática do ato. Lesão apta a ensejar tutela jurisdicional só surgirá se e quando for inobservada a ordem de classificação.
Daí porque compelir a Administração Pública a nomear o candidato para o cargo almejado esbarra em quebra do Princípio da Separação dos Poderes, insculpido no artigo 2o da Constituição da República, consubstanciando-se em ingerência exacerbada e indevida de um Poder (rectius Órgão) em misteres exclusivos atinentes a outro”.
Destarte, mesmo para a doutrina mais benéfica, a única “garantia” a que faria jus o concursado seria a exigência de explicitação pela Administração dos motivos que fundamentem a não investidura nos cargos públicos, sem, mesmo assim, ser deferido àquele qualquer direito de acesso ao cargo pleiteado.
Percebe-se pois que a corrente doutrinária favorável à conduta reiterada pela Alta Corte se arrima no seguinte fato: a administração pode, no exercício de suas atribuições, se valer de certa conveniência e oportunidade, sendo tal prerrogativa aplicável também às questões relativas aos concursos públicos promovidos pela Administração.
Neste sentido, afirma Santana:
“É certo que, no que tange às medidas a serem adotadas no gerenciamento da dinâmica da máquina pública, em não havendo diretriz impositiva, incumbe ao Estado eleger com maior discricionariedade as ações a serem adotadas.
Neste sentido, certamente a decisão quanto a prover ou não um cargo publico vago é tema que pertence à conveniência e oportunidade do administrador.
Com efeito, ter-se-á não só que aferir a existência orçamentária para fazer frente à despesa, como também a sua adequação aos limites legais (CF/88 art. 169 e LC 101, art. 19).
Impõe-se que o administrador avalie os recursos humanos disponíveis em seus mais variados órgãos, implementando-se previamente os remanejamentos possíveis.
Mister outrossim que, considerando conjuntamente as áreas em que lhe incumba atuar, estabeleça dentre elas as que possuam prioridade de atendimento ou exijam intervenção imediata.
Por certo que tais análises são inerentes à função administrativa, sendo portanto absolutamente necessária a conferência de discricionariedade para a prática destes atos de gestão.
A nomeação para um cargo público que se encontre vago é matéria inserida nesta seara, pois depende da conclusão da atividade cognitiva do administrador na difícil tarefa de eleger a conduta mais adequada ao gerenciamento da estrutura estatal”.
Assim, não se pretende aqui negar o caráter discricionário da nomeação, contudo, é preciso avaliar em que momento se dá a opção discricionária e os efeitos jurídicos decorrentes desta opção”.
Deste modo, temos novamente a “discricionariedade administrativa” a justificar o atuar estatal. Não se questiona aqui a importância da mesma para o Estado na persecução dos interesses públicos, já que ela permite ao administrador, após debruçar-se sobre o caso concreto, decidir qual a melhor forma de agir. Entretanto, a cautela de seu uso permite que o particular não se torne vítima do excesso de poder estatal, excesso que remonta à época do Estado Monárquico em que a “voz do príncipe”, por vezes, era mais soberana que o próprio Direito.
Assim, num Estado Democrático de Direito, o Estado, apesar de soberano, também deve se submeter às regras jurídicas para cumprir o papel de gestor da sociedade e implementador do bem-estar social apontado por teóricos como Rosseau em Do Contrato Social. Como pontuou a Ministra Carmén Lúcia: “Eu me submeto à lei, e o Estado de Direito, não? Estado de Direito é isto: governantes e governados submetem-se igualmente ao Direito”.
1.4 REFLEXOS NA JURISPRUDÊNCIA
Apesar das discussões acerca da coerência ou não do entendimento, surgidas principalmente em razão da nova ótica defendida pelo Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência pátria ainda é repleta de decisões que acolhem o parâmetro aplicado em matéria de direito à nomeação proposto pelo Supremo Tribunal Federal. Demonstrando tais reflexos, confiram-se os seguintes julgados:
“APELAÇÃO CÍVEL – ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – AÇÃO ORDINÁRIA – CONCURSO PÚBLICO – PEDIDO DE NOMEAÇÃO E POSSE NO CARGO ALMEJADO – ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO – EXPIRAÇÃO DO PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME – AUSÊNCIA DE PRETERIÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. A aprovação em concurso público não assegura a investidura do candidato, que possui apenas expectativa de direito a nomeação, pois à administração é dado prover os cargos de acordo com sua conveniência e oportunidade. 2. A abertura de novo concurso não gera direito à nomeação para os candidatos classificados no certame anterior, e a preterição só ocorre quando, durante sua validade, forem nomeados candidatos aprovados em colocação inferior. Recurso Improvido. Unânime.” (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios in Apelação Cível n. 386525, 6ª Turma. Relator Des. Otávio Augusto, DJ-e em 04/11/2009)
“MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – ASSISTENTE SOCIAL – PRORROGAÇÃO DO CONCURSO POR MAIS DOIS ANOS. Aprovação em concurso que não gera, em princípio, direito à nomeação, constituindo mera expectativa de direito – Interesse público é que deve prevalecer e o administrador público tem os limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal para gastos com funcionários – Ordem denegada. (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo in Mandado de Segurança n. 02650562, Órgão Especial. Relator Des. Maurício Vidigal, Dj-e em 05/11/2009).
“APELAÇÃO. CONCURSO PÚBLICO. ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO. DESRESPEITO. CANDIDATO PRETERIDO. DIREITO À NOMEAÇÃO. Nos termos da Súmula nº 15, do Supremo Tribunal Federal, durante do prazo de validade do concurso terá o candidato aprovado direito à nomeação, quando houver preenchimento do cargo em desrespeito à ordem classificatória.” (Tribunal de Justiça de Minas Gerais in Apelação Cível n. 1.0346.05.010068-1/001, 6ª Câmara Cível. Relator Desembargador Maurício Barros, Dj-e em 05/06/2008).
“APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA. CONCURSO PÚBLICO. OFICIAL DE PROMOTORIA. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO. MINISTÉRIO PÚBLICO. DISCRICIONARIEDADE. CONVENIÊNCIA. I – O candidato aprovado e classificado em concurso público, goza apenas de mera expectativa de direito à sua nomeação, tendo em vista que o Poder Público poderá ainda verificar a conveniência e oportunidade do provimento, o que é um ato discricionário seu. II – Para que o candidato tenha direito de pleitear judicialmente sua nomeação é necessária a comprovação da aprovação no concurso e que dentro do prazo de validade sejam preenchidas estas vagas por terceiros, concursados ou não, a título de contratação precária. Assim, não figurada esta hipótese, a não nomeação dos candidatos aprovados no concurso, dentro do prazo legal de validade, não se traduz em ilegalidade do Poder Público, ante a discricionariedade que lhe imputada, de averiguar a conveniência e oportunidade do ato. APELAÇÕES CONHECIDAS E IMPROVIDAS.” (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás in Apelação Cível n. 127522-0/188, Primeira Câmara Cível. Relator Desembargador Abrão Rodrigues Faria, Publicação no DJ em 25/03/2009).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – OBRIGATORIEDADE DE NOMEAÇÃO DE CANDIDATO HABILITADO EM CONCURSO PÚBLICO – MERA EXPECTATIVA DE DIREITO – RECURSO PROVIDO. A aprovação em concurso público não assegura, via de regra, a investidura do indivíduo em cargo público. Confere ao candidato, mesmo aprovado dentre o número de vagas previstas, tão-somente a expectativa de direito de ser convocado no prazo de validade do certame.” (Tribunal de Justiça do Estado da Bahia in Agravo de Instrumento n. 45964-8/2007, Primeira Câmara Cível. Relatora Desembargadora Ilza Maria da Anunciação, Publicação no DPJ em 12/02/2008).
2 – O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO A CARGO/EMPREGO PÚBLICO
2.1 O NOVO PARÂMETRO DEFENDIDO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Em matéria de existência ou não de direito subjetivo de nomeação dos candidatos aprovados em concurso público, o ordenamento jurídico brasileiro reconhecia única e exclusivamente o entendimento de que os concursados possuíam apenas mera expectativa de direito a nomeação, só convertida em direito subjetivo nos casos de inobservância da ordem classificatória, conforme preceitua a conhecida súmula n. 15 do Supremo Tribunal Federal.
Entretanto, apesar da reiterada adoção do posicionamento sumulado da Alta Corte pelos demais órgãos do Poder Judiciário, a solução dada aos casos concretos não parecia satisfatória aos jurisdicionados, posto que esses continuaram a questionar a total irresponsabilidade estatal ratificada judicialmente.
Enfrentando o “impasse” é que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), na decisão histórica do Recurso em Mandado de Segurança (RMS) n. 20.718, passou a entender, em detrimento do entes públicos até então beneficiados com o postulado anterior, pelo direito liquido e certo dos candidatos aprovados em concurso público à nomeação, sendo tal precedente ementado nos seguintes termos:
“ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – CONCURSO – APROVAÇÃO DE CANDIDATO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS EM EDITAL – DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO E À POSSE NO CARGO – RECURSO PROVIDO. 1. Em conformidade com jurisprudência pacífica desta Corte, o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, possui direito líquido e certo à nomeação e à posse. 2. A partir da veiculação, pelo instrumento convocatório, da necessidade de a Administração prover determinado número de vagas, a nomeação e posse, que seriam, a princípio, atos discricionários, de acordo com a necessidade do serviço público, tornam-se vinculados, gerando, em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital. Precedentes. 3. Recurso ordinário provido.” (Superior Tribunal de Justiça in Recurso em Mandado de Segurança n. 20.718 – São Paulo, Sexta Turma. Relator Ministro Paulo Medina, data de julgamento 04/12/2007, DJ em 03/03/2008)
No julgamento supradito, o STJ, deixando de acolher parecer ministerial, se posicionou no sentido de que o lançamento de certame pela administração pública é ato indubitavelmente discricionário. Entretanto, divulgado o edital regularmente, a discriminação de vagas no mesmo vincula o administrador à nomeação dos aprovados dentre os cargos estabelecidos.
Ademais, conforme pontuou o Relator, a justificativa da administração em não promover a nomeação por suposta deficiência orçamentária não se mostra aceitável, posto que ao lançar o certame o ente público deve demonstrar a existência de recursos para implementação de seu quadro funcional, pois, conforme asseverou, a administração deve pautar sua atuação com responsabilidade e probidade.
Apesar de já demonstrar-se bastante avançado, o entendimento proposto pelo Superior Tribunal de Justiça evoluiu consideravelmente na defesa da existência de direito subjetivo à nomeação a cargo/emprego público. Em recente julgado, o referido tribunal, ampliando a esfera de incidência de seu posicionamento, ponderou que os candidatos aprovados em concurso público, mesmo que já expirado o prazo de validade, não perderiam o direito à nomeação, posto que classificados dentre as vagas previstas no edital. Eis a íntegra do mencionado precedente:
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO. DIREITO SUBJETIVO. 1. A classificação de candidato dentro do número de vagas ofertadas pela Administração gera, não a mera expectativa, mas o direito subjetivo à nomeação. 2. A administração pratica ato vinculado ao tornar pública a existência de cargos vagos e o interesse em provê-los. Portanto, até expirar o lapso de eficácia jurídica do certame, tem o poder-dever de convocar os candidatos aprovados no limite das vagas que veiculou no edital, respeitada a ordem classificatória. Precedentes. 3. A manutenção da postura de deixar transcorrer o prazo sem proceder ao provimento dos cargos efetivos existentes por aqueles legalmente habilitados em concurso público importaria em lesão aos princípios da boa-fé administrativa, da razoabilidade, da lealdade, da isonomia e da segurança jurídica, os quais cumpre ao Poder Público observar. 4. Afasta-se a alegada conveniência da Administração como fator limitador da nomeação dos candidatos aprovados, tendo em vista a exigência constitucional de previsão orçamentária antes da divulgação do edital (art. 169, § 1º, I e II, CF). 5. Recurso ordinário provido para conceder a segurança.” (Superior Tribunal de Justiça in Recurso em Mandado de Segurança n. 27.311 – Amazonas, Quinta Turma. Relator Ministro Jorge Mussi, data de julgamento 04/08/2009, DJ-e em 08/09/2009)
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem influenciado também a produção legislativa brasileira. Com base no entendimento do tribunal de que o candidato aprovado em concurso público dentre o número de vagas previstas no edital possui direito subjetivo à nomeação, está em andamento no Senado Federal o Projeto de Lei n. 122/08, que se propõe a alterar a Lei n. 8.112/90 no intuito de determinar o estabelecimento de cronogramas de nomeação nos editais de concursos públicos. O projeto busca ainda regulamentar a nomeação dos aprovados em concurso público, adotando o mesmo o entendimento do STJ. Até a conclusão do presente o referido projeto de lei se encontrava em apreciação na Câmara dos Deputados, após aprovação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.
2.2 A CORRENTE DOUTRINÁRIA FAVORÁVEL
Apesar de o entendimento acerca da existência de direito subjetivo à nomeação após a aprovação em concurso público ser ainda recente no ordenamento jurídico brasileiro, a doutrina pátria já questionava há certo tempo acerca do tratamento dado à questão, entendida pelo foco da mera expectativa de nomeação.
Esquadrinhando a questão, Carvalho Filho (2008, p. 594) defende que:
“Em nosso entendimento, contudo, os tempos atuais estão a reclamar a inversão desse postulado. Se o edital do concurso previu determinado número de vagas, a Administração fica vinculada a seu provimento, em virtude da presumida necessidade para o desempenho das respectivas funções. Assim, deve assegurar-se a todos os aprovados dentro do referido número de vagas direito subjetivo à nomeação. Sendo assim, a falta de nomeação é que deve constituir exceção, cabendo ao órgão público comprovar, de forma fundamentada, a sua omissão. Somente com tal orientação pode impedir-se o arbítrio da Administração, ao mesmo tempo em que com ela poderá respeitar-se, com impessoalidade, a ordem classificatória advinda do concurso público, obstando-se a que os aprovados fiquem à mercê dos caprichos e humores dos dirigentes administrativos”.
Destarte, percebe-se que a doutrina contemporânea, se afastando dos apontamentos da doutrina clássica, enfrentou a questão da existência ou não de direito subjetivo à nomeação considerando a nova sistemática que deve ser observada pela Administração Pública no atual Estado Democrático de Direito.
Confrontando a postura doutrinária e jurisprudencial clássica em face da novel vertente que se erige, Robaldo aponta:
“Nessa linha, sempre foi o entendimento dos expoentes do direito administrativo, tais como do saudoso Hely Lopes Meirelles, Diógenes Gasparini, e da maciça jurisprudência dos nossos tribunais, por se tratar de um ato discricionário da administração pública quanto à conveniência e oportunidade do ato, salvo no que tange à obediência à ordem de classificação, em que o direito subjetivo prevalece, pois o candidato melhor classificado tem o direito de ser nomeado com primazia.
Por óbvio que esse novo posicionamento interpretativo reflete no prazo estabelecido para a nomeação (CF, 37, III, edital) que, de regra, é de dois anos com a possibilidade de prorrogação por uma vez, por igual prazo. Isso significa que a partir dessa nova interpretação o candidato aprovado e classificado dentro das vagas constantes do edital terá direito à nomeação, ainda que fora do prazo tradicionalmente estipulado. Isso trará mais segurança ao candidato e, conseqüentemente, mais motivação para se preparar, já que sua nomeação, desde que classificado, é certa e, de outra parte, que é o mais importante, dificulta falcatruas.
Disso também se conclui que o ato discricionário do administrador público, tido até então como um dogma em determinadas circunstâncias, sobretudo em face do contexto axiológico constitucional, está perdendo a sua força, especialmente em decorrência dos princípios reitores da administração pública, da impessoalidade e da moralidade. Aquilo que era discricionário passa a ser vinculado”.
De igual modo, Tourinho (2009, p. 94) discorre que:
“Por muito tempo a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores, alheias à evolução do Estado de Direito, vêm repetindo que os candidatos aprovados em concurso público detêm apenas mera expectativa de direito à nomeação. Assim sendo, realizado o concurso público, não estaria a Administração Pública obrigada a convocar os aprovados, cabendo-lhe uma análise quanto à conveniência e oportunidade de tal convocação.(…)”.
A seu turno, prelecionam Gomes; Donati:
“Depois de estudar durante alguns anos e conseguir a tão sonhada aprovação, o não ser nomeado, em razão da abertura de um novo concurso, constitui patente violação a direito individual. A questão central é a seguinte: há direito líquido e certo à nomeação dos candidatos aprovados?
Sem dúvida que sim.
Um dos fundamentos apresentados contra a existência desse direito é a discricionariedade da Administração Pública em aferir a necessidade de nomeação.
Trata-se de entendimento incorreto e injusto, mas prevalecia até pouco tempo nos tribunais.
Da leitura sistemática do artigo 37 da CF extrai-se a regra de que o candidato aprovado em concurso público tem, sim, direito subjetivo de ser nomeado, de acordo com a ordem de classificação. Assim, uma vez estabelecido o número de vagas no edital, o ato que, antes era discricionário, passa a ser vinculado”.
Apesar de poder lançar mão da discricionariedade administrativa, em observância à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), o Estado deverá se pautar com responsabilidade diante dos interessados, pois, inegavelmente, a promoção de certame pressupõe a necessidade administrativa de servidores e a disponibilidade orçamentária, possuindo os aprovados não mera expectativa de direito, mas sim verdadeiro direito subjetivo à nomeação (Tourinho, 2009, p. 95).
Ademais, a defesa da existência de direito subjetivo à nomeação mostra-se coesa não só por assegurar a efetivação dos princípios que norteiam a administração pública, mas por também dar respaldo a princípios como o da dignidade da pessoa humana.
Neste sentido, defendendo a coerência do novel paradigma consignado pelo STJ, é que Tourinho (2009, p. 95) conclui que:
“Outro não pode ser o entendimento, considerando que vivemos em um Estado Democrático de Direito que, ao menos no campo abstrato, privilegia o princípio da dignidade da pessoa humana. Não se pode admitir que se instaure um concurso público, crie-se uma expectativa de emprego em uma país de milhões de desempregados, e ao final decida-se não convocar os regularmente aprovados, que investiram não só financeiramente como emocionalmente na promessa documentada de um meio de subsistência. Faz-se imperioso que a Administração Pública tenha um mínimo de responsabilidade para com os atos que praticam, principalmente quando afeta de maneira direta a esfera jurídica dos cidadãos”.
2.3 REFLEXOS NA JURISPRUDÊNCIA
A tese esculpida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça encontra-se hodiernamente considerável acolhida. Apesar do postulado de que os concursados possuem apenas mera expectativa de direito à nomeação aos cargos/empregos públicos a que concorreram ainda ser observado pelo Judiciário, a mudança de entendimento tem se mostrado progressiva, conforme se vislumbra nos seguintes julgados:
“EMENTA: DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. I- Consoante posicionamento dominante o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas constantes do edital tem, durante o prazo de validade do certame, direito subjetivo à nomeação, respeitada a ordem classificatória dos candidatos. II – A existência de vagas anunciadas em recrutamento vincula o Poder Público, de sorte que a omissão deste em não preenchê-las importa em ofensa aos princípios da boa-fé administrativa, da razoabilidade, da lealdade, da isonomia e da segurança jurídica, os quais cumpre ao Poder Público observar. III- Afasta-se a alegada conveniência da Administração como fator limitador da nomeação dos candidatos aprovados, tendo em vista a exigência constitucional de previsão orçamentária antes da divulgação do edital (art. 169, § 1º, I e II, da CF). IV – A imposição de multa diária não constitui a providência adequada para fazer a pessoa jurídica de direito público cumprir ordem mandamental. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS”. (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás in Apelação Cível n. 19756-2/195 – Padre Bernardo, Terceira Turma. Relator Juiz José Carlos de Oliveira, Julgado em 13/10/2009, DJ de 04/11/2009).
“Apelação cível. concurso público. EDITAL Nº 01/2005-SE. MAGISTÉRIO ESTADUAL. CARGO DE PROFESSOR. DIREITO À NOMEAÇÃO. APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO NO EDITAL. PRETERIÇÃO EM FACE DE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. – A aprovação em concurso público gera direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital e comprovadamente preterido mediante contratação temporária ocorrida dentro do prazo de validade do certame. – Hipótese em que o autor logrou aprovação em primeiro lugar para a disciplina de Educação Física na 5ª CRE em localidade onde há servidor atuando de forma precária, bem como a existência de abertura de cadastro de reserva para contratação temporária, durante o prazo de validade do concurso, o que denota a necessidade da Administração em prover o cargo pretendido. – Custas processuais pelo Estado: em virtude da nova realidade legislativa estadual (LE nº 12.613/07) e constitucional, com a consagração na CF de 1988, mediante a EC nº. 45/04, da efetiva autonomia do Poder Judiciário, direcionando-se, atualmente, as receitas oriundas do pagamento das taxas, custas e emolumentos para o custeio dos serviços judiciais, e em face da efetiva distinção entre referidas espécies tributárias inaplicável o parágrafo único do artigo 11 da Lei nº 8.121/85. Custas processuais recolhidas pelo Estado nos termos do Provimento nº 35/06-CGJ. Quebra do Princípio da Unicidade de Tesouraria introduzido pela EC nº 45/2004 e legislação estadual indicada. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO, VENCIDO EM PARTE O VOGAL.” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul in Apelação Cível n. 70030739775, Terceira Câmara Cível. Relatora Desembargadora Matilde Chabar Maia, Julgamento em 29/10/2009, DJ de 17/11/2009)
“Apelação cível. Apelantes aprovados em concurso público e classificados dentro do número de vagas ofertadas. Ausência de convocação. Direito subjetivo a nomeação e posse, em atenção aos princípios da boa-fé administrativa, razoabilidade, lealdade, isonomia e segurança jurídica. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Pleito de recebimento de vencimentos pretéritos improcedente, porque não houve contraprestação pelos recorrentes. Recurso provido em parte.” (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro in Apelação Cível n. 2009.001.54362 – São Gonçalo, Vigésima Câmara Cível. Relator Desembargador Agostinho Teixeira, Julgamento em 21/10/2009, DJ de 16/11/2009)
“APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – CANDIDATO APROVADO EM PRIMEIRO LUGAR NO PROCESSO SELETIVO PARA O PREENCHIMENTO DE DUAS VAGAS DE ENGENHEIRO AGRÔNOMO – DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO – RECURSO DESPROVIDO. 1. A classificação de candidato dentro do número de vagas ofertadas pela Administração gera, não a mera expectativa, mas o direito subjetivo à nomeação. 2. A administração pratica ato vinculado ao tornar pública a existência de cargos vagos e o interesse em provê-los. Portanto, até expirar o lapso de eficácia jurídica do certame, tem o poder-dever de convocar os candidatos aprovados no limite das vagas que veiculou no edital, respeitada a ordem classificatória. Precedentes. 3. A manutenção da postura de deixar transcorrer o prazo sem proceder ao provimento dos cargos efetivos existentes por aqueles legalmente habilitados em concurso público importaria em lesão aos princípios da boa-fé administrativa, da razoabilidade, da lealdade, da isonomia e da segurança jurídica, os quais cumpre ao Poder Público observar. 4. Afasta-se a alegada conveniência da Administração como fator limitador da nomeação dos candidatos aprovados, tendo em vista a exigência constitucional de previsão orçamentária antes da divulgação do edital (art. 169, § 1º, I e II, CF).” (STJ, RMS 27311/AM, rel. Min. Jorge Mussi, j. 4-8-2009)” (Tribunal de Justiça de Santa Catarina in Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2008.076234-8 – Tangará, Segunda Câmara. Relator Desembargador Newton Janke, Julgamento em 29/09/2009, DJ de 05/11/2009)
3 – DIREITO SUBJETIVO X MERA EXPECTATIVA
3.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO E SUAS ATUAIS FEIÇÕES
O Estado surge na realidade das sociedades humanas em razão da necessidade dos indivíduos possuírem um poder central que promova a organização social, colaborando na preservação da espécie humana. Neste sentido, traz-se à baila os questionamentos elencados pela corrente contratualista, que através de Rousseau (2000, p. 23), um dos seus principais expoentes, defendia que:
“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, só obedeça, contudo, a si mesmo e permaneça tão livre quanto antes.” Este é o problema fundamental cuja solução é fornecida pelo contrato social.(…)
Se, pois, retirarmos do pacto social o que não é de sua essência, veremos que ele se reduz aos seguintes termos: Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo seu poder sob a suprema direção da vontade geral; e recebemos, coletivamente, cada membro como parte indivisível do todo”.
Assim, o Estado nasce como gestor da vontade coletiva, a partir do instante em que a sociedade lhe outorga poderes, primando sua atuação pela defesa dos interesses públicos. Com a constante evolução das sociedades, o Estado acompanha tal processo, progredindo desde suas formas primitivas até alcançar o dito Estado Democrático de Direito, no qual, conforme leciona CARVALHO (2009, P. 88):
“(…). O poder político passa a ser titularizado na nação ou no povo, surgindo a ideia de soberania nacional ou popular. Aparecem as Constituições escritas, como instrumentos de racionalização do poder e de renovação do pacto social dos contratualistas”.
Destarte, o Estado Democrático de Direito tem papel fundamental na divulgação dos diversos princípios que circundam o ordenamento jurídico pátrio, pois se pressupõe que o referido, além de dar amparo às necessidades coletivas, resguarda os particulares das diversas violações que possam vir a sofrer em seus direitos.
Seguindo esta exegese, Dallari (2007, p.108) assevera que:
“(…) verifica-se que o Estado, como sociedade política, tem um fim geral, constituindo-se em meio para que os indivíduos e as demais sociedades possam atingir seus respectivos fins particulares. Assim, pois, pode-se concluir que o fim do Estado é o bem comum, entendido este como o conceituou o Papa João XXIII, ou seja, o conjunto de todas as condições de vida social que consistam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana. (…)”
Consequentemente, a função precípua do Estado Democrático de Direito é promover o bem comum e garantir que os indivíduos possam fruir das prerrogativas que o Direito lhes assegura, estando tanto estes como aquele obrigados à observância da lei e do Direito.
Deste modo o Estado não pode agir em detrimento dos indivíduos sem que militem consistentes fundamentos jurídicos em seu favor, pois, conforme aponta a doutrina anteriormente consignada, seu surgimento se deu em função da necessidade de gerência dos interesses coletivos. Portanto, se aquele usa arbitrariamente do poder que lhe foi conferido, haverá inegavelmente inobservância à promoção do bem comum objeto da atuação estatal.
3.2 QUAL ENTENDIMENTO MAIS COERENTE?
Analisando-se as questões até então elencadas nesta pesquisa, após terem sido delineadas satisfatoriamente as duas correntes que tratam da existência ou não de responsabilidade estatal na nomeação dos candidatos aprovados em concursos públicos, surge o seguinte questionamento: qual dos posicionamentos se apresenta mais coerente?
Considerando os apontamentos de cada corrente, aparenta maior coerência no atual estágio jurídico brasileiro, que prima pela observância de postulados constitucionais como a dignidade da pessoa humana, o entendimento de que os aprovados em concurso público possuem, quando aprovados dentre de número certo de vagas constantes no edital, não mera expectativa de direito mas sim verdadeiro direito subjetivo à nomeação.
Deve-se levar em conta que as perspectivas sociais evoluíram desde a edição da súmula n. 15 do Supremo Tribunal Federal, esta que foi proposta num cenário político de certa instabilidade institucional, em que houve alternância do sistema de governo (parlamentarismo/presidencialismo) e, ainda, foi marcado pela insatisfação de setores conservadores e do Exército com o governo da época, caminhando o país no ano de 1963, após a confirmação do presidencialismo, para a crise de 1964 (Carvalho, 2009, p. 417).
Deste modo, forçoso obtemperar, importante gizar que a súmula n. 15 do STF teve sua gênese em plena era de instabilidade política nacional, agravada, posteriormente, pelo triste episódio do golpe militar com suas nefastas e conhecidas consequências à sociedade brasileira.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 foram renovadas as perspectivas dos direitos individuais, da atuação estatal etc., reiniciando-se aí a vivência da democracia política e das liberdades individuais drasticamente mitigadas pelo regime militar.
Nesta ótica, não pode a Administração Pública, agindo de forma retrógrada, pautar sua atuação em postulados que merecem novas análises. Desta maneira, entender que os candidatos aprovados em concursos públicos, em quaisquer casos, não possuiriam qualquer direito à nomeação, agindo o Estado sob o véu da irresponsabilidade mascarada pela dita discricionariedade administrativa, fere a moderna principiologia constitucional a que a administração pública deve estar submissa, conforme já se discutiu inicialmente.
Ainda, considerando as premissas técnicas que norteiam a seara jurídica administrativa, é preciso atentar quanto à natureza dos certames de seleção, qual seja, ato administrativo, que, na lição de Justen Filho (2009, p. 273): “(…) é uma manifestação de vontade funcional apta a gerar efeitos jurídicos, produzida no exercício de função administrativa.”
Isto posto, os editais de seleção enquanto atos incontestavelmente administrativos devem conter para sua válida constituição os requisitos expostos pela doutrina administrativa, quais sejam, competência, finalidade, forma, motivo e objeto, pois:
“Como todo ato jurídico, o ato administrativo forma-se pela conjugação de alguns elementos, os quais, por sua vez, devem atender a preceitos legais para a produção de efeitos jurídicos válidos (MEDAUAR, 2007, p. 134)”.
É por isto que Gasparini (2008, p. 62), ao abordar tais requisitos, afirma que estes “São os componentes que o ato deve reunir para ser perfeito e válido”.
Além disso, ao dissertar acerca do requisito da finalidade, ainda Gasparini (2008, p. 64) aduz que:
“É o requisito que impõe seja o ato administrativo praticado unicamente para um fim de interesse público, isto é, no interesse da coletividade. Não há ato administrativo se um fim público a sustentá-lo. (…) Desse modo, nota-se que a finalidade responde à pergunta: para quê?”
Neste diapasão, qual seria a finalidade de lançar-se certame público em que inexistiria qualquer responsabilidade estatal no deferimento do objeto da seleção aos candidatos aprovados? Certamente, tal problemática não surgirá caso a concorrência se volte apenas à formação de cadastro de reserva. Entretanto, havendo estipulação de vagas e estas não sendo preenchidas restaria prejudicada a finalidade do ato administrativo que, em verdade, não promoveu qualquer mudança no universo administrativo, fato que poderia ensejar o questionando do respectivo ato seletivo junto ao judiciário, já que o referido conterá vício em requisito essencial de sua formação, qual seja, a finalidade.
Ademais, conforme já consignado, o dito Estado Democrático de Direito é fruto da evolução do ente estatal, que, acompanhando a dinâmica social, adaptou-se às novas exigências coletivas, não sendo razoável que o referido, ao promover a gerência do bem comum, se funde em postulados obsoletos, em notória desconsideração das contemporâneas acepções jurídicas que circundam tanto a sociedade quanto o próprio Estado.
É preciso ressaltar, ainda, conforme ilustre lição de Zimmer Júnior (2007, p. 250):
“O edital é a lei do concurso, quando não contrariar a Constituição Federal nem a lei instituidora do cargo público em disputa. Mas é a lei em sentido formal que determina as atribuições, o número de vagas, a carreira e suas classes, as responsabilidades, o vencimento, as suas perspectivas de melhor remuneração e a sua denominação – é a própria lei, jamais contrato livremente pactuado entre as partes”.
Destarte, é possível fazer a seguinte consideração: os concursados possuem, desde que aprovados dentre o número de vagas estabelecidas no edital regulamentador do certame, inequívoco direito subjetivo à nomeação aos cargos/empregos públicos a que concorreram, posto que ao ofertar vagas certas, conforme a moderna jurisprudência e doutrinas anteriormente colacionadas, realizou o Estado ato vinculado que deve ser respeitado após todo desenrolar da seleção.
Entretanto, ainda com base nos ensinamentos doutrinários já apresentados, não deve ser interpretado o posicionamento da existência de direito subjetivo à nomeação de forma absoluta, pois, caso seja estabelecido no edital regulamentador do concurso que o mesmo se destina apenas ao estabelecimento de cadastro de reserva, não terá sido criada qualquer vinculação com os interessados que participarão do certame, posto que terão inequívoca ciência da inexistência efetiva de cargos vagos, havendo no caso em tela, portanto, a mera expectativa de direito à nomeação.
Desta forma, a determinação de qual corrente a ser adotada dependerá da análise do caso concreto, determinando-se a partir do enfrentamento das características de cada situação a melhor postura a ser tomada, evitando-se, portanto, a prejudicial utilização irrestrita de qualquer dos entendimentos.
3.3 EFEITOS PRÁTICOS DA ADOÇÃO DE CADA POSICIONAMENTO
Em termos processuais, a adoção de cada corrente, regra geral, gerará efeitos práticos distintos. Resguardando-se o entendimento de que a aprovação em concurso público dentre o número de vagas previstas no edital seletivo gera direito subjetivo à nomeação, poderiam os candidatos, caso a administração pública deixe escoar o prazo de validade do certame sem promover as devidas nomeações, impetrar mandado de segurança visando corrigir o possível abuso de poder perpetrado pelo ente público, pois, nos termos do artigo §1° da Lei 12.016/09, que regula o writ, tem-se que:
“Art. 1o Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.”
Meirelles (2008, p. 41) leciona que “o objeto do mandado de segurança será sempre a correção de ato ou omissão de autoridade, desde que ilegal e ofensivo de direito individual ou coletivo, liquido e certo, do impetrante”.
Quanto à conceituação de direito liquido e certo, Greco Filho (2010, p. 19) assevera que:
“A doutrina moderna do mandado de segurança, acolhendo essas premissas, definiu o direito liquido e certo como a certeza quanto a situação de fato, porque o direito, por mais complexa que seja sua interpretação, tem, na própria sentença, o meio hábil para sua afirmação”.
Destarte, encarado como direito subjetivo, a não nomeação do candidato estará prejudicando direito liquido e certo deste, o que ensejará o remédio constitucional.
Tal possibilidade já se encontra presente na jurisprudência nacional, havendo juízes que, acolhendo o novo parâmetro proposto pelo Superior Tribunal de Justiça, resguardam o direito liquido e certo dos concursados em razão da inércia estatal, conforme se vislumbra no seguinte julgado:
“APELAÇÃO CÍVEL. CONCURSO PÚBLICO. PORTÃO. CONFIGURADA OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO EM PROCEDER À NOMEAÇÃO DE CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO NO EDITAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO.
A mera expectativa de direito decorrente de aprovação em concurso público convola-se em direito líquido e certo no momento em que o candidato é aprovado dentro do número de vagas previstas no instrumento convocatório, uma vez caracterizada a omissão da Administração Pública em efetuar a nomeação do candidato. Precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça. Na espécie a impetrante logrou aprovação em primeiro lugar para a vaga de Farmacêutico sem nomeação, mesmo após prazo razoável decorrido desde a homologação do concurso. A alegação de que a vaga vem sendo ocupada por servidor com vínculo precário junto à Administração não restou esclarecida nos autos, ônus que sequer se pode imputar à parte impetrante, por se tratar de informação obtenível junto ao banco de dados da municipalidade. Presunção de veracidade da alegação que milita em favor da parte impetrante. DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO.” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul in Apelação Cível n. Nº 70027166131 – Portão, Terceira Câmara Cível. Relatora Desembargadora Matilde Chabar Maia, Data de Julgamento 09/04/2009, DJ em 29/04/2009)
A seu turno, o entendimento de que a aprovação em concurso público gera mera expectativa de direito não confere, via de regra, a possibilidade de manejamento de instrumentos processuais tendentes a questionar a situação do aprovado. Entretanto, caso seja demonstrado, por exemplo, que a administração contratou servidores em regime temporário para suprir necessidade do serviço público durante o prazo de validade de concurso em que há cadastro de reserva para as funções deficitárias no respectivo ente público, há a possibilidade da impetração do mandamus, conforme se infere no precedente a seguir:
“EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. AGANP. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ- CONSTITUÍDA. NÃO VERIFICAÇÃO. CANDIDATOS CLASSIFICADOS NA RESERVA TÉCNICA. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO. CONTRATAÇÃO PRECÁRIA DE COMISSIONADOS E TEMPORÁRIOS EM DETRIMENTO DOS CANDIDATOS APROVADOS NO CONCURSO. ILEGALIDADE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO E POSSE NO CONCURSO. I- Manifestamente insubsistente a alegação de ausência de prova pré-constituída, quando a petição inicial foi instruída com os documentos necessários à comprovação da pretensa violação a direito líquido e certo. II- Como regra, institui-se a sistemática de que a aprovação em concurso público fora do número de vagas originariamente previstas, integrando os classificados o chamado ‘cadastro de reserva técnica’, também gera mera expectativa de direito à nomeação, competindo à Administração Pública decidir acerca da oportunidade e conveniência em prover os cargos que porventura fiquem disponíveis durante o prazo de validade do certame. III- Contudo, essa expectativa se convola em direito subjetivo, impondo-se à Administração o dever de nomear, caso tenha havido preterição na ordem classificatória ou contratação a título precário, de servidores comissionados e temporários, para o preenchimento de vagas existentes, em detrimento da nomeação de candidatos aprovados na reserva técnica em certame ainda válido. Nestes casos, a nomeação e a posse, que seriam, a princípio discricionárias, tornam-se verdadeiros atos vinculados, gerando em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro de tal previsão. IV- Restando comprovado nos autos, a classificação dos impetrantes no concurso público, e estando incontroverso que houve a contratação, em caráter precário, de comissionados, para suprir a carência de pessoal, haja vista a existência de cargos vagos, no prazo de validade do certame, nasce, assim, o direito líquido e certo de exigir da autoridade competente à nomeação, pois demonstrada, inequivocamente, a necessidade de servidores para integrar o quadro de pessoal da Administração. V- Constatada a ilegalidade da conduta da Administração, revela-se inquestionável o direito líquido e certo dos impetrantes à nomeação e posse nos cargos para os quais foram classificados no cadastro de reserva técnica, desde que seja observada a ordem de classificação. SEGURANÇA CONCEDIDA.” (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás in Mandado de Segurança n. 17373-0/101 – Goiânia, Primeira Câmara Cível. Relator Desembargador Luis Eduardo de Sousa, Data de julgamento 26/05/2009, DJ em 17/06/2009)
3.4 O PAPEL DOS OPERADORES DO DIREITO NA DEFESA DA POSTURA MAIS JUSTA
Os operadores do direito possuem papel fundamental para resolução das diversas problemáticas que surgem diariamente na dinâmica jurídica pátria, e, em especial, tem grande importância para resolução dos impasses que podem advir da aplicação dos entendimentos relativos à existência de responsabilidade estatal na nomeação de candidatos aprovados em concurso público.
Cada qual deve promover a defesa do equilíbrio da ordem jurídica: enquanto toca à doutrina fornecer os apontamentos aplicáveis à matéria, promovendo a discussão sobre como a mesma é resolvida, cabe aos advogados, indispensáveis à administração da justiça segundo inteligência da norma constitucional, levarem ao judiciário os conflitos surgidos de suposto abuso de poder estatal que esteja impedindo o pleno exercício de direito dos interessados, restando, por fim, ao Estado-Juiz, enquanto última “trincheira” da ordem jurídica e democrática, sanar eventuais arbitrariedades estatais que supostamente estejam mitigando o pleno exercício dos direitos de cada indivíduo.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao tratar da discussão que circunda a existência ou não de direito subjetivo à nomeação a cargos/empregos públicos, vislumbrou-se que no ordenamento jurídico brasileiro há duas correntes que despontam na matéria: a primeira, arrimada principalmente no enunciado de súmula n. 15 do Supremo Tribunal Federal, defende que ao ato de nomeação, enquanto discricionário, não possuem qualquer direito os candidatos que lograram êxitos nos certames públicos de seleção, enquanto a segunda, orientada pelo inovador parâmetro oriundo do Superior Tribunal de Justiça, entende que, entre outros casos, a existência de vagas preestabelecidas no edital regulamentador é garantia de direito subjetivo à nomeação dos aprovados.
Ante a referida celeuma, a doutrina pátria se divide: o segmento clássico, perfilhado, por exemplo, por Meirelles, assevera que à administração é dado decidir pela conveniência dos atos de nomeação, o que somente se excetua quando inobservada a ordem de classificação, ao passo que a segunda vertente, seguida, por exemplo, por Carvalho Filho, preleciona que a questão deve ser observada numa ótica mais minuciosa, que, diante das nuances do caso concreto, permita alcançar uma solução verdadeiramente justa.
Para que fosse possível alcançar-se o objetivo fulcral da pesquisa, qual seja, o encontro da postura que se mostra mais escorreita, foi necessário trazer à baila a evolução do próprio papel do Estado. Neste intuito, verificou-se que tal ente, evoluindo durante os séculos, tornou-se inequivocamente, na contemporaneidade, um gestor da vontade coletiva, defensor dos interesses sociais, devendo assim submeter-se ao ordenamento jurídico para que, verdadeiramente, possa ser denominado Estado Democrático de Direito.
Nesta ótica, constatou-se que cabe ao Estado utilizar de certas prerrogativas e vantagens quando da administração dos interesses coletivos, em razão das garantias a ele outorgadas na Carta Magna. Entretanto, notou-se que o mesmo texto constitucional e o sistema dele decorrente impõe ao referido ente diversas regras que não podem ser suprimidas pelo mero capricho do administrador, visto que resguardam os direitos individuais de cada integrante da nação ante ao poderio estatal.
Destarte, ao Estado Democrático de Direito, no que toca à situação dos candidatos aprovados em concursos públicos, não é facultado negar o direito ao cargo pleiteado de forma irrestrita, haja vista que, conforme se constatou na pesquisa, é preciso que haja certa razoabilidade, proporcionalidade e probidade na postura do Poder Público. Assim, se existentes cargos vagos, recursos financeiros previstos desde o edital de seleção, entre outros fatores, não pode o administrador recalcitrar no indeferimento da nomeação dos aprovados entre as vagas previstas no certame. Se agir de modo contrário, inegavelmente estará à disposição do prejudicado remédios processuais hábeis a sanar o ato arbitrário estatal, conforme as lições doutrinárias e jurisprudenciais colacionadas.
Noutro lado, se inexistentes vagas no edital regulamentador, e mesmo assim os candidatos se habilitam à concorrência, aí sim, conforme um juízo de razoabilidade, não há falar em direito subjetivo, mas sim em expectativa de direito, tendo em vista que a administração, de forma coerente, consignou as regras da seleção, dentre elas a possibilidade (e não a concretude) de convocação dos habilitados. Ressalte-se, entretanto, que surgindo vagas ou utilizando-se o Estado de trabalhadores terceirizados para aquelas funções a que se lançou seleção, deve ser reconhecido aos aprovados o direito à nomeação, conforme se denotou de decisões jurisprudenciais consignadas.
Portanto, vê-se que não é possível estabelecer um parâmetro imutável para a discussão, motivo pelo qual a defesa irrestrita de qualquer corrente pode, ante as possibilidades que possam advir, ser objeto de severas críticas. Impende destacar, desta forma, que a delimitação da postura mais justa exige uma análise atenta do caso concreto, para que aí sim, sob o foco das regras previstas e da postura de todos os envolvidos no conflito de interesses, seja possível encontrar a melhor solução para a problemática individualizada.
Acadêmico de Direito do Centro Universitário de Goiás – Uni-Anhanguera.
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