O Código de Defesa do Consumidor e a Internet. Quando aplicar?

O advento da internet trouxe uma profunda modificação em diversos campos do direito, e as relações de consumo, como decorrência lógica, também encontraram neste novo meio um campo propício, não só ao incremento do comércio, mas também ao surgimento de indagações  práticas  acerca de seus próprios institutos.

Nesta esteira, muito se questiona acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor as relações de consumo celebradas em meio virtual, havendo a controvésia, não só com relação aos contratos celebrados com fornecedores nacionais, mas em especial, quando a relação é firmada com fornecedores estrangeiros.

Inicialmente, no que toca as relações de consumo celebradas pela internet, com fornecedores nacionais, estamos em que são perfeitamente aplicáveis as disposições constantes do Código de Defesa do Consumidor.

Em um primeiro momento, deve-se perquerir se a relação concretizada em meio virtual se enquadra nos requisitos da Lei n. 8078/90, quais sejam, os conceitos de fornecedor e consumidor. Tal conduta, se reveste de extrema  importância, haja vista que  nem toda relação pactuada pela rede é de  consumo, como, p.ex,  os casos em que uma pessoa jurídica compra, pela internet, produtos de outra empresa objetivando a revenda, caso em que estaremos diante de uma relação a ser regida por outras normas de nosso  ordenamento jurídico pátrio, que não, o diploma consumerista.

Assim, uma vez configurada a relação de consumo pela internet, com fornecedor nacional, inquestionável a incidência das normas de proteção ao consumidor, com alteração do foro para o domicílo deste, haja vista sua patente vulnerabilidade frente ao fornecedor, que, via de regra,  domina uma tecnologia de ponta, desempenhada em mercado absolutamente dinâmico, como é o  e-commerce,

Ocorre, que nem sempre a determinação da legislação a ser aplicável e a indicação do respectivo foro, ressai de forma cristalina.

É que, hodiernamente, os “ciber- consumidores”, expressão que preferimos utilizar, passaram a celebrar contratos de compra de produtos e prestação de serviço,  não só com fornecedores nacionais, mas também com empresas estrangeiras que, muitas vezes,  não possuem estabelecimento físico em nosso país, ausentes, ainda,   qualquer representação ou filial.

Desta forma, no caso de alguma irregularidade nesta transação internacional, estaremos diante de uma notória questão de confronto entre as normas de proteção ao consumidor e as regras do comércio mundial, erigindo-se ,deste fato, dúvidas quanto a legislação aplicável e o foro para dirimir a controvérsia.

Visando solucionar o problema, mister a análise de um elemento a fim de que se possa determinar os elementos retro-mencionados, qual seja; a verificação do local do estabelecimento físico do fornecedor, que, ressalta-se,  não se confunde com o seu endereço na WEB.

Nesta linha de raciocínio, podemos então nos deparar com a ocorrência das seguintes situações: a) em se tratando de relação de consumo firmada com fornecedor nacional, indubitável a incidência do CODECON, b) em se tratando de fornecedor estrangeiro com estabelecimento físico no exterior, cumpre perquerir acerca da existência de Tratados ou Convenções Internacionais que discipline a matéria, ou a existência de escritório ou representação em território nacional.

Verificando a existência de Tratado ou Convenção Internacional, que discipline as relações de comércio com aquele país, e que  seja o Brasil, signatário, aplicam-se as normas de proteção ao consumidor, podendo o mesmo processar o fornecedor no Brasil ,ou no seu país de origem.

A outra situação que enseja a aplicação do Código do Consumidor, ainda que o fornecedor, com o qual celebrou contrato, tenha sua sede física do exterior é a hipótese em que se apura a existência de filial, escritório de representação ou assistência técnica deste, em território nacional, hipóteses em que, responderão estes pelos danos causados por aquele, assim como por vícios que o produto apresente.

É exatamente nesta linha de entendimento, que vem decidindo o  Superior Tribunal de Justiça, que em recente julgado,(RESP nº 63.891), reconheceu o direito de um consumidor, que adquiriu uma máquina filmadora, marca Panasonic, em Miami (USA), e que mais tarde veio a se  apresentar defeituosa, de ser reparada pela Panasonic do Brasil Ltda.

O  Relator para o acordão, o Exmo. Sr. Ministro Sálvio  de Figueiredo Teixeira, reconheceu em seu voto que  “Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no fator mercado consumidor que representa o nosso país.

(…)

O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje ‘bombardeado’ diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca.

(…)

Se as empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pela deficiência dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as consequências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos…“.

Constata-se, do citado aresto,  uma preocupação do Poder Judiciário em proteger o consumidor, notadamente o que celebra relação de consumo internacional, utilizando-se, inclusive, da internet, como salientou no fundamento de seu voto o eminente Ministro Sálvio Teixeira, Relator para o acordão.

Entretanto, caso seja constatado que não há tratado ou convenção internacional acerca do tema, assim como, ausente qualquer escritório, representação ou assistência em território nacional, não há como pretender aplicar as disposições constantes do CODECON.

Nestes casos, aplica-se às disposições constantes do Código Civil, relativas a competência em razão do lugar, assim como as normas elencadas na Lei de Introdução àquele Diploma Legal, considerando-se o  foro, nestes casos, como o local onde residir o proponente, portanto, no país em que estiver situado o seu estabelecimento físico.

De todo o exposto, resta demonstrado a importância da aplicação dos critérios supra-mencionados, a fim de que se possa determinar, com exatidão,  a legislação pertinente e o foro para dirimir eventuais controvérsias, oriundas das  relações de consumo celebradas pela internet.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Itamar Arruda Júnior

 

Bacharel em Direito pela Faculdade Milton Campos
Pós-Graduado em Direito Público

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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