Resumo: O presente trabalho tem como escopo demonstrar ser possível, frente ao ordenamento jurídico brasileiro, a configuração do dano extrapatrimonial à coletividade em decorrência de lesões ao meio ambiente. Neste sentido, realizar-se-á uma avaliação da legislação vigente, assim como da postura adotada pela doutrina e jurisprudência acerca da matéria.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Dano ambiental. Dano extrapatrimonial.
Abstract: The present work is to be able to demonstrate scope, opposite the Brazilian legal system, setting the moral damage to society as a result of injury to the environment. In this sense, it will conduct an assessment of existing legislation, as well as the posture adopted by the doctrine and jurisprudence on the matter.
Keywords: Civil Liability. Environmental damage. Moral damage.
Sumário: Introdução. 1. A afirmação do dano extrapatrimonial coletivo ambiental: Do conceito à quantificação. 2. panorama jurisprudencial. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O dano extrapatrimonial coletivo em matéria ambiental tornou-se um assunto bastante discutido na atualidade e tem acarretado diferentes posicionamentos por parte daqueles que se aventuram em estudá-lo. Os tribunais, não raro, têm emitido decisões muitas vezes contraditórias.
Segmentos da doutrina, a exemplo do ocorrido há tempos atrás com o dano moral individual no âmbito privado, renegam a reparabilidade do dano extrapatrimonial coletivo em situações que envolvam danos ao meio ambiente, tendo por fundamento o errôneo entendimento de que a ofensa moral seria exclusivamente dirigida à pessoa individual, sendo necessária a vinculação do dano moral à noção de dor, de sofrimento psíquico, o que seria, pois, incompatível com a noção de transindividualidade.
O debate sobre reparabilidade do dano extrapatrimonial coletivo é recente e não tão pacífico quanto à tese do dano moral individual o é hodiernamente. A verdade é que, embora a Constituição Federal de 1988 não tenha restringido a reparação do dano moral à esfera do particular, a grande massa dos doutrinadores dedicou-se apenas aos estudos desta modalidade, despontando somente agora na atualidade maiores números de trabalhos voltados para a reparação do dano extrapatrimonial em decorrência de lesões a interesses metaindividuais, tal qual o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Assim, ao longo deste artigo restará demonstrado a possibilidade de ocorrência do dano extrapatrimonial coletivo em matéria ambiental, tudo com fulcro na legislação nacional, nos estudos doutrinários e decisões jurisprudenciais a respeito. Outrossim, será possível distinguir o dano moral individual daquele que atinge a coletividade, formular um conceito para dano extrapatrimonial coletivo e entender como este desponta em decorrência de lesões ao meio ambiente, bem como definir critérios para a aferição do quantum indenizatório.
1. A AFIRMAÇÃO DO DANO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO AMBIENTAL
O ordenamento jurídico brasileiro, a exemplo do Código Civil de 2002, aos poucos vem introduzindo dispositivos condizentes com a tendência de constitucionalização do direito em geral – como ocorrem com a função social dos contratos e com adequação do direito de propriedade com o meio ambiente –, contudo, permanecem arraigados na mentalidade da sociedade e de alguns operadores do direito, valores dissociados da realidade atual, tais quais a prevalência do individualismo, do valor absoluto da propriedade e do caráter econômico dos bens da vida, acarretando, assim, interpretações privatistas aos conflitos transindividuais[1], como será a frente verificado.
Valores como o materialismo e o imediatismo tornam incompreensíveis termos como solidariedade, bens imateriais e ética das gerações vindouras, o que dificulta a interpretação e aplicação dos ramos jurídicos que tratam de interesses difusos como o Direito Ambiental.[2]
No entanto, a postura jurídica caminha no sentido da ampla proteção do ser humano, com a elasticidade da proteção dos valores extrapatrimonias e com o realce dos interesses da coletividade. Carlos Alberto Bittar citado por Medeiros Neto reforça que com “a evolução operada, na linha da coletivização da defesa de interesses, entes não personalizados e grupos ou classes ou categorias de pessoas indeterminadas, passaram também a figurar como titulares de direito à reparação civil (…).”[3]
Nesse sentido, pedido corriqueiramente feito nas ações civis públicas em todo país é a reparação por dano extrapatrimonial coletivo ambiental.
A existência deste tipo de lesão, todavia, vem sendo negada por alguns doutrinadores e até pelo Superior Tribunal de Justiça. A justificativa principal em desfavor da reparação pelos danos extrapatrimonias coletivos em matéria ambiental é assim traduzida na seguinte ementa:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.”[4]
O emblemático entendimento adotado pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça em 02.05.2006 no julgamento do Recurso Especial n. 598.281, no qual se debatia a lesão ao meio ambiente por conduta de empresa do setor imobiliário, revela um posicionamento de não ser indenizável o dano moral coletivo em situações que envolvem ofensas a direitos transindividuais, em especial danos ao meio ambiente. Para a maioria dos julgadores, na esteira do entendimento do Ministro Teori Zavascki “a vítima do dano moral deve, necessariamente, ser uma pessoa”.
A lide originou-se no Estado de Minas Gerais, onde o Ministério Público estadual pleiteou danos morais coletivos em decorrência de danos ambientais causados pela Municipalidade de Uberlândia e pela empresa do setor imobiliário Canaã Ltda, havendo condenação em primeira instância. Ocorre que a decisão foi reformulada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais e confirmada em instância superior pela impossibilidade deste tipo de reparação.
Segundo o posicionamento do Ministro Teori Albino Zavascki, a transindividualidade não encontra compatibilidade com o dano moral e, ademais, segundo ele, o Ministério Público não indicou, no caso, em que consistiria o alegado dano moral. Assim, observa-se em seu voto:
“É perfeitamente viável a tutela do bem jurídico salvaguardado pela Constituição (meio ambiente ecologicamente equilibrado), tal como a realizada nesta ação civil pública, mediante a determinação de providências que assegurem a restauração do ecossistema degradado, sem qualquer referência a um dano moral. Registre-se, por fim, não haver o autor sequer indicado, na presente ação civil pública, em que consistiria o alegado dano moral (pessoas afetadas, bens jurídico lesados, etc.). (…). Ora, nem toda conduta ilícita importa em dano moral, nem, como bem observou o acórdão recorrido, se pode interpretar o art. 1º da Lei da Ação Civil Pública de modo “a tornar o dano moral indenizável em todas as hipóteses descritas nos incisos I a V do art. 1º da referida lei””. (Grifo).
O entendimento acima esposado foi seguido majoritariamente pelos demais ministros da corte superior, porém, cabe ressaltar que houve voto vencido que acertadamente divergiu dos demais. O Ministro Luiz Fux entendeu ser plausível a condenação dos recorridos ao pagamento de dano moral, decorrente da ilicitude da conduta dos réus para com o meio ambiente, concluiu o ministro que “o meio ambiente ostenta na modernidade valor inestimável para a humanidade, tendo por isso alcançado a eminência de garantia constitucional” e que ademais “porquanto a Carta Magna de 1988 universalizou este direito, erigindo-o como um bem de uso comum do povo, o meio ambiente pertence a todos”. Assim, “com o advento do novel ordenamento constitucional – no que concerne à proteção ao dano moral – possibilitou ultrapassar a barreira do indivíduo para abranger o dano extrapatrimonial”. Desta sorte, tratando-se de defesa do bem ambiente, podem co-existir o dano patrimonial e o dano moral, interpretação que prestigia a real exegese da Constituição Federal em favor de um ambiente sadio e equilibrado.
Outrossim, como justificar o fato de indenizar prejuízo que atinge uma só pessoa e negar compensação a dano, de maior gravidade, que atinge milhares de pessoas?
Nesse toar, parece ter razão o Ministro Luiz Fux em defesa do dano moral coletivo. Salvo melhor juízo, o voto vencedor na máxima instância não se apresenta como a forma correta de se entender o tema, adota-se uma orientação individualista, que despreza o fato de o meio ambiente ser um interesse difuso e não privado, como passo a expor.
“A indefinição doutrinária e jurisprudencial concernente à matéria decorre da absoluta impropriedade da denominação dano moral coletivo, a qual traz consigo – indevidamente – discussões relativas à própria concepção do dano moral no seu aspecto individual”, revela Leonardo Roscoe Bessa.[5]
No mesmo sentido, Morato Leite esclarece que a nomeclatura dano moral coletivo é um entrave para a formulação de um conceito mais objetivo, amplo e desvinculado da palavra moral em si mesma que pode ter várias significações, fazendo nítida preferência pelo termo extrapatrimonial.[6]
A verdade é que o dano extrapatrimonial coletivo não se confunde com o dano moral individual. Se para este não há mais a exigência da vinculação obrigatória à noção de dor, sofrimento ou qualquer afetação à integridade psíquica da pessoa, no que se refere ao dano extrapatrimonial coletivo esta exigência é ainda mais imprópria.
Reconhecer o dano extrapatrimonial coletivo é, sem dúvida, mais um avanço nos constantes desdobramentos da responsabilidade civil. Medeiros Neto é enfático nesse sentido:
“A ampliação do dano extrapatrimonial para um conceito não restrito ao mero sofrimento ou à dor pessoal, porém extensivo a toda modificação desvaliosa do espírito coletivo, ou seja, a qualquer ofensa aos valores fundamentais compartilhados pela coletividade e que refletem o alcance da dignidade de seus membros.”[7]
Na órbita social existem valores, aceitos e compartilhados pela coletividade, considerados de extrema relevância no seio comunitário, cujo respeito passou a ser reivindicado e exigido.[8]
Nesse panorama, não se pode deixar de reconhecer que da mesma forma que o indivíduo tem sua carga de valores, também a comunidade tem sua dimensão ética, desatrelada das pessoas que integram o grupo social quando consideradas individualmente, tratam-se de valores indivisíveis, que não se confunde com cada elemento da coletividade. [9]
Como enfatiza Gabriel A. Stigliz é no aspecto da moral dos grupos humanos que se encontra o ponto nevrálgico, no qual a teoria dos danos entra em contato com uma nova dimensão social dos sentimentos e aspirações humanas, em um mundo de convivência, de necessidades e expectativas que são compartilhadas em sociedade.[10]
André Ramos, captando essas ideias, assevera que “o ponto chave para a aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito, deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoa física”. E acrescenta que a reparação do dano moral, em face de pessoa jurídica, constituiu passo primordial para a aceitabilidade deste tipo de dano em relação a uma coletividade, que possui valores morais e um patrimônio ideal merecedor de reparação.[11]
Vê-se, pois, que o dano extrapatrimonial coletivo não está vinculado ao sofrimento sentido pela pessoa física, mas, sim, se refere à violação de valores compartilhados pela comunidade, cuja lesão possui o condão de atingir a qualidade de vida, o bem-estar social, entre outros valores que reflitam na dignidade humana. Resta, pois, rechaçado o posicionamento de que o dano moral tem caráter personalíssimo e não se coaduna com a noção de transindividualidade como defendido pelo STJ e também por renomados juristas, a exemplo de Rui Stoco.[12]
Nessa seara, Bittar Filho conceitua dano extrapatrimonal coletivo como: “injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos”. E continua:
“Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico; quer dizer isso, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial.”[13]
No que atine ao dano moral em decorrência de prejuízos ao meio ambiente, algumas considerações devem ser feitas. Não há dúvida que a lesão ambiental causa prejuízo ao habitat onde o homem vive, exerce suas relações interpessoais e divide sua experiência com a comunidade. Inevitavelmente, gera reflexos em seus costumes, sua cultura, sua economia, seu patrimônio, sua subsistência, seu modo de viver, sua qualidade de vida, sua saúde, sua dignidade, sua moral.[14]
Nesse sentido, não há como negar que o dano ambiental possa ter reflexo extrapatrimonial no âmbito da sociedade, tendo em vista a violação de valores essenciais e inerentes a esta, tal qual o direito fundamental de viver em um ambiente sadio, ecologicamente equilibrado, estética e paisagisticamente conservado, com qualidade de vida e saúde.
Nesse viés, o dano extrapatrimonial coletivo ambiental vem assim sendo definido pela nossa doutrina:
“O dano ambiental extrapatrimonial é, portanto, uma espécie autônoma do gênero dano extrapatrimonial (neste contexto especificadamente causado por uma lesão ao meio ambiente), é o reflexo negativo do dano ambiental nos bens de natureza extrapatrimonial sejam eles de caráter individual ou coletivo. (…). O dano ambiental extrapatrimonial coletivo diz respeito à violação do interesse comum de toda a sociedade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, por sua vez, pode-se dizer que o sentimento negativo suportado pela coletividade quando há dano ambiental é, em regra, de caráter objetivo, e não, referente a interesse subjetivo particular.”[15]
Oliveira conclui que “toda ofensa ao meio ambiente capaz de ensejar uma diminuição na qualidade de vida da comunidade ou do indivíduo é passível de reparação por danos morais”.[16]
Flávio Tartuce, por sua vez, defende ser indenizável o dano de caráter extrapatrimonial da coletividade em decorrência dos danos ambientais, em razão de a Constituição Federal, em seu artigo 225, proteger o meio ambiente e caracterizá-lo como bem pertencente a todos, bem difuso, visando à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações.[17]
Assim, a configuração do dano extrapatrimonial coletivo em matéria ambiental tem intrínseca relação com a ofensa à saúde, ao bem-estar e à qualidade de vida da sociedade e o direito de viver em um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Podendo ser pleiteado, pois, quando qualquer desses valores e interesses que permeiam toda a sociedade, grupo, categoria ou classe forem violados. Cumpre deixar claro que só há razão de existir o dano de caráter extrapatrimonial se dada comunidade for afetada pela lesão ambiental. Dessa forma, embora constantemente esse dano seja chamado de dano moral ambiental, a verdade é que este é um prejuízo coletivo em seu aspecto imaterial, reflexo da lesão ao meio ambiente. Há, em meu vê, pois, uma impropriedade na denominação adotada comumente na doutrina: dano moral ambiental, já que, em verdade, a lesão ao meio ambiente é a fonte geradora de ofensa a valores morais coletivos defendidos constitucional e infraconstitucionalmente.
Em todo o país a reparação pelos danos de caráter imaterial da coletividade reflexo do dano ambiental, é cada vez mais pleiteada em ações civis públicas de autoria dos Ministérios Públicos Estaduais e Federais e demais entes autorizados pela legislação, com fulcro em especial no art. 1º da Lei de ação civil pública n. 7.347/85, que dispõe:
“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
l – ao meio-ambiente;
ll – ao consumidor;
III – à ordem urbanística; (Incluído pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001)
IV – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (Renumerado do Inciso III, pela Lei nº 10.257, de 10.7.2001)
V – por infração da ordem econômica e da economia popular; (Redação dada pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
VI – à ordem urbanística. (Redação dada pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)”. (Grifo).
E também com fundamento no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, onde fica designado ser direitos básicos do consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Dessa forma, resta sedimentada de forma explícita, em plano infraconstitucional, a base legal para a proteção do dano extrapatrimonial coletivo aplicável aos diversos ramos do direito que tutela os interesses transindividuais, como é o caso da Direito Ambiental. O legislador brasileiro, assim, vem acompanhando a tendência inevitável da coletivização do direito.
Cabe destacar que a destinação do montante da indenização a título de dano extrapatrimonial coletivo é revertida para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD) nos termos do art. 13[18] da Lei n. 7.347/85 e não tem o condão apenas de reconstituição dos bens lesados, mas, também, de compensação em face da lesão a bens de caráter imaterial. Dessa forma, nos termos do artigo 1º, §3º[19] da Lei 9.008/95, diploma responsável por regulamentar o fundo em comento, os recursos, atualmente, podem ser utilizados na promoção de eventos educativos e científicos, na edição de material informativo relacionado com o dano causado, como também na modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução da política referente à defesa do direito atingido.
Nesse panorama, a importante contribuição de Carlos Alberto de Salles sobre o papel compensatório dos Fundos de Defesa dos Direitos Difusos (FDD):
“Deve o Fundo Federal, como forma de compensar o dano sofrido, adotar providências para promover ações que beneficiem o interesse lesado em proporção ao dano sofrido. Daí a possibilidade, indicada na legislação regulamentadora, de medidas indiretas de compensação, não diretamente associadas ao evento danoso, como a promoção de campanhas educativas, de aparelhamento dos órgãos de defesa, e mesmo benfeitorias ambientais não relacionadas com a reparação do dano, mas representativas de uma compensação em espécie, como a criação de um parque, de um criatório de animais selvagens, de um centro de estudos etc.”[20]
Cumpre destacar que ao fomentar políticas públicas o valor da indenização revertido ao fundo em questão, ao contrário dos danos individuais, também adota uma função preventiva, consentâneo com o Direito Ambiental da contemporaneidade.
Outro ponto importante no presente tema consiste na árdua tarefa da doutrina e da jurisprudência na fixação de parâmetros para a designação do montante indenizatório nesta modalidade de dano.
Oliveira traz em seu livro um rol de elementos objetivos e subjetivos que devem ser levados em consideração, pelo magistrado, para a fixação do quantum indenizatório, quais sejam: a gravidade e repercussão do dano, a capacidade econômica do agente poluidor, a extensão e natureza do prejuízo, a reprovabilidade da conduta, o lucro obtido pelo infrator, a importância do patrimônio lesado, as implicações de natureza patrimonial do dano, a possibilidade de recomposição ao estado anterior e a condição política e social da comunidade, grupo ou classe atingidos.[21]
É de se ter mente que o aplicador do direito deve arbitrar o valor da indenização com fulcro em elementos racionais, utilizando-se do bom senso e da equidade para que não se tenha arbitramento de valores dessarazoados e absurdos, tendo, esse, o dever, outrossim, de fundamentar a decisão independentemente do critério escolhido.
Por fim, o julgador deve atentar ainda para o caráter pedagógico da indenização fixada, de maneira a acarretar um desestímulo ao infrator e a terceiros em se aventurar na prática reiterada do dano ambiental.
Leonardo Bessa afirma que “o dano moral coletivo é sanção pecuniária, com caráter eminentemente punitivo, em face da ofensa a direitos coletivos ou difusos nas mais diversas áreas (consumidor, meio ambiente, ordem urbanística, etc).” E acrescenta que o “objetivo preventivo-repressivo do direito penal conforma-se mais com o interesse social que está agregado aos direitos difusos e coletivos.”[22]
Na esteira desse pensamento, Almeida e Augustin afirmam que o debate referente ao dano extrapatrimonial coletivo impõe que a atividade hermenêutica dos direitos coletivos e seus instrumentos de proteção deve se pautar no efeito almejado pela lei: o de prevenir a ofensa a direitos transindividuais, ora se aproximando de elementos e noções de responsabilidade civil, ora se aproveitando de perspectiva própria do direito penal.[23]
Bittar Filho, a respeito do tema, pondera que “em havendo condenação em dinheiro, deve aplicar-se, indubitavelmente, a técnica do valor de desestímulo, a fim de que se evitem novas violações aos valores coletivos (…)”.[24]
Não se pode olvidar que com a consagração dos direitos transindividuais, em especial do meio ambiente como bem difuso, de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida humana, resta imperioso a criação de instrumentos com aptidão para desestimular danos graves de natureza metaindividual ou comunitário. A relevância social destes interesses justifica uma tutela efetiva e real que se traduz, principalmente, no princípio da prevenção e precaução, onde se busca evitar o dano a todo custo.
Nesse panorama, a função pedagógica e preventiva da responsabilidade civil deve estar presente em situações excepcionais, consideradas de extrema importância dentro da sociedade, como é o caso dos interesses transindividuais.
Costa e Pargendler assevera que um exemplo saudável na ordem jurídica pátria sobre a indenização exemplar é a multa prevista na Lei da Ação Civil Pública para o caso de danos cuja dimensão é transindividual, como os danos ambientais. Sendo a multa recolhida a um fundo público e tendo destinação coletiva e não individual, deve-se acolher a função punitiva da responsabilidade civil de forma que se atenda perfeitamente ao princípio da preservação que polariza o Direito Ambiental.[25]
Na tutela dos direitos coletivos e difusos deve-se prestigiar o aspecto preventivo do dano. E essa prevenção somente será alcançada por intermédio de instrumentos eficazes para impor uma punição ao comportamento que ofenda aos interesses metaindividuais. Deve-se utilizar, então, a técnica do desestímulo, com a finalidade de que novos danos a valores coletivos não ocorram.[26]
Portanto, a base teórica da responsabilidade civil deve sofrer mutações no sentido de evoluir e se desvincular da concepção individualista, para adotar uma postura de coletivização, voltada não só para os direitos do indivíduo, mas, também, preocupada com os valores compartilhados na comunidade.
A bem da verdade, a solução para as dúvidas e dificuldades relativas aos parâmetros a serem adotadas na responsabilidade por dano moral coletivo não pode ser encontrada no modelo criado para as relações individuais e privatistas. A ausência de disposições próprias e codificadas dos direitos transindividuais acarreta a utilização errônea de concepções e instrumentos incapazes de proporcionar uma adequada prestação jurisdicional de forma a atender aos anseios da contemporânea sociedade de massa.
2. PANORAMA JURISPRUDENCIAL
A despeito dos posicionamentos contrários, já se vislumbra uma parcela significativa de estudiosos do Direito que defendem o dano extrapatrimonial coletivo em matéria ambiental, bem como uma gradativa transformação na postura de alguns magistrados brasileiros que, cada vez mais afetos a proteção ambiental, vem avançado e determinando com mais frequência a reparação desse tipo de dano, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana, na legislação da Ação Civil Pública, da Constituição Federal e do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse diapasão, a Segunda Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, abordando o assunto, assim concluiu:
“Poluição Ambiental. Ação Civil Pública formulada pelo Município do Rio de Janeiro. Poluição consistente em supressão da vegetação do imóvel sem a devida autorização municipal. Cortes de árvores e início de construção não licenciada, ensejando multas e interdição do local. Dano à coletividade com destruição do ecossistema, trazendo conseqüências nocivas ao meio ambiente, com infringência às leis ambientais, lei Federal 4.771/65, Decreto Federal 750/93, artigo 2º, Decreto Federal 99.274/90, artigo 34 e inciso XI e a Lei Orgânica do Município do Rio de janeiro, artigo 477. Condenação à reparação de danos materiais consistentes no plantio de 2.800 árvores, e ao desfazimento das obras. Reforma da sentença para inclusão do dano moral perpetrado a coletividade. Quantificação do dano moral ambiental razoável e proporcional ao prejuízo coletivo. A impossibilidade de reposição do ambiente ao estado anterior justificam a condenação em dano moral pela degradação ambiental prejudicial à coletividade. Provimento do recurso.”[27] (Grifo).
No voto da Desembargadora Relatora Maria Raimunda T. de Azevedo a questão foi da analisada seguinte forma:
“Outra é o dano moral consistente na perda de valores ambientais pela coletividade. O dano moral ambiental tem por característica a impossibilidade de mensurar e a impossibilidade de restituição do bem ao estado anterior. Na hipótese, é possível estimar a indenização, pois a reposição das condições ambientais anteriores, ainda que determinado o plantio das árvores, a restauração ecológica só se dará, no mínimo dentro de 10 a 15 anos. Conforme atestam os laudos (fls. 11/12 e 17/18) nesse interregno a degradação ambiental se prolonga com os danos evidentes à coletividade, pela perda da qualidade de vida nesse período.Os danos ao meio ambiente, vêm sendo cada vez mais perpetrados, resultante da insensibilidade dos perpetradores, por isso que devem ser reprimidos a benefício da coletividade.Assim sendo, de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade norteadoras da fixação do valor, e de acordo com o brilhante parecer do procurador de Justiça Dr. Luiz Otávio de Freitas, que na forma regimental passa a integrar o julgado, dá-se provimento ao apelo, para condenar o apelado ao pagamento de danos morais ambientais, no equivalente a 200m(duzentos) salários mínimos nesta data, revertidos em favor do fundo previsto no artigo 13 da Lei 7.347/85.” (Grifo).
Destaque, agora, para a decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que, em julgamento de apelação cível, interposta pelo Ministério Público Federal e outro, contra a sentença do Juízo da 18ª Vara da Seção Judiciária do Ceará – que não acatou o pedido formulado pelo Ministério Público Federal, no sentido de condenar o réu ao pagamento de uma indenização pelos danos ecológicos causados –, traz em seu bojo a seguinte argumentação em defesa do meio ambiente e seus efeitos extrapatrimoniais:
“DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. CONDENAÇÃO PARA RECOMPOR O DANO AMBIENTAL CAUSADO E AO PAGAMENTO DE UMA INDENIZAÇÃO PELOS DANOS ECOLÓGICOS. ….(omissis). 4. A natureza do dano ambiental, porque diz respeito a um interesse difuso intangível, exige, além da reparação material – se possível de restituição à situação anterior – a reparação moral coletiva, porque não se atinge uma única esfera jurídica, mas um direito compartilhado transindividualmente por todos os cidadãos. Por isso é que é plenamente possível a condenação em indenização por dano moral coletivo, até porque existe previsão normativa expressa sobre a possibilidade de dano extrapatrimonial em relação a coletividades, consoante se depreende da parte final do artigo 1º da Lei nº 7.347/85…..(omissis). 7. Apelação do MPF provida, para o fim de ser o Réu condenado a pagar uma indenização pelo dano ambiental causado, no valor de 500 (quinhentas) UFIR’s. Apelação do Réu improvida. Mantida a sentença recorrida em todos os seus demais termos.”[28] (Grifo).
Nas palavras do Desembargador Federal Francisco Barros Dias, relator da Apelação Civel n. 431925/CE em comento, deve predominar, de maneira progressista, o entendimento amplo que admite a condenação em danos morais coletivos, visto que, sempre que necessário, deve-se possibilitar a recomposição do sentimento do grupo, da coletividade, impondo-se uma sanção que signifique, ao mesmo tempo, reprimenda e compensação revestida de caráter eminentemente educativo, observa-se:
“Ou seja, entendemos ser plenamente possível a condenação cumulativa em obrigação de fazer ou não fazer e de pagar, sobretudo porque, em matéria ambiental, tal cumulação mostra-se ainda mais premente, em virtude do dano moral provocado à coletividade atingida pela devastação ecológica, tendo esse tipo de dano natureza peculiar, sendo de difícil reparação e mensuração, pelo que a condenação em dinheiro, se não consegue corresponder exatamente aos recursos naturais destruídos, no mínimo, desempenha um caráter educativo de intimidação à prática de ações similares.….(omissis).Além disso, como já ressaltado, a natureza do dano ambiental, porque diz respeito a um interesse difuso intangível, exige, além da reparação material – se possível de restituição à situação anterior – a reparação moral coletiva, porque não se atinge uma única esfera jurídica, mas um direito compartilhado transindividualmente por todos os cidadãos.” (Grifo).
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por sua vez, apresenta julgado em defesa do dano extrapatrimonial coletivo em matéria ambiental, no qual também ressalta o caráter punitivo e educativo deste tipo de reparação:
“PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL E ADMINISTRATIVA. INDEPENDÊNCIA. RECOMPOSIÇÃO DO AMBIENTE E DANO MORAL COLETIVO.…Omissis.2.Comprovado o dano ambiental coletivo: (i) destruição de matacões, inclusive com uso de explosivos, e retirada de grande quantidade de areia da praia, para calçamento da propriedade particular; (ii) construção de muro à beira mar; (iii) realização de extenso aterro na área da praia; (iv) bloqueio de acesso do público à praia; e (v) manutenção de aves silvestres em cativeiro , tudo em área de preservação permanente, inserida, outrossim, na Estação Ecológica de Tamoios, a responsabilidade civil é objetiva (art. 225, § 3º, da CF e 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), cabendo ampla reparação.3.Deve o poluidor ser condenado, como ensina Guilherme Couto de Castro, simultaneamente na recomposição do ambiente, sob pena cominatória, e também em verba a título punitivo (A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 119-120), também chamada educativa, didática ou por dano moral coletivo, com base no art. 1º da Lei nº 7.347/85, com a redação determinada pelo art. 88 da Lei nº 8.884/94. 4.Apelação parcialmente provida para, superada a extinção do processo (art. 515, § 3º, do CPC), ser julgado procedente, em parte, o pedido.”[29] (Grifo).
Por fim, cumpre trazer a lume, também as observações produzidas pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro na Apelação Cível n. 2009.001.10577, cuja ementa revela, litteris:
“APELAÇÃO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANOS MORAIS AMBIENTAIS – RESPONSABILIDADE OBJETIVA.1- Versa a presente demanda sobre danos ambientais causados em virtude de construçãoclandestina de um quiosque sobre a areia da praia na localidade Praia Grande em Angra dos Reis; 2- A responsabilidade por danos ambientais é objetiva, ou seja, independente de culpa. Restou cabalmente demonstrado que o réu-apelado estabeleceu, clandestinamente e durante bom tempo, um quiosque sobre a areia da praia, em área de preservação permanente (fls. 12/17); 3- O dano extrapatrimonial não surge apenas em conseqüência da dor, em seu sentido moral de mágoa, mas também do desrespeito a valores que afetam negativamente a coletividade. A dor, em sua acepção coletiva, é ligada a um valor equiparado ao sentimento moral individual e a um bem ambiental indivisível, de interesse comum, solidário, e relativo a um direito fundamental da coletividade.- Configurado o dano extrapatrimonial (moral), eis que houve um dano propriamente dito, configurado no prejuízo material trazido pela degradação ambiental, e houve nexo causal entre o ato do autuado e este dano. 4- Recurso provido.”[30] (Grifo).
Por todas as considerações aqui feitas, e tomando por base o fato que a proteção ambiental dever ser a mais ampla possível, parece-nos que as decisões aqui elencadas estão corretíssimas. Independentemente das contrariedades na jurisprudência como demonstrado ao longo deste estudo, infere-se que o meio ambiente sadio e ecologicamante equilibrado, a qualidade de vida, o bem-estar social e as cidades sustentáveis são direitos da presente e das futuras gerações e, assim, ao restar configurado um dano ambiental que irradie efeitos negativos nesses valores e diretos compartilhados pela comunidade, presente estará o dano extrapatrimonial coletivo.
Em suma, a necessidade de reparação de quaisquer danos de caráter extrapatrimonial, principalmente quando da violação de interesses titularizados pela coletividade, corresponde um a desejo íntegro e legítimo hodiernamente. Ganha destaque, assim, no ordenamento jurídico pátrio, o dano extrapatrimonial coletivo, ou seja, os reflexos de índole não patrimonial aos direitos difusos e coletivos, em especial em sede de matéria ambiental.
CONCLUSÃO
Na sociedade contemporânea, defronta-se com situações recorrentes em que os interesses envolvidos nos conflitos jurídicos ultrapassam a esfera da individualidade. Evidente é que, com o surgimento de novos interesses tutelados pelo direito, inovadoras situações conflituosas surgiram, novos danos injustos se perpetuaram, cuja reparação e defesa das vítimas, seja pessoas físicas ou jurídicas, grupos, categorias ou até toda coletividade, passaram a corresponder a um desejo legítimo.
Nesse sentido, pedido corriqueiramente feito nas ações civis públicas em todo país é a reparação por danos extrapatrimonias coletivos em decorrência de danos ambientais.
Reconhecer o dano extrapatrimonial coletivo é, sem dúvida, mais um avanço nos constantes desdobramentos da responsabilidade civil. Na órbita social existem valores aceitos e compartilhados pela coletividade, caracterizados por uma nota de essencialidade no seio comunitário, cujo respeito passou a ser reclamado.
O dano extrapatrimonial coletivo não está vinculado à alteração psicofísica da coletividade, mas, sim, se refere à violação de valores compartilhados pela comunidade, que tenham o condão de atingir a qualidade de vida, o bem-estar social, entre outros valores que reflitam na dignidade humana. Deve-se, pois, rechaçar o posicionamento de que o dano moral tem caráter personalismo e não se coaduna com a noção de transindividualidade como defendido pelo STJ e alguns doutrinadores.
Não há como negar que o dano ambiental possa ter reflexo extrapatrimonial no âmbito da sociedade, tendo em vista a violação de valores essenciais e inerentes a essa, tal qual o direito fundamental de viver em um ambiente sadio, ecologicamente equilibrado, estética e paisagisticamente conservado, com qualidade de vida e saúde.
Não se pode olvidar que a Constituição Federal de 1988 reconheceu o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um bem pertencente a todos, de titularidade difusa, cuja obrigatoriedade de preservação recai sobre a toda sociedade e o poder público.
O meio ambiente, contemporaneamente, assume importância inestimável para toda comunidade. É consagrado pela Lei maior brasileira como um direito humano fundamental, o que possibilita a ampliação dos danos a serem ressarcidos, como o extrapatrimonial coletivo em decorrências de prejuízos ambientais.
A postura jurídica caminha no sentido da ampla proteção do ser humano, com a elasticidade do amparo aos valores extrapatrimonias e com o realce dos interesses da coletividade.
No artigo 1º da Lei de Ação Civil Pública e no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor encontram-se os fundamentos legais para o pleito de dano extrapatrimonial afeto à coletividade.
Assim, infere-se que o meio ambiente sadio e ecologicamante equilibrado, a qualidade de vida, o bem-estar social e as cidades sustentáveis são direitos da presente e das futuras gerações e, por conseguinte, ao restar configurado um dano ambiental que atinjam insuportavelmente esses valores e diretos compartilhados pela comunidade, presente estará o dano extrapatrimonial coletivo ambiental.
Cumpre deixar claro que só há razão de existir o dano de caráter extrapatrimonial se dada comunidade for afetada pela lesão ambiental. Dessa forma, embora constantemente esse dano seja chamado de dano moral ambiental, a verdade é que este é um prejuízo coletivo, em seu aspecto imaterial, reflexo da lesão ao meio ambiente.
No arbitramento da verba indenizatória dessa modalidade de dano, cabe ao magistrado ponderar e analisar diversos elementos objetivos e subjetivos, tais quais a gravidade e repercussão do dano, a capacidade econômica do agente poluidor, a extensão e natureza do prejuízo, a reprovabilidade da conduta, inclusive o caráter pedagógico e a possibilidade de prevenção de futuros danos ambientais semelhantes.
Com a consagração dos direitos transindividuais, em especial do meio ambiente sadio, bem difuso, de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, resta imperioso a criação de instrumentos com aptidão para desestimular danos graves de natureza metaindividual. A relevância social destes interesses justifica uma tutela efetiva e real que se traduz, principalmente, no princípio da prevenção e precaução, onde se busca evitar o dano a todo custo.
Nesse panorama, a função pedagógica e preventiva da responsabilidade civil deve estar presente em situações excepcionais, consideradas de extrema importância dentro da sociedade, como é o caso dos interesses transindividuais.
Portanto, a base teórica da responsabilidade civil deve sofrer mutações no sentido de evoluir e se desvincular da concepção individualista para adotar uma postura de coletivização, voltada não só para os direitos do indivíduo, mas também preocupada com os valores incorporados na comunidade.
A bem da verdade, a solução para as dúvidas e dificuldades relativas aos parâmetros a serem adotados na responsabilidade por dano extrapatrimonial coletivo, não pode ser encontrada no modelo criado para as relações individuais e privatistas. A ausência de disposições próprias e codificadas dos direitos transindividuais acarreta a utilização errônea de concepções e instrumentos incapazes de proporcionar uma adequada prestação jurisdicional, de forma a atender aos anseios da contemporânea sociedade de massa.
Apesar de posicionamentos contrários, já se constata uma parcela significativa de estudiosos do Direito que defendem o dano extrapatrimonial coletivo em matéria ambiental, bem como uma gradativa transformação na postura de alguns magistrados brasileiros que, cada vez mais afetos com a proteção ambiental, vem avançado e determinando com mais frequência a reparação desse tipo de dano com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana, na legislação da Ação Civil Pública, da Constituição Federal e do Código de Defesa do Consumidor.
Advogada. Servidora Pública do Ministério da Fazenda. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas
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