Resumo : O presente trabalho tem como objeto identificar os requisitos norteadores da manutenção do plano de saúde coletivo ao empregado por sua ex-empregadora, o dever de informação da Empregadora e as conseqüências da recusa injustificada no atendimento médico.
Abstract: This paper aims to identify the requirements guiding the maintenance of public health insurance to the employee by his former employer, the duty to inform the employer and the consequences of the unjustified refusal of medical care
Sumário: 1. Introdução. 2. Os requisitos necessários para garantir que o aposentado mantenha o plano de saúde contratado por sua ex-empregadora. 3. O dever de informação da ex-empregadora e empresa de prestação de serviços médicos – indicador 19 do instituto Ethos. 4. Dano moral e material – hipóteses de incidência na espécie. 5. Conclusão.
1. Introdução
A Constituição Federal impõe ao Estado brasileiro proporcionar ao cidadão o direito à saúde, como reza o art. 196, in verbis: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Entretanto, é fato notório e sabido que os serviços de saúde disponibilizados pelos governos federais, estaduais e municipais, estão sucateados pela falta de investimentos de monta, situação esta agravada por diversos outros fatores políticos, econômicos e sociais, os quais serão aqui debatidos.
O descaso dos governantes com a saúde pública brasileira não deixou outra saída aos cidadãos e às empresas do setor privado, senão a contratação de planos de saúde suplementar, a fim de garantir seja proporcionada a qualidade da prestação dos serviços médicos.
No entanto, antes do advento da Lei 9.656 de 03.06.1998, o mercado de saúde suplementar não possuía regulação eficiente e, quase sempre, o consumidor de tais serviços era quem ficava desprotegido frente aos costumeiros abusos das empresas de assistência à saúde, por meio da elaboração de contratos de adesão e ineficácia no atendimento.
Não há dúvidas de que a Lei 9.656 de 03.06.1998 constitui marco regulatório o qual disciplina a relação dos fornecedores de serviços de saúde e os consumidores.
Outrossim, apesar de ter havido diversas alterações posteriores no retromencionado texto legal por meio da edição de medidas provisórias, inclusive embates judiciais de declaração de inconstitucionalidade de alguns artigos, ainda sim trata-se de um avanço considerável que possibilitou uma melhor operacionalidade do setor.
O presente estudo analisará o art. 30, caput e § 6º e artigo 31, ambos da Lei 9.656/98, se o empregado aposentado tem direito à manutenção do seguro-saúde nos mesmos valores pagos por sua ex-empregadora, mediante contribuição direta do ex-empregado à prestadora de serviços médicos-hospitalares pelo prazo mínimo de 10 (dez) anos, quando da vigência do contrato de trabalho, bem como, se a negativa da prorrogação do plano de saúde do aposentado incide ou não na condenação da sua ex-empregadora e empresa de saúde no pagamento de danos materiais e morais.
2. Os requisitos necessários para garantir que o aposentado mantenha o plano de saúde contratado por sua ex-empregadora
Dispõe o art. 30, § 6º da Lei 9.656/98, que o aposentado que tiver contribuído com o pagamento do plano de saúde em decorrência do vínculo empregatício lhe é assegurado o direito de manutenção da referida cobertura assistencial após a rescisão do contrato de trabalho, desde que o mesmo assuma o pagamento integral da contribuição, in verbis:
“Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)(…)”
Já o art. 31 da Lei 9.656/98 disciplina que é requisito essencial à manutenção do plano de saúde na aposentadoria, o prazo mínimo de contribuição pelo aposentado de 10 (dez) anos havido durante o vínculo empregatício, verbis:
“Art. 31. Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)”
Todavia, o § 6º do art. 30 da Lei 9.656/98 apregoa que “nos planos coletivos custeados integralmente pela empresa, não é considerada contribuição a co-participação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou hospitalar. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)”
Não há dúvidas de que a redação dos dispositivos legais retromencionados não é clara.
Qual é o conceito de “contribuição”, “plano coletivo” e “fator de moderação”? Quais são as verdadeiras hipóteses de manutenção do plano de saúde ao aposentado?
Primeiramente, o posicionamento jurisprudencial que apregoa não existir direito ao aposentado de mantença do plano de saúde após a extinção do contrato de trabalho, nos casos em que a ex-empregadora possui plano coletivo de prestação de serviços de saúde, o faz por entender que a co- participação do ex-empregado não é considerada “contribuição” para efeito do benefício.
A expressão “contribuir” no texto legal significaria colaboração, cooperação, ou seja, o ex-empregado deveria arcar com uma parte da mensalidade do plano de saúde para assim possibilitar na aposentaria a permanência do plano no statu quo ante a rescisão do contrato de trabalho.
Vale explicitar que existem três modalidades de planos de saúde:
a) Plano coletivo: a pessoa jurídica contrata e paga integralmente a empresa prestadora de serviços médicos para atender a uma determinada massa populacional, da qual mantém um vínculo empregatício, associativo ou sindical.
b) Plano com participação: a pessoa jurídica contrata empresa prestadora de serviços médicos, cujas mensalidades são pagas integralmente ou parcialmente pela contratante à operadora.
c) Plano sem patrocinador: a pessoa jurídica contrata a prestadora de serviços médicos, porém, o beneficiário (empregado) é quem paga integralmente a mensalidade diretamente à operadora.
Como visto, os planos coletivos são contratados e custeados exclusivamente pela pessoa jurídica empregadora, sem participação de seus empregados.
Desta feita, sem participação no pagamento pelo empregado do plano de saúde, não haveria direito de sua manutenção após a aposentadoria, sequer a contribuição paga pelo empregador poderia ser entendida como salário “in natura”.
Seguem abaixo alguns julgados que se posicionam no sentido de que a benesse do direito de manutenção nos plano de saúde dos valores pagos por sua ex-empregadora ao aposentado, depende da prova do pagamento anterior pelo ex-empregado pelo menos de forma parcial, além de que a “contribuição” paga pelo empregador não pode ser entendida como salário “in natura”, in verbis:
“ Plano de saúde. Prestação de Serviços. Tutela antecipada indeferida. Pretensão do autor de continuar abrigado por plano de saúde mantido por sua antiga empregadora. Falta de prova de sua co-participação efetiva no pagamento, excluído fator de moderação. Contribuição que não se pode considerar como “salário in natura”. Agravo não provido”
(TJSP – Agravo de Instrumento n. 534.514-4/0 – São Paulo – 10ª Câmara de Direito Privado – Rel. Maurício Vidigal – j. 18.12.07)
“ Seguro. Plano de Saúde. Pretendida manutenção de seguro saúde por ex-empregado aposentado e após dispensado. Inadmissibilidade. Contrato de saúde coletivo firmado com sistema de co-participação. Ausência de contribuição por parte do empregado. Observância do art. 30, parágrafo sexto, da Lei 9.656/98. Autor que pediu a manutenção do contrato com base em benesse legal a que não faz jus. Improcedência mantida. Recurso Improvido.”
(TJSP – Apelação Cível n. 669.102-4/0-00, Relator Des. Vito Guglielmi – São Paulo/Itaquera – voto n. 14.711, de 17/09/2009)
Ocorre, que a maioria das empresas brasileiras disponibilizam aos seus empregados o plano coletivo, o que resultaria na suposta ausência de proteção legal à continuidade do plano de saúde de uma enorme gama de aposentados.
O site da ANS – Agência Nacional de Saúde assevera que 50% dos planos de saúde contratos no Brasil são coletivos:
Quais serão são razões e a conseqüências do fato de grande parte das empresas optam justamente pelo plano de saúde coletivo?
Apesar de não haver previsão legal que obrigue o empregador a contratar plano de saúde a seus funcionários, é comum grandes e pequenas empresas o fazerem atendendo reivindicações dos empregados em acordos coletivos.
O plano coletivo de saúde do ponto de vista financeiro é mais vantajoso à empresa empregadora por ser mais barato e a da mesma forma o é à empresa de prestação de serviços médicos, a qual arrebanha milhares de clientes “indiretos” e tem o consumidor excluído do plano de saúde no período em que o custo do consumidor começa a encarecer, haja vista o aparecimento de problemas de saúde no aposentado.
No entanto, as conseqüências ao trabalhador advindas da contratação pela sua empregadora do plano de saúde coletivo são inúmeras, cuja análise se dá de forma fundamentada pelo mais correto entendimento jurisprudencial.
Em primeiro lugar, o custeio integral pela empregadora do plano coletivo de saúde consiste em um salário indireto, in natura, e, portanto, o conceito de “contribuição” dada pelo artigo 31 da Lei 9.656/98 tem interpretação extensiva ao empregado que indiretamente paga, com seu trabalho, o plano de saúde.
Vários são os julgados que assim dispõem sobre a presente questão:
“… a despeito de suportar a empregadora a totalidade do custeio do plano básico, como atesta a fl. 109, assim o fazia não a título gracioso, mas oferecendo essa contribuição como salário indireto, em contraprestação ao trabalho do empregado, tanto que só nessas condições faria jus ao agravado ao benefício… resumindo: a tutela antecipatória foi bem deferida, em sintonia com as exigências do art. 273 e parágrafos do Código de Processo Civil, colocando o agravado sob o abrigo provisório do art. 31 da Lei 9.656/98, depois de aposentando fazendo jus à permanência no plano, a que aderira enquanto na ativa, desde que assuma seu pagamento integral, continuando os dependentes e agregados do aposentado, com a mesma cobertura, desde que mantenham a mesma condição…”(TJSP – Agravo de Instrumento n. 300.454-4/3-00, Comarca de São Paulo, Relator Des. Quaglia Barbosa, julgamento em 23/09/2003)
“ …É sem tirar nem por, exatamente a situação do autor apelado que, durante quase trinta anos foi associado ao plano de saúde da apelante, que recebeu da sua empregadora a contraprestação devida ao longo do tempo. E agora, quando mais precisa, na condição de aposentado, do plano de saúde, recusa-se este à continuação ao argumento inconsistente e equivocado de que não foi ele contribuinte porque era custeado pela empregadora… ter-se-á que aceitar a inutilidade quase total do “caput”, já que nenhum aposentado poderia gozar da continuação se não houvesse pago a prestação juntamente com o empregador. E como a grande maioria é subsidiada exclusivamente exclusivamente pela empresa o aposentado ficaria à míngua de qualquer assistência médica na velhice e depois de ter contribuído, direta ou indiretamente, ao longo da vida toda.
Afirma-se que direta ou indiretamente o aposentado contribuiu enquanto empregado porque já se decidiu que o plano de saúde oferecido pela empregadora nada mais é que o pagamento salarial indireto, a justificar a conclusão de que o empregado não contribuiu diretamente, mas o fez indiretamente por que a contribuição integrava seu salário…”
(TJSP – Comarca de São Paulo, 4ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Maia da Cunha, j. 27/04/2006)
Desta feita, o melhor entendimento jurisprudencial não deixa dúvidas quanto o direito do empregado de manter o plano de saúde coletivo contratado por sua empregadora quando aposentado, desde que tenha contribuído indiretamente com seu labor por mais de 10 (dez) anos e pague a mensalidade integral no valor que sua ex-empregadora o fazia.
3. O dever de informação da ex-empregadora e empresa de prestação de serviços médicos – indicador 19 do instituto Ethos
Além da insegurança jurídica provocada pela divergência de interpretação da legislação acima referida, o empregado e o próprio aposentado são prejudicados pelo desconhecimento dos diversos tipos de planos de saúde, muito menos há uma política empresarial séria de informação e conscientização de preparação para a aposentadoria no que se trata do plano de saúde.
Indaga-se: qual é a razão de a ex-empregadora não fornecer as informações necessárias sobre os direitos do aposentado? Por que a ex-empregadora não mantém contratos com a prestadora de serviços médicos para a continuidade espontânea e automática do contrato? Por que a prestadora de serviços médicos não informa seu cliente indireto sobre os direitos de manutenção do plano ao aposentado?
Como já explicitado no item anterior, certamente “não interessa” economicamente às prestadoras de serviços médicos a mantença de aposentados em seus quadros de clientes ante o aumento do custo do serviço, já que, obviamente, os problemas de saúde tornam-se rotineiros na idade da aposentadoria.
Todavia, resta inquestionável que as prestadoras de serviços médicos as quais disponibilizam contratos de saúde de coletivo auferem grandes lucros com sua atividade, inclusive, existem no mercado empresas especializadas somente nessa modalidade de plano de saúde.
Assim, considerando que o empregado pagou indiretamente com seu trabalho por vários anos o plano de saúde, o pagamento direto pelo aposentado do valor anteriormente contratado pela sua ex-empregadora à prestadora de serviços médicos não acarreta prejuízos à empresa médica.
O prejuízo seria arcado exclusivamente pelo trabalhador aposentado que, no momento em que mais precisa do plano médico de saúde e o tendo contribuído indiretamente por longos anos a respectiva contribuição, parte do entendimento de nossos Tribunais obrigaria o aposentado a contratar um novo plano de saúde com valores mais caros e superiores a 600% comparados ao plano antigo.
Infelizmente, as empresas também não informam seus empregados sobre as opções de planos de saúde, enquanto força ativa de trabalho e os reflexos das escolhas na aposentadoria.
O artigo “O PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO E A RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO” de Frederico de Andrade Gabrich, publicada na Revista do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas – FUMEC, vol. 3 – 2002, pág. 111, ensina sobre o dever de informação das partes em qualquer relação contratual é um subprincípio do princípio da boa-fé, in verbis:
“Diante de tema tão amplo e polêmico quanto o da responsabilidade civil nas relações de consumo, uma questão fundamental merece ser cada vez mais discutida e estudada. Trata-se da concretização do princípio da informação nas relações de consumo, como elemento coercitivo e impositivo de tutela das relações de consumo. (…)
Nas relações mercantis, não se discute o caráter estruturante e fundamental do Princípio da Boa-Fé, que tem como um de seus subprincípios o Princípio da Informação, cujo objetivo maior é a garantia de lisura na comunicação entre as pessoas e nos negócios jurídicos, sobretudo naqueles que integram as relações de consumo.
O Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078/90) tem como objetivo estabelecer normas de proteção e de defesa do consumidor, para a concretização do princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto no art. 5º, inciso XXXII e no art. 170, inciso V, da Constituição Federal.
A Lei nº 8.078/90, em diversas oportunidades, reconhece tanto a prevalência do princípio da boa-fé, quanto o caráter impositivo e concreto do princípio da informação nas relações de consumo, como instrumento de proteção e de defesa do hipossuficiente (consumidor).”
É dever do empregador e da empresa de prestação de serviços médicos prestarem diuturnamente informações aos empregados, seja de planos de saúde coletivo ou individual, sobre eventuais mudanças legislativas, sempre no intuito de possibilitar o planejamento adequado da sua aposentadoria.
O indicador número 19 do Instituto Ethos de Empresa e Responsabilidade Social de “PREPARAÇÃO PARA A APOSENTADORIA” identifica a obrigação das empresas, tanto a prestadora de serviço, quanto a ex-empregadora de preparar e informar adequadamente o aposentado quanto à continuidade dos planos de saúde.
4. Dano moral e material – hipóteses de incidência na espécie
Defende-se a idéia neste trabalho de que a negativa do plano de saúde e da ex-empregadora do aposentando que possui direito à continuidade do seguro saúde, enseja à condenação delas no pagamento de danos morais e materiais, desde que demonstrado o nexo de causalidade entre o dano e o fato/conduta do ofensor, haja vista violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, da boa-fé objetiva, ao disposto nos artigos 34 e 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, além dos arts. 932, 933, do Código Civil de 2002.
Como vislumbrado nos itens anteriores, a aposentadoria é o período em que o ex-empregado mais necessita do plano de saúde, tendo em vista que a idade avançada do aposentado acarreta o aumento da freqüência de exames, consultas médicas e cirurgias.
Assim, em determinadas situações, a recusa à mantença da cobertura do –plano de saúde pode ensejar reparação a título de dano material e moral, desde que se prove o comportamento abusivo por parte da operadora do plano de saúde ou da sua ex-empregadora e da necessidade imediata da proteção médica ao aposentado, agravando a aflição psicológica e angústia no segurado adoentado.
Considerando que o sistema brasileiro de análise da responsabilidade civil utiliza as “cláusulas gerais”, onde cada caso é analisado de forma isolada, como o disposto no parágrafo único do art. 927 do CC, valendo transcrever a critica de Fernando Noronha, in verbis: “[…] temos um Código novo mas que, quanto à responsabilidade civil, nasce velho. Não trouxe regulamentação para algumas situações que eram deixadas ao trabalho criador da jurisprudência (ainda que a lacuna agora seja mais facilmente suprida, com recurso a algumas normas bem amplas que meritoriamente foram incluídas, do tipo geralmente designado por ‘cláusulas gerais’ (e que seriam melhor designadas de normas abertas, elásticas ou flexíveis, por contraposição às normas rígidas tradicionais), das quais é exemplo destacado a do art. 927, parágrafo único, parte final) e, por outro lado, em certas matérias consagra soluções que, se eram as prevalecentes nos tribunais em 1975, foram posteriormente superadas (como é o caso da responsabilidade puramente objetiva dos pais pelos atos danosos de seus filhos, que no final do século XX já era coisa do passado e que agora é de novo imposta, por força dos arts. 932, I e 933).” (NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações – introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, v. I, 2003)
Em notícia veiculada no site do STJ, juristas do porte de Gustavo Tepedino e Luiz Manuel Teles de Menezes Leitão, contrariamente à posição retromencionada, entendem que as cláusulas gerais significaram um avanço do novo Código Civil, como debatido na II Jornada de Direito Civil de Brasília: “…Ainda segundo ele, os princípios gerais estabelecidos no novo código conferem aos tribunais um grande poder moderador, uma vez que cabe a eles concretizar os princípios de conduta que podem levar à condenação por responsabilidade pré-contratual. Enriquecimento sem causa Outro importante avanço do novo Código Civil brasileiro foi abordado pelo também professor doutor em Direito da Universidade de Lisboa, Luiz Manuel Teles de Menezes Leitão. Ele falou sobre Enriquecimento sem causa, princípio que foi incluído no novo código, uma vez que o anterior não fazia nenhuma referência a esse tipo de conduta. “A abordagem brasileira segue os mesmos moldes dos códigos Alemão, Italiano e Português. A crítica que considero pertinente é quanto a sua amplitude que pode gerar aplicações indiscriminadas”, afirmou o jurista. A manhã de debates da II Jornada de Direito Civil em Brasília foi encerrada com a palestra proferida pelo Procurador Regional da República no Rio de Janeiro, Gustavo Tepedino, sobre Constituição e Código Civil. Para ele, não há objeções à aplicação direta das normas constitucionais no direito civil. Ao contrário, as cláusulas gerais apresentadas no novo código são “alvissareiras porque deslocam o estudo do sujeito de direito para o direito da pessoa e ajudam a diminuir as exclusões”. O procurador salientou, no entanto, que é preciso dar conteúdo às cláusulas gerais pra evitar subjetividade excessiva na aplicação das mesmas. “É necessária a ponderação de valores e a prevalência do princípio da dignidade humana. Esses preceitos oferecem, com certeza, os subsídios necessários para a correta deliberação do magistrado”, afirmou. Tepedino concluiu afirmando que “construir o novo Código Civil é dar efetividade social a ele, levando em consideração os valores constitucionais”. (http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:Q6_bfm2o7pMJ:www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp%3Ftmp.area%3D398%26tmp.texto%3D73961+%22cl%C3%A1usulas+gerais%22+%22avan%C3%A7o+do+novo+c%C3%B3digo+civil%22&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br)
Desta feita, a interpretação da ocorrência ou não de dano moral e material na presente matéria aqui estudada, depende de análise individual dos fatos.
Entretanto, pode-se citar alguns requisitos norteadores da responsabilidade civil.
Primeiramente, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (Lisboa: Almedina, pág. 527-631), ensina sobre a boa-fé como regra de conduta, que os deveres de informação adstringem as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato. Tanto podem ser violados por ação, portanto com indicações inexatas, como por omissão, ou seja, pelo silêncio face a elementos que a contraparte tinha interesse objetivo em conhecer.
Aduz, ainda, o retromencionado doutrinador, que a complexidade intra-obrigacional traduz a idéia de que o vínculo obrigacional abriga, no seu seio, não um simples dever de prestar, simétrico a uma pretensão, mas ante vários elementos jurídicos dotados de autonomia bastante para, de um conteúdo unitário, fazerem uma realidade composta e, na violação positiva do contrato, o devedor responde pela não realização da prestação.
Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, assevera que os deveres acessórios têm sido objeto de tipificações várias. Tal como ocorre com o estudo dos deveres in contrahendo, pode se conseguir uma panorâmica satisfatória com recurso à tripartição entre deveres de proteção, de esclarecimento e de lealdade, devidamente adaptados. Os deveres acessórios de lealdade obrigam as partes a, na pendência contratual, absterem-se de comportamentos que possam falsear o objetivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações por elas consignado. Por exemplo: deveres de não concorrência, de não celebração de contratos incompatíveis com o primeiro, de sigilo face a elementos obtidos por via da pendência contratual e cuja divulgação possa prejudicar a outra parte e de atuação com vista a preservar o objetivo e a economia contratuais. Os deveres acessórios de lealdade tiveram um papel de relevo no domínio do contrato de trabalho.
Jorge Cesa Ferreira da Silva, in “A boa-fé e a violação positiva de contrato”, Rio de Janeiro, Renovar, 2002. p. 69-119, assevera sobre a extensão dos deveres delimitou com exatidão o alcance dos deveres acessórios de conduta, in verbis:
“Toda relação expõe a pessoa ou os bens de uma parte à atividade da outra, que pode, com esta atividade, provocar danos a tais bens ou colocá-los em perigo. Incide então a boa-fé, a regular o comportamento dos sujeitos por meio da criação de uma série de deveres dedicados a evitar situações danosas. Esses deveres, assim, ao contrário dos anteriores, veiculam um interesse negativo: há que se fazer algo (ou que se tomar determinadas medidas) para que um determinado resultado não seja atingido. “
Maurício Jorge Mota, in “A pós-eficácia das obrigações” (TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil-Constitucional. RJ: Renovar, p. 187-241), apregoa que a fundamentação dogmática da pós-eficácia das obrigações encontra-se na boa-fé objetiva. A lealdade em causa traduzir-se-ia, nomeadamente, na necessidade jurídica de, para além da realização formal da prestação, providenciar a efetiva obtenção e manutenção do escopo contratual. Essa manutenção do escopo contratual perdura, naturalmente, para além da extinção do contrato em si, a “pós-eficácia”, a qual tem o condão de assegurar a fruição do resultado do contrato.
Com efeito, aplicando-se por analogia outros posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça no que pertine aos planos de saúde, o direito do aposentado de suscitar à ex-empregadora e empresa de plano de saúde o ressarcimento de danos materiais eventualmente causados e à sua condenação no pagamento de danos morais é perfeitamente cabível, in verbis:
“CIVIL – PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – SEGURO SAÚDE – RECUSA INDEVIDA DA SEGURADORA EM CUSTEAR CIRURGIA DE EMERGÊNCIA – ALEGAÇÃO NÃO COMPROVADA DE DOENÇA PREEXISTENTE À CONTRATAÇÃO DO SEGURO – DIREITO À COBERTURA RECONHECIDO – DANOS MORAIS – OCORRÊNCIA.
1. No pleito em questão, o autor submeteu-se a uma cirurgia de emergência de um tumor maligno no cérebro, recusando a seguradora a arcar com as despesas médico-hospitalares ao argumento de preexistência da doença quando da assinatura do contrato. As instâncias de 1º e 2º grau julgaram restar incomprovadas as alegações da empresa-recorrida, reconhecendo o direito do autor à cobertura pleiteada, lhe sendo reembolsados os gastos com a cirurgia e o pagamento do tratamento quimioterápico, nos termos do contrato firmado entre as partes.
2. Quanto aos danos morais, o Tribunal, reformando a sentença neste ponto, considerou que a indevida recusa da seguradora, inobstante ter causado “transtornos e mal-estar ao autor”, não configurou a ocorrência do dano moral pleiteado.
3. O Acórdão recorrido encontra-se em dissonância com o entendimento firmado nesta Corte, consoante o qual “a recusa indevida à cobertura pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, já que agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, pois este, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada”. Precedentes.
4. Ademais, como, também, já tem decidido esta Corte, em casos como este “não é preciso que se demonstre a existência do dano extrapatrimonial. Acha-se ele in re ipsa, ou seja, decorre dos próprios fatos que deram origem à propositura da ação”. Precedentes.
5. Considerando as peculiaridades do pleito em questão, e em acordo com precedentes desta Corte em casos assemelhados, versando sobre recusa indevida de cobertura securitária, restabeleço a sentença de 1º grau, mas reduzindo o valor reparatório por danos morais, para fixá-lo em R$50.000,00 (cinqüenta mil reais).
6. Recurso conhecido e provido.
(REsp 880.035⁄PR, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, DJ 18.12.06);
“Consumidor. Recurso especial. Seguro saúde. Recusa de autorização para a internação de urgência. Prazo de carência. Abusividade da cláusula. Dano moral.
– Tratando-se de contrato de seguro-saúde sempre haverá a possibilidade de conseqüências danosas para o segurado, pois este, após a contratação, costuma procurar o serviço já em evidente situação desfavorável de saúde, tanto a física como a psicológica.
– Conforme precedentes da 3.ª Turma do STJ, a recusa indevida cobertura pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, pois agrava a sua situação de aflição psicológica e de angústia no espírito.
Recurso especial conhecido e provido.”
(REsp 657.717⁄RJ, Relª. Minª. NANCY ANDRIGHI, DJ 12.12.05).
Não se olvida aqui que há posicionamento doutrinário e jurisprudencial restritivo acerca do reconhecimento dos danos morais em matéria contratual. Isto porque o mero inadimplemento do contrato, por se tratar de situação própria do risco negocial, não conduz a uma violação dos direitos da personalidade. Ademais, é comezinho o entendimento de que os aborrecimentos do dia a dia não ensejam tal reparação extrapatrimonial. É evidente a preocupação com o afastamento do Poder Judiciário deste tipo de litigância.
Ocorre que, como já exposto anteriormente, não raro este tipo de violação contratual extrapola os limites do mero inadimplemento contratual, ingressando em esfera alheia aos chamados aborrecimentos do dia a dia. Isto porque esta faixa da população – aposentada – não raro (sobre)vivem com parcos recursos, possuindo maiores problemas de saúde. Tudo tende a agravar a natural sensação de desamparo.
Portanto, demonstrada a presença dos pressupostos do dever de indenizar e afastado os óbices acima expostos, presente estará a responsabilidade do inadimplente em reparar o dano causado, seja ela material e/ou imaterial.
5. Conclusão
O pagamento integral pela ex-empregadora do plano coletivo de saúde consiste em um salário indireto, in natura, e, por esta razão, o sentido real do termo “contribuição” descrita no artigo 31 da Lei 9.656/98 deve ser interpretado de forma extensiva ao empregado que indiretamente paga, com seu trabalho, o plano de saúde.
Conclui-se, portanto, que é direito do empregado de manter o plano de saúde coletivo contratado por sua empregadora quando aposentado, desde que tenha contribuído indiretamente com seu labor por mais de 10 (dez) anos e pague a mensalidade integral no valor que sua ex-empregadora o fazia.
O não atendimento pela ex-empregadora do aposentando e da empresa prestadora de serviços médicos da continuidade do plano de saúde na hipótese aqui estudada, em regra conduzirá à violação aos princípios da dignidade da pessoa humana, da boa-fé objetiva, responsabilidade pós-contratual, ao disposto nos artigos 34 e 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, arts. 932, 933, do Código Civil de 2002, quando não atendidos os deveres de informação, proteção, lealdade ao aposentado que necessita do plano de saúde, ensejando, assim, o direito deste pleitear indenização por danos materiais e morais.
Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo IBEJ – Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos, Pós Graduado em Direito Tributário pela UNICURITIBA, Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pela UNICURITIBA. Membro do Projeto de Pesquisa “Livre Iniciativa e Dignidade Humana – Ano II”, do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Curitiba – UNICURITIBA.
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