Categories: CrônicasRevista 33

O estupendo resgate da cidadania feminina

Instituídos via Resolução de Tribunais de alguns Estados, na próxima sexta-feira, 22, os primeiros Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher iniciam a processar e julgar os feitos disciplinados pela Lei nº 11.340 de 07/08/2006, que estabelece medidas para a prevenção e assistência, com o encaminhamento da mulher a programa oficial ou comunitário de proteção, inclusive com estabilidade de seis meses se necessário o afastamento do emprego para garantir sua segurança.

Equipes de atendimento multidisciplinar deverão integrar os novos Juizados, cabendo aos Estados e municípios instituir centros de atendimento integral, casas-abrigo para mulheres e respectivos dependentes menores, delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde, centros de perícia médico-legal especializados, programas e campanhas para enfrentar a violência doméstica e familiar, bem como centros de educação e de reabilitação (presídios) para os agressores.

Todavia, a nova Lei possui erros gravíssimos, ferindo princípios constitucionais. Dentre eles o art. 41, que diz não ser aplicável a Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, visto que esse artigo afasta os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 para crimes que se enquadram na definição de menor potencial ofensivo, na forma do art. 98, I e 5º, I da Constituição Federal.

Outra inconstitucionalidade é em relação ao art. 33 da Lei 11.340, que versa sobre matéria de organização judiciária, cuja competência legislativa é estadual (art. 125, par. 1º, da CF).

O art. 33 fala que, enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as Varas Criminais acumularão as competências Cível e Criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes dessa prática, observadas as previsões do título IV da nova Lei, e com garantia de preferência para julgamento do processo.

Tal disposição é flagrantemente inconstitucional, visto que não é possível ter competência para causa cível e criminal num mesmo processo.

No que concerne ao âmbito criminal, a opção política feita pelo legislador da Lei 11.340 revela um erro grosseiro: ao abandonar o sistema consensual de Justiça (Lei 9.099/95), depositou sua fé no sistema penal conflitivo clássico.

Preocupa-me sobremaneira a forma assistemática e acientífica com que têm sido redigidas várias leis nas últimas legislaturas, dentre as quais a Lei 11.343 (Políticas Públicas sobre Drogas), e especialmente a Lei 11.340, que têm sérias imperfeições técnicas que comprometem a sua exeqüibilidade.

Urge uma imediata e completa revisão da legislação penal e processual penal, e, em especial, que os projetos de futuras leis desta natureza recebam a contribuição e o subsídio científico das universidades e dos órgãos de classe comprometidos com a sua aplicação.

O resgate da cidadania feminina é magnânimo, mas de difícil exeqüibilidade em razão do curto prazo para entrada em vigor, visto que impossível a criação de Juizados autônomos – que exigiriam a feitura de Lei ordinária própria, com a criação de novos cargos (juízes, serventuários, psicólogos, assistentes sociais, etc.), para a consecução do intento – não tendo hoje, por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, e especialmente da Lei de Diretrizes Orçamentárias, recursos materiais e humanos disponibilizados para a sua imediata aplicação.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Luiz Fernando Boller

 

Juiz Diretor do Foro da comarca de Tubarão (SC)

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

TDAH tem direito ao LOAS? Entenda os critérios e como funciona o benefício

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…

4 horas ago

Benefício por incapacidade: entenda como funciona e seus aspectos legais

O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…

4 horas ago

Auxílio reclusão: direitos, requisitos e aspectos jurídicos

O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…

4 horas ago

Simulação da aposentadoria: um guia completo sobre direitos e ferramentas

A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…

4 horas ago

Paridade: conceito, aplicação jurídica e impacto nos direitos previdenciários

A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…

4 horas ago

Aposentadoria por idade rural

A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…

4 horas ago