Resumo: O presente artigo visa a demonstrar a possibilidade de manutenção de regime previdenciário anterior para quem já na condição de servidor público ingressar no serviço público federal após a vigência do regime de previdência complementar instituído pela Lei n 12.618. de 30 de abril de 2012 sem solução de continuidade.
Palavras-chave: Serviço público. Servidor. Previdência complementar. Facultatividade de adesão.
Introdução
Muita celeuma vem causando o procedimento adotado pela União na posse de novos servidores egressos de cargos públicos de outros entes federados – Estados, Distrito Federal e Municípios. A controvérsia reside no fato de que o ente federal, com espeque no inc. III do art. 2º da Orientação Normativa nº 8, de 01/10/2014[1], do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, impõe ao novo servidor, à sua revelia, a filiação ao regime previdenciário complementar, não o mantendo no regime próprio de previdência de que já era filiado anteriormente ao ingresso no cargo público federal.
Tal prática, contudo, está envolta em arbitrariedade não justificável no texto constitucional. Eis, portanto, o que se pretende demonstrar nas linhas a seguir.
Da facultatividade de adesão ao regime de previdência complementar
Longe de ser obrigatória, a implantação do regime de previdência complementar por parte da União, Estados, Distrito Federal e Municípios é facultativa. Caberá aos entes federados, de acordo com seu juízo de conveniência e oportunidade, decidir se desejam ou não oferecer, aos seus servidores, esse tipo de regime. Essa a correta exegese do § 14 do art. 40 da Constituição Federal.[2]
Da mesma forma, a adesão, por parte do servidor público, ao regime de previdência complementar é uma faculdade a ele concedida, como bem leciona Daniel Pulino:[3]
“A faculdade (ou voluntariedade) do regime em estudo é expressão da livre iniciativa, representando, especificamente, a liberdade que têm os sujeitos para contratar ou não contratar (liberdade contratual em sentido estrito), relativamente a plano de benefícios operado por entidade de previdência complementar.[…]
Cumpre observar apenas que os princípios da facultatividade de da contratualidade nada mais são do que os mais acentuados reflexos do sobreprincípio da autonomia privada, verdadeira pedra de toque do regime de direito privado, que informa inequivocamente o regime de previdência complementar em nossa Constituição”.
Veja-se que a previdência complementar pode ser instituída tanto no âmbito público como na esfera privada. Em ambos os casos, no entanto, terá natureza jurídica de Direito Privado, conforme destacado pelo citado doutrinador, fato que destaca o direito dos participantes, pessoas físicas, de escolher a qual plano de benefícios de previdência complementar desejam aderir.
Dessa forma, o procedimento da Administração tendente a desvincular arbitrariamente o servidor público do regime de previdência de que já era vinculado, de forma obrigatória diga-se de passagem, praticamente o obriga a aderir ao regime de previdência complementar, sob pena de, futuramente, restringir sobremaneira o valor de seus proventos de aposentadoria, eis que serão limitados ao teto do RGPS.
Quer-se crer, assim, que a possível adesão do novo servidor à previdência complementar, embora optativa em sua gênese, acabaria por ser motivada por procedimento totalmente viciado da Administração, ante a falta de alternativa, ao servidor, de ter direito, futuramente, à aposentadoria mais rentosa.
De se destacar, também, que o próprio texto constitucional confirma essa peculiaridade essencial, ou seja, a facultatividade da previdência complementar. Eis o dispositivo de que se fala:
“Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.”
Nesse norte, sobreleva o fato de que o procedimento arbitrário da Administração, em desvincular o novo servidor do regime de previdência de que já era filiado, afronta o texto constitucional citado, pois afasta, de forma sub-reptícia, justamente a faculdade de optar ou não pelo regime complementar.
Do direito à manutenção do regime previdenciário anterior
Conforme salientado alhures, o ingresso do servidor no regime previdenciário complementar somente se dará por opção, nunca por imposição estatal. Tanto assim, que a Lei nº 12.618/12 previu, em seu artigo 3º, § 2º[4], o direito do servidor optante em receber um benefício especial, como forma de indenizá-lo do período em que contribuiu acima do teto do Regime Geral de Previdência Social – RGPS. Nada impede, todavia, que haja interesse do servidor em simplesmente ficar submetido àquele teto comum ao regime geral de previdência.
Cumpre realçar que esse benefício especial, por expressa previsão legal[5], foi garantido, também, aos servidores egressos de outros entes da federação que tenham assumido, sem solução de continuidade, cargo na esfera federal, após o regime implantado pela Lei nº 12.618/12, e fizerem opção pelo regime de previdência complementar.
Desse modo, por coerência lógico-jurídica, é de se constatar que, se o legislador previu a possibilidade de o servidor oriundo de outra esfera estatal optar pela percepção do benefício especial, é de se concluir a fortiori que lhe é possível manter o regime previdenciário anterior, tal e qual os demais servidores que já haviam ingressado no serviço público antes da instituição da previdência complementar e não fizeram opção pelo novo regime.
Trata-se de aplicação cogente do princípio constitucional da isonomia, como elo inquebrantável entre servidores na mesma condição fática, ou seja, de ingresso no serviço público antes do advento da previdência complementar e opção pela manutenção do regime anterior.
Acerca do tema, vejam-se as precisas lições de Inácio Magalhães Filho[6]:
“(…) parece impróprio impor aos servidores originários de outro ente da federação a adesão compulsória ao novo sistema. A uma, porque o regime de previdência complementar é facultativo. A duas, porque não se antevê legalidade na quebra de isonomia com os demais servidores destinatários do benefício especial que a ele aderem por opção.
Essa opção pelo benefício especial permite ainda outro entendimento. A CF/88, ao prever que a previdência complementar será aplicada ao servidor, que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime, somente mediante prévia e expressa opção, não fez qualquer diferenciação entre tais servidores, seja em função de Poder ou ente federativo.
Assim, se a Lei 12.618/2012 prevê a extensão do benefício especial, mediante opção, repise-se, aos servidores oriundos de outro ente federativo, é decorrência lógica que lhes permita, também, continuar com seu anterior regime previdenciário, tal e qual o que ocorre com os demais servidores públicos federais que ingressaram no serviço público antes do advento da lei e que não fizeram opção pelo novo regime.”
Importa destacar, do texto acima colacionado, a afirmação de que a Constituição Federal não fez distinção entre servidores, para fim de ingresso no regime previdenciário complementar. De fato, veja-se, por importante, a dicção do art. 40, § 16:
“Somente mediante sua prévia e expressa opção, o disposto nos §§ 14 e 15 poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar.”
Observe-se que o texto normativo não condiciona ou qualifica os termos “servidor” e “serviço público”. Dessa forma, não pode o intérprete restringir onde o constituinte não restringiu. Nesse sentido, a argumentação de Gustavo Tepedino[7]:
“Não é dado ao intérprete restringir onde o legislador não restringiu, sobretudo em se tratando de legislador constituinte- ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.”
Em exame percuciente sobre a matéria, Daniel Pulino[8] tece os seguintes comentários:
“A segunda questão diz respeito ao que se deve entender por “servidor que tiver ingressado no serviço público até a data de publicação do ato de instituição do correspondente regime” especialmente nos casos em que o servidor tenha passado por mais de um cargo efetivo no serviço público, tanto antes quanto depois do ato de instituição do regime.
De fato, pode ocorrer a hipótese de um servidor, por exemplo, admitido como técnico judiciário em data anterior à de instituição do regime complementar vir a ser investido, agora já em data posterior a este marco, em outro cargo, como o de juiz ou de promotor (…) E tal hipótese poderia ocorrer tanto dentro da esfera de um mesmo ente federativo (…) quanto de entres diferentes (…).
Pois bem, como a Constituição não faz qualquer distinção, apenas exigindo que, na data de publicação do ato de instituição do regime complementar, que o servidor já tenha “ingressado no serviço público”, sem especificar em que cargo ou a que ente federativo deve estar vinculado o servidor, deve-se considerar, pelo menos, para os casos em que não tenha havido interrupção na vinculação à Administração Pública (…), a data da mais remota investidura em cargo público de provimento efetivo (…).”
Não é outra a posição defendia por Bruno Sá Freire Martins[9], conforme se observa no excerto abaixo:
“A expressão “ingressado no serviço público até a data da publicação” deve ser interpretada de forma ampliada, ou seja, considerando o ingresso em qualquer de suas esferas, portanto, caso o servidor tenha vínculo com o Município e venha a ser aprovado em concurso federal, vindo a tomar posse, sem solução de continuidade, somente após a instituição da Previdência Complementar, deve-se reconhecer que a aplicação do limite máximo do salário de benefício somente ocorrerá se este fizer a opção pela filiação ao regime complementar. “
Em realidade, o que se verifica de todas as citações doutrinárias acima colacionadas é a intenção evidente de considerar que, de fato, o constituinte derivado preocupou-se em preservar o status quo jurídico do servidor público quando do ingresso, no ordenamento jurídico, do novo regime de previdência.
Importa estabelecer que essa constatação vai ao encontro dos princípios norteadores da previdência complementar, os quais se baseiam, fundamentalmente, no caráter facultativo, como alhures já demonstrado. Desse modo, pode-se conceber que não faria sentido jurídico não permitir aos servidores egressos de outros entes federados a opção pela manutenção do regime anterior. Seria uma contradição interna do constituinte, ao obrigar aquilo que, por definição, é facultativo.
Não é demais salientar que sempre que ocorre, em matéria previdenciária, transição de um modelo a outro, a preocupação do legislador centra-se em preservar o direito daqueles que já estavam sob a batuta do ordenamento vigente. Vejam-se, como exemplo, as reformas previdenciárias instituídas pelas EC 20/98 e 41/03, que contêm, em suas normas, a previsão de regra de transição.
A título de exemplo do que ora vem de se expor, calha trazer à colação análise efetuada pela Advocacia-Geral da União – AGU a respeito do art. 3º da EC 20/98, que cuidava exatamente do direito adquirido dos servidores públicos, em caráter genérico, à manutenção das regras anteriores. Primeiro, o conteúdo do citado artigo:
“Art. 3º – É assegurada a concessão de aposentadoria e pensão, a qualquer tempo, aos servidores públicos e aos segurados do regime geral de previdência social, bem como aos seus dependentes, que, até a data da publicação desta Emenda, tenham cumprido os requisitos para a obtenção destes benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.”
Agora, o exame da AGU:
“(…) 21. O constituinte utilizou a expressão – servidores públicos – e o termo – servidores – de maneira a abranger o pessoal de quaisquer segmentos da Federação, até porque os tempos de serviço são contados reciprocamente para efeito de aposentadoria (cfr. o §3º e o §9º do art. 40 da Carta, nas redações atribuídas pelas Emendas Constitucionais ns. 3/93 e 20/98). É prescindível desenvolver esforços interpretativos com o intuito de demonstrar a juridicidade dessa assertiva, porquanto é de fácil percepção e deveras remansosa. 22. O art. 3º tem a finalidade de preservar direitos daqueles que, na data da promulgação da Emenda Constitucional n. 20, que integra, detinham a qualidade de servidores públicos, diferenciando-os no respeitante ao pessoal que venha a ingressar no serviço público depois de tal marco, o qual se submete à nova disciplina, de ordem constitucional, menos benéfica que a então vigente.”[10]
Conclusão
De tudo o quanto se expôs, portanto, é possível perceber que o constituinte não fez qualquer distinção entre servidores públicos, estaduais ou distritais no comando dos §§ 14, 15 e 16 do art. 40 da CF/88. Em realidade, a Constituição exige apenas que, na data de publicação do ato de instituição do regime complementar, o servidor já tenha “ingressado no serviço público”, sem especificar em que cargo ou a que ente federativo deva estar vinculado.
Ipso facto, não pode a União querer impor seus desígnios e objetivos atuariais acima dos ditames constitucionais. Esse é um argumento tirano, não democrático. Isso fere o princípio federativo. Não se trata, por outro lado, de qualquer subordinação da União aos outros entes.
Ao instituir o seu regime de previdência complementar, a União agiu em nome da permissão constitucional. Deve, pois, agir também em nome das normas constitucionais, garantindo o direito de quem já estava no regime anterior, ainda que oriundo de outro ente, porque essa é a opção adotada pelo constituinte.
Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do DF. Bacharel em Comunicação pela Universidade de Brasília. Especialista em Direito Público e Finanças Públicas pelo Centro Universitário de Brasília. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Advogado
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