Usucapião etimologicamente significa “aquisição pelo uso”; é definido como uma forma de aquisição do domínio pela posse qualificada da coisa, uma vez preenchidos determinados pressupostos legais. Nos dizeres de Cezar Fiúza “usucapião, é, pois, tipo extraordinário de aquisição de propriedade. Funda-se em posse prolongada, que transforma situação de fato em situação de Direito”. Pode ocorrer tanto em bens móveis quanto em imóveis, merecendo maior destaque para este estudo, o usucapião de bens imóveis, que, por sua vez, subdivide-se em três categorias distintas: ordinário, extraordinário e especial, sendo, este último, fundado eminentemente no princípio constitucional da função social da propriedade.
O usucapião extraordinário está previsto em nossa legislação no artigo 1.238 do Código Civil que estabelece: “aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis”. Tem-se, pois, que os únicos requisitos exigidos para a sua configuração são a posse ad usucapionem (conjunção do corpus – relação externa entre o possuidor e a coisa e do animus – vontade de ser dono), bem como o prazo de 15 anos.
Diferentemente, o usucapião ordinário também conhecido como comum é uma forma mais complexa, pois exige como pré-requisitos a posse, o justo título e a boa-fé, além, é claro, do lapso temporal, que, nesta espécie são de 10 anos. Está estabelecido no artigo 1.242 do Código Civil, que expõe: “Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos”.
Esta espécie visa a dar proteção àqueles que supostamente hajam adquirido o imóvel, mas que por algum defeito no título aquisitivo, que em tese seria hábil para transferir a propriedade, não se tornaram donos. Embora maculado de defeito, o título se apresenta tão perfeito que tem o condão de tornar menor o tempo da posse para fins de usucapião da coisa. Como exemplo temos: Antônio compra um lote de José, sem que conste na escritura de compra e venda que o vendedor era casado, omitindo assim a outorga da esposa de Antônio. A escritura é registrada no Cartório competente. Entretanto, é sabido que este negócio jurídico é anulável, pois a outorga marital é obrigatória. A venda poderá vir a ser anulada pelo cônjuge do vendedor e, a opção que restará ao comprador é a ação de usucapião na espécie ordinária, tendo em vista a existência do justo título.
O outro requisito do ordinário, a boa-fé, é definida como a crença do possuidor de que a coisa de que tem a posse lhe pertence de forma legítima. Salienta-se que, no usucapião extraordinário não se exige que o possuidor esteja imbuído de boa-fé, ou seja, mesmo que comprovadamente estivesse de má-fé ao longo de todo o período, adquire-lhe a propriedade somente com a comprovação da posse ad usucapionem e do lapso temporal.
Importante mencionar, que a sentença proferida nos autos da ação de usucapião tem o efeito declaratório, que espelha a pretensão de esclarecimento sobre uma relação jurídica. É através da sentença que o juiz reconhece em favor do interessado a aquisição do domínio do imóvel possuído. É a sentença o título hábil a ser encaminhado ao Cartório de Registro de Imóveis, servindo para gerar título oponível erga omnes, consolidando a propriedade, mas não a constituindo em proveito do autor, que havia adquirido o domínio no exato instante do cumprimento dos requisitos exigidos em Lei.
Quando o documento chega ao Cartório de Registro de Imóveis, o Oficial deverá fazer a qualificação do mesmo, que consiste na verificação da possibilidade de registro, com a análise do cumprimento das formalidades legais e dos princípios informativos do direito registral. Nas palavras de Ricardo Dip, “qualificação registral imobiliária é o juízo prudencial, positivo ou negativo, da potência de um título em ordem a sua inscrição predial, importando no império de seu registro ou de sua irregistração.”
Há de se ressaltar, que a verificação não é a mesma para as várias categorias de direitos. A questão crucial do nosso estudo surge aqui. Será que o Oficial de Registro deve qualificar do mesmo modo as sentenças de usucapião ordinário e extraordinário que chegam para registro, já que possuem requisitos legais distintos?
Inicialmente, para solução da questão, é bom definir o princípio da continuidade registral, um dos pilares do Direito Imobiliário, que determina a existência de uma cadeia de titularidades, dando coerência e seqüência às transmissões de direito. A expressão legislativa deste princípio pode ser vista no art. 195 da Lei n. 6.015/73, quando diz: “se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”
Mas a interpretação a este princípio vai além da simples literalidade do art. 195 supramencionado, que, em resumo, expressa que “nenhum título é registrado sem que primeiramente o fosse o título anterior”.
É claro que existem exceções a esse princípio, e, uma delas é a aquisição da propriedade que se dá a título originário como no caso do usucapião extraordinário. De acordo com a legislação civil, essa espécie de usucapião não exige justo título e nem a boa-fé. É, como o próprio nome define, originária, que, nos dizeres de César Fiúza citando Pontes de Miranda “é aquela que ocorre quando o adquirente não possuir nenhuma relação com antigo dono(…)embora a coisa já pertença a alguém, torna-se de outra pessoa, não por ter sido alienada, mas por outro fato qualquer.
Assim, na espécie extraordinária, não tem o Oficial de Registro de Imóveis que analisar a existência de ônus, ações, impedimentos, ou ainda, se o réu da ação era aquele que constava como proprietário na matrícula do bem a ser usucapido. Se a sentença se refere à forma extraordinária, poderá o Oficial efetuar seu registro sem a observância aos princípios do direito imobiliário, em especial o da continuidade registral.
Entretanto, por outro lado, a sentença proferida na espécie ordinária, que exige a comprovação do justo título e da boa-fé, receberá diferente qualificação pelo registrador de imóveis. Nesta hipótese, estamos diante da denominada aquisição derivada, pois houve a transmissão da propriedade de um titular a outra pessoa, por um título, que, por qualquer motivo estava maculado de vício.
Ou seja, nesta hipótese, será necessário cancelar qualquer ônus pré-existente na matrícula, seja uma penhora, uma hipoteca, um direito de usufruto, uma cláusula de inalienabilidade, bem como apresentar o título aquisitivo anterior, para cumprimento do princípio da continuidade, evitando que a cadeia dominial constante da matrícula seja “quebrada”.
Diante do acima exposto, respeitando as posições contrárias, conclui-se que, mesmo tendo as sentenças proferidas em ambas as espécies o mesmo efeito, qual seja, declarar a existência de um domínio, o registrador de imóveis agirá de forma distinta ao receber cada uma delas para registro, pois os requisitos exigidos pela legislação civil são diferentes e o cumprimento destes e dos princípios basilares do direito registral imobiliário deverão ser observados.
Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Tutora do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Direito Registral Imobiliário ofertado pela PUC Minas Virtual, em convênio com o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRB; Escrevente cartorária
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