Introdução:
Não há qualquer eficácia sócio-educativa em aplicação de medidas, punitivas ou ressocializadoras, se dissociadas da realidade fática em que vive o sujeito, não só em sua família, escola, bairro, como também na dita macro-sociedade.
Assim que, o exemplo dos maiores é fundamental, pois avaliza todo ensinamento moral. É a imagem de uma realidade perfeita.
A moral se edifica com o bom exemplo, não com palavras. É o exemplo a maior das tradições vivas. Exemplos que possam ser seguidos.
A partir desta colocação há que, inicialmente, se indagar, que tipo de exemplo estamos passando aos jovens, num país onde vicejam as injustiças, a esmagadora e vergonhosa diferença na distribuição de riquezas e oportunidades, no oportunismo, cinismo e egoísmo da classe social e economicamente dominante que insiste em fechar os olhos e entender que vive num país diferente daquele das favelas, da pobreza extrema, da mendicância, da ausência total de empregos, que acarreta a despersonalização do homem, a retirada completa de qualquer resquício de dignidade.
Estes sentimentos, vivenciados pelos pais, são passados aos filhos da forma mais cruel possível, através da falta de alimentação mínima, da violência doméstica, fruto da insatisfação pessoal de todos que coabitam um local inadequado e insuficiente, da dedicação ao uso de álcool ou outro tipo de droga, quando lhe é possível tal aquisição, gerando, naturalmente, revolta, desconforto e, como é peculiar no adolescente, a reação, afrontando e agredindo aquele que entende ser o culpado por toda aquela situação aterrorizante que, não é nada mais nada menos do que, todo o resto da população. São todos seus inimigos e, por isso, deve violenta-los, assim como são violentados, afinal, guerra é guerra e que prejuízos podem eles experimentar, se já são excluídos de tudo? O que mais podem perder?
Quando procuram exemplos que possam seguir, nos homens públicos, nas autoridades, nas pessoas que teriam por obrigação maior o respeito à sociedade, a administração da coisa pública voltada ao bem estar da comunidade, encontram o quadro que todos estamos cansados de ver, principalmente, e o que mais preocupa, o da impunidade, que faz nascer no espírito dos jovens, a certeza de que também podem delinqüir, sem que nada lhes aconteça. Mas, pobres, se esquecem que nesse país as leis, principalmente as criminais, são feitas para aplicação exatamente contra eles, marginalizados, excluídos, sem oportunidades, enquanto determinadas classes de pessoas ficam à salvo de qualquer reação da Justiça, protegidas por leis casuístas, elaboradas, às vezes, especialmente para eles, encastelados num séqüito de advogados e, não raro, no escudo intransponível do poder econômico que, abre e fecha portas, na exata medida do necessário e conveniente. Se todos são iguais perante a lei, há uns mais iguais que os outros, já dizia o poeta.
E, não se diga que há instituições de assistência social onde poderiam eles buscar alimentação que lhes possibilitasse a sobrevivência. Alguém já perguntou a essas pessoas que ficam na “fila do sopão”, como se sentem estando ali? Nem é preciso perguntar, basta presencia-las e ver que todas, invariavelmente, estão de cabeças baixas, se considerando pessoas de último escalão, que não conseguiram na vida, sequer o mínimo necessário para a subsistência própria e da família. Quando estão ali, estão intimamente reconhecendo que são fracassados, sem qualquer condição de participar da chamada sociedade moderna, que privilegia o consumismo, o mercantilismo, a exploração do homem pelo homem.
O pedir na instituição parece significar o primeiro passo para o pedir na rua, caracterizando uma forma peculiar e alternativa de vida, estando neste momento fincado definitivamente o marco que lança a pessoa para a degradação, para a subalternidade, inviabilizando, de vez, o desenvolvimento e manutenção dos laços afetivos familiares e o próprio reconhecimento como pessoa.
Não significa dizer que mecanicamente a miséria familiar resulta em vínculos fragilizados. Contudo, é preciso reconhecer que a insuficiência de salários e condições concretas de vida levam as famílias empobrecidas a usarem todas as suas energias, exclusivamente na luta pela sobrevivência, vedando-lhes o direito de atuarem como cidadãos íntegros, com possibilidades de canalizarem horas de sua vida para a educação, melhores opções de trabalho, cuidados com a saúde, busca de uma identidade cultural e política, lazer e maior investimento em relações afetivas.
Na verdade, são submetidos a um processo contínuo de inferiorização, fragilidade, dependência, de baixa auto-estima e degradação de sua identidade política e social. O mundo atual, ironicamente chamado de globalizado é desigual nas oportunidades que oferece e igualador nas idéias e nos costumes que impõe, pois convida a todos para o banquete e fecha as porta no nariz das esmagadoras maiorias.
Exatamente essas dificuldades de sobrevivência, ocasionadas por uma sociedade tão excludente são, indubitavelmente, causas de maior índice de criminalidade. Não por acaso, verificamos nos noticiários o crescente número de delitos praticados diariamente, o que ocasiona insegurança generalizada, através da expectativa de violência, bem como acarreta a superpopulação carcerária, sério problema de segurança pública de enorme gravidade, visto que o sistema penitenciário se encontra falido, produzindo efeitos nefastos sobre os presidiários que, ao invés de proporcionar a reintegração social, estimula-o à reincidência e à marginalização definitiva.
Nesse meio de calamitosa situação social é que crescem os nossos adolescentes, com suas características básicas de sujeitos em desenvolvimento, que estão constituindo sua identidade adulta, fazendo o luto pela perda da identidade infantil, com especial propensão à contestação de autoridade, à variação de humor e ao imediatismo. Nesse momento é extremamente essencial poder contar com um ambiente familiar sadio, estruturado e que lhe proporcione o necessário apoio e o estabelecimento dos limites da convivência em sociedade.
A criança e o adolescente em conflito com a lei
Como em tudo na vida, a PREVENÇÃO é o melhor, mais barato e eficiente meio de evitar a marginalização e a delinqüência, principalmente a juvenil. Há contudo que se ter em mente que a violência e a criminalidade são fatores indissociáveis da convivência social. É absolutamente impossível reduzir à zero a prática de delitos e agressões entre as pessoas, mas é necessário buscar-se reduzi-las à níveis que possibilitem essa convivência, sem tanto medo, sem o extremo pavor e horror que hoje vivenciamos.
Partindo de uma verdade triste, a de que em nosso país não se encontrará, a curto e médio prazo, uma distribuição de riquezas e oportunidades que propicie a todos, trabalho digno suficiente para a manutenção da própria família, há que se reconhecer que o nível primário de prevenção deve ser a busca constante do respeito aos direitos fundamentais e aplicação de políticas sociais básicas, sequenciando-se com uma segunda escala de prevenção, consistente na assistência educativa, programas de apoio, auxílio e orientação ao jovem e à família. E finalmente, numa última escala de prevenção, a aplicação correta, coerente, consciente e responsável das normas e do sistema legal àqueles que se viram envolvidos em atos infracionais.
1. Generalidades
Não há como se iniciar um trabalho que se quer sério e refletivo da realidade atual, sem se reconhecer que as estatísticas criminais, policiais e judiciais são absolutamente distorcidas e servem para manter oculta uma grande face da violência urbana.
Medo dos criminosos, falta de confiança na punição e no sistema repressivo; certeza de incômodos sem reparação moral ou material e comodismo, podem ser relacionados entre as causas da ocultação da criminalidade. A idéia segundo a qual a maioria dos crimes denunciados redunda em impunidade, principalmente se o ofensor pertence às classes mais favorecidas, muito contribui para as cifras negras, estimulando a falta de iniciativa das vítimas, principalmente porque, em muitas facções sociais, prevalece a “lei do silêncio” onde, aí sim, a quebra desta, torna correspondente à aplicação imediata da execução da “pena”, consistente, muito provavelmente no assassinato do “delator”.
Deve-se também atentar para o fato de que a intervenção policial e mesmo judicial deve ser resguardada apenas e tão somente para os fatos típicos praticados por adolescentes, ou seja, aqueles previstos pelo legislador como delito (crime ou contravenção).
O envolvimento da polícia judiciária com crianças e jovens que não estejam em situações delinqüenciais (crimes) é desconselhável, pois provoca reações de resistência, hostilidade e violência, produzindo efeito inverso. Ao invés de contribuir para a ressocialização ou manutenção de um comportamento aceito socialmente, propicia a violência e a necessidade (agora legitimada pela agressão que sofreu em seus direitos básicos), de reagir, e o faz da pior maneira possível, também agredindo, violentando direitos alheios, ao seu ver, exatamente como fizeram com os seus e, aí sim, rende ensejo à atuação do aparato policial e judicial. Tornou-se um “adolescente em conflito com a lei”, mas se acha injustiçado pois, nada mais fez do que manter comportamento semelhante ao daqueles que têm por obrigação legal e funcional, buscar a aplicação das leis e a preservação dos direitos individuais e coletivos. Não há como lhes explicar o motivo de não serem, também, legitimados ao amparo do princípio constitucional do menor interesse da criança e do adolescente!
Pois bem, e aí, neste momento, entramos nós, as chamadas “autoridades”, encastelados no alto do nosso “saber jurídico”, na posição magestática de nossos cargos e na quase completa alienação no que diz respeito ao conhecimento da realidade vivenciada por esses jovens. Notam-se raríssimas exceções que, felizmente, com o passar do tempo vão se tornando mais freqüentes, de magistrados, principalmente quando acompanhados e apoiados por uma equipe interdisciplinar composta de Comissários da Infância e Juventude, Assistentes Sociais e Psicólogos, na busca de soluções mais humanas e voltadas ao objetivo maior de todo e qualquer procedimento processual, que é a busca da conscientização do jovem de que não tem o direito de afrontar prerrogativas pessoais ou coletivas, o que, em última análise vem se chamando de “ressocialização” que, nada mais é do que a manutenção de comportamento de respeito às normas de convivência em sociedade e, nesse aspecto, não podemos esquecer que, em muitas situações, esse jovem não teve respeitado nem reconhecido qualquer direito seu.
O que se vê na grande maioria da sociedade, é a manifestação do desejo de segregação desses jovens (que ainda são chamados de “menores infratores”, na pior acepção da palavra), como se fosse possível, com a internação, se livrar do “problema” que representam. Não raro já se vêem opiniões e manifestações até mesmo pugnando pela “pena de morte”.
O recolhimento, o confinamento temporário, a internação paternalista ou policialesca, nada resolvem. Ao contrário, agravam o problema e sua inadequação é proclamada, principalmente nos países mais desenvolvidos.
Em 1980, portanto há mais de vinte anos, o grupo de juristas coordenado por JOSÉ ARTHUR RIOS, que por designação do Ministro PETRÔNIO PORTELA, estudou as causas da criminalidade e da violência, assim se pronunciou:
“No que tange ao MENOR INFRATOR, que já se constitui na quase justificativa da conduta do MENOR ABANDONADO, há hoje uma grande intranqüilidade em razão dos estudos e investigações procedidas em outros Países e no Brasil, admitindo que possam se agrupar da seguinte maneira, em uma síntese formulada pelas autoridades nessa grande problemática:
“a) Desorganização ou inexistência de um grupo familiar;
b) Condições impróprias ou inadequadas da personalidade dos pais, decorrendo daí a ausência de afeto e de autoridade;
c) Renda familiar insuficiente, modesta ou mesmo vil;
d) Desemprego, subemprego com rentabilidade deficiente;
e) Falta de instrução e de qualificação profissional dos membros familiares;
f) Moradia ou habitação inadequada e condições precaríssimas, inclusive de higiene, facilitando a proliferação do vício em todas as escalas.”
A marginalização do menor é aspecto e manifestação do processo social que exclui certos grupos sociais, os quais, por sua vez, marginalizam em massa o menor, quando: “transferem para este menor as marcas de sua indigência econômica e financeira; “abandonam-no, carente e desassistido, forçando-o à prática de atividades marginalizantes; “provocam, pelas condições de mobilidade, habitação, saúde, incultura, subdesenvolvimento etc., a desintegração individual do jovem em todos os aspectos.
Esse menor passa a ser, então, dentro da comunidade nacional, problema social e, assim, resíduo final de um complexo processo social que apresenta estágios de evolução ou graus diferentes de apresentação. Inicia-se com a criança em vias de marginalização social e culmina com o adolescente infrator, considerando-se a criminalidade o grau máximo de marginalização social.
A delinqüência juvenil decorre da miséria em que vivem milhares de famílias que transferem a pobreza às crianças e jovens, muito cedo compelidos a lutar pela vida.
Nas ruas, onde buscam recursos, logo se vêem submetidos a exploração e a toda sorte de violência, principalmente dos adultos. Condicionados pelo meio, acabam cometendo atos anti-sociais de sobrevivência. Uma equivocada política de segurança pública, ao invés de apoiar ações de serviço social, garantindo o trabalho dos educadores sociais, arbritrariamente retira esses meninos e jovens da rua, devolvendo-os ao mesmo lugar, mais revoltados e agressivos.
No Brasil, a delinqüência juvenil é um problema eminentemente estrutural. Os menores delinqüentes ou infratores, não importa como sejam rotulados, em sua maior parte são procedentes das classes desfavorecidas e praticam, no mais das vezes, delitos contra o patrimônio, destacando-se entre eles o furto. Mas, atualmente, já se torna comum a prática de delitos por parte de jovens de classe média e alta, invariavelmente ligados ao uso e tráfico de substâncias entorpecentes.
As causas da delinqüência juvenil e da crescente violência urbana, de longa data, vêm sendo ligadas à marginalização social. Embora existam outros fatores, a grande maioria dos atos delinqüenciais praticados por jovens, tem origem nas situações particularmente difíceis em que se encontram.
O prefixo sub caracteriza suas vidas: subnutridos, vivendo do subsalário, na submoradia, no subemprego, pertencem a um submundo, impenetrável às políticas públicas, salvo a da segurança e, assim mesmo, de forma equivocada.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, atento às Beijing Rules, determina a desjudicialização das hipóteses sem gravidade, preconizando medidas protetivas ou preventivas, independentemente de processo formal. Para reincidentes ou violentos, prevê ação de pretensão sócio-educativa.
Os casos de reincidência, gravidade, violência, podem resultar em medidas mais severas, inclusive privação de liberdade, em flagrante ou provisória. Em qualquer hipótese, observados os direitos constitucionais. Não parece solucionar o problema as manifestações atuais de diversos segmentos da sociedade pugnando por internações mais severas e redução de imputabilidade penal se não forem focados, enfrentados e solucionados os problemas que geram a prática delituosa.
O ambiente familiar e os processos de interação têm grande influência na conduta delitiva, pois o delinqüente emerge necessariamente de um grupo familiar, sendo sempre expoente e conseqüência das tendências desse grupo. É na família que a criança e o adolescente se desenvolvem. Para FREUD a família desempenha papel fundamental pois a mente é uma estrutura em construção, que se mostra mais significativa na infância, através de um longo processo de formação da personalidade e de estabelecimentos de vínculos afetivos e emocionais que ocorrem dentro da estrutura familiar.
E, exatamente essa família, que deveria ser o reduto de segurança e confiança da criança vem se mostrando ser a principal fonte de agressão e violência. 11% das crianças brasileiras recebem sistematicamente maus-tratos. O Brasil é o 4o colocado em nível mundial de violência familiar contra a criança. Estima-se que em nosso país, somente uma ocorrência é registrada, em cada cinco casos; mesmo assim, calcula-se que sessenta mil crianças são violentadas sexualmente a cada ano, só no Estado de São Paulo.
E é exatamente aí que repousa a principal dúvida deste signatário quanto ao caminho a ser seguido quando se depara com um jovem em conflito com a lei. A máxima de que todo e qualquer cumprimento de medida sócio-educativa deve contar com a participação efetiva da família, cai por terra, posto que esta se apresenta, na verdade, como mais uma agressão ao adolescente. E aí, o que fazer?? Separar-se de vez esse jovem de sua família?? Acompanhar e tratar, também a família, paralelamente, individual e coletivamente, me parece a única saída e para tanto, nos deparamos com a total desarmonia e ineficiência da chamada REDE DE ATENDIMENTO.
Assim, desde já fica relegada ao plano do imaginário, do utópico, a possibilidade de aplicação da medida sócio-educativa que, teoricamente, mais se adequasse à situação, à gravidade do ato e às condições peculiares do adolescente. Dentre as medidas prevista no artigo 112 do ECA, a mais branda é a da advertência (quando não cabível a própria remissão) e a mais gravosa a internação.
Cogitar-se de internação como medida eficaz, é defender a eficiência de um sistema carcerário e penitenciário que se mostra mais do que falido, injusto, desagregador e altamente custoso ao erário público.
Recentemente se noticiou que um adolescente internado custa ao Estado R$ 4.400,00 por mês o que gerou manifestação por parte do Desembargador Siro Darlan de Oliveira, indubitavelmente uma das maiores autoridades quando se cuida de criança e adolescente concluindo ele que se for verdade que o Governo destina R$ 4.400,00 para a manutenção de cada adolescente infrator a sociedade tem que exigir uma prestação de contas ao Governo, porque certamente esse dinheiro não está chegando a seu destino. Não há como ressocializar jovens infratores com adultos infratores impunes. (http://intranet.tj.rj.gov.br/).
Notícias recentes dão conta de que a esmagadora maioria dos reclusos são portadores do vírus HIV, Hepatite B e outros de gravidade semelhante, para não se mencionar as doenças venéreas infecto-contagiosas cujo índice é alarmante.
As internações em instituições governamentais trazem os mesmos problemas, as mesmas mazelas, a mesma ineficácia e, com a agravante de que, repercutem no jovem como uma tremenda injustiça que estão cometendo contra ele (nunca me respeitaram, como é que querem que eu os respeite???? Nunca tive direito algum, como podem esperar que compreenda o que seja direito, para poder ver que as pessoas os têm?????) E, quando saem, invariavelmente estão pior, mais revoltados, mais violentos e com o aprendizado de novas técnicas de delinqüência, incorporados no interior da instituição, através do contato com outros jovens de alta periculosidade, posto que a separação, respeitados os critérios do ECA, como idade, gravidade dos delitos etc, parece ser, ainda, também um sonho.
No meio-termo encontramos como medidas sócio-educativas: A obrigação de reparar o dano; a prestação de serviços à comunidade; a liberdade assistida e a semiliberdade e, dentre todas, sinceramente acredito ser a prestação de serviços à comunidade, a mais eficaz, pois retrata uma possibilidade de o jovem que afrontou a norma legal, perceber seu erro auxiliando à própria sociedade à qual agrediu.
Toda e qualquer pena aplicada a pessoas que praticaram delitos, infrações penais ou menoristas, há de ter por pressuposto e objetivo maior, a ressocialização do autor do fato, além de ser calcada sobre dois conceitos básicos, quais sejam, a retribuição do mal praticado e a prevenção a que outros não venham a sê-lo.
E, só sob este prisma é possível se estudar o Direito com ciência social, voltada ao seu fim último que é a convivência em paz na sociedade.
Jovem que tenha habilidades de pedreiro, carpinteiro, pintor, faxineiro, agricultor e outras que tais, vão desempenhá-las em prol da comunidade, por algum tempo (variável em função da gravidade do ato praticado), em postos de saúde, creches, orfanatos, escolas, prédios públicos, hortos, instituições de caridade, asilos etc.
A aplicação desta penalidade é precedida de uma explicação pelo magistrado e pela equipe interdisciplinar, do benefício que o adolescente está recebendo, e para a responsabilidade que está assumindo, com a sociedade, com a Justiça, e principalmente com ele próprio, uma vez que se descumprir as condições impostas e por ele aceitas, poderá ter sua medida regredida para outra mais grave.
Durante este período, o adolescente terá a oportunidade de demonstrar que o fato delituoso pelo qual responde, foi isolado em sua vida, não sendo ele um criminoso contumaz, e não merecendo ser trancafiado numa cela de penitenciária ou de instituição, posto que não representa qualquer perigo à sociedade, sua manutenção em liberdade.
Ao responsável pelo estabelecimento que receberá o adolescente, e no qual ele prestará seus serviços, é atribuída a função de informar mensalmente ao Juízo, a assiduidade, interesse, solidariedade, eficiência e dedicação com que o mesmo se desincumbe das funções que lhe são atribuídas, criando-se assim um sistema de acompanhamento e monitoramento extremamente eficiente, e sem qualquer custo ao patrimônio público. Na verdade, é a própria comunidade tratando de ressocializar um de seus componentes, sem a interferência do Poder Público. Não vislumbro grau mais elevado de exercício de cidadania e civismo.
Certeza maior do acerto da aplicação de tais medidas, tenho quando verifico que, em aproximadamente três (3) anos de funcionamento deste sistema na Vara de Família, Infância e Juventude de Nova Friburgo, onde judiquei, o número de reincidência, ou seja, os agentes que voltaram a praticar qualquer fato delituoso, ofensivo ou ameaçador da integridade dos demais componentes da sociedade é ínfimo, mostrando-se assim, os mesmos, plenamente aptos e adaptados ao convívio pacífico e ordeiro, respeitando as demais pessoas e interagindo como ser social consciente de seus deveres e direitos.
Não se pode esquecer das penalidades que podem ser aplicadas às pessoas e entidades que descumprem o Estatuto e, com isso, colocam em risco a integridade física, moral e a formação saudável da personalidade e do caráter de nossa Juventude, como por exemplo, pessoas que servem bebidas alcoólicas a menores, bailes e festas sem alvarás, permissão de acesso a locais inapropriados, etc.
Aqui, mais uma vez, vale a lição do eminente Magistrado Siro Darlan no texto antes mencionado:
“O mínimo que se exige de um profissional da comunicação é a honestidade e ética na produção da notícia. Em meio a essa campanha por vingança uma manchete dessas sem uma pesquisa mais apurada da verdade leva o leitor a se revoltar com essa inversão de valores. Acreditando-se verdadeira essa afirmação, trata-se de um novo escândalo desse governo acostumado a promover mensaleiros e sanguessugas e é preciso uma nova CPI para se apurar para onde está indo esse dinheiro anunciado pela Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República. No Rio de Janeiro a situação é bem diferente. O DEGASE Departamento Geral de Ações Sócio Educativas, órgão responsável pelo cumprimento das medidas aplicadas pela Justiça aos adolescentes infratores pela primeira vez ganhou uma rubrica no orçamento do Estado, e assim mesmo até a presente data as verbas estão bloqueadas e os contratos de manutenção do sistema sequer foram renovados. Os adolescentes vivem em péssimas condições de higiene e salubridade com excesso de lotação em todas as unidades. A alimentação é parca e de má qualidade. As instalações pecam pela conservação e muito jovens andam sem calçados. Recentemente a Mutua dos Magistrados doou 180 toalhas de banho para o Instituto Padre Severino, peça até então inexistente no cotidiano dos jovens internos”.
Considerando as previsões do ECA, a penalidade pecuniária por tais condutas pode chegar a valor correspondente a 20 (vinte) salários mínimos, revertida ao fundo do Conselho Municipal da Criança e Adolescente de cada município. O que ocorre é que, não raro, estes fundos não são constituídos e, se o são, não há a necessária transparência quanto à destinação e utilização dos valores existentes, abrindo oportunidade para que esses valores, resultantes das penalidades, sejam revertidos à Instituições e Abrigos.
Estas entidades, da mesma forma, são orientadas a, quando da entrega do material estabelecido, mostrarem aos infratores, a forma de funcionamento da instituição e, enfim, a realidade triste de uma sociedade que já é por demais maltratada e vilipendiada, não necessitando de mais uma pessoa a degradá-la. Desta forma, o agente é levado a refletir e se conscientizar sobre o nefasto ato por ele praticado, estimulando a que retome sua conduta reta e ordeira, não voltando a delinqüir, o que, como já dito, vem alcançando resultados extremamente satisfatórios e animadores.
Desta forma, o Poder Judiciário Criminal e menorista, menos abarrotado, terá mais tempo para se dedicar aos crimes e atos infracionais que realmente trazem perigo à sociedade e que, estes sim, devem receber o tratamento severo e eficaz, apenando os culpados e os retirando da convivência em sociedade, inaptos e incapacitados que se demonstraram seus autores em sua permanência ao lado de seus iguais.
É certo que a criminalidade é resultado da sociedade moderna, fruto da desigualdade social e da injusta distribuição das riquezas, o que somado ao fato da inexistência de um mercado de trabalho ativo e da completa ruína do sistema educacional, praticamente conduz os menos bafejados pela sorte e pela fortuna, à marginalidade, ao banditismo, ao tráfico e à delinqüência em geral.
A retomada do rumo correto e apropriado, acredito que esteja a cargo de todos nós, cidadãos que desejamos deixar o mundo, para nossos filhos e netos, um pouco melhor do que o recebemos. E para isso, precisamos deixar de transferir nossas responsabilidades aos governantes – sem que, contudo, deixemos de cobrá-los pelo cumprimento efetivo e otimizado dos mandatos que lhes outorgamos -, e cessar o anseio de que surja um super-homem, com super-poderes que nos salvará da situação de miséria e desigualdade em que nos encontramos. Nós próprios é que traçamos nossos rumos e que determinamos se desejamos viver numa sociedade civilizada ou brutalizada. Depende de nós, de todos nós, com nossos esforços, nossa consciência, nossa disposição, deixar uma situação de ostracismo e injustiça social, rumando definitiva e inexoravelmente em direção a um novo tempo, uma nova era, um novo mundo em que possamos conviver com nossos filhos, nossas famílias, nossos amigos, sem a sensação de que somos culpados pelas crianças famintas, pelos mendigos, pelos pais de família desempregados, pela prostituição infantil, pelos drogados e pela extrema insensibilidade das autoridades competentes para todo esse quadro de horror social, que parece só se tornar visível em épocas eleitoreiras.
Temos que nos mexer, nos entregar a um trabalho social e comunitário, nos educar, nos irmanar com os que mais necessitam de nosso auxílio, para que enfim, possamos deixar essa terrível situação terceiro-mundista em que estamos atolados até o pescoço, e viver as benesses e os privilégios com que fomos brindados pelo Senhor Criador do Universo, dotando o Brasil de riquezas inigualáveis e de um povo ordeiro e disposto ao progresso, fruto de uma miscigenação racial impar no mundo. Enfim, temos condições muito mais vantajosas em relação ao resto do mundo. Porque então continuamos nessa situação lamentável? As razões são diversificadas e graves. Mas, a partir do momento em que nos conscientizarmos que a saída está em nós próprios, no pouco que podemos fazer nas coisas e pessoas que estão ao nosso redor e, principalmente, passarmos a nos conscientizar que estamos destruindo o mundo em que vivemos, a somatória destes esforços e dessas realizações, acarretará a explosão incomensurável e inigualável de progresso e bem estar social, que nem as piores intenções de governantes mal intencionados e omissos poderão evitar.
Não é suficiente se limitar a lamentar e criticar a situação atual, faz-se mister que ao menos tentemos mudá-la e melhorá-la. É necessário coragem, ousadia, desprendimento para inovar.
O Estado do Rio de Janeiro é, como sempre foi, vanguardeiro e pioneiro na concretização e instituição dos Juizados Especiais, com o que vimos experimentando sensível celeridade na prestação jurisdicional, elevação na confiança da sociedade à Justiça, pela imediatidade da resposta aos atos delituosos e infracionais praticados, e sensível celeridade e agilização dos processos em tramitação. Não mais podemos conviver com a morosidade, com a burocracia, com a falta de boa vontade que predomina no serviço público, com a acomodação apesar da péssima qualidade de sua prestação, com a certeza da impunidade que campeia entre os criminosos, com as injustiças verificadas diuturnamente no sistema carcerário e principalmente com a impassividade das autoridades competentes, diante de quadro tão negro e devastador.
A eficácia nas medidas de prestação de serviços à comunidade é tão visível que, em inúmeras situações, a mudança de comportamento, a conscientização do erro, tocam o adolescente de forma tão considerável e profunda que, mesmo após haver terminado o prazo de cumprimento da medida, se dispõe à, voluntariamente, prosseguir no auxílio à instituição que o recebeu, pois nela ele foi valorizado, descobriu que pode ser útil, que o seu trabalho, e ele próprio são importantes e que, sua ação positiva é capaz de proporcionar o bem a muitas pessoas.
A par do cumprimento das medidas de prestação de serviço à comunidade, o adolescente infrator deve recebe orientação social, familiar, educacional e laborativa, sendo acompanhado pela equipe de Comissários de Justiça, Assistentes Sociais e Psicólogos, lotados nas Varas de Infância que busca sua adaptação e participação da vida escolar, encaixa-lo no mercado de trabalho e, principalmente, faze-lo enxergar que é uma pessoa, participante de uma sociedade que dele necessita e para a qual muito pode fazer de bem.
E, ainda como já se mostrou possível em Nova Friburgo, a Vara de Família, Infância e Juventude de Nova Friburgo firmou convênio com o ROTARY IMPERADOR E COM A MARINHA DO BRASIL, (não há informação sobre a manutenção do projeto) para que os jovens e adolescentes aos quais possam ser aplicadas medidas de prestação de serviço à comunidade, possam faze-lo no Sanatório Naval de Nova Friburgo, onde em ambiente militar, com regras, disciplina e respeito à hierarquia, possam eles ter acesso à uma nova visão da vida, que até então lhes era vedada, qual seja, de que podem ser cidadãos de bem, cumpridores de suas obrigações pessoais, familiares e sociais. Receberão ainda orientação, informação e instrução em diversas áreas profissionalizantes, receberão atendimento médico e dentário, farão exercícios físicos, ganharão uniforme confeccionado especialmente para o projeto, denominado PROGRESO – assim mesmo, com um S só (Programa de Re inserção Social) e terão oportunidade de se engajarem na Marinha, o que lhes abrirá novas e excelentes perspectivas e possibilidades de vida digna.
Esta, a meu ver, é a JUSTIÇA voltada para o fim último e maior de todo e qualquer serviço público, que é bem servir à comunidade, e da qual tenho a felicidade de participar, deixando para trás a imagem ultrapassada do Juiz encastelado em seu gabinete, sem possibilidade de acesso das pessoas que dele necessitam, tornando-o num efetivo e real SERVIDOR DA POPULAÇÃO
Conclusão
Enfim, há que se enfrentar o problema do “jovem em conflito com a lei”, inicialmente como uma forma mais radical da manifestação de insatisfação, de questionamento, de contrariedade característica imprescindível para a formação social, moral e ética de qualquer adolescente. Há que se compreender que este jovem não é isolado no mundo, e que recebe influências que, em muitas vezes podem lhe ser extremamente prejudicial, da família a que pertence, do corpo social no qual está inserido, das verdades e mitos que lhe são repassados, que podem vir a formatar uma personalidade dotada de princípios de “certo e errado”, não aceitos pela sociedade.
Há que se procurar estimular e fomentar o funcionamento, cada vez mais forte, mais eficiente e mais presente, DOS CONSELHOS TUTELARES, como forma primeira de prevenção da marginalização, através de atos de apoio, de orientação, de esclarecimento e do oferecimento do auxílio necessário ao jovem e à sua família.
E, finalmente, quando o jovem, vem a praticar qualquer conduta que seja típica, que coincida com aquelas vedadas pela legislação penal, caracterizando o ato infracional, o juiz não poderá nunca se esquecer que tem em suas mãos a responsabilidade e a estimulante possibilidade de vir a contribuir para a formação de uma pessoa digna, plena de direitos, consciente de suas responsabilidades e obrigações, consigo própria, com sua família e com a sociedade, da qual participa, a despeito de, muitas vezes, pensar que não.
Juiz de Direito, Mestre em Direito Público e Evolução Social, Professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Cândido Mendes e professor palestrante da EMERJ-Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
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