O Ministério Público no exercício de atividade de poder de polícia administrativa e função regulatória; um perfil mais deliberativo e resolutivo

De início é preciso ressaltar que o presente trabalho não visa discutir a possibilidade de o Ministério Público exercer a sua atribuição constitucional para colher provas para subsidiar a sua formação sobre o ajuizamento de ação criminal, pois tal atribuição está prevista o Tratado Penal de Roma, ao qual o Ministério Público anuiu e como se trata de noram na área de direitos humanos tem força de norma constitucional. Além de ser uma atividade totalmente condizente com a atribuição de titular da ação penal pública.

No entanto, o presente trabalho visa demonstrar a possibilidade de o Ministério Público exercer a atividade de poder de polícia administrativa, pois totalmente coerente com o seu perfil constitucional de órgão estatal fiscalizador., nos moldes dos arts 127 e 129 da CF.

Assim, caminha-se para uma função mais deliberativa e resolutiva. Este tema tem sido amplamente debativo, mas sem adentrar em um foco emblemático. Defende-se, e com razão, a racionalização da atividade ministerial, mas isso deveria ocorrer para sobrar tempo e permitir a atuaçãor com maior afinco nas curadorias extrajudiciais. Porém, tem ocorrido o seguinte, racionaliza-se a atividade e sobra mais tempo para “manifestar nos processos”; no entant, como há mais tempo, passa-se a uma atividade de erudição desnecessária, em razão de causas simples em vez de se atuar nas causas coletivas e de inclusão social.

Em suma, busca-se inconscientemente ficar nas miudezas para não se resolver os problemas coletivos, em razão da complexidade dos mesmos e até pelo fato de se ter de fazer um levantamento das demandas sociais, o que demanda um raciocínio muito maior.

Diante disso, é preciso ressaltar que muitos casos estão sendo encaminhados indevidamente ao Judiciário pelo Ministério Público, o que contribui  para o aumento da demanda judicial e congestionamento dos feitos.

Por exemplo, diante de determinada conduta ilícita pode-se determinar a sua paralisação e o eventual descumprimento implica em crime de desobediência.

Porém, em outro giro, nada impede que a lei delimite também os poderes de polícia ao Ministério Público como na fiscalização dos entes públicos, questões ambientais, controle externo da atividade policial, consumidor, idoso, criança e adolescente.

O conceito clássico de poder de polícia é o de atividade estatal que limita o exercício dos direitos individuais em benefício da segurança. Já o conceito  moderno é atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.

Em Minas Gerais, o Ministério Público tem exercido as atribuições de Procon Estadual, o que lhe permite fazer interdições, apreensãoes e aplicar multas administrativas, o que agiliza bastante o procedimento.

No Estatuto do Idoso também há várias hipóteses de poder de polícia do Ministério Público, em especial no art. 60, onde o Promotor pode tomar medidas executórias e deliberativas.

Também é preciso ressaltar que o detalhamento do poder de polícia não precisa estar previsto expressamente na Constituição Federal, basta citar o caso das Agências Reguladoras que não estão previstas na Constituição, mas pela sua natureza tem até poder regulatório além do de polícia.

O Ministério Público não é órgão de advocacia, estes não têm poder de polícia, pois atuam em nome de terceiro defendendo direito de terceiro e restringem à atividade jurídica, ou seja, é uma atividade de assistência. Já o Ministério Público atua como fiscal.

Na própria esfera penal é possível ao Ministério Público ser mais deliberativo e atuar com poder de polícia como titular da ação penal e fiscal dos serviços públicos e do controle externo da atividade policial.

Por exemplo, se o titular da ação penal não vislumbra crime ou motivos para a prisão na fase extrajudicial, já poderia por imediatamente o acusado em liberdade. Em tese, quem deveria definir o tipo penal para estabelecer se há cabimento ou não de fiança, deveria ser o titular da ação penal.

Também eventuais sanções e prioridades aos policiais estariam perfeitamente dentro do conceito de controle externo da atividade policial, nos moldes de como o Judiciário faz com relação aos cartórios, e o Judiciário exerce apenas a fiscalização e não o Controle, ainda que externo.

A lei pode até mesmo atribuir funções como aplicar multas administrativas, astreintes, embargos, definição de normas como conduta regulatória. È claro que em muitos casos seria conveniente que a atribuição fosse do Conselho Superior ou até mesmo do Conselho Nacional, para que a atuação fosse uniforme.

Assim, cabe à lei definir a competência, a forma, os fins almejados e os motivos, bem como o objeto.

Mas tal atividade pode ser também delimitada pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

Por enquanto, também é possível fazer convênios com órgãos de fiscalização ambiental e do consumidor para que o Ministério Público possa exercer em conjunto o poder de polícia que já é exercido pelos mesmos.

Na área criminal é também perfeitamente possível racionalizar a atuação tornando o Ministério Público mais deliberativo. E de forma curiosa,  outros órgãos já estão fazendo acordos na área criminal, mas o Ministério Público depende de  audiência judicial. Por exemplo, a SDE (Secretaria de Direito Econômico) e as Receitas Fazendárias estão fazendo acordos em ilícitos criminais sem ouvir o Ministério Público e sem pleitear homologação judicial, pois têm autorização legal, e não há decisão sobre a inconstitucionalidade desse ato.

A rigor, bastaria nos Juizados Especiais o Ministério Público fazer propostas de transação penal, as quais se aceitas seriam encaminhadas para o Judiciário homologar, onde poderia apreciar apenas a legalidade e não a conveniência. Nos moldes do que ocorre na Infância e Juventude.

Dessa feita é perfeitamente constitucional e conforme o atual perfil ministerial que a lei atribua funções como interditar

Afinal, a atividade de fiscalização é uma parte significativa do poder de polícia do Estado, em relação ao qual discorre com grande sabedoria o mestre Celso Antônio B. de Mello:

“… cumpre agregar que a atividade de polícia envolve também os atos fiscalizadores, através dos quais a Administração Pública previamente acautela eventuais danos que poderiam advir da ação dos particulares. Assim, a fiscalização dos pesos e medidas por meio da qual o Poder Público se assegura de que uns e outros competentemente aferidos correspondem efetivamente aos padrões e, com isto, previne eventual lesão aos administrados, que decorreria de marcações inexatas.

Do mesmo modo a fiscalização das condições de higiene dos estabelecimentos e casas de pasto, a vistoria de veículos automotores para garantia das condições de segurança que devem oferecer, prevenindo riscos para terceiros, a fiscalização da caça para assegurar que sua realização esteja conformada aos preceitos legais, são entre outras numerosíssimas, manifestações fiscalizadoras próprias da polícia administrativa.”

A ação de fiscalizar, bem como o próprio poder de polícia, tem em sua essencialidade a necessidade de conter o interesse do particular em confronto com o interesse da coletividade, e materializa-se com o ato concreto de conformar o comportamento do particular em face das exigências legais e regulamentares preexistentes.

De Plácido e Silva desenvolve bem o conceito de fiscalização administrativa, isolando o seu sentido jurídico daquele mais usual:

“FISCALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA. Assim se entende toda ação dos poderes públicos no sentido de vigiar e inspecionar certa ordem de serviços ou de negócios, mesmo de caráter individual, em virtude do interesse que possam trazer às coletividades.

Semelhante fiscalização pode se efetivada em sentido generalizado, isto é, sem ser dirigida diretamente a determinada instituição ou empresa, como pode ser particularizada a cera soma de negócios desempenhados por empresas ou companhias.

No primeiro caso, encontram-se a fiscalização dos gêneros alimentícios, a fiscalização para mantença da ordem pública, a fiscalização para o cumprimento das leis sociais,e outras dessa ordem, destinadas sempre a manter o respeito às instituições públicas ou aos princípios legais, que estabelecem obrigações ou deveres sociais.

Nas do segundo caso, compreendem-se as fiscalização das companhias de seguros, fiscalização bancária, fiscalização do ensino, fiscalização de empresas, ligadas por contrato ou concessão aos poderes públicos.

As primeiras podem ser ditas propriamente de fiscalização pública, porque têm por objeto a vigilância e inspeção de fatos de interesse geral e de ordem legal.”

São atributos do poder de polícia a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.

Nessa vertente, cabe ao Ministério Público estabelecer as medidas e a parte que discordar é que terá que recorrer ao Juízo. E não o Ministério Público terá que recorrer ao Juízo para validar os seus entendimentos. Assim, haverá uma inversão. Será como no caso do Tribunal de Contas.

Uma hipótese bem nítida seria também a homologação de acordos com efeitos mais enérgicos, e até com possibilidade de no caso de alimentos de se abater no Imposto de Renda, bem como ensejar a prisão civil por descumprimento na área de alimentos mediante ação judicial, nesse último caso. Porém,  um exemplo mais próximo seria a autorização para crianças viajarem desacompanhadas dos responsáveis legais.

Apenas a título de esclarecimento cabe estabelecer um diferencial, pois o Judiciário como órgão sentenciante não pode ter poder de polícia genérico, apenas dentro do processo. Em tese, são inconstitucionais funções como baixar portarias no ECA, bem como aplicar multas administrativas em procedimentos da Infância e Adolescência.  O mesmo aplicando na questão eleitoral. Pois em face do princípio do contraditório, o órgão prolator do ato administrativo não pode ser o mesmo que irá julgar, pois fere a imparcialidade judicial.

Conclusão

A Atividade de poder de polícia é perfeitamente compatível com o perfil fiscalizador do Ministério Público, bem como a função regulatória, cabendo à lei definir o modus de realização desta atividade, podendo ser a atividade, em alguns aspectos, regulamentada pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

André Luís Alves de Melo

 

Mestre em Direito Público pela Unifran e Promotor de Justiça em Estrela do Sul MG, pesquisador jurídico

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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