Vários são os autores que apontam o nascimento do direito administrativo com a lei do 28 pluviose do ano VIII (1800). MEDAUAR em texto citado não literalmente de DEBBASCH:
“…esta lei de 1800 contém, em síntese, preceitos sobre organização administrativa e sobre litígios contra a Administração (…) no tocante à organização, dois princípios a nortearam: hierarquização e centralização; conforme o primeiro, fixou-se de modo claro, pela primeira vez, a separação entre o representante que exerce funções no âmbito político e o funcionário, que atua no setor administrativo, totalmente subordinado àquele; o poder de nomeação e exoneração cabe à autoridade superior, sobretudo ao Primeiro Cônsul (Napoleão), por força da Constituição do ano VIII; conforme o segundo princípio, a organização territorial se uniformizou e simplificou, prevendo-se, ainda em nível local, agentes representantes de poder central, os prefet, também subordinados integralmente a este. Quanto aos litígios, referida lei atribuiu ao Conselho de Estado funções de órgão consultivo, juiz de contestações em matéria administrativa e instância de apelação das decisões tomadas pelos conselhos de prefeitura no âmbito de sua competência para dirimir litígios; evidente que o Conselho de Estado preparava as decisões finais tomadas pelo Primeiro Cônsul, pois nesse período vigorava o sistema de justiça retida”.[1]
O texto de DEBBASCH a que se refere a autora é o seguinte:
“Si la France recherche, depuis 1789, avec beaucoup d’hésitation, sa constitution politique elle a trouvé, en l’na VIII, sa constitution administrative[2]. Celle-ci va régir la France pendant un siècle et demi. Ce nést qu’à l ‘époque actuelle que l’on recherchera une nouvelle constitution administrative pour la France, en conservant, d’ailleurs, beacoup des principes posés en l’na VIII. Cette constitution administrative s’organise autour du thème de l’organisation administrative et du thème du contrôle de l’action administrative.
1 / L’ORGANISATION ADMINISTRATIVE
La réorganisation administrative est la consequénce de l’organisation politique. Le Premier Consul, aprés avoir affermi le pouvoir politique, cherche à mettre à la disposition de ce dernier une administration ordonée.
Deux principes commandent cette réorganisation administrative, la hiérarchisation et la centralisation.
A / La hiérarchisation
Elle résulte d’abord de la distinction, pour la première fois clairement faite, entre la notion de représentant et la notion de fonctionnaire. Le représentant exerce ses fonctions dans l’ordre politique, le fonctionnaire dans l’ordre administratif. Le fonctionnaire est étroitement subordonné à l’autorité supérieure. Celle-ci dispose du double pouvoir de nomination et de révocation des agents administratifs.
La Constitution de l’na VIII consacre ce pouvoir de manière étendue au profit du Premier Consul lui-même. Aux termes de l’article 41 de cette Constitution, “le Premier Consul nomme et révoque à volonté les membres du Conseil d’Etat, les ministres, les ambassadeurs et autres agents extérieurs en chef, les officers de l’armée de terre et de mer, les membres des administrations locales et les commissaires du gouvernment prés les tribunaux”. Ainsi, tous les membres de l’administration dépendent désormais, soit directement, soit indirectement, du Premier Consul. Cette hiérarchisation très stricte va contribuer à la constitution de l’administration comme corps possédant ses règles propres et soumis strictement, dans l’intérét général, au pouvoir exécutif. “Il faut choisir l’homme qui convient à la place et non la place qui convient à l’homme”, affirme Napoléon.
A côté de cette subordination des agents publics à l’autorité centrale, se développe le pouvoir réglementaire. Cellui-ci, jusquálors nié en droit, est consacré officiellement par la Constitution de l’an VIII. Deux articles sont particulièrement importants: il s’agit, d’abord, de l’article 44 selon lequel “le gouvernment propose les lois et fait les règlements nécessaires pour assurer leur exécution”. Il s ágit, ensuite, de l’article 54 selon lequel “les ministres procurent l’execution des lois et des reglements d’aministration publique”.
Parce que l’équilibre des pouvoirs penche en faveur du pouvoir executif, ces dispositions ne demeurent pas lettre morte. Au contraire, le pouvoir réglementaire va se développer aux dépens des lois, Qui renvoient le plus souvent au règlement. En pratique, de plus, un poivoir règlementaire est reconnu à de nombreuses autorités administratives. Le pouvoir réglementaire devient un moyen essentiel de l’action administrative.
B / La centralisation
La centralisation va de pair avec la hiérarchisation. Elle est une réaction contre l’anarchie entrainée par la descentralisation révolutionnaire. Elle se traduit par deux traits: un remodelage de la carte administrative de la France, un changement dans le mode d’organisation de l’administration.
La carte administrative de la France est modifée dans le sens d’une plus grande simplification. De ce point de vue, le Consulat et l’Empire ne font qu’achever l’oeuvre révolutionnaire, mais c’est sous l’Empire qu’il devient le cadre territorial privilégié de l’action de l’Etat. A côté du département, il n’existe plus, desormais, que les arrondissements et les communes, à la place des nombreuses collectivités et circonscriptions créés par les régimes révolutionnaires successifs.
C’est surtout le mode d’administration Qui est changé. La loi du 28 pluviôse de l’na VIII devient la charte de l’administration française. L’aspect le plus nouveaus, et promis à la pérennité, est l’institution à l’échelon local d’agents destinés à représenter le pouvoir central. Le prefet est la figure la plus connue de ces autorités. Napoléon fait des préfets, selon son expression, des empereurs au petit pied[3], étroitement soumis au pouvoir central. “L’organisation des préfectures, leur action, les résultats étaient admirables et prodigieux” (Pensées politiques et sociales, cf. Institutions et droit administratifs, texts et documents, P.U.F., 1980, p. 62). Face au poivoir central omniprésent, les collectivités locales ne peuvent avoir qu’une, elles ne sont plus qu’un des organes dúne administration hiérarchisée et centralisée suivant le principe de la pyramide.”[4]
Os primeiros impulsos do direito administrativo foram somente dados com a lei de 1800, mas também com a edição de manuais e obras como a de ROMAGNOSI, na Itália, em 1814 e MACAREL, na França, em 1818. Também aconteceu em Paris, no ano de 1819, a criação da cátedra de direito público e administrativo. Tudo isto somado permitiu o próprio impulso da disciplina em apreço.[5]
WEIL, na introdução ao seu livro aborda pontos importantes em relação ao direito administrativo e seu surgimento. Destaca o autor o que considera “pré-história do direto administrativo” como sendo o período entre a Revolução de 1789 e o fim do Segundo Império. Para ele, o direito administrativo emergiu lentamente do nada e que se esboçou nos impulsos mais tarde conhecidos como do regime administrativo, ou seja,
“…a existência de uma jurisdição administrativa especializada e a submissão da administração a umas regras diferentes daquelas do direito privado”.[6]
O Professor francês inicia a tratar a questão da submissão da administração aos tribunais revelando a guerra “dissimulada” e muitas vezes eficaz que era travada por parte das jurisdições do Ancien Régime (Antigo Regime), contra as tentativas da monarquia de modernizar a administração e de reformar a sociedade. Assim, explica o mesmo que uma das primeiras medidas da Constituinte foi de quebrar, pela lei de 16-24 agosto 1790:
“…todas as veleidades, e mesmo todas as possibilidades, pelos tribunais de desafiar a autoridade do Estado” [7]
Senão, vejamos:
“As funções judiciárias são distintas e residem sempre separadas das funções administrativas. Os juízes não atrapalharão, sob pena de cometer crime, perturbarão, de qualquer maneira que seja, as operações dos corpos administrativos, nem citarão os administradores por razão de suas funções.” [8]
Após cinco anos, o decreto de 16 frutidor do ano III previa:
“Defesas repetidas são feitas aos tribunais de conhecimento dos atos da administração, de qualquer espécie que eles sejam, sob as penas do de direito.”[9]
Procedia-se, então ao princípio da separação das autoridades judiciária e legislativa, impedindo-se os tribunais de incomodar a administração e sua proibição do conhecimento dos litígios que interessavam à administração.
A lei de 28 pluviose do ano VIII criou os “conseils de préfecture” – conselhos de prefeitura, ou conselhos de governo civil – encarregados, sob a presidência dos prefeitos, de estatuírem sobre certos litígios estritamente definidos.
Entretanto, aponta WEIL que foi a criação, pela Constituição do ano VIII, do Conselho de Estado que permitiu as transformações mais profundas.[10]
Mostra ainda que o Conselho de Estado foi conhecido primeiramente como o conselho jurídico do governo e se viu a cargo primeiramente do Primeiro Cônsul e posteriormente pelos sucessivos Chefes de Estado, de preparar um projeto para a solução dos litígios os quais fizesse parte a administração.[11]
Ponto de fundamental importância no surgimento do direito administrativo é apontado como sendo a questão de que o Conselho de Estado, órgão destinado a preparar decisões que envolvessem matéria administrativa não se limitasse a aplicar as regras do Código Civil. Desta forma, admite WEIL que logo reconheceu-se que as disposições do Código Civil relativas a aluguel ou arrendamento de serviços, contratos ou responsabilidade civil não eram aplicáveis aos litígios entre a administração e os particulares.[12]
Outro questionamento que se apresenta a respeito do surgimento do direito administrativo é o de se ele representa propriamente o fim do Estado absolutista e o início de um novo Estado ou, simplesmente, a continuidade herdada do Antigo Regime.
MEDAUAR, esclarece que encontram-se justificativas para o entendimento que a presença de figuras ou preceitos vigentes no Antigo Regime trazem significação de continuidade do regime anterior[13]. Entende a autora que seria difícil acreditar-se em uma ruptura total, de uma origem a partir do nada. [14]
Apoiando-se no que dizia CANADA-BARTOLI[15], a mesma autora aponta que o próprio enunciado da origem do direito administrativo é feito em termos estritamente normativos, que se for tomada posição a qual não seja propriamente normativa, esta não terá sentido, e que, finalmente, a lei de 1800 dizia respeito somente à Administração e o direito administrativo também trata, diferentemente, dos indivíduos. Conclui ainda que:
“Melhor se configura orientação que leva em conta os dois aspectos, sem extremos, para vincular o direito administrativo à Revolução Francesa em termos de princípios, não em virtude da origem de um tipo de organização; e para levar em conta noções e mesmo práticas do Antigo Regime acolhidas em parte pelo direito em formação, embora em outro contexto sócio-político.”[16]
WEIL divide a introdução de sua obra ao tratar do nascimento do direito administrativo em fases distintas. Posteriormente ao que chama de pré-história deste direito, descreve ele o que entende por período clássico.[17]
Começa por descrever este período como sendo o seu início a partir da lei de 24 de maio de 1872. Esta lei deu ao Conselho de Estado a justiça delegada:
“…doravante a administração é submissa ao controle de uma verdadeira jurisdição, que estatui diretamente “em nome do povo francês”.[18]
Comenta o autor:
“Tal lei, criou ao mesmo tempo um Tribunal de Conflitos, composto em número igual de membros do Conselho de Estado e de conselheiros na Corte de Cassações, encarregado de estatuir sobre os conflitos de competência entre as duas ordens jurisdicionais, a administrativa e a judiciária”.[19]
Em seguida com a instalação da República, e o liberalismo tanto político como econômico iniciou e seus textos foram inspiradores para a administração francesa de fundamentos modernizadores como as novas bases de organização dos departamentos e das comunas, as liberdades de imprensa e associação e estabelecimento de novas bases da relação entre executivo e legislativo. Neste quadro, o direito administrativo, antes elaborado para o Conselho de Estado, conhecerá a sua “belle époque”.[20] As abundantes decisões do Conselho estabeleceram os princípios fundamentais da nova disciplina, do célebre caso Blanco – no qual foi estabelecido pelo Tribunal de Conflitos o princípio da responsabilidade do Estado, responsabilidade a qual somente a jurisdição administrativa era competente para aplicar – ao controle do juiz administrativo a ser exercido mesmo que a decisão atacada seja inspirada por razões políticas; a flexibilização das condições de admissibilidade de recursos por excesso de poder, crescimento dos meios de anulação dos últimos; a responsabilidade do Estado é reconhecida e afirmada como diferente da mesma de seus funcionários, a teoria dosa contratos administrativos ganha contornos próprios, como a das decisões executivas para os mesmos.[21] Foi nesta época que comissários do governo como DAVID, ROMIEU, PICHAT ou LEO BLUM, dentre outros, proferiram magistrais conclusões. “É a época também onde a doutrina construiu seus grandes edifícios clássicos: LAFERRIÈRE em primeiro lugar, ao fim do século, depois HAURIOU, DUGUIT, JÈZE.”[22]
WEIL aponta que mesmo com o grande desenvolvimento do direito administrativo após 1920 não se pode renegar os princípios fundamentais postos em curso nos quarenta e cinco anos após o fim da guerra de 1870 até o ano de 1914.
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.
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