Direito Constitucional

O neoconstitucionalismo e as normas princípios: a comunhão das Teorias de Ronald Dworkin e Robert Alexy

Deborah Maria Ayres

 

Resumo

O neoconstitucionalismo reúne diversas teorias que visam garantir e efetivar os direitos fundamentais, o que se faz entendendo a constituição como alicerce de todo ordenamento jurídico, e assim dando concretude ao direito nela regulado. A efetivação da norma constitucional se faz por mecanismos entre os quais se encontram os princípios e pela superação da sua concepção como meras fórmulas de cunho moral, que excepcionalmente vêm a integrar a norma legal positivada. E na técnica ou método intepretação do Direito, as teses de Ronald Dworkin e Robert Alexy surgiram expoentes do pós-positivismo, tomando os princípios como normas e lhes reconhecendo a função de mandamentos de otimização, os quais se realizariam por meio de processos de ponderação, com ênfase na racionalidade e máximas de proporcionalidade, adequação e realidade.

Palavras-chaves: Constituição – Interpretação – Otimização – Princípios

 

Abstrac

The neo-constitutionalism brings together several theories that seek to guarantee and enforce fundamental rights, which is understood by the constitution as the basis of every legal system, and thus giving concreteness to the Law regulated in it. The main mechanisms to ensure the effectiveness of the constitutional norm would be through the principles and overcoming its conception as mere moral formulas, which exceptionally comes to integrate the positive legal norm. And in technique or method of Law interpretation, the theses of Ronald Dworkin and Robert Alexy emerged exponents of post-positivism, taking the principles as norms and recognizing them the function of commandments of optimization, which would be realized through processes of pondering, with emphasis on the rationality and maxims of proportionality, adequacy and reality.

Keywords: Constitution – Interpretation – Optimization – Principles

 

Introdução

No pós II Guerra Mundial, 1945, e no Brasil, com a promulgação da Constituição da República de 1988, o que se vê é o renascimento do constitucionalismo entre o positivismo da norma e valoração de preceitos morais e sociais, os princípios.

O estabelecimento de normas sociais sempre fez parte dos debates da humanidade, mas, com o fim de regimes autoritários, na política de muitos países ocidentais, com evidente violação da dignidade humana, o que já não era novo, a reflexão sobre a norma, e principalmente no constitucionalismo, passa a ter um olhar mais sensível ao ser humano como sujeito de direitos e deveres e influenciador do mundo em que vive.

O alcance do direito supera a intenção do legislador, e o Juiz passa a ter a função dever-poder de não apenas dizer o direito, mas concretizá-lo conforme os preceitos (neo) constitucionais.

Nessa senda, o que se propõe ao debate é a análise da importância dos pensamentos de por Ronald Dworkin e Robert Alexy na influência das novas constituições, na sua real efetividade, principalmente, a brasileira, que faz hoje, ainda que se discuta a retomada do neoliberalismo, numa corrente de não se negar a hegemonia dos direitos e garantias fundamentais a todo ser humano – nacional ou não.

As teses estudadas são concebidas com base no livro O Império do Direito, Levando a Sério o Direito e Uma Questão de Princípio, escritos por Ronald Dworkin, nas quais se pretende verificar a roupagem principiológica do Direito no neoconstitucionalismo como método interpretativo do Direito e nas obras de Robert Alexy: Teoria dos Direitos Fundamentais, Constitucionalismo Discursivo, Conceito e Validade do Direito e Sistema jurídico, Pincipios jurídicos y razón práctica, em que se evidencia do impulso valorativo dos princípios como não apenas fundamento do direito, mas como parte do próprio Direito.

Ainda, diante das premissas reveladas pelos jusfilósofos, pretende-se observar sua ênfase no Direito brasileiro.

 

  1. Do positivismo para o neoconstitucionalismo

Nos estudos de Norberto Bobbio se verificava a preocupação dos positivistas de segmentar, como se fez no período romano, aquilo que era público, portanto, pertinente ao Direito Público, daquilo que não era público e sim do particular, o Direito Privado. Esta era a marca do Estado Liberal, que se desassociava do indivíduo, muito embora, um estivesse intrinsecamente interligado ao outro, mas o objetivo era claro, dar azo ao intervencionismo mínimo. Assim, o jurista Georg Jelinek compreendeu a Teoria dos Quatros “Status”, na qual propugnava quatro diferentes status que o particular possuiria frente ao Estado, e que seriam: a) status passivo, na qual o particular se subordina aos poderes do Estado e com ele é detentor de deveres; b) status ativo, o jurista compreendia o papel do indivíduo influência a formação do Estado que o rege por meio do exercício de seus direitos políticos; c) status positivo, é o poder do indivíduo de exigir do Estado o cumprimento de um mínimo para a subsistência e vida sadia e d) status negativo, é considerado o sentido de abstenção do Estado em fazer ingerências sobre a autodeterminação do indivíduo, lhe reconhecendo aqui ser sujeito de personalidade própria e dotado de liberdade.

No entanto, tal estruturação político-social não impediu a I Guerra Mundial (1914-1918), e após ela, com o mundo europeu se recuperando, não pode obstar as crises do capitalismo pelo mundo, tendo como um dos marcos a Grande Depressão de 1929, nos Estados Unidos da América.

E num contexto de desolação no mundo ocidental e de empobrecimento populacional, se fortaleceram políticas autoritárias em torno de um Estado Social, que intervém nas relações particulares, para assegurar aos indivíduos de sua sociedade garantias de direitos. Mas a eclosão da II Guerra Mundial (1939-1945) demonstra que a ordem política existente não bastava às garantias de recuperação econômica, social e da própria paz mundial. Com o seu fim, e, também, com o fim de muitas políticas ditatoriais, e o restabelecimento da Democracia em muitos países, entre eles o Brasil, fez com que o sentido social e moral ganhassem força num aspecto especial de não imposição pura e simples, mas de mediação e harmonizações entre ideais sociais de convivência.

Promoveu-se a efervescência dos direitos sociais no sentido de garantir a liberdade, a paz e a vida, acenando aos direitos humanos, no plano internacional, e, fundamentais, no plano interno dos países, o preceito orientador da garantia e proteção da dignidade da pessoa humana. Logo, o neoconstitucionalismo que veio a ser proclamado tinha como sua exegese a efetivação das normas que criava para a nova ordem jurídica. As normas constitucionais não poderiam ser vistas mais como simples positivações de direitos, trazendo dogmas de orientação legal, mas sem auto-executoridade. Na nova ordem jurídica era preciso efetivar direitos sociais, fundamentais, humanos.

No positivismo jurídico, o direito era aquilo que estivesse enfim registrado num papel. Hans Kelsen propunha na sua Teoria Pura do Direito, que de fato não era pura, como ele mesmo já comunicava no início do desenvolvimento de sua tese, a criação do direito afastado dos sentimentos axiológicos, isto é, interpretar o direito era limitado à aplicação da norma positivada num caso concreto na forma ipis literis.

Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental. Isto parece-nos algo de per si evidente. Porém, um relance de olhos sobre a ciência jurídica tradicional, tal como se desenvolveu no decurso dos sécs. XIX e XX, mostra claramente quão longe ela está de satisfazer à exigência da pureza.

(…)

Quando a Teoria Pura empreende delimitar o conhecimento do Direito em face destas disciplinas, fá-lo não por ignorar ou, muito menos, por negar essa conexão, mas porque intenta evitar um sincretismo metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os limites que lhe são impostos pela natureza do seu objeto.   (KELSEN, 1938, p. 1).

Ocorre que a resposta normativa as necessidades da sociedade eram frustradas, pois, absolutamente, nem tudo a norma positivada poderia prever, portanto, se furtar a uma interpretação axiomática, valorativa do direito. Ademais, a crise do positivismo foi patente com o final da II Guerra Mundial, porque foi no constitucionalismo moderno, permeado pelas teorias positivistas, que se afirmaram como justas as violações contra a dignidade da pessoa humana.

Na superação da filosofia do direito do positivismo e da transição histórica da modernidade, marcada pelo pensamento racional dos iluministas, para pensar o direito em seus axiomas, na filosofia jurídica do pós-positivismo e no momento histórico da pós-modernidade se consagrou um direito que se não criva na norma posta, que a transcende para reconhecer o homem como dotado de direitos e deveres, não apenas nas suas relações particulares ou com o Estado, mas como agente promovedor da paz social e influenciador do seu habitat.

É possível estabelecer tal transição do desenvolvimento do direito, pelo menos no mundo ocidental, com a Teoria Tridimensional do Direito, idealizada por Miguel Reale, que comunga os aspectos: cultural ou histórico, filosófico e normativo, que harmonicamente se estabelecem para transformar o Direito. E com isso, explica Bonavides que “os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e quantitativo” (2004, p.563).

Assim, se pode traçar uma linha do tempo pela evolução dos Estados de Direitos com a compreensão de direitos fundamentais e consequentemente a constitucionalização das nações. Veja que a doutrina, a princípio, encampou três gerações (ou dimensões) de direitos fundamentais: a primeira, inspirada no surgimento do Estado Liberal do Direito, reverência o lema: Liberté, Egalité, Fraternité (Liberdadeigualdadefraternidade), da Revolução Frances (1789-1799), que levou a uma das primeiras constituições do mundo ocidental, a Constituição Burguesa de 1791, e que marcava a independência do particular sobre o Estado; a segunda geração vem sobre o alicerce dos Estados Democráticos de Direito, na qual os direitos sociais, econômicos, culturais e trabalhistas são enfatizados, sendo um reflexo dos movimentos opostos à desordenada Revolução Industrial do século XVIII e XIX; por fim, a terceira geração dos direitos fundamentais, congrega não apenas as anteriores, mas a elas acrescenta os direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, professa a preocupação com o Meio Ambiente, e tal pensamento surge com o Pós-segunda Guerra Mundial.

Há de se observar que alguns doutrinadores consideram que a partir de meados dos anos 90 e início do século XXI outras dimensões de direitos fundamentais surgiram, seriam: a quarta geração, sobre o direito ao patrimônio genético, discutindo a biotecnologia e a bioengenharia; e a quinta dimensão, referente ao direito digital ou eletrônico, produto da nova realidade virtual e suas plataformas de redes integralizadas via internet.

Pode-se dizer também que, com a evolução e revolução dos direitos dos homens, a concepção do constitucionalismo caminhou paralelamente e de forma agregada na compreensão desses direitos em duas frentes, com relação ao próprio Estado e entre os próprios indivíduos como agentes sociais.

Pelo contexto apresentado, dois expoentes do pensamento jurídico social se destacam: método de integridade da norma, proclamada por Ronald Dworkin e em seu desenvolvimento, os mandamentos de otimização de Robert Alexy, ambos contemporâneos do Pós-segunda Guerra Mundial.

É claro que, o novo constitucionalismo, tomado com um desenvolvimento teórico, metodológico ou ideológico, teve em outros estudiosos, como Gustavo Zaberlsky, Luíd Prieto Sanchí, Carlos Nino, Luigi Ferrajoli, por exemplo, concepções diversificadas, autônomas entre si e às vezes antagônicas sobre o mesmo tema, mas seus pensamentos conformam com o paradigma de um Estado Constitucional de Direito, o novo constitucionalismo.

E esclarece André Rufino do Vale:

Esses pontos em comum, retirados de teorias cujas bases filosóficas são bastante ecléticas, podem ser sintetizados da seguinte maneira: a) a importância dada aos princípios e valores como componentes elementares dos sistemas jurídicos constitucionalizados; b) a ponderação como método de interpretação/aplicação dos princípios e de resolução dos conflitos entre valores e bens constitucionais; c) a compreensão da Constituição como norma que irradia efeitos por todo o ordenamento jurídico, condicionando toda a atividade jurídica e política dos poderes do Estado e até mesmo dos particulares em suas relações privadas; d) o protagonismo dos juízes em relação ao legislador na tarefa de interpretar a Constituição; e) enfim, a aceitação de alguma conexão entre Direito e moral.

Em suma, nas palavras de Prieto Sanchís, inspirado em Alexy, pode-se traçar o seguinte perfil do constitucionalismo contemporâneo: mais princípios que regras; mais ponderação que subsunção; mais Constituição que lei; mais juiz que legislador. (VALE, 2007).

O neoconstitucionalismo propugna o reconhecimento da Constituição como instrumento, ou técnica, para assegurar direitos individuais e coletivos, assim, como expressa o Me. Paulo Gustavo Gonet Branco:

A assertiva de que a Constituição tem valor de norma — e de norma suprema do ordenamento jurídico —, se hoje passa por um truísmo, é, na realidade, um produto do pensamento constitucionalista, que culmina uma sucessão de registros de inteligência sobre o tema, muitas vezes desencontrados. O prestígio jurídico da Constituição, no momento presente, é resultante da urdidura de fatos e ideias, em permanente e intensa interação recíproca, durante o suceder das etapas da História. Importa lançar olhos sobre essa evolução, até para melhor compreender os fundamentos do direito constitucional da atualidade (…). (MENDES e BRANCO, 2012, p.59).

 

  1. Neoconstitucionalismo em construção

Nas lições do jurista Humberto Ávila,

As mudanças propostas pelo neoconstitucionalismo, na versão aqui examinada, não são independentes, nem paralelas. Elas mantêm, em vez disso, uma relação de causa e efeito, ou de meio e fim, umas com relação às outras. O encadeamento entre elas poderia ser construído, de forma sintética, da seguinte forma: as Constituições do pós-guerra, de que é exemplo a Constituição Brasileira de 1988, teriam previsto mais princípios do que regras; o modo de aplicação dos princípios seria a ponderação, em vez da subsunção; a ponderação exigiria uma análise mais individual e concreta do que geral e abstrata; a atividade de ponderação e o exame individual e concreto demandariam uma participação maior do Poder Judiciário em relação aos Poderes Legislativo e Executivo; o ativismo do Poder Judiciário e a importância dos princípios radicados na Constituição levariam a uma aplicação centrada na Constituição em vez de baseada na legislação. (ÁVILA, 2009).

De fato, é de se notar que o novo paradigma construído de um Estado de Direito veio como resultado revolucionário daquilo que antes não deu muito certo, pelo menos na história do mundo ocidental. Vivenciou-se as oligarquias, as ditaduras do povo, o Estado Social e o Estado Liberal, sistemas políticos-jurídicos que caíram no desprestígio porque não garantiu a real efetivação de direitos básicos a população.

No pós-positivismo filosófico, as constituições ganharam um caráter social e democrático, com alta índole principiológica, explicitando garantias fundamentais e determinando uma programação estatal a sua efetivação. Assim, para o Doutro Luís Roberto Barroso, Ministro do Supremo Tribunal Federal, o ponto de partida para um novo pensar o Direito seria a Constituição Alemã, ou Lei Fundamental de Bonn, de 1949, e a criação do Tribunal de Constitucional Federal, que com sua instituição em 1951, teria dado início ao aprofundamento dos laços científicos do direito constitucional nos países de origem romana.

Para o citado doutrinador, o segundo marco do neoconstitucionalismo seria a Constituição da Itália, de 1947 , bem como a instauração da Corte Constitucional, em 1956 e posteriormente a redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978). Isto se deve porque, em todos esses países, foram marcadas por políticas autoritárias e a partir de suas novas constituições se firmou conceitos e compromissos com o respeito aos direitos humanos, desenvolvimento e garantia de paz entre os povos.

E no Brasil, a Constituição de 1988 marcou o início da nova era do constitucionalismo no ordenamento jurídico interno, também permeado pela valorização dos princípios e da visão de efetivação da norma constitucional.

 

  1. A Constituição no centro das discussões

Na Teoria da Força Normativa da Constituição, idealizada por Konrad Hesse, a constituição é permeada por normas jurídicas com capacidade de gerar direito por si mesma, mas é um imperativo mínimo. Isto deve ao fato principal da Constituição marcar um novo ordenamento jurídico a reger a sociedade que a formulou e a quem se direciona.

Na força normativa da constituição, evidenciam-se a unicidade do direito e a supremacia da norma constitucional, sendo um contraponto ao constitucionalismo de Ferdinand Lassele, a Constituição é uma lei fundamental. Mesmo pensamento encontrado em Carl Schmitt e Hans Kelsen.

Mas em Lassele, existem fatores reais de poder que legitimam e mobilizam as normas constitucionais de modo a se tonarem o centro de convergência institucional de um povo, principalmente nos preceitos jurídicos que dela surgirá. Nesse sentido, se a Constituição é essência, todas as nações sempre a tiveram, dando-lhe validade e efetividade, no entanto, no estado moderno ela estará redigida num papel. Ou seja, a Constituição é imbuída dos relacionamentos políticos nela aferidos, e a sua positivação “são apenas papéis”.

Assim, pois, todos os países possuem ou possuíram sempre e em todos os momentos da sua história uma Constituição real e verdadeira. A diferença, nos tempos modernos – e isto não devem ficar esquecidas, pois tem muitíssima importância –, não são as constituições reais e efetivas, mas sim as constituições escritas nas folhas de papel. (LASSELE, 2000, p. 27).

O desenvolvimento final teórico de Lassele sobre a Constituição, num conceito fático-social, na sua obra a Essência da Constituição, é que:

Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder, a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país vigem e as constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social: eis aí os critérios fundamantais que devemos sempre lebrar”. (Op. Cite, p. 40).

Já nos pensamentos de Konrad Hesse, a Constituição é percebida num sistema normativo-jurídico, evidenciava-se que:

A Constituição jurídica não significa simples pedaço de papel, tal como caracterizada por Lassalle. Ela não se afigura “impotente para dominar, efetivamente, a distribuição de poder”, tal como ensinado por Georg Jellinek e como, hodiernamente, divulgado por um naturalismo e sociologismo que se pretende cético. A Constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta do seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por essa realidade. Em caso de eventual conflito, a Constituição não deve ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis (realizierbare Voraussetzungen) que, mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição. Somente quando esses pressupostos não puderem ser satisfeitos, dar-se-á a conversão dos problemas constitucionais, enquanto questões jurídicas (Rechtsfragen), em questões de poder (Machtfragen). Nesse caso, a Constituição jurídica sucumbirá em face da Constituição real. Essa constatação não justifica que se negue o significado da Constituição jurídica: o Direito Constitucional não se encontra em contradição com a natureza da Constituição. (HESSE, 2009, p. 10 e 11).

Pode-se com isso dizer que, o Direito, fundamento que rege a vida em sociedade, passa a ser o centro da equalização social em busca, ou em prol, da segurança jurídica, que traduziria numa isonomia de valores maiores, que em Lassele e Hesse não eram ainda claras, ou mesmo reconhecidas, pois pressuporia o reconhecimento dos princípios como normas, o que no positivismo da modernidade era algo impensável. Muito embora Lassale tenha se prendido a validade do direito constitucional pelo sentimento de reconhecimento de normas pela própria sociedade, a norma constitucional era para ele de cunho político; e Hesse, enfatizou a importância da norma estar devidamente escrita para poder ser efetivada, tais pensamentos lançados ao mundo jurídico chamou a reflexão sobre a validação e efetivação das normas. E isso comungado com a realidade social após II Guerra Mundial (1945), auxiliou no desenvolvimento do pensamento axiomático normativo.

Ainda, não há como não citar a contribuição Niklas Luhmann para a formação de um novo constitucionalismo, por meio de sua Teoria dos Sistemas Sociais, ainda que sintetizado seu pensamento na autopoiése do Direito, e concebendo a Constituição como o “acoplamento estrutural” do sistema político como o jurídico, nele se via uma abertura, no sentido do Direito se adaptar à sociedade, reforçando assim seu próprio sistema, o que não se visualizava na Teoria Pura do Direito kelsiana.

 

  1. O pós-positivismo no Direito

O Direito se conceituava como técnica (ou método) direcionada a solução de conflitos e instrumento de pacificação social, inventado pelo homem e resultado do fenômeno histórico e cultural. Assim, “onde quer que haja um agrupamento humano, normas de organização e conduta tendem a desenvolver-se, ainda que de forma tácita e precária” (BARROSO, 2009, p.229). Essa clássica concepção baseia na subsunção dos fatos da vida à lei, e se caracterizou, principalmente, num sistema político do Estado Liberal, na qual prevalecia à máxima expressão da razão e o juiz era seu mero aplicador, concretizando um idealismo do direito puro, com um Estado imparcial, ou mesmo neutro.

A cientificidade, a objetividade, a neutralidade, a estatalidade e a completude do direito no positivismo foram sendo objeto de questionamento pela corrente doutrinária denominada Teoria Crítica do Direito, conjunto de movimentos e ideias os quais enfatizam o caráter ideológico do Direito, equiparando a um discurso de legitimação do poder (político) e que defendia que o Direito não se encontra apenas na lei positivada.

No Brasil, como na Europa, a Teoria Crítica do Direito compartilhou dos mesmos fundamentos e se manifestou no pensamento epistemológico, psicanalítico, sociológico e semiológico, direcionado a legitimação e superação da dogmática jurídica.

Segundo o Luís Roberto Barroso,

Uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX foi à atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica. Superou-se, assim, o modelo que vigorou na Europa até meados do século passado, no qual a Constituição era vista como um documento essencialmente político, um convite à atuação dos Poderes Públicos. A concretização de suas propostas ficava invariavelmente condicionada à liberdade de conformação do legislador ou à discricionariedade do administrador. Ao Judiciário não se reconhecia qualquer papel relevante na realização do conteúdo da Constituição. (BARROSO, 2016).

Dessarte, a efetivação do constitucionalismo passa da conformação do legislador para alcançar o interprete da lei, afirmando ao Juiz, o poder-dever de adentrar a esfera do direito constitucional para concretizá-lo.

Se a norma impressa é incapaz de promover a real justiça e garantir a segurança jurídica, será nos valores morais que encontrará sua realização. Segundo Gustav Radbruch, citado por Robert Alexy:

[…] “tanto os juristas quanto o povo desarmados contra leis ainda tão arbitrárias, ainda tão cruéis, ainda tão criminosas”. A inclusão de elementos morais no conceito de direito por ele reclamada tem por função “armar… [os juristas] contra o retorno de semelhante Estado injusto. (2009, p.62).

 

Assim, se em Hesse, no positivismo jurídico, já se reconhecia que a Constituição estaria no centro do ordenamento jurídico, mas lhe concebendo um mínimo de autodeterminismo (auto-executoridade) e, logo, a interpretação dada norma, preceituada no método hermenêutico-concretizadora, no pós-positivismo, a efetivação de direitos constitucionais é concebida com maior eficácia.

No positivismo o que se via era um sistema fechado, autopoiético, a norma cria o direito. Já no pós-positivismo, através do fomento neoconstitucionalista surge um sistema aberto de regras e direitos, imantado por preceitos ético-sociais – que nada mais é que o avanço da moral naturalística; recorda-se que ética vem do grego “ethos” que significa “modo de ser” ou “caráter” e a palavra “moral” tem origem no termo latino “morales” que significa “relativo aos costumes”.

Como nos orienta Tércio Sampaio, a dogmática é um sistema fechado de interpretação do direito, na qual submete o fato as premissas pré-estabelecidas, este é o sistema valorizado pelo direito positivista e que o interprete retira o brocardo da mihi factum, dabo tibi ius (dá-me os fatos que te direi o direito). A nova concepção interpretativa, chamada de zetética, ocorre o inverso, são as premissas que submetem ao caso concreto, isto é, no pós-positivismo a interpretação é axiológico-indutivo-problemáica, enquanto no positivismo era axiológico-dedutivo-problemática.

A nova construção do direito contempla uma interpretação axiológico-indutivo-problemática da norma, ou seja, por uma interpretação axiomática que se busca explicitar os valores que serão concretizados pela norma, através de um processo de submeter o direito ao fato concreto para assim dar-lhe uma solução.

E Barroso também nos informa que:

O pós-positivismo se apresenta, em certo sentido, como uma terceira via entre as concepções positivistas e jusnaturalista: não trata com desimportância as demandas do Direito por clareza, certeza e objetividade, mas não o concebe desconectado de uma filosofia moral e de uma filosofia política. Contesta, assim, o postulado positivista de separação entre Direito, moral e política, não para negar a especificidade do objeto de cada um desses domínios, mas para reconhecer a impossibilidade de trata-los como espaços totalmente segmentados, que não se influenciam mutuamente. […]

A doutrina pós-positivista se inspira na revalorização da razão política, na teoria da justiça e na legitimação democrática. Nesse contexto, busca ir além da legalidade escrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral da Constituição e das leis, mas sem recorrer a categorias metafísicas. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma de construção, incluem-se a reentronização dos valores na interpretação jurídica, como o reconhecimento de normatividade aos princípios e sua diferença qualitativa em relação às regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica; e o desenvolvimento de uma teoria de direitos fundamentais edificada sobre a dignidade da pessoa humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a ética. (Barroso. 2009 p. 248 a 250).

 

  1. O método de interpretação de Donald Dworkin

Segundo Ronald Dworkin, “é importante o modo como os juízes decidem os casos. É muito importante para as pessoas sem sorte, litigiosas, más ou santas o bastante para se vir diante do tribunal” (1999, p.3), e assim começa o seu livro “O Império do Direito”. A sua doutrina se volta à técnica interpretava, como toda doutrina pós-positivista que busca uma nova órbita de atuação do Direito, regido por um constitucionalismo axiomático.

As normas positivadas, as leis, professam em si um tudo ou nada (all-or-nothing-fashio), que não é aplicável aos princípios. O principal do pensamento do jurista norte americano é que os princípios são fontes inesgotáveis, provenientes das razões morais aplicadas à sociedade e pela sociedade, de modo a harmonizar a norma com os fatos da vida real. A premissa é que princípios também são normas de mesmo alcance das que se encontram positivadas (escritas), e que possuem o plus dimension of weight (dimensão de peso), o que significa dizer que, num conflito aparente entre princípios, ao caso concreto, cada um demonstrará ter um peso maior sobre o outro, sem que isso signifique alguma negação sobre a validade de qualquer um deles. Quando leis positivadas entram em conflito, uma lei necessariamente revoga a outra.

No reconhecimento normativo, as forças axiológicas imperam em benefício da interpretação da norma pelos juristas, principalmente, voltado ao papel do Juiz, quem decide as demandas jurisdicionalizadas.

Desta forma, para Dworkin, o Juiz ao julgar uma situação concreta se depara com três diferentes questões: de fato, de direito e as interligadas como a moralidade (política e fidelidade), traz assim o ponto divergência sobre a atuação do judiciário.

A divergência empírica sobre o direito quase nada tem de misteriosa. As pessoas podem divergir a propósito de quais palavras estão nos códigos da mesma maneira que divergem sobre quaisquer outras questões de fato. Mas a divergência teórica no direito, a divergência quanto aos fundamentos do direito, é mais problemática. […]

Advogados e juízes têm, de fato, divergências teóricas. Divergem, por exemplo, sobre o que o direito realmente é, sobre a questão da segregação racial ou dos acidentes de trabalho, mesmo quando estão de acordo sobre as leis que foram aplicadas, e sobre o que as autoridades públicas disseram e pensaram no passado. (DWORKIN, 2003, p. 8).

Um dos enfoques da doutrina sobre um novo constitucionalismo é a construção de novos métodos de interpretação ou técnica de interpretativa, que não sobrepõe às clássicas formas interpretativas – métodos: gramatical, lógico, sistemático, histórico, sociológico, teleológico e axiológico –, todavia se propõe um plus. Se na interpretação tradicional se enfatiza o sistema jurídico, que se vale da mera subsunção do caso concreto à norma geral e abstrata, na nova vertente, a interpretação é indutiva, pois à norma abstrata não se reconhece a previsão de todos os fatos jurídicos e a solução teórica dos conflitos litigiosos se dará a partir do fato concreto.

Logo, na interpretação do direito há uma lógica interpretativa construtiva, em que fica destacada a divergência na discussão sobre a interpretação do direito, que pelo método interpretativo possibilita dar os limites a sua abrangência.

Um julgamento interpretativo envolve a moral política, e o faz da maneira complexa que estudamos em vários capítulos. Mas põe em prática não apenas a justiça, mas uma variedade de virtudes políticas que às vezes entram em conflito e questionam umas às outras. Uma delas é a equidade: o direito como integridade é sensível às tradições e à cultura politica de uma nação, e, portanto, também a uma concepção de equidade que convém a uma Constituição. A alternativa ao passivismo não é um ativismo tosco, atrelado apenas ao senso de justiça de um juiz, mas uni julgamento muito mais apurado e discriminatório, caso por caso, que dá lugar a muitas virtudes políticas, mas, ao contrário tanto do ativismo quanto do passivismo, não cede espaço algum à tirania. (DWORKIN, 2003, p. 451).

Ronald Dworkin construiu um pensamento voltado à prática jurídica, portanto, direcionada a real efetividade do direito, móbil de suas referências são vívidas no direito norte-americano, onde o Poder Judiciário, através de seus Tribunais, possui ativa produção normativa, o que culmina chamar em ativismo jurídico, ou ativismo interpretativo, cujos limites se encontram nos ditames constitucionais. O sentido maior do método interpretativo é conferir a norma jurídica uma acepção mais consistente com as novas práticas jurídica.

É de se ponderar que o pensamento de Robert Dworkin se perfaz, como o próprio jusfilósofo destaca em suas obras, sob a órbita do mundo jurídico norte-americano, sendo assim, pela teoria interpretativa constitucional, seguindo a corrente do não-interpretativismo, isto é, corrente que defende que os intérpretes judiciais (os juízes) recorram ao texto constitucional na atribuição de sentido à Constituição, como as mudanças na realidade ou valores morais coletivos, propôs a teoria da leitura moral da constituição, na qual as cláusulas gerais do texto constitucional devem ser interpretadas de acordo com os valores morais sociais vigentes.

A teoria da leitura moral da constituição se aproxima da teoria hermenêutica concretizadora, desenvolvida na Alemanha, e que sublinha a criatividade do interprete entre o sistema jurídico e a realidade imperativa.

Aqui, a moral será entendida na sua forma mais ampla, no sentido ético. Não obstante, para Dworkin, “às vezes, porém, os juristas lidam com problemas que não são técnicos nesse sentido e sobre os quais não há consenso geral quanto ao modo de proceder. Um exemplo é o problema ético que se apresenta quando um jurista se pergunta não se uma lei particular tem eficácia, mas se é equânime” (2002.p.1).

Como característica do próprio Direito seriam as interpretações que se vertem sobre os fatos jurídicos, muito embora não neutras, mas rica da convergência dos membros da comunidade e dos próprios enunciados comprometidos com a visão do intérprete.

Propõe assim o pragmatismo nas decisões frente à prática jurídica, em oposição ao convencionalismo, cuja regra é pensar o direito na mera subsunção da norma e não nos seus reflexos para o futuro, para o sentimento de justiça social preeminente na decisão.

Segundo nossa apresentação abstrata, “conceitual”, da prática jurídica, uma pessoa tem a pretensão juridicamente protegida de ganhar um processo se esse direito decorrer de decisões políticas anteriores. O convencionalismo oferece uma teoria positiva, não cética, dos direitos que as pessoas possuem: elas têm como pretensões juridicamente asseguradas todos os direitos que as convenções jurídicas extraem de decisões políticas tomadas no passado (Dworkin, 2002, p. 186).

O pragmatismo da prática jurídica será evidenciado no pensamento de Dworkin, traduzida no que ele intitulou como “concepção cética do direito”, visto que, “rejeita a existência de pretensões juridicamente tuteladas genuínas, não estratégicas” (2002, p.195). Assim, o juízo ao julgar:

[…] tentaria encontrar o exato equilíbrio entre a previsibilidade necessária para proteger as valiosas instituições da legislação e do precedente e a flexibilidade necessária a si mesmo, e a outros juízes, para aperfeiçoar o direito através do que fazem no tribunal. Qualquer estratégia geral para chegar a isso seria provisória; um juiz pragmático estaria pronto a rever sua prática ao ampliar ou reduzir o alcance daquilo que considera como direitos, à medida que a experiência aperfeiçoasse os cálculos complicados dos quais dependeria qualquer estratégia desse tipo. (op. Cite, p.188).

No entanto, o pragmatismo desordenado não seria desejável, pois seria mero decisionismo, cabe assim observar os princípios de integridade (“virtude da integridade política” ou “moralidade política”) que permeiam tanto o processo legislativo como a decisão judicial, os quais seriam: “princípio da integridade na legislação, que pede aos que cria o direito por legislação que o mantenham coerente quanto aos princípios” e o “princípio de integridade no julgamento: pede aos responsáveis por decidir o que é a lei, que a vejam e façam cumprir como sendo coerente nesse sentido” (DWORKIN, 2002, p. 203). Deste último resultaria num terceiro sentido de Direito: direito como integridade, que pressupõe a personificação do particular na comunidade ou Estado e seu espeque nos princípios de equidade, justiça ou devido processo legal adjetivo, refletida na integridade política.

Um direito íntegro não é isento de conflitos, mas também não será simplesmente um projeto conciliador, portanto, tanto legislador como o intérprete jurisdicional deve guardar o mínimo de coerência com máximas que garantam ao cidadão individualmente considera do dentro da comunidade equidade, justiça ou devido processo legal.

Então, o direito não é esgotado por nenhum catálogo de regras ou princípios, cada qual com seu próprio domínio sobre uma diferente esfera de comportamentos. Tampouco por alguma lista de autoridades com seus poderes sobre parte de nossas vidas. O império do direito é definido pela atitude, não pelo território, o poder ou o processo. […]

A atitude do direito é construtiva: sua Finalidade, no espírito interpretativo, é colocar o princípio acima da prática para mostrar o melhor caminho para um futuro melhor, mantendo a boa-fé com relação ao passado. É, por último, uma atitude fraterna, uma expressão de como somos unidos pela comunidade apesar de divididos por nossos projetos, interesses e convicções. Isto é, de qualquer forma, o que o direito representa para nós: para as pessoas que queremos ser e para a comunidade que pretendemos ter. (DWORKIN, 1999, p.492).

Portanto, nos estudos de Dworkin, suas ações se encontram sobre dar solução a casos difíceis (hards cases) – àqueles que exigem mais que a simples subsunção da lei ao caso concreto –, pois se vê a necessidade de interpretação da norma positiva para não apenas oferecer uma resposta, mas que o seja o mais próximo do ideal correção ou Justiça, o que seria possível pela incidência das máximas da equidade (paridade na ação política como cidadão), justiça (aquilo que se demonstra, por sua época, ter maior coerência com sentido e efetividade da equidade e dignidade humana) e devido processo legal (que demonstra coerência entre o direito tutelado, as regras legais, o resultado prático esperado e o reflexo social do seu resultado).

Os princípios são satandarts (um padrão a ser observado), como as diretrizes políticas e outros fundamentos reconhecidos pelo direito que servem para solução de casos difíceis (hards cases). E os princípios possuem dimensões de pesos, os quais não se anulam ou invalidam quando incidente num mesmo fato jurídico, como ocorreria com as regras positivadas (normas regras), não obstante, haverá a consideração do peso de cada um, sendo os valores morais tomados como elementos do discurso jurídico.

 

  1. Os mandamentos de otimização de Robert Alexy

Com as dissertações Eine Theorie der Juristischen Agumentation (Uma Teoria da Argumentação Jurídica), que concedeu o título de PhD a Robert Alexy, em 1976, e Theorie der Grundrechet (Teoria dos Direitos Fundamentais), que concedeu ao filósofo do Direito alemão a habilitação como PhD, em 1984, apresentou ao universo jurídico a concepção teórica da ponderação dos direitos fundamentais, do discurso, da representação e jurisdição constitucional, na semiose do “constitucionalismo do discurso”, como preferiu denominar no direcionamento de seus estudos.

Para Alexy, definir, primeiramente, o Direito, é levar em conta três premissas: “da legalidade conforme o ordenamento, o da eficácia social e o da correção material. Conforme os pesos entre esses três elementos é repartido, surgem conceitos de direito completamente diferentes.” (2009, p. 15). Desta forma, esclarece: “minha tese afirma que existe uma conexão necessária entre direito e moral, em relação à qual o positivismo jurídico falha enquanto teoria abrangente” (2001, p. 289).

A partir de uma formulação matemática, principalmente de premissas de raciocínio lógico, direcionado à argumentação jurídica, buscou Robert Alexy o sentido do Direito, assumindo a teoria dos princípios e a teoria do discurso relevante importância. Afirma ainda que, o positivismo se firma na tese da separação, ou seja, moral não é direito, são conceitos distintos e extremos. E no não positivismo tem-se o contrário, se defende, pela tese da conexão, que elementos morais compreendem o conceito de Direito, sendo assim “possíveis as mais diversas interpretações e atribuições de pesos” (Op. Cite p. 290).

A ideia de conexão entre direito e moral teria como finalidade a pretensão de correção, com significado definitório para o sistema jurídico e qualificatório para o procedimento nele adotado.

Ainda, se faz distinção entre regra e princípio, inspirado na teoria do princípio, o classificando da seguinte forma:

Regras são normas que, cumpridas determinadas condições, comandam, proíbem ou permitem algo de forma definitiva ou atribuem poder para algo de forma definitiva. Elas podem então simplificadamente ser denominadas “comandos definitivos”. Sua forma de aplicação característica é a subsunção. Por outro lado, princípios são comandos de otimização. Enquanto tais, eles são normas que comandam que algo seja realizado na maior medida possível em relação às possibilidades fáticas e jurídicas. Isso significa que eles podem ser cumpridos em graus diversos e que a medida exigida de seu cumprimento depende não só das possibilidades fáticas, mas também das jurídicas. As possibilidades jurídicas do cumprimento de um princípio, além de serem determinadas por regras, são determinadas essencialmente por princípios opostos. Isso implica que princípios podem e precisam ser ponderados. A ponderação é a forma característica de aplicação dos princípios. (ALEXY, 2001, p. 307).

Portanto, se propõe como conceituação do Direito que:

O direito é um sistema normativo que (1) formula uma pretensão à correção, (2) consiste na totalidade das normas que integram uma constituição socialmente eficaz com termos globais e que no são extremamente injustas, bem como na totalidade das normas estabelecidas cm conformidade com essa constituição e que apresentam um mínimo de eficácia social ou de possibilidade de eficácia e no são extremamente injustas, e (3) ao qual pertencem os princípios e outros argumentos normativos, nos quais se apoia e/ou deve se apoiar o procedimento de aplicação do direito para satisfazer a pretensão à correção. (ALEXY, 2007, p. 151).

Os princípios, como mandamentos de otimização (Optimierungsgebot), dependem tanto das possibilidades fáticas como jurídicas para sua efetividade. E concluiu Robert Alexy que “toda norma é ou uma regra ou um princípio” (2015, p.91), assinalando que, num conflito de regras, uma prevalecerá sobre a outra por critério estabelecido em cláusula de exceção ou pela declaração de invalidade; quanto à colisão de princípios, um não anula o outro, ocorrerá que um princípio cederá ao outro, no sentido de precedência baseados em seu peso valorativo na solução do problema apoiado no sistema jurídico.

Dessarte, regras seriam normas definitivas e princípios seriam também razões ou direito de prima facie, os quais protegem os interesses individuais e interesses coletivos das sociedades, que possui uma relação de preferência para se tomar como direito definitivo.

Pontua o jusfilósofo que o princípio é utilizado na obra de Ronald Dworkin em seu conteúdo genérico, por isso, “é definido de forma mais restrita que essa [direito de prima facie]. […] Princípios são apenas aquelas normas que podem ser utilizadas como razões para direitos individuais. Normas que se refiram a interesses coletivos são por ele denominadas como “políticas”” (ALEXY, 2015, p. 116). Por essa razão se pode dizer que a tese de Alexy avança sobre a tese de Dworkin, no sentido de especialidade principiológica normativa.

Como esclarecimento, se acentuar que em Alexy, a diferença entre princípio e valor é evidenciada, isto porque princípio seria um conceito deontológico, dito um dever ser, por isso um mandamento de otimização e do qual interessa à Ciência do Direito; e valores são critérios de valorização (juízo de valoração), conceito axiológico, que pode ser determinado como: classificatórios (classificação entre bom ou ruim), métricos (ao objeto é atribuído um número que indica seu valor) ou comparativos (comparam-se dois objetos para dizer qual é o de maior valor). Entretanto, “a aplicação de critérios de valoração entre os quais é necessário sopesar corresponde à aplicação de princípios” (ALEXY, 2015, p. 150) e os juízos valorativos comparativos importam mais ao direito constitucional, porque a relação de suas normas e os critérios de valoração conduz à definição da relação entre princípio e valor.

Ademais, como mandamentos de otimização (comandos de otimização) – ordens para realização de possibilidades jurídicas e fáticas –, afirma-se que os princípios atuam dentre máximas, que demonstram que a própria norma fundamental também se acerca de conteúdo principiológico. Assim, pela máxima de proporcionalidade em sentido estrito, que seriam o sopesamento dos princípios, refere-se que este serão aplicado em decorrência das possibilidades jurídicas; e nas máximas da necessidade e adequação, atuam eles em face das possibilidades fáticas, referindo à utilização dos princípios – aqui o fato é jurídico, haja vista que se trabalha não com qualquer fato da vida, mas o que é relevante socialmente e juridicamente.

Logo, na Teoria do Discurso, de forma analítica, oferece um discurso procedimental prático racional para dar uma solução correta (ou verdadeira), ainda que não absoluta, aos problemas fáticos jurídicos, entendida através de princípios, regras e formas do discurso prático. Segundo Alexy,

Esse sistema compreende regras que exigem não-contradição, clareza de linguagem, certeza das suposições empíricas e sinceridade, bem como regras e formas que dizem respeito a consequências, ponderações, universalizabilidade e à gênese de convicções normativas. O núcleo procedimental consiste em regras que garantem liberdade e igualdade no discurso, através da concessão a todos do direito de participar no discurso e de questionar e defender qualquer afirmação. (ALEXY, 2001, p.360 e 361)

Ou seja, pela tese da argumentação jurídica procura-se a concretização da finalidade da correção do discurso. Portanto, todo argumento jurídico em Robert Alexy, apoiada na principiologia, de forma mais aprofunda, encontra sentido num mecanismo racional de interpretação jurídica que fuja da teoria normativa interpretativa, podendo aferi-la como uma teoria normativa argumentativa, composta por uma série de regras que definem o procedimento que uma argumentação deve seguir para ser considerada racional.

Princípio como ordem jurídica validades para sua efetividade, como as regras positivadas exigem métodos de aplicação ou de interpretação, assim, a ponderação de princípios é seu mecanismo, na qual se concebe graus de intensidade aos princípios conforme sua incidência sobre casos concretos tudo para alcança, com racionalidade, o mandamento de correção.

Na ponderação de princípios proposta, Robert Alexy asseverou:

Sua formulação original na Teoria dos Direitos Fundamentais reza: “quanto mais alto for o grau de não cumprimento ou restrição de um princípio, maior deve ser a importância do cumprimento do outro”. […] A fórmula do peso constitui a tentativa de uma representação matemática da estrutura da ponderação. Em ambos os lados da ponderação entre dois princípios P1 e P2 são identificados sempre três fatores: a intensidade da interferência, o peso abstrato dos princípios e a certeza das suposições empíricas sobre as quais a argumentação se apoia. (ALEXY, 2007, p. 420 e 421).

E na finalidade de correção, prossegue Alexy, no sentido que a argumentação jurídica, por mais abrangente que possa ser, ou oferecer ampla interpretação ao Direito, decorrente dos valores principiológicos, há nele elementos de restrição.

No que diz respeito à restrição eticamente imanente da lei moral, é necessário defender apenas uma tese: a de que, enquanto restrição a direitos fundamentais, a lei moral – não importa o que se entenda por essa expressão – nunca poderá ser uma cláusula totalmente independente de sopesamentos. Isso porque, de um lado, os próprios direitos fundamentais a serem restringidos contêm um conteúdo moral e, de outro, porque a lei moral, para que seja juridicamente relevante, tem que dizer respeito a relações entre indivíduos, bem como entre indivíduos e coletividade, o que significa que, para a sua aplicação em casos concretos, os sopesamentos são inafastáveis. (Alexy, 2015, p. 128 e 129).

Os elementos éticos (ou morais) amplia o conceito do Direito, voltam-se a própria validação e efetivação do Direito num ordenamento jurídico, e seu alcance é dosado pela ponderação de valores, sendo as máximas de proporcionalidade (Verhältnismäßigkeitsgrundsatz), adequação (Angemessenheitgrundsatz) e necessidade (Brauchengrundsatz), premissas que auxiliam para limitar a sua aplicação de modo a não se tornar uma referência de mera preferência do órgão judicante.

O mandamento de otimização é na Teoria da Argumentação Jurídica mecanismo voltado à interpretação jurídica objetiva da norma aplicada num discurso prático geral, procedimento legislativo, discurso jurídico e procedimento judicial.

 

  1. A Constituição do Brasil de 1988 e os princípios pelo STF

Desde 1988, na redemocratização do Brasil, à Constituição Federal promulgada foi predicada de “cidadã” pelo Presidente da Assembleia Constituinte, na época Presidente da Câmara dos Deputados, o ex-deputado federal, ex-senador e falecido político brasileiro Ulisses Guimarães. Tal adjetivação não era por menos, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como bem afirma Paulo Gustavo Gonet Branco: “restaurou a preeminência do respeito aos direitos individuais, proclamados juntamente com significativa série de direitos sociais” (MENDES; BRANCO, 2012, p. 155). Como as Constituições surgidas em mesmo período no mundo ocidental, a Constituição brasileira passou a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável de valores jurídicos suprapositivos, com ideais de justiça e de efetivação dos direitos fundamentais.

Nesse contexto, a Constituição que impulsiona a efetivação de valores maiores da sociedade, como a dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões – político, econômico, trabalho e social –, também impulsiona a uma interpretação normativa integrativa e qualitativa entre regras e princípios. Destarte, teorias do neoconstitucionalismo emergem como mecanismo de garantivismo e efetivação dos valores sociais maiores, através dos princípios e como indicativo das interpretações decisórias judiciais.

A revolução de paradigmática e pragmática no pós-positivismo se deve, entre outras, as teorias de Ronald Dworkin e Robert Alexy, o que não é difícil de se perceber tal influência direta sobre a hermenêutica no discurso jurídico, principalmente nas mais altas Cortes, entre elas a do Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF), os guardiões do texto constitucional.

Destarte, a Excelso Corte brasileira nos julgamentos dos últimos vinte anos vem se apoiando nessa nova roupagem social do neoconstitucionalismo e das premências do ativismo jurídico, como exemplo se cita alguns julgados relevantes da última década: reconhecimento da união estável entre casais do mesmo sexo (Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132), a autorização para interrupção da gravidez em situação de feto anencéfalo (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54), sobre a inelegibilidade de políticos com a “ficha suja” (Ações Declaratórias de Constitucionalidades n. 29 e 30 e Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4578) e a inconstitucionalidade do desindexador da economia Taxa Referencial como corretor monetário da inflação (Ações Declaratórias de Inconstitucionalidades n. 4357 e 4425).

Nota-se que nas linhas do pensamento (neo) constitucionalista o Juiz é chamado ao ativismo jurídico, podendo não aplicar a norma se ela não condissesse mais com o anseio social, fala-se na perda da eficácia social; da mesma forma poderá estender a interpretação das normas ou restringi-las; e, até mesmo, com o escopo de dar uma resposta justa aos jurisdicionado, com base em princípios basilares dizer-lhe o direito. No entanto, tal aspecto da judicatura brasileira ainda comedida, afinal de contas, nos 28 anos de Constituição pós redemocracia, assusta sopesar até onde alcança o standard do Poder Judiciário, para que suas iniciativas não correspondam em desrespeito ao Poder Legislativo, isto é, os limiares do princípio da separação de poderes.

Mas é preciso racionalizar, na melhor forma a proposta de Dworkin e Alexy, para que o direito não se transforme em mera resposta política, tendentes ao acolhimento de interesses desvirtuados e que não refletem no presente ou no futuro social. Não se trata de impor uma concepção própria sobre o fato, como temerosamente já aduziu Lenio Luiz Strenk. Não se pode ignorar que todo juiz, como ser humano, possui opiniões, fruto de sua experiência: profissional, pessoal e social, que, numa menor ou maior medida, pode influenciar seu julgamento. Importa saber é a conjugação do conhecimento vivido com a ponderação de valores esboçados pela sociedade, outros pontos de vistas sobre o fato jurídico, outros pensamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre fatos jurídicos semelhantes contribuindo para uma decisão legitimada, sob o mínimo de três máximas: dignidade da pessoa humana, equidade e liberdade. Processo esse que deve refletir também nos processos legisferantes.

Não será demais ainda frisar que, qualquer ativismo deve guardar, repita-se, proporcionalidade e racionalidade, para que não se incorra nas injustiças, pela utilização inadequada da liberdade de julgar, com cláusulas aberta ou principiológica, ou por se afastar resposta aos casos difíceis ao restringir a interpretação exclusivista de normas rígidas e positivadas (máximas definitivas).

 

CONCLUSÃO

O mérito da filosofia do direito no pós-positivismo foi dar voz aos clamores sociais e ao sopesamento das intenções e interações. Não tange ao Direito separar, mas unir a sociedade em prol de seu próprio desenvolvimento sustentável e a nova ordem estabelecida seja jurídica, política, econômica, ou social. Não é só promover a reflexão sobre os objetivos e o lugar que ocupa o ser humano como sujeito de valores e autor de transformações em seu habitat, mas como dar concretude a esse pensamento sem que um indivíduo não suplante a existência de seu semelhante e a sociedade não se torne autodestrutiva.

Kelsen, quando idealizou a sua pirâmide da norma hipotética fundamental, na Teoria Pura do Direito, em seu topo colocou a Constituição, dessa forma expressava ser ela a Maxima Lex que daria validade da ordem jurídica inteira, no entanto, seu espírito estava imbuído pela concepção de validade, isto é, o ato jurídico seria simultaneamente a aplicação de uma norma superior e a produção de uma norma inferior, regulada por aquela. Portanto, a norma constitucional não se efetivava sozinha.

No pós-positivismo a norma Constitucional não organiza apenas a estrutura do Estado e de seu ordenamento jurídico, suas normas serão pragmática, e terá forte carga valorativa com o objetivo de alcance da finalidade social de toda a estrutura do Estado, promover Justiça e garantir segurança jurídica.

Percebe-se grande conectividade entre a tese de Robert Alexy e Ronald Dworkin, o que nos leva a afirmação que uma completa a outra. O traço de ligação entre os dois pensadores do Direito é a aceitação dos princípios como premissas fundamentais, superando seu caráter meramente hermenêutico para integração da norma positivada, e o foco na interpretação do direito numa nova dinâmica.

Com toda a expressão principiológica de Alexy, como de Dworkin, o que se pretende é a determinação de critérios para soluções de problemas fáticos jurídicos, sendo que neste, sua tese permeia na estruturação da intepretação jurisdicional, por isso, tem-se como relevante os princípios atuantes no caso concreto com os mesmo poderes normativos da norma jurídica positivada, mas como cláusulas abertas que possibilitam maior flexibilidade na sua aplicabilidade, seja extensiva e restritiva, para corresponder como anseios sociais evidentes.

Nesse contexto, admite-se um Poder Judiciário atuantes como juízes pró-ativos (ativistas) focados, não apenas na mera aplicação da lei, mas na promoção da Justiça, que figura no imperativo de segurança jurídica.

E em Alexy pode se dizer que se acrescenta a dimensão argumentativa na compreensão do funcionamento do Direito, sendo princípios normas de ordem entre possibilidades jurídicas e fáticas e criando um método de abordagem matematicamente verificável em conceitos lógicos racionais.

Evidencia-se nos estudos de Dworkin que não há motivos para tratar com diferença princípio da norma positivada, não consideraram a ponderação de valores entre eles, como no método de interpretação idealizada por Robert Alexy, mas procurou demonstrar que, pelas máximas da equidade (paridade na ação política como cidadão), justiça (aquilo que se demonstra, por sua época, ter maior coerência com sentido e efetividade da equidade e dignidade humana) e devido processo legal (que demonstra coerência entre o direito tutelado, as regras legais, o resultado prático esperado e o reflexo social do seu resultado).

No Brasil, especificamente, verifica-se que os pensamentos destes dois jusfilósofos vêm sendo reverenciados, não só pela doutrina pátria, mas também pelo Poder Judiciário. Tomando como referência julgados importantes desta última década do Supremo Tribunal Federal, não é possível negar a eloquência das teorias de Alexy e Dworkin e o impacto no mundo jurídico, já que suas teses transcendem os sistemas jurídicos de seus países, respectivamente Alemanha e Estados Unidos da América. E no Brasil é possível perceber um crescente terreno fértil para expansão das discussões sobre o Direito – normas regras, normas princípios, aplicação, alcance, conteúdo, validade e efetividade – em decorrência, principalmente, carga principiológica da Constituição Federal de 1988 combinados com os anseios sociais de uma nação repleta de potenciais sociais e econômicos.

 

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Âmbito Jurídico

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