O papel da pena diante do sistema prisional e da sociedade atual

Resumo: A pena surge a partir do momento em que o homem necessita de regulamentações com relação as suas atitudes e as relações sociais, caracterizando assim se a conduta deve ou não, ser punida ou não dentro destas relações. Este estudo aborda exatamente a questão das penas, partindo desde sua origem e conceito, passando pela sua evolução chegando ao objetivo principal que é confrontar estes aspectos com a reflexão de que as penas mais rígidas não resolvem, ao contrário tornam o sistema penal cada vez mais frágil. É necessário que ocorra a conscientização da sociedade de que é preciso fazer mais do que apenas presídios, é de fundamental importância parar e refletir sobre formas de tornar realmente aplicável e efetiva as penas, atingindo-se assim a conduta ilícita do criminoso e também repercutindo a prevenção de novos delitos.  


Palavras–chave: Pena. Ressocialização. Conduta ilicita.


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Abstract: The penalty arises from the moment that humanity needs to regulations regarding their attitudes and social relations, characterizing whether or not the conduct should be punished or not within these relationships. This study addresses precisely the question of penalties, starting from its origin and concept, through its evolution reaching the main goal which is to confront these issues with the reflection that tougher penalties do not solve, unlike the criminal justice system become increasingly fragile. Must occur to raise awareness in society that it must do more than just prisons, it is fundamentally important to stop and reflect on ways to make really effective and applicable penalties, reaching well wrongful conduct of the criminal and also reflecting the prevention of further crimes.


Keywords: Penalty. Resocialization. Unlawful conduct.


“Não é o rigor do suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo, o zelo vigilante do magistrado e essa severidade inflexível que só é uma virtude no juiz quando são brandas. A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade.” (Beccaria, C.)


Breve Analise sobre a História das Penas


1. Introdução


O direito penal e mais particularmente as penas estão no cotidiano da aplicação do Direito, são estas medidas que a sociedade encontra para manter a ordem com relação aos atos ilícitos que possam causar dano ao convívio social.


O presente estudo tem como principal objetivo a ênfase exatamente em observar e analisar a história das penas desde a antiguidade até os dias atuais, pontuando os aspectos mais importantes dentro de cada período histórico.


Apresenta-se inicialmente um apanhado da origem da pena, em seguida são analisados então a evolução do papel da pena na sociedade no decorrer dos séculos e a sua verdadeira aplicação no atual cenário brasileiro.


Com o intuito de realizar um trabalho que possa mostrar a evolução pela qual passou a pena desde as primeiras realidades até os entendimentos realizando um pensamento critico a respeito das fases da pena, visando entender o seu verdadeiro papel e função dentro da sociedade. 


2. Breve estudo sobre a origem e história das penas


2.1 Origem da Pena


A origem das penas se perde no tempo, sem duvida é muito remota, “sendo tão antiga quanto a humanidade. Por isso mesmo é muito difícil situá-la em suas origens”.[1] A pena surge no momento em que surgem as relações sociais entre os indivíduos.


Sendo que, com a presença de outra pessoa, acaba gerando a necessidade de se criar regras mínimas de delimitação de espaço e também do que é permitido ou proibido, bem como suas conseqüências.


A respeito do surgimento das primeiras penas o referido autor menciona que “é plausível que as primeiras regras de proibição e, conseqüentemente, os primeiros castigos (penas), se encontrem vinculados às relações totêmicas.”[2]


Sabe-se que a pena nasceu junto com o próprio homem no momento em que este começa a se relacionar com outros indivíduos, mas interessante é o entendimento e explicação de crime e origem da pena dado por Julio Fabbrini Mirabete[3]:


“Não se pode falar em um sistema orgânico de princípios penais nos tempos primitivos. Nos grupos sociais dessa era, envoltos em ambiente mágico (vedas) e religioso, a peste, a seca e todos os fenômenos naturais maléficos eram tidos como resultantes das forças divinas (totem) encolerizadas pela prática de fatos que exigiam reparação. Para aplacar a ira dos deuses, criaram-se séries de proibições (religiosas, sociais e políticas), conhecidas por “tabu”, que não obedecidas, acarretavam castigo. A infração totêmica ou a desobediência tabu levou a coletividade à punição do infrator para desagravar a entidade, gerando-se assim o que, modernamente, denominamos de crime e pena. O castigo a pena, em sua origem remota, nada mais significava senão a vingança, revide à agressão sofrida, desproporcionada com a ofensa e aplicada sem preocupação de justiça.”         


Mais tarde, com a diversidade das tribos surgiram então duas espécies de penas, a de perda da paz e a pena de vingança do sangue, que conforme o autor Julio Fabbrini Mirabete[4], “evoluíram para o talião e a composição.”


Dado a idéia de castigo que a pena possuía como ideal, nas antigas civilizações eram aplicadas à pena de forma bastante abusiva, com a de morte, passando pelo patrimônio do infrator alcançando até mesmo os seus descendentes.


Desta forma, pode-se inicialmente já observar que a pena em sua origem surge de forma impensada e cruel, não possuindo limites, mas começam a despontar pensadores a respeito do verdadeiro significado da pena, como demonstra o autor Julio Fabbrini Mirabete, a respeito das penas na história:


“Mesmo na época da Grécia Antiga e do império Romano, predominavam a pena capital e as terríveis sanções do desterro, açoites, castigos corporais, mutilações e outros suplícios. No meio de tanta insensibilidade humana, porém, já Sêneca pregava a idéia de que se deveria atribuir à pena finalidades superiores, como a defesa do Estado, a prevenção geral e a correção do delinqüente e, embora nos tempos de solo e Anaximandro a pena fosse considerada como castigo, na Grécia Clássica, entre os sofistas, como Protágoras, surgiu uma concepção pedagógica de pena. Por vários séculos, porém, a repressão penal continuou a ser exercida por meio da pena de morte, executada pelas formas mais cruéis, e de outras sanções cruéis e infamantes”.   


O autor José Antonio Paganella Boschi[5], dá um exemplo da forma como se deu o surgimento das primeiras regras de convivência e a partir daí o surgimento de penas para quem desregulasse as determinações:


“Enquanto só, o homem não precisa de Códigos de conduta. Se Robinson Crusué, ao salvar-se do naufrágio, por exemplo, se pusesse a pensar na beira da praia em um modelo de direito penal para a sua ilha deserta, pouca ou nenhuma utilidade teria esse esforço, a não ser depois da chegada do novo amigo, Sexta-feira (o Alter), com quem ele passaria a conviver, sem chance de destacar plenamente os riscos de que um interferisse na esfera da liberdade do outro.”


Assim, pode-se perceber a importância que é dada à pena, pelo fato desta em conjunto com o Direito tentar manter a organização e o controle das relações sociais.


1.2 Conceito de pena


A respeito da origem da palavra pena muitos estudiosos[6] entendem que a palavra pena, viria do latim poena, significando castigo, ou ainda do latim punere (por) e pondus (peso), trazendo o sentido de peso de contrabalançar os pratos da balança da Justiça.


O conceito de pena não é algo muito simples de expressar, principalmente em tempos em que discute muito o conceito, o caráter e a verdadeira função da pena.


Na verdade a pena deriva de uma ação penal, onde o Estado impõe ao condenado uma sanção patrimonial e pecuniária ou de sua liberdade, como retribuição pelo ato ilícito apurado e sentenciado, tendo esta o intuito de se evitar novos delitos.


Conforme ainda determina o artigo 59, caput, do Código Penal:


“Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:”


Assim pode se perceber que o artigo apresenta exatamente a natureza mista da pena, sendo ela retributiva por ocasião do delito cometido e preventiva no momento que pelo menos tenta, com a aplicação desta, uma prevenção daquele tipo de crime cometido.  


Dando um conceito à pena o autor Aníbal Bruno[7], conceitua esta como “a sanção, consistente na privação de determinados bens jurídicos, que o Estado impõe contra a prática de um fato definido na lei como crime.”


Já o autor Franz Von Liszt[8] define a pena como um “mal, que, por intermédio dos órgãos da administração da justiça criminal, o Estado inflige ao delinqüente em razão do delito.”


Entre os doutrinadores internacionais encontra-se a definição de pena por Jeremias Bentham[9], como sendo “um mal legal que deve recair acompanhado das formalidades jurídicas, sobre indivíduos convencidos de terem feito algum ato prejudicial, proibido pela lei, e com o fim de se prevenirem semelhantes ações para o futuro.” 


Ainda em doutrina estrangeira o autor Fillipo Grispgni[10], coloca que pena “é a diminuição de um ou mais bens jurídicos, infligido ao autor de um ilícito jurídico pelos órgãos jurisdicionais adequados.”


Desta forma a pena pode ser vista como uma conseqüência jurídica, sendo um mal que se impõe a quem descumpre uma norma ou comete um ato ilícito, tendo assim os seus bens jurídicos diminuídos na proporção dos seus atos, visando que não se propague determinada atitude.


2.2 Evolução histórica da pena


O estudo que se faz entorno da questão da evolução da pena procura trilhar o caminha desta desde os primórdios das civilizações até os dias atuais como forma de abordar os pontos mais importantes que evoluíram durante os séculos, como passa-se a abordar.


Interessante é a classificação que o autor Pedro Rates Gomes Neto[11] faz a respeito dos períodos de evolução da pena, distribuindo da seguinte forma: “vingança privada, vingança divina, vingança pública, período humanitário, período científico e período da nova defesa social.”


Desta forma, para efeitos de melhor expressar o tema proposto, se analisa os já citados períodos de forma breve, procurando salientar, como colocado, os pontos mais importantes.


2.1.1 Período da vingança privada


Este período é o mais primitivo pelo qual já passou a pena, sendo que esta era usada unicamente com o intuito de vingança e não guardava qualquer relação entre a pessoa do criminoso e o crime cometido.


Dentro do período em estudo a pena era usada da forma mais cruel e ampla possível, Walter de Abreu Garcez[12] comenta como eram tratados o ofensor e seus familiares, mencionando:


“Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, ocorria a reação da vitima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção à ofensa, atingindo não só o ofensor, como também todo o seu grupo. Se o transgressor fosse membro da tribo, podia ser punido com a “expulsão da paz” (banimento) que o deixava a mercê dos outros grupos, que lhe infligiam, invariavelmente, a morte. Caso a violação fosse praticada por elemento estranho à tribo, a reação era a da vingança de sangue, considerada como obrigação religiosa e sagrada, verdadeira guerra movida pelo grupo ofendido àquele a que pertencia o ofensor, culminando, não raro, com a eliminação completa de um dos grupos.”    


A fase da vingança privada por que passou a pena á algo impensável, devido ao desequilibro que existia entre a conduta do delinqüente e  a pena aplicada a ele, a pena era tida como forma de vingança reduzindo a nada tribos e grupos por fatos muitas vezes isolados ao contexto do grupo social.


Ainda sobre o referido período, o autor Pedro Rates Gomes Neto[13], desenvolve o seguinte pensamento:


“Trata-se da lei do mais forte, ficando sua extensão e forma de execução a cargo da pessoa do ofendido. O transgressor poderia ser morto, escravizado ou banido. A pena ultrapassava a pessoa do infrator para se concentrar em sua família ou inteiramente em sua tribo, com a total dizimação desta, não se importando com a figura da culpa.”


Na verdade este período é visto como um momento em que a pena era utilizada como instinto de defesa aliado a punição e ao castigo. Evidentemente que a pena imposta neste momento histórico é por demais severa, o que a evolução, segundo o já referido autor Pedro Rates Gomes Neto[14], tratou de certa forma amenizar com a pena de Talião[15] e depois com a composição.


Nesta época as punições eram aplicadas de forma igual ao crime cometido, como por exemplo, segundo o Código de Hammurabi, se alguém tirar um olho de outro, perderá o seu também de forma igual ou ainda se um mestre de obras não construir solidamente uma casa e esta, se ruir matando o proprietário ou o seu filho, da mesma forma o construtor será morto ou o seu filho.


Com a composição os crimes mais horrendos passaram a ser reparados por meio de pecúnia, passando o infrator a ter que indenizar a vitima na proporção do mal causado, Julio Fabbrini Mirabete complementa:


“Surge a composição, sistema pelo qual o ofensor se livraria do castigo com a compra de sua liberdade (pagamento em moeda, gado, armas). Foi a composição largamente aceita pelo Direito Germânico, sendo a origem remota das formas modernas de indenização do Direito Civil e da multa do Direito Penal.” 


Dentro do mesmo contexto da composição o autor Roberto Lyra[16], preleciona:


“O “você me paga”, “pagar com a mesma moeda”, são “corruptelas histórico-culturais” dos dias de hoje derivadas da época da composição, inclusive temos hoje no ordenamento jurídico-penal a Lei nº. 9.099/95, que permite a composição, ou seja, o crime praticado pelo infrator, após transacionado com membro do Ministério Público, seja reparado com pena pecuniária.”  


Desta forma identifica-se que ainda nos dias atuais encontramos resquícios das primeiras formas de aplicação da pena, sendo que foi a partir da composição que a pena foi individualizada.


2.1.2 Período da vingança divina


Neste período a pena era vista como uma forma de demonstrar a ira divina e regenerar a alma do infrator, esta fase pela qual passou a pena pode ser demonstrada pela passagem referida pelo autor Pedro Rates Gomes Neto[17]:


“Apesar do funcionamento filosófico da punição ser altruísta, a história da humanidade ai um período perverso, de muita maldade. Em nome dos deuses, praticaram-se monstruosidades e iniqüidade. Trata-se de um período degradante, inspirado em princípios religiosos fanáticos.”


Fica explicito com a citação do autor, que a pena no período citado era atribuído com o fim de provocar e fazer maldade ao delinqüente, como forma de vingança atribuindo a ordem aos deuses.


O direito vem desde o período anterior demonstrando ligações com o castigo e a vontade dos deuses, pois deveria reprimir o crime como satisfação aos deuses pela ofensa praticada no grupo social.


Julio Fabbrini Mirabete[18], complementa a respeito do período da vingança divina:


“O castigo, ou oferenda, por delegação divina era aplicado pelos sacerdotes que infligiam penas severas, cruéis e desumanas, visando especialmente à intimidação. Legislação típica dessa fase é o Código de Manu, mas esses princípios foram adotados na Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livros das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel (Pentateuco).”


Nota-se que a pena neste período já é aplicada de forma mais restrita, mas a monstruosidade com que é demonstrada com o fim de regenerar a alma do individuo é algo que exige reflexões, mas que apenas passam a ter sentido a partir do período humanitário no século XVIII. 


2.1.3. Período da vingança pública


Devido aos requintes de maldade que a pena carregou nos dois períodos já mencionados, fez com que o Estado, então mais forte recolhesse a responsabilidade pelo direito de punir, ou seja, jus puniendi.


Assim, o direito de punir passando para as mãos do Estado começou a ser regulamentado, mas pouca coisa mudou, segundo o autor Pedro Rates Gomes Neto[19] ainda conservava-se “o talião, a composição e a própria vindita. Todavia não mais ao critério da vítima.”


Assim a punição continuava da mesma forma cruel e desproporcional, “uma retrospectiva das espécies adotadas anteriormente”[20], como se observa na China onde o dona da casa poderia matar o ladrão que fosse encontrado furtando, o que em termos é aceito pela legislação penal brasileira com relação a legitima defesa própria e de patrimônio.[21] Na maioria dos paises como Grécia, Roma, Itália a pena de morte era uma das principais a serem aplicadas, ainda haviam as penas de mutilação e escravidão por divida.


Em Roma havia até mesmo modos de aplicação da pena diferenciados conforme a classe social do infrator “em certa época, a pena de morte se dava da forma seguinte: para os patrícios, decapitação; para os plebeus, morte degradante; para os escravos crucifixão.”


Neste mesmo período na França as penas eram por demais exageradas e horríveis, sendo que tudo ocorria aos olhos do povo, entre as que chamam mais a tenção estão   


2.1.3.1 A Pena de prisão na época da vingança pública


O autor Luis Garrido Guzman[22] aponta que na antiguidade a pena de privação de liberdade era desconhecida, ao passo que mesmo que houvesse o encarceramento, este não tinha a função de pena e repousava em outras razões.


Durante este período os delinqüentes eram apenas eram guardados para aguardarem o julgamento sendo que as principais aplicações penais eram a pena de morte, a pena corporal e a pena infamante.


Hans von Hentig, destaca alguns aspectos das prisões na época da antiguidade:


“A prisão era uma espécie de ante-sala de suplícios. Usava-se a tortura, freqüentemente, para descobrir a verdade. As masmorras das casas consistoriais e as câmaras de torturas estavam umas ao lado das outras e mantinham os presos até entregá-los ao Monte das Orças ou às Pedras dos Corvos, abandonando, amiúde, mortos que haviam sucumbido à tortura ou à febre do cárcere. A prisão foi sempre uma situação de grande perigo, um incremento ao desamparo e, na verdade, uma antecipação da extinção física”.             


Percebe-se que na antiguidade a prisão era usada como uma espécie de deposito de delinqüentes que aguardavam o seu julgamento e a aplicação da pena, seja de morte, corporal ou infamante.


Da mesma forma explicita o autor Cezar Roberto Bitencourt[23]:


“Podem-se encontrar certos resquícios de pena privativa de liberdade fazendo um retrospecto da história em suas diferentes etapas até o século XVIII, porém, durante vários séculos, a prisão serviu de depósito contenção e custódia da pessoa física do réu, que esperava, geralmente em condições subumanas, a celebração de sua execução.” 


  Até mesmo em tempos mais remotos, como na Grécia a finalidade da prisão era a custodia e a tortura, Luis Garrido Guzman[24] menciona que a Grécia, ou mais exatamente a civilização helênica, desconheceu a privação da liberdade como pena.


Contardo Ferrini[25] menciona que até mesmo os romanos não reconheceram a prisão, o encarceramento como pena e sim como custódia, coloca também que “nem o direito da época republicana nem o da época do império conheceram a pena de prisão e ainda em no direito Justiniano considerava-se como inadmissível e ilegítima uma condenação judicial à prisão temporal ou perpétua.”


Do atual período estudado esperava-se mais seriedade, organização e maior consciência na aplicação da pena, mas continuou a se verificar foi uma barbárie, o que ocasionou então a revolta por esta situação, gerando um movimento denominado humanitário.


2.1.4 Período Humanitário


Para que melhor seja entendido o objetivo que os seguidores deste período buscavam, cita-se interessante passagem do já referido autor Pedro Rates Gomes Neto[26], com relação aos verdadeiros motivos que levaram a reivindicação deste movimento:


“O povo, o mundo assistia, calado, a uma verdadeira atrocidade. Criavam-se fórmulas as mais imagináveis e cruéis possíveis, para a execução dos transgressores. Uma vez sentenciado, o homem deixa de ser humano. Passa a ser tratado como animal. Talvez, como um animal de maior espécie, seu corpo é objeto se seviciais, as mais impressionantes. E tudo é feito não só para afligir, senão também para humilhar ou como mero divertimento. Não bastava expor o homem a dor física. Era preciso que ele também se compadecesse moralmente. Mas o que mais impressiona é que o povo a tudo aplaudia.”


 Foi a partir deste cenário desumano e sangrento que começou a luta contra a monstruosidade que era a aplicação das penas, que teve como principal ponto de representatividade a obra Dei Delitti e Delle Pene, ou seja, Dos delitos e das Penas de Cesare Bonesane, Marquês de Beccaria.


É dentro da obra de Beccaria que começa o fervor de idéias com relação ao período, expondo as razões de sua obra:


“Fragmentos da legislação de antigo povo conquistador, reunidos por ordem de um príncipe que reinou, em Constantinopla, há doze séculos, juntados depois costumes dos lombrados e amortalhados em volumoso calhamaço de comentários pouco incorrigível são antigo acervo de opiniões que uma grande parte da Europa prestigiou com o nome de “leis”; e ainda hoje, o prejuízo da rotina, tão nefasto quanto difundido, faz com que uma opinião de Carpozow, uma velha prática preconizada por Claro, um suplício que Franscisco imaginou como bárbara complacência, continuem  sendo orientações friamente seguidas por esses homens, que deveriam tremer ao decidirem da vida e da sorte de seus concidadãos. É esse código sem forma, produto monstruoso de séculos mais bárbaros, que desejo examinar nesta obra.”       


Como na exposição de motivos de sua obra Beccaria abordou em seu pensamento questões de grande relevância, como, por exemplo, o entendimento de que o juiz somente poderia aplicar pena se fundamentada em lei, devendo este interpretá-la de forma a não cometer abusos.


 Com a contribuição deste ilustre autor aos poucos as penas de morte, corporais e infamantes, foram sendo abolidas, no lugar destas surgem as penas privativas de liberdade e os presídios com o objetivo de ressocializar e reintegrar os presos à sociedade após o cumprimento da pena.


No mesmo período na Inglaterra surge John Howard[27], preocupado com a humanização do sistema penitenciário, após ser preso passou a se dedicar a este fim, sendo que foi eleito sheriff em 1773, do condado de Bedford.


Este humanitário trouxe algumas contribuições com as idéias de seu livro State of Prisions, onde basicamente relata o que passou na prisão e o que deveria ser alcançado para um melhor ambiente nestas, sendo que as suas principais reivindicações eram: hieginização e alimentação adequados, ensinamento de educação moral e religiosa e obrigatoriedade de trabalho e ensino profissional.


Oportuno observar que em pleno século XXI, as mesmas questões levantadas em 1773, são quase as mesmas, o que demonstra total retrocesso da aplicação responsável das penas e de um sistema prisional adequado.


2.1.5 Período Científico


Segundo o autor Pedro Rates Gomes Neto[28] coloca que este período se convencionou com esta denominação por questões pedagógicas.   


Neste período a pena deixa de lado a idéia de ser uma proteção jurídica da vítima para com o delinqüente, passando a pena para a questão da qualidade do delito e variando de acordo com a intensidade deste.


Desta forma, este período vê o delito “considerado como um fato individual e social, representando um sintoma patológico de seu autor. Por isso, a pena passa a atuar como um remédio, não mais como um castigo.”[29]


Mas com o advento da Primeira Guerra Mundial, desaparece a União Internacional de Direito Penal, surgindo assim os regimes do fascismo, nazismo e comunismo, ameaçando os Direitos Humanos e restabelecendo penas cruéis como a pena de morte, na Itália.


Com a Segunda Guerra Mundial, termina o então período científico e surge o período atual chamado de Nova Defesa Social.


2.1.6 Período da Nova defesa social – período atual


Este período teve seu início em 1945 com o professor Filippo Gramática, ao fundar o Centro de Estudos da Defesa Social, que visava o estudo dos diversos tipos de delinqüentes, suas causas e responsabilidade penal.


O autor Evandro Lins da Silva[30], define o movimento representado neste período:


“O Movimento de Defesa Social não tem propriamente uma unidade de pensamento, nem está filiado a qualquer escola filosófica. Ele tem uma concepção crítica do fenômeno criminal e o acompanha e estuda nas suas transformações, nas suas causas, nos seus efeitos, entendendo-o como resultado de uma diátese social, que deve ser curada racionalmente, através de uma política que respeite a dignidade da pessoa humana e resguarde os direitos do homem. Ele tem uma posição reformista quanto à atividade punitiva do Estado, que há de ser exercida de modo não dogmático, mas dentro de uma visão abrangente dos conhecimentos humanos. O movimento, como já notamos, repudia o álgido tecnicismo jurídico e, por isso, entende que a lei não é a única fonte do direito, mormente na sua aplicação.”   


Marc Ancel[31], autor e seguidor de Filippo Gramática, fundador do Centro de Estudos da Defesa Social, prega o sentido que envolve esta escola:


“Uma confiança no destino do homem, uma proteção do ser humano, uma reação contra a repressão cega, uma preocupação de humanizar as instituições penais e de assegurar a recuperação social daquele que se tenha desviado para a delinqüência.”


Basicamente este período contempla a idéia de que a pena serve de proteção à sociedade, também de reeducação do delinqüente através de um processo e um tratamento penal mais humano.


O contrário acontece atualmente entre as decisões que aplicam ou analisam as penas e a realidade do sistema penal e prisional, como se observa de algumas decisões que aplicam doutrinas e posicionamentos que não condizem com a situação atual de caos prisional, onde o condenado é duplamente apenado primeiro com a pena objeto da condenação e segundo com a discriminação e a sua exclusão do meio social, como a seguir citada:


“EXECUÇÃO. REMIÇÃO. CONTAGEM. Como destacou o Magistrado, decisão que se colhe, O sistema informatizado do Tribunal de Justiça adotou a tese de que a remição representa pena efetivamente cumprida. A matéria já foi examinada pelo e. Superior Tribunal de Justiça que se alinhou com a posição mais favorável ao condenado, reconhecendo que a o instituto da remição deve ser entendido como pena efetivamente cumprida. Tendo a pena criminal, em nosso sistema, como função precípua à reeducação do condenado e sua integração no convívio social, as regras que informam a execução penal devem ser interpretadas em consonância com tais objetivos. Dentro dessa visão teleológica, a remição pelo trabalho, segundo o modelo do art. 126, da Lei de Execução penal, deve ser compreendida na mesma linha conceitual da detração penal, computando-se o tempo remido como tempo de efetiva execução da pena restritiva de liberdade. DECISÃO: Agravo ministerial desprovido.”[32]


As decisões deveriam ser mecanismos de repreensão dos crimes, mas também de socialização do condenado, o que na realidade não ocorre, mesmo assim continua-se a agir da mesma forma, por que agrada a sociedade o fato da punição, como sempre ocorreu durante todo o período histórico.


Na verdade esta dura realidade não apenas aflige e corrompe quem é diretamente atingido pela pena, mas ao mesmo tempo está a se construir um grupo de pessoas excluídas e marginalizadas, sem futuro algum, por não encontrar meios de recuperar o seu caráter e a sua cidadania.


O objetivo do período em foco é o de buscar uma maneira de ressocializar o condenado de modo a levar em conta a proteção aos Direitos Humanos, à dignidade da pessoa humana e também a sociedade como um todo.


CONCLUSÃO


Com relação ao tema do presente trabalho é oportuno colocar que não se pretendeu aqui esgotar o tema, pelo contrário, seriam necessárias várias laudas para desenvolver de forma mais significativa o tema tão real a toda a sociedade.


Viu-se que as penas surgem no momento em que o homem se relaciona em sociedade e que assim também advém regras a serem cumpridas para o bom convívio e as penas para castigar quem viola o sistema social.


As penas no decorrer dos séculos evoluíram muito, sendo inicialmente usada apenas a titulo de vingança, passando pelo período humanitário onde a sociedade através de pensadores como Cesare Beccaria começaram a ver a necessidade de amenizar a crueldade da pena, terminando com a análise do período atual da nova defesa social.


O propósito de analisar primeiramente o conceito e evolução das penas para então, após, desenvolver a temática proposta, procurou demonstrar como a pena evolui e que mesmo assim, hoje, não atende mais as necessidades da sociedade e dos apenados, a rigidez das penas não gera mudanças, ao contrário corrompe as esperanças do individuo de possuir um futuro melhor. 


As penas sofreram mudanças significativas ao longo dos tempos, mas continuam, no atual momento, necessitando de muitas reflexões principalmente no que se refere às formas de pena e sua aplicação.


A necessidade de um novo modelo penal, onde seja concreta e eficaz a consciência da sociedade em ressocializar e reeducar o apenado para novamente introduzi-lo nesta, é o primeiro passo para que tudo comece a mudar.


 


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Notas:

[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão causas e alternativas. São Paulo: Saraiva, 2001, 3.

[2] Ibidem, p. 118-119.

[3] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 35.

[4] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 243.

[5] BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2003, p. 93.

[6] LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1955. p. 28; PIMENTEL, Manuel Pedro. Estudos e pareceres de Direito Penal, São Paulo: RT, 1973. p. 17; BOUÇAS, Custódio de Azevedo. Verbete Pena, enciclopédia Saraiva do Direito, São Paulo: Saraiva, 1981. p. 399.

[7] BRUNO, Aníbal. Direito penal. 3. ed. São Paulo: Forense, 1967, tomo 3. p. 22.

[8] LISZT, Franz Von. Tratado de Direito Penal Alemão. Traduzido por José Hygino Duarte Pereira, Rio de janeiro: Briguiet, 1899, tomo I, p. 400.

[9] BENTHAM, Jeremias. Teoria das penas legais. São Paulo: Logos, [S.d.]. p. 17.

[10] GRISPGNI, Fillipo. Derecho Penal Italiano. Traduzido por Isidoro de Benedetti. Bueno Aires: Depalma, 1949. p. 6.

[11] GOMES NETO, Pedro Rates. A prisão e o sistema penitenciário: uma visão histórica. Canoas: Editora da ULBRA, 2000, p. 22.

[12] GARCEZ, Walter de Abreu. Curso básico de direito penal: parte geral. São Paulo: José Bushatsky, 1972, p. 66.

[13] Ibidem, p. 23.

[14] GOMES NETO, Pedro Rates, 2000, Ob. Cit. p. 23.

[15] O autor Roberto Lyra (em seu livro Direito Penal Normativo, Rio de Janeiro: Konfino, 1975, p. 6), ensina que o Talião não é nome de pessoa, vindo do Latim talis e significa tal, semelhante, igual.

[16] LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 13.

[17] GOMES NETO, Pedro Rates, 2000, Ob. Cit. p. 25.

[18] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 36.

[19]GOMES NETO, Pedro Rates, 2000, loc. Cit.

[20] GOMES NETO, Pedro Rates, 2000, Ob. Cit. p. 25.

[21] Código Penal art. 25 e Código Civil art. 502.

[22] GARRIDO GUZMAN, Luis. Manual de Ciência Penitenciária. Madrid: Edersa, 1983, p. 73.

[23] BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão causas e alternativas. São Paulo: Saraiva, 2001, 5.

[24] GARRIDO GUZMAN, Luis. Manual de Ciência Penitenciária. Madrid: Edersa, 1983, p. 75.

[25] FERRINI, Contardo. Diritto penale romano. In: Completo trattato. Milano, 1988.

[26] GOMES NETO, Pedro Rates, 2000. Ob. Cit.,p. 34.

[27] GOMES NETO, Pedro Rates, 2000, Ob. Cit., p. 38.

[28]GOMES NETO, Pedro Rates, 2000, Loc. Cit..

[29]Ibidem, p. 39.

[30] LINS E SILVA, Evandro. De Beccaria a Filippo Gramática. In: ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. (Org.). Sistema penal para o terceiro milênio: atos do colóquio Marc Ancel. 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p 32.

[31] LINS E SILVA, Evandro. 1991, Ob. Cit., p.31.

[32] Unânime. Agravo Nº. 70021211768, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 27/09/2007.

Informações Sobre o Autor

Carina Deolinda da Silva Lopes

Advogada em Santa Maria (RS), Mestre em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões de Santo Ângelo/RS. Pós-graduada em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina; Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Luterana do Brasil campus Santa Maria/RS.


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Equipe Âmbito Jurídico

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