Sumário: 1. Introdução ao tema; 2. Origem do juiz constitucional e do tribunal de exceção; 3. Considerações sobre o juiz constitucional; 4. Do tribunal de exceção; 5. Conclusão; 6. Referências bibliográficas.
1. Introdução
Sabe-se que a jurisdição tem por característica a abstração, a unidade e a indivisibilidade, sendo o seu exercício realizado através dos órgãos do judiciário. É certo ainda, que pelo princípio do juiz natural não mais se enxerga o poder tão abstratamente quanto antes, mas a tendência que ora se instala, é a da corporificação deste preceito numa pessoa natural, estando devidamente investido nesse poder.
É garantia constitucional do cidadão, a exclusividade de jurisdição pelo poder judiciário, aliado à independência funcional de seus juizes, conforme se infere da norma constitucional em vigor, trazendo aos jurisdicionados, a certeza e a segurança de que seus litígios serão julgados de maneira legal e legítima. Considerando-se que a separação dos poderes e os direitos e garantias fundamentais inseridas se configuram cláusulas pétreas do direito brasileiro, ex vi do art. 60, § 4o,, merecem uma cuidadosa reflexão, as atribuições, prerrogativas e competências de cada um desses poderes.
De imediato, podemos dizer que o principio do juiz natural possibilita o julgamento das ações por pessoa devidamente investida no cargo, com competência respectiva, ambos atribuídos em momento anterior à existência de fato merecedor de apreciação do judiciário, ressaltando ainda, a sua fixação pela própria Ordem jurídica constitucional; em contraposição tem-se o tribunal de exceção, que prestigiava um certo número de pessoas que tinham suas lides postas em estudo frente a julgadores escolhidos e que muitas vezes, não possuíam competência para tal. Para corroborar este argumento transcrevemos palavras de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Roberto Dinamarco, na obra conjunta intitulada “Teoria Geral do Processo”, ocasião em que explanaram acerca da imparcialidade do juiz, no sentido de que:
“aos tribunais de exceção – instituídos por contingências particulares – contrapõe-se o juiz natural pré-constituído pela Constituição e por lei”.
2. Origem do juiz constitucional e dos tribunais de exceção
Afirmam alguns doutrinadores, que a origem do juiz constitucional remonta os mais primitivos ordenamentos jurídicos, dentre eles a Carta Magna de João Sem Terra, em 1215. De lá para cá, desenvolveu-se no sistema anglo-saxão e em época posterior, nas Constituições Americana e Francesa.
Na Carta de João Sem Terra, onde prevalecia a existência do sistema feudal, figuravam dois tipos de juízes. Os primeiros eram inspetores dos reis, chamados e conhecidos como itinerantes e os demais, que surgiram em razão do declínio dos primeiros, desempenhavam a jurisdição de fato. Passados os anos, com a elaboração da “Petiton of Rights” e com o “Bill of Rights”, respectivamente em 1627 e 1688, o juízo extraordinário ex post fact foi proibido, passando a existir o juiz natural, ou seja, a criação do direito após a efetivação do fato ilícito, deu lugar garantia ao povo de ter juízes investidos e leis anteriormente criadas, além de competência pré-fixada para decidir possíveis litígios. Com isto, ganhou a sociedade o que se chama de juiz constitucional e sua conseqüente inderrogabilidade de competência.
Nas Constituições Brasileiras, o principio do juiz natural sempre esteve presente. Atualmente, a nossa Lei Maior colocou este preceito no art. 5o, inciso LIII, no capítulo destinados aos direitos e garantias fundamentais. .2 M D
Sobre os tribunais de exceção, tem-se notícia de sua aparição justamente num momento político propício, onde em nada ajudava a prática do princípio do juiz natural. Com efeito, foi exatamente com a Constituição de 1937 que este surgiu, configurando-se em verdadeiro opositor ao principio do Juiz Constitucional. À título de informação, o tribunal de exceção foi introduzido no preâmbulo da Carta de 1937, com o seguinte texto:
”Atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro, à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que uma notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classe, e da extremação ou conflitos ideológicos, fundados, pelo seu desenvolvimento natural, a resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob funesta iminência da guerra civil; atendendo ao estado de apreensão criado no país pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente (…)”.
Como se vê, a Carta do Estado Novo fez do chefe da nação o único responsável pelo exercício da autoridade suprema do país. Seus poderes eram de caráter discricionário e no que tange ao poder legislativo, dissolvido à época, restava apenas observar o chefe do governo legislar através de decretos-leis. Praticamente todos os estado ficaram em regime de intervenção. A Justiça Federal foi extinta e o Poder Judiciário tinha em sua estrutura o Supremo Tribunal Federal, os juizes e tribunais estaduais, juizes e tribunais militares. Na época atual, a carta constitucional proíbe a existência de qualquer tribunal de exceção, garantindo aos cidadãos, o direito ao juiz natural, ex vi do art. 5o, inciso XXXVII.
3. O juiz constitucional ou princípio do juiz natural
Os direitos e garantias fundamentais estatuídos na Constituição Federal servem, como se sabe, de fundamentação a outros direitos derivados ou subordinados a eles, e inerentes a todos os seres humanos. Não se pode negar que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, sendo, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4o).
Tais direitos são direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Como direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Já como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais formam a base do ordenamento jurídico do Estado de Direito. A expressão “direitos e garantias individuais” equivale, sem sobra de dúvida, aos direitos e garantias fundamentais. Como garantias, temos todo o título II, da Constituição Federal de 1988, abrangendo os direitos sociais, que assim não poderiam ser eliminados.
Direitos e garantias individuais são aqueles derivados da existência humana e estão acima de qualquer norma, mesmo porque têm suas bases em princípios supraconstitucionais. O Professor Ives Gandra diz que os direitos e garantias individuais conformam uma norma pétrea e não são eles apenas os que estão no art. 5º, mas, como determina o parágrafo 2º do mesmo artigo, incluem outros que se espalham pelo Texto Constitucional e mais alguns que decorram da implicitude inequívoca. Em consonância com o art. 60, parágrafo 4º, inciso IV, é defeso qualquer deliberação acerca de proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Modificam-se sim, mas não são extintos. São cláusulas pétreas e, portanto, possuem o atributo de intangibilidade e encontram-se imunizados a qualquer façanha do poder constituinte. Segundo José Afonso da Silva, as Constituições Brasileiras Republicanas sempre contiveram um núcleo imodificável.
Num rápido passar, podemos afirmar que os direitos são enunciados constitucionais que declaram, reconhecem no plano jurisdicional a existência de uma prerrogativa do cidadão, enquanto que as garantias seriam os conteúdos assecuratórios que consistem em fornecer mecanismos para proteção, reparação de direito violado. Ainda no art. 5o encontramos em seus incisos XXXVII e LIII, a razão maior que justifica a existência do juiz natural, do juiz constitucional, sendo este, uma garantia indispensável à segurança de população contra o arbítrio estatal.
O princípio do juiz natural é a essência da jurisdição e por assim ser, ostenta o título de Direito e Garantia Fundamental. Visa coibir a criação de tribunais de exceção ou de juízos ad hoc, ou seja, veda a constituição de juízes para julgar casos específicos. É verídico dizer, que o princípio do juiz natural protege a coletividade contra a criação de tribunais que não são investidos constitucionalmente na arte de julgar, especialmente no que tange a fatos especiais ou pessoas determinadas, sob pena desse julgamento ser propiciado sob aspecto político ou sociológico. Considere-se ainda, que o referido princípio é aquele contido no inciso LIII, do artigo 5º da Constituição Federal, onde prevê a garantia de julgamento por autoridade competente. Este aspecto está ligado à previsão de inexistência de criação de tribunais de exceção. Sobre a matéria, TUCCI, doutrina que:
“O princípio está calcado na exigência de pré-constituição do órgão jurisdicional competente, entendendo-se este como o agente do Poder Judiciário, política, financeira e juridicamente independente, cuja competência esteja previamente delimitada pela legislação em vigor”.
No magistério de Humberto Theodoro Júnior, “só pode exercer a jurisdição aquele órgão a que a Constituição atribui o poder jurisdicional. Toda origem, expressa ou implícita, do poder jurisdicional só pode emanar da Constituição, de modo que não é dado ao legislador ordinário criar juízes ou tribunais de exceção, para julgamento de certas causas, nem tampouco dar aos organismos judiciários estruturação diversa daquela prevista na Lei Magna.” (Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento, 15ª edição, editora Forense, pág. 38)
Finalizando, tem-se que as teorias contemporâneas sobre o princípio do juiz natural, no dizer da mestra Ada Pellegrini Grinover, reúnem também a proibição de “subtrair o juiz constitucionalmente competente e desse modo, a garantia desdobra-se em três conceitos: a) só são órgãos jurisdicionais os instituídos pela Constituição; b) ninguém pode ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do fato; c) entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja” (Grinover, 1996:52).
4. Tribunal de exceção
A Carta Magna de 1988 consagrou, como um dos direitos e garantias fundamentais, o julgamento da lide por órgãos jurisdicionais já existentes. Isso significa, que configurado o conflito de interesses e invocada a tutela jurisdicional, essa deve ser prestada por tribunais pré-constituídos. Não se pode criar tribunais após verificado o fato que motivou a busca da prestação jurisdicional do Estado. Ou seja, objetivou-se erradicar o chamado tribunal de exceção, juízos ad hoc ou tribunais de segurança nacional. O Tribunal de Segurança Nacional esteve, durante muito tempo, fortalecido através da existência do Estado autoritário. Hoje, eles foram extirpados do mundo jurídico e passou-se a admitir, apenas, a existência dos chamados tribunais comuns.
Não se deve confundir os tribunais de exceção com os juízos especiais, já que estes últimos são previstos na própria Constituição Federal. Não obstante seja una a jurisdição, a fim de agilizar e de propiciar a prestação jurisdicional específica, existem as justiças especializadas, com competência expressa. Tudo isso, obedecidos aos critérios impostos pela norma que disciplina o ordenamento jurídico, o que afasta desde logo, qualquer dúvida acerca da remota possibilidade das especializadas se constituírem em tribunais de exceção.
O professor PINTO FERREIRA, em sua cátedra, anotou: “A pessoa deve ser julgada nos países democráticos de direito somente pelo juiz natural, cuja existência é um dos princípios básicos e fundamentais da jurisdição”. E prossegue: “O juiz natural (juge naturel, Gezetzliche Richter) é somente aquele integrado no Poder Judiciário, com todas as garantias pessoais e funcionais previstas na Constituição Federal (art. 95). Somente os juízes, tribunais e órgãos jurisdicionais previstos na Constituição se identificam ao juiz natural, princípio que se estende ao poder de julgar também previsto em outros órgãos, como o Senado, nos casos de impedimento de agentes do Poder Executivo” (op. cit., pág. 175). A proibição da existência dos juízes ou tribunais de exceção é indispensável para o fortalecimento da democracia, pois se objetiva a aplicação do princípio da igualdade, com o julgamento igualitário para todos.
5. Conclusão
Tem-se por concluído então, que o direito brasileiro não aceita qualquer tipo de tribunal de exceção, prestigiando assim, o princípio do juiz natural, já que sendo o Brasil, um Estado Democrático de Direito, nada mais justo e correto de que as pessoas sejam julgadas por órgão devidamente constituído pelo poder competente, fixado, inclusive, seus raios de extensão, sendo ainda aplicada uma legislação pré-existente. Diferente disto seria atribuir regalias a determinadas pessoas ou coletividades, indo de encontro a um outro princípio insculpido na nossa Lei Constitucional, que é o princípio da igualdade.
Vigora, portanto, em nosso ordenamento, sem qualquer sombra de dúvida, o princípio do juiz natural ou constitucional, bem assim a proibição dos tribunais de exceção, um complementando o outro, e garantindo aos cidadãos, o amplo direito de serem julgados por órgão competente e devidamente investido neste mister.
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Procuradora do Município de Natal/RN.
Professora da UFRN.
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