A grande culpa judaico-cristã que o Ocidente carrega é capaz muitas vezes de trazer um grau insuportável de responsabilidade, nos tornando assim por vezes mais tendentes a ser irresponsáveis do que habitualmente responsáveis…
Seremos nós responsáveis por tudo, e por todos, ou em outro sentido, por ninguém ou por nada. Não é só perquirir sua a validade e crueldade do determinismo. Nossa responsabilidade seria simultaneamente ilimitada e inexistente.
Tal conclusão aporética não é de grande valia se desejamos guiar nossos juízos (sobretudo os morais) diante dos crimes de guerra, da negligência, dos poderes públicos e indo até aos danos mais frugais causados pelos animais domésticos, a imóveis em ruína, avalanches, danos morais e, etc.
Parcialmente o que justifica nosso juízo é toda espécie de distinções entre o que é mais ou menos querido e o que não o é aparentemente, entre o que é mais ou menos sabido, o que é realizado sob constrangimento e aquilo que é realizado espontânea e naturalmente.
Todas essas distinções não têm relevância nenhuma pois nada que acontece depende de nós, nossa responsabilidade é complementa ilusória.
Ou pior, todas essas distinções têm apenas por única função encontrar desculpas para nossas ações deploráveis, são vãs e nossa responsabilidade é absolutamente ilimitada.
Ser responsável significa “ser a causa de”, mas podemos ser responsáveis por atos com que não nos comprometemos voluntariamente e nem conscientemente.
Aliás, a responsabilidade no risco, nada mais é que a causa inconsciente do dano, e é punido extraordinariamente pois ainda prevalece como regra dentro da sistemática jurídica brasileira, a responsabilidade subjetiva, onde se procura a culpa, o nexo causal entre o agir do autor e o dano.
O pânico metafísico desqualifica as diferenças, reduz em muito as causas num plano significativo. Para aplacar os ânimos, analisemos a linguagem, e passemos as mais diversas e usuais significações dos termos como responsável, responsabilidade.
Responsável grosso modo significa o agir consciente, de forma voluntária e intencional. Responsabilidade refere-se manifestamente aos deveres ou obrigações ligados a um compromisso, um papel, uma função.
Também poderá ter acepção de dever ou de sanção. Não existe identidade conceitual entre ser responsável e ser autor. Assim como não existe também identidade conceitual entre responsabilidade e causalidade. Nem todas as causas são relevantes, assim como nem todas as consequências são frutos de nossos atos.
O caráter e as crenças são precisamente coisas que não dependem claramente de nós. E precisamos redescobrir a responsabilidade coletiva que tanto contextualiza nos papéis enquanto ser essencialmente sociais, políticos, culturais e históricos.
O fundamentalismo da responsabilidade reside de fato na historicidade humana.
É absurdo negar o valor moral da responsabilidade coletiva ao lado da responsabilidade positiva representada por um fazer positivo, enquanto que a responsabilidade negativa é representada pelo que deixamos de fazer.
Afinal, pecamos por nossas ações ou por nossas omissões? Difícil dizer. Até mesmo o nosso silêncio pode conspirar contra nós.
“Há portanto, uma ausência de identidade conceitual em “ser responsável” e “ser agente consciente” ou voluntário de uma ação, o que justifica em grande parte sermos ilimitadamente responsáveis.
Apesar de que sempre houve filósofos que sustentassem ser injusto, imoral e irracional imputar a quem quer que fosse uma responsabilidade por outra coisa que não depende dele.
Quais os critérios hábeis a distinguir o que depende de nós e o que não depende?
Mas se temos a coerência da ideia da responsabilidade ilimitada e a incoerência da idéia de responsabilidade pessoal estão longe de estar estabelecidas.
A responsabilidade ilimitada esvazia nossas concepções morais, nossos motivos. A justificação racional da responsabilidade é quase tão questionável quanto o conceito de liberdade.
Ainda que renunciássemos a todas as diferenças seria necessário escolher quais valores, razão e experiência são mais relevantes.
De qualquer maneira, é difícil fugirmos do paradigma de sermos responsáveis por tudo e por nada.
A grande culpa judaico-cristã que o Ocidente carrega é capaz muitas vezes de trazer um grau insuportável de responsabilidade, nos tornando assim por vezes mais tendentes a ser irresponsáveis do que habitualmente responsáveis…
Para abordarmos a responsabilidade sempre nos enredaremos aos conceitos de consciência e de vontade. As concepções jurídicas de responsabilidade não refletem obrigatoriamente concepções ordinárias ou filosóficas, são em verdade cortes epistemológicos.
Aristóteles conceituava que o ato é involuntário quando é feito sob coação ou por ignorância, reside no fato do agente não ser ciente do que produz, às vezes localizava a existência doa to na existência da vontade. Sem o que não teríamos nem ato e nem sujeito.
Retornamos ao ponto inicial: Seríamos responsáveis por tudo ou por nada? (grifo meu).
Enquanto tivermos um conceito fluido de liberdade teremos também o conceito de responsabilidade. Assim só teremos responsabilidade com a transcendência de nossas forças e obstáculos, com a efetividade humana sobre a realidade.
Ser responsável inclui os mais céticos a causa mais imediata como também a mediata, talvez a responsabilidade esteja traçada geneticamente, como também pode está registrada em nossa memória histórica e cultural. Quais qualidades humanas superam o mundo exterior e particulariza o agir de cada um? Em qual medida somos únicos e em qual medida somos banais e miscíveis com o todo em torno de nós?
Um dia responderemos a tais questões e seremos todos, responsáveis pela espera e pelas respostas.
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
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