Resumo: o presente trabalho reflete um breve estudo sobre os direitos e garantias constitucionais e sua plena aplicabilidade ao “devido processo penal” sem o escopo de esgotá-las. Responder a seguinte questão: o processo penal é um direito constitucional aplicado? Não é tarefa simples, a princípio a resposta parece ser afirmativa, haja vista o amplo rol do art. 5º da Constituição Federal de 1988, que em tese proporcionaria a aplicabilidade de tais garantias ao processo penal. Mas, será que diante do caso concreto as garantias constitucionais são efetivamente aplicadas ao processo pena? Assim, diante de tantas dúvidas nos socorremos da melhor doutrina e jurisprudência pátria para iniciarmos o caminho rumo às possíveis respostas à indagação ora apresentada. [1]
Palavras-chave: inquérito policial, interrogatório, princípios constitucionais, contraditório, ampla defesa.
Sumário: Introdução, 1- Processo Penal e sua constitucionalização; 2- Breves comentários aos direitos fundamentais no âmbito do processo penal; 2.1- Do Inquérito Policial; 2.2- Do direito a prova (testemunhas); 2.3- Do interrogatório e o direito ao silêncio; 2.4- do princípio da presunção de inocência; Conclusão; Referências bibliográficas.
Introdução:
Nascerá para o Estado o direito de punir quando houver sido praticada uma infração penal.
Com isso, não seria admissível um processo penal dissociado de uma filtragem constitucional, pois como bem observa Nucci (2006, p. 74):
“Logo, não se pode visualizar a relação que o Processo Penal possui com o Direito Constitucional, como se fosse uma ciência correlata ou um corpo de normas de igual valor, o que não ocorre. Devemos partir da visão constitucional de direito e democracia, diferençando direitos e garantias fundamentais, bem como os direitos e garantias humanas fundamentais, para atingir, a partir disso, uma correta e ampla visão do processo penal.”
Traçadas as primeiras premissas buscaremos responder se o processo penal é um direito constitucional aplicado. Num primeiro momento apresentaremos comentários sobre a constitucionalização do processo penal e posteriormente breves comentários aos direitos fundamentais no âmbito do processo e dos princípios constitucionais diretamente ligados ao processo penal.
Diante de um Estado Democrático de Direito, de certo só poderemos apresentar uma resposta em consonância com a Constituição Federal.
1- Processo Penal e sua constitucionalização.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 de acordo com a classificação de José Afonso da Silva (2009, p.42), quanto à estabilidade é rígida. Assim, para sua modificação o processo exige um grau maior de dificuldade. E como consequência da rigidez constitucional surge o princípio da supremacia da constituição.
Nesse particular, pela importância que o tema apresenta, lançamos mão, dos ensinamentos de Silva (2009, p.45):
“[…] significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas.”
Assim, todas as normas infraconstitucionais que integram o sistema jurídico pátrio somente serão válidas, e somente neste caso, se não confrontarem com a Constituição Federal.
Doutrinariamente os direitos fundamentais (principais) são diferenciados das garantias fundamentais (acessórios). De tal forma, que os primeiros significam os bens assegurados pela Constituição, como por exemplo, o direito a vida, a liberdade, etc.
Já as garantias constitucionais são instrumentos fixados na própria Constituição para a efetivação dos direitos fundamentais, temos como exemplos o habeas corpus como garantia ao direito de locomoção, a vedação da pena de morte como garantia ao direito a vida, etc..
Com muita perspicácia coloca Lopes Jr. (2005, p. 39) que devemos observar o seguinte: “Num Estado Democrático de Direito, não podemos tolerar um processo penal autoritário e típico de um Estado policial, pois o processo penal deve adequar-se a Constituição e não vice-versa.”
Assim, com o fundamento das primeiras premissas sobre o tema, podemos até afirmar que o processo penal é um direito constitucional aplicado. Haja vista, que o Código de Processo Penal é norma infraconstitucional e como tal obrigatoriamente deve seguir os ditames legais da Constituição. E como consequência lógica o processo penal se desenvolveria respeitando os direitos e garantias constitucionais, no entanto, parece um tanto precipitada tal afirmação.
Assim, lançamos mão, mais uma vez, dos preciosos ensinamentos de Lopes Jr. (2005, p. 40):
“O processo penal deve passar pelo filtro constitucional e se democratizar. A democracia pode ser vista como um sistema político-cultural que valoriza o indivíduo frente ao Estado, e que se manifesta em todas as esferas dessa complexa relação Estado-indivíduo. Como consequência, opera-se uma democratização do processo penal, que se manifesta através do fortalecimento do sujeito passivo. O indivíduo submetido ao processo penal passa a ser valorizado juridicamente”.
Com lastro na lição de Aury Lopes Jr (2005) não podemos acolher a idéia de um processo penal com qualquer índice de desvinculação do texto constitucional. E repetir a tese de que o processo penal que deve se adequar a Constituição e não o inverso.
Quando travamos discussões sobre a efetiva garantia dos direitos fundamentais, são de vital importância que sejam observados os ensinamentos de Bobbio (1992, p.25):
“[…] o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los.
[…]Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.”
Destarte, que não é suficiente o reconhecimento de todos os direitos e garantias fundamentais previstos nas Constituições democráticas se os mesmos não forem efetivamente aplicados aos seus destinatários. Pois, teríamos uma simples “folha de papel”. A Constituição de acordo com Ferdinand Lassale se consubstancia na soma dos fatores reais do poder dentro de uma sociedade.
A título elucidativo permaneçamos com as palavras do mestre Lassale (2001, p. 37):
“Podem os meus ouvintes plantar no seu quintal uma macieira e segurar no seu tronco um papel que diga: “Esta árvore é uma figueira”. Bastará esse papel para transformar em figueira o que é macieira? Não, naturalmente. E embora conseguissem que seus criados, vizinhos e conhecidos, por uma razão de solidariedade, confirmassem a inscrição existente na árvore de que o pé plantado era uma figueira, a planta continuaria sendo o que realmente era e, quando desse frutos, destruiria estes a fábula, produzindo macas e não figos. Igual acontece com as constituições. De nada servirá o que escrever numa folha de papel, se não se justificar pelos fatos reais e efetivos do poder.”
A Constituição Federal é a Lex Fundamentalis, é norteadora de todas as garantias e direitos assegurados aos cidadãos, no entanto, atualmente vem ganhando grande relevância as questões de direito penal internacional, como bem assinala Dias (2004, p. 10):
“O direito penal é ainda hoje essencialmente direito intra-estadual, que encontra a sua fonte formal e orgânica na produção legislativa estadual e é aplicada por órgãos nacionais. Todavia, a partir da última década do séc. XX assistiu-se a um prodigioso incremento da relevância do direito internacional em matéria penal.”
Ainda sobre direito penal internacional destacamos as palavras de Fernandes (2005, p.25):
“Outra inclinação, na direção do sopro renovador dos direitos humanos, é o da internacionalização do direito processual penal e que se manifesta principalmente por duas formas:
1ª) a atribuição de status constitucional às normas de direitos humanos dos tratados regionais e internacionais;
2ª) o transito do direito interno para o direito internacional.”
Lopes Jr. (2008, p.7) com maestria apresenta uma sólida argumentação a nossa indagação a cerca de ser o processo penal um direito constitucional aplicado, vejamos:
“Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente constituir (logo, consciência de que ela constiui-a-ação), é que se pode compreender que o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá através da sua instrumentalidade constitucional. Significa dizer que o processo penal contemporâneo somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição.” (grifo nosso)
Logo, o processo penal somente será legítimo se sua aplicação passar pelo filtro constitucional, em outras palavras, se estiver adequado aos mandamentos constitucionais, pois como já foi dito o mais importante é evitar que os direitos sejam violados.
No entanto, o “devido processo penal”, isto é, o processo penal filtrado pela Constituição não poderá ser pensado/utilizado como instrumento que leve a impunidade, pois como bem esclarece Lopes Jr. (2008, p.9):
“O processo não pode mais ser visto como um simples instrumento a serviço do poder punitivo (direito penal), senão que desempenha o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido. Há que se compreender que o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se, legitimamente, à pena. Daí porque se admite sua exigência quando ao longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal).
Assim, existe uma necessária simultaneidade e coexistência entre repressão ao delito e respeito às garantias constitucionais, sendo essa a difícil missão do processo penal.” (grifo nosso).
Por derradeiro, não podemos aceitar que os direitos e garantias fundamentais insculpidos na Carta Magna sejam desrespeitas no âmbito do processo penal. Caso aconteça, estaremos diante de graves violações aos direitos do homem, fato com o qual não podemos compactuar.
Os direito e garantias fundamentais são frutos de uma longa luta travada pelos homens ao longo dos tempos. Assim, merece destaque as palavras de Ihering (2001, p. 27):
“O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo -, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos.
Todos os direitos da humanidade foram conquistados pela luta; seus princípios mais importantes tiveram de enfrentar os ataques daqueles que a eles se opunham; todo e qualquer direito, seja o direito de um povo, seja o direito do indivíduo, só se afirma por disposição ininterrupta para a luta.”
Não podemos olvidar que as diretrizes apresentadas pela Constituição devem impedir a presença, em termos de legislação infraconstitucional, de qualquer previsão que aponte para um sentido diverso, para uma violação de suas garantias e que, portanto, revele-se incompatível com a Lei Maior.
2- Breves comentários aos direitos fundamentais no âmbito do processo penal.
2.1- Do Inquérito Policial.
O Inquérito Policial disciplinado nos arts. 4º a 23 do CPP é um procedimento administrativo investigativo. Onde o indiciando em nome do princípio da ampla defesa, tem a faculdade de utilizar a defesa técnica de acordo com a súmula Vinculante 14 do STF[2].
O que acaba com a celeuma sobre a possibilidade de defesa técnica pelo indiciado na fase de inquérito policial, pois a falta de oportunidade da defesa nessa fase é verdadeira afronta aos direitos fundamentais. E também atentatório aos direitos dos advogados previsto na Lei nº 8906/1994, nos arts. 6º, parágrafo único, e 7º, XIII e XIV.
A edição da Súmula Vinculante 14 consubstancia os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); o direito de receber informações (art. 5º, XXXIII); do devido processo legal (art. 5º, LIV) e do contraditório e da ampla defesa ((art. 5º, LV).
2.2- Do direito a prova
Diante das prova e as inviolabilidades constitucionais, Fernandes (2005, p. 112) argumenta que:
“São várias as inviolabilidades afirmadas na Constituição Federal para resguardar a pessoa humana em seus direitos fundamentais. As provas obtidas com desrespeito a essas regras constituem prova ilícita e, assim, não podem ser admitidas, com a ressalva da aplicação, no caso, do princípio da proporcionalidade.”
Merece destaque, no âmbito probatório, a plena aplicabilidade de todos os mandamentos constitucionais para evitar graves violações aos direitos humanos.
No passado não muito distante, convivemos com graves violações, que hoje diante de um Estado Democrático de Direito não ousamos vislumbrar, a título elucidativo fiquemos com Foucault (2000, p.32-3):
“Na França, como na maior parte dos países europeus – com a notável exceção da Inglaterra – todo o processo criminal, até a sentença, permanecia secreto: ou seja, opaco não só para o público, mas para o próprio acusado. O processo se desenrolava sem ele, ou pelo menos sem que ele pudesse conhecer a acusação, as imputações, os depoimentos, as provas. Na ordem da justiça criminal, o saber era privilegio absoluto da acusação. […]
[…] o rei queria mostrar com isso que a “força soberana” de que se origina o direito de punir não pode em caso algum pertencer a “multidão”.
Diante da justiça do soberano, todas as vozes devem-se calar.
Mas o segredo não impedia que, para estabelecer a verdade, se devesse obedecer a certas regras.”
Assim, temos que aos acusados em geral é legítimo o direito a utilização de todos os meios de prova admitidos.
Em relação ao número de testemunhas ofende o princípio da ampla defesa e do devido processo legal, o juiz que impeça a oitiva de testemunha de defesa que esteja dentro do limite previsto pela lei.[3]
O entendimento é do ministro Celso de Mello onde sustentou a seguinte tese: “oferecido tempestivamente o rol de testemunhas até o número permitido, não tem o juízo o direito de indeferir a oitiva delas, sob pretexto de procrastinação ou que a pessoa (testemunha) nada sabe sobre os fatos” e afirmou também que “tenho para mim que se transgrediu, no caso, em detrimento do ora paciente, o direito à prova, que representa prerrogativa essencial que assiste a qualquer réu, independentemente da natureza do delito que lhe tenha sido imputado”.
Entendimento firmado no julgamento do pedido de Habeas Corpus do ex-juiz João Carlos da Rocha Mattos. O ministro foi voto vencido na decisão tomada pela 2ª Turma. No entanto, merece atenção a leitura do seu voto:
“HABEAS CORPUS 94.542-2 SÃO PAULO V O T O (vencido) O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Peço vênia para deferir o pedido de “habeas corpus”, pois entendo vulnerada, na espécie, a cláusula constitucional pertinente ao due process of law.
Tenho para mim que se transgrediu, no caso, em detrimento do ora paciente, o direito à prova, que representa prerrogativa essencial que assiste a qualquer réu, independentemente da natureza do delito que lhe tenha sido imputado.
Tenho acentuado, Senhora Presidente, em diversas decisões proferidas nesta Suprema Corte, a essencialidade desse direito básico – o direito à prova -, cuja inobservância, pelo Poder Público, qualifica-se como causa de invalidação do procedimento estatal instaurado contra qualquer pessoa, seja em sede criminal, seja em sede meramente disciplinar, seja, ainda, em sede materialmente administrativa:
“- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade do princípio que consagra o ‘due process of law’, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina.
– Assiste, ao interessado, mesmo em procedimentos de índole administrativa, como direta emanação da própria garantia constitucional do ‘due process of law’ (CF, art. 5º, LIV) – independentemente, portanto, de haver previsão normativa nos estatutos que regem a atuação dos órgãos do Estado -, a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF, art. 5º, LV), inclusive o direito à prova.- Abrangência da cláusula constitucional do ‘due process of law’.”(MS 26.358-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
A importância do direito à prova, especialmente em sede processual penal, é ressaltada pela doutrina (ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE FERNANDES e ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, “As nulidades no processo penal”, p. 143/153, itens ns. 1 a 6, 10ª ed., 2007, RT, v.g.), como se vê do claro magistério expendido pelo saudoso JULIO FABBRINI MIRABETE (“Código de Processo Penal Interpretado”, p. 492, item n. 209.2, 7ª ed., 2000, Atlas):
“Oferecido tempestivamente o rol de testemunhas pela parte, até o número permitido, não tem o juiz o direito de indeferir a oitiva de qualquer uma delas, independentemente de justificação por parte do arrolante, sob o pretexto de que se visa a procrastinação ou de que a pessoa arrolada nada sabe sobre os fatos, nem mesmo quando deve ser ouvida em carta precatória. (…) Também não pode o juiz dispensar a oitiva de testemunha tempestivamente arrolada sem a desistência da parte interessada; ocorre, na hipótese, nulidade por cerceamento da acusação ou defesa. Trata-se, aliás, de nulidade que não precisa ser argüida.” (grifei)
Essa orientação reflete-se, por igual, na jurisprudência dos Tribunais em geral, valendo referir, ante a sua relevância, julgados que reconhecem qualificar-se, como causa geradora de nulidade processual absoluta, por ofensa ao postulado constitucional do “due process of law”, a decisão judicial que, mediante “exclusão indevida de testemunhas”, compromete e impõe gravame ao direito de defesa do réu, sob a alegação de que as testemunhas, embora tempestivamente arroladas, com estrita observância do limite máximo permitido em lei, nada saberiam sobre os fatos objeto da persecução penal ou, então, que a tomada de depoimento testemunhal constituiria manobra meramente protelatória do acusado (RJDTACRIM/SP 11/68-69 – RJTJESP/LEX 117/485 – RT 542/374 – RT 676/300 – RT 723/620 – RT 787/613-614, v.g.).Em suma: por representar uma das projeções concretizadoras do direito à prova, configurando, por isso mesmo, expressão de uma inderrogável prerrogativa jurídica, não pode ser negado, ao réu – que também não está obrigado a justificar ou a declinar, previamente, as razões da necessidade do depoimento testemunhal -, o direito de ver inquiridas as testemunhas que arrolou em tempo oportuno e dentro do limite numérico legalmente admissível, sob pena de inqualificável desrespeito ao postulado constitucional do “due process of law”:“Prova – Testemunha – Oitiva indeferida por não ter o juiz se convencido das razões do arrolamento – Inadmissibilidade – Direito assegurado independentemente de justificação.– Não pode o juiz indeferir a oitiva de testemunha, sob pena de transgredir o direito límpido que assiste às partes de arrolar qualquer pessoa que não se insira nas proibidas, independentemente de justificação.” (RT 639/289, Rel. Des. ARY BELFORT – grifei)“Cerceamento de Defesa – Inquirição de testemunhas por rogatória indeferida a pretexto de ter intuito procrastinatório – Inadmissibilidade – Preliminar acolhida – Processo anulado – Inteligência do art. 222, e seus §§, do CPP.- Não é permitido ao juiz, sem ofensa ao preceito constitucional que assegura aos réus ampla defesa, inadmitir inquirição de testemunhas por rogatória, a pretexto de que objetiva o acusado procrastinar o andamento do processo.” (RT 555/342-343, Rel. Des. CUNHA CAMARGO – grifei) São estas, Senhora Presidente, as razões que me levam, com toda a vênia da ilustrada maioria, a conceder, ao ora paciente, a ordem de “habeas corpus impetrada.É o meu voto.Ministro Celso de Mello.” (Fonte: Consultor Jurídico)
O ministro Eros Grau no seu voto contestou as alegações da defesa do ex-juiz. O referido ministro se reportou à jurisprudência do próprio STF no sentido de que “não constitui cerceamento de defesa a negativa de diligências, quando desnecessárias para o órgão julgador”.
2.3- Do interrogatório e o direito ao silêncio.
A Lex Fundamentalis de 1988 proclama no seu art. 5º, LXIII, “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.
A regra constitucional ora transcrita deixa vislumbrar a intenção de garantir, entre os direitos fundamentais, a impossibilidade de aquele que está sendo preso ser obrigado a produzir provas contra si próprio. Assim, sendo um mandamento constitucional o direito ao silêncio deverá ser também cominado aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, independentemente de estarem ou não sendo submetidos à prisão.
A Constituição garante o direito ao silêncio, então qualquer outra norma infraconstitucional que contrarie o mandamento constitucional padecerá de inconstitucionalidade.
Assim, questionava-se sobre a constitucionalidade do art. 186 do Código de Processo Penal, que apresentava, até 2003, a seguinte redação: “Art. 186. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa“, tal artigo padecia de flagrante inconstitucionalidade, haja vista, a previsão de que o silêncio poderia ser interpretado em prejuízo do acusado, como é possível um direito que atue para o prejuízo do seu destinatário?
Como não é inoportuno repetir, o processo penal deve ser adequado a Constituição, e não o contrário. Assim, foi realizada a alteração art. 186 do CPP para sua compatibilização com a Constituição. Vejamos: “Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.” “Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”. (Redação dada pela Lei n. 10.792/03).
A adequação constitucional restou perfeita. No entanto, o art. 198 do CPP, persiste na inconstitucionalidade, haja vista, expressar que o silêncio poderá ter interpretação prejudicial à defesa. Vejamos: “Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz” (grifo nosso).
A menos que o convencimento seja aplicado para beneficiar, e não para prejudicar o réu, estaremos diante de afronta ao direito constitucional ao silêncio.
Não podemos olvidar, que o não-esclarecimento ao preso, investigado ou réu, quanto à possibilidade de invocação do direito constitucional ao silêncio em relação aos atos aos quais irá se submeter implica na nulidade destes, de acordo as reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal.
O direito ao silêncio é apresentado com maestria na lição de Lopes Jr. (2005, p.237) quando explicou que:
“O direito de calar também estipula um novo dever para a autoridade policial ou judicial que realiza o interrogatório: o de advertir o sujeito passivo de que não está obrigado a responder as perguntas que lhe foram feitas. Se calar constitui um direito do imputado e ele tem de ser informado do alcance de suas garantias, passa a existir o correspondente dever do órgão estatal a quem assim o informa, sob pena de nulidade do ato por violação de uma garantia constitucional.
O direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, insculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silencio quando do interrogatório.
Sublinhe-se: do exercício do direito de silêncio não pode nascer nenhuma presunção de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuízo jurídico para o imputado.” (grifos do autor).
Desta forma, a inclusão do direito ao silêncio na Constituição representa uma grande conquista, com o objetivo de desestimular a pratica de atos questionáveis para a apuração de fatos, prática até comum em períodos ditatoriais, mas que não podem coexistir num Estado Democrático de Direito.
Outro ponto que merece atenção é o interrogatório por videoconferência previsto no parágrafo segundo do art.185 do CPP. A legislação foi modificada visado a possibilidade de realização de interrogatório do preso no estabelecimento prisional, sem a presença física do juiz, por meio de um sistema audiovisual em tempo real (interrogatório on-line). As principais justificativas oferecidas pela lei são a preservação da segurança pública e para evitar a fuga dos presos com o deslocamento entre presídios e fóruns.
A aversão ao chamado interrogatório on-line assenta seus argumentos na afronta aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório (artigo 5º, incisos LIV e LV).
Haja vista, que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, dos quais o Brasil é signatário, preveem o direito de o réu ser conduzido à presença física do juiz natural. O interrogatório é a uma oportunidade impar que tem o magistrado para formar o juízo a respeito do acusado.
Somente face a face com o acusado o juiz teria as condições básicas e necessárias para o julgamento do caso concreto e, ainda, observar se o réu está em perfeitas condições físicas e mentais, o que poderá passar despercebido com a utilização do sistema da videoconferência.
Assim, muitos defendem que o interrogatório realizado pela videoconferência compromete o pleno exercício do direito à autodefesa. Imaginemos a situação de um acusado que sofre maus tratos na prisão, será que ele teria seus direitos resguardados ao fazer tal denúncia?
De tal sorte, que o § 2º do art.185 do CPP, disciplina o uso do interrogatório por videoconferência como excepcional e com fundamentação da decisão pelo juiz. O problema surge da analise dos seus incisos, onde é constante a presença de conceitos por demais subjetivos como prevenir riscos a segurança pública, a ordem pública, se usada uma interpretação por demais extensiva a possibilidade excepcional de interrogatório por videoconferência culminará como regra geral.
2.4- princípio da presunção de inocência.
Partiremos da distinção apresentada por Nucci (2006, p.75) entre os conceitos de direito processual penal e processo penal democrático:
“Direito processual penal é o corpo de normas jurídicas cuja finalidade é regular a persecução penal do Estado, através de seus órgãos constituídos, para que se possa aplicar a norma penal, realizando-se a pretensão punitiva no caso concreto.
Processo Penal Democrático: cuida-se da visualização do processo penal a partir dos postulados estabelecidos pela Constituição Federal, no contexto dos direitos e garantias humanas fundamentais, adaptando o Código de Processo Penal a essa realidade, ainda que, se preciso for, deixe-se de aplicar legislação infraconstitucional defasada.”
Assim, um processo penal democrático deverá albergar os princípios constitucionais explícitos e implícitos concernentes ao indivíduo, a relação processual e a atuação do Estado.
Segundo o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, qualquer acusado é presumidamente inocente até que a sentença condenatória transitada em julgado, de acordo com o art.5º, LVII da Constituição Federal. Assim, o ônus da prova caberá a acusação.
Ainda no lastro da lição de Nucci (2006, p.78-9) temos que:
“Por outro lado, confirma a excepcionalidade e a necessidade das medidas cautelares de prisão, já que indivíduos inocentes somente podem ser levados ao cárcere quando realmente for útil a instrução criminal e a ordem pública. No mesmo prisma, evidencia que outras medidas constritivas aos direitos individuais devem ser excepcionais e indispensáveis, como ocorre com a quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico (direito constitucional de proteção à intimidade), bem como com a violação de domicilio em virtude de mandado de busca (direito constitucional à inviolabilidade de domicilio).
Integra-se ao princípio da prevalência do interesse do réu (in dubio pro reo), garantindo que, em caso de duvida, deve sempre prevalecer o estado de inocência, absolvendo-se o acusado.
Reforça, ainda, o principio penal da intervenção mínima do Estado na vida do cidadão, uma vez que a reprovação penal somente alcançará aquele que for efetivamente culpado. Finalmente, impede que as pessoas sejam obrigadas a se auto-acusar, consagrando o direito ao silêncio.”
Com isso as medidas que restrinjam os direitos e garantias individuais devem ser excepcionais e justificadamente comprovadas, sob pena de grave violação dos direitos e garantias fundamentais.
CONCLUSÂO:
Cumpre neste momento, respondermos se o processo penal é um direito constitucional aplicado? Agora, após toda a discussão doutrinária apresentada para chegarmos a uma resposta afirmativa, fato que se dará unicamente se, data venia, o processo penal for aplicado pela perspectiva constitucional, pois somente com a adequação constitucional do processo penal é que teremos a plena aplicabilidade das garantias constitucionais no âmbito penal.
Não nos olvidemos das palavras do mestre Aury Lopes Jr. (2008, p.10) quando diz que “o processo penal deve ser lido à luz da Constituição e não ao contrário”.
Assinale-se, por fim, que o processo penal é um direito constitucional aplicado quando utilizado em prol da dignidade da pessoa humana. A liberdade e a vida são direitos consagrados constitucionalmente e somente poderão vim a ser restringidos após o “devido processo penal” que somente será legítimo quando em consonância aos ditames da Constituição pátria.
A pena por si só não tem o condão de resolver os problemas sociais. Devemos paralelamente pensar na educação, saúde, programas sociais efetivos, não eleitoreiros, que visem a inclusão social, que corporifiquem o mandamento constitucional maior da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
Advogada. Pós-graduanda em Direito Processual lato sensu.
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