No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, o Código Penal contraria o ditado popular “achado não é roubado” e enquadra aquele (a) que assim age no crime de apropriação indébita.
Apropriação indébita é o mesmo que tomar para si algo que é de outra pessoa ou obter alguma vantagem (financeira ou não) sobre uma coisa pertencente a sujeito alheio.
Em ambas as situações, o crivo normativo firmado pelo Código Penal (CP) no Brasil, indica que cada uma das práticas configura um delito. E, nesse caso, a apropriação indébita insere-se no rol “dos crimes contra o patrimônio”.
Do artigo 168 ao 170, o CP descreve as espécies de apropriação indébita da seguinte forma:
Para esse crime, a pena prevista é a de “reclusão, de um a quatro anos, e multa”. Contudo, o parágrafo 1°, incisos I, II e III, aponta que ela poderá sofrer aumento “[…] de um terço […]”, nas ocasiões qualificadas (consideradas como agravamento) em que “[…] o agente recebeu a coisa: […] em depósito necessário; […] na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; e […] em razão de ofício, emprego ou profissão.
A sanção que se impõe, aqui, é a aplicação de “multa” e mais o cumprimento de prisão em regime de “reclusão” por “dois a cinco anos”. Há de ressaltar que essa penalidade se aplica, conforme o parágrafo 1°, a “[…] quem deixar de: […] recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; […] recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; e […] pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social”.
O crime referido no caput deste dispositivo legal é o de, “apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza […]”. Exemplo: incorre neste delito, por exemplo, quem encontra um celular ao andar pela rua (ou mesmo em meio a uma corrida de carro solicitada aplicativo móvel) e não devolve à pessoa que detém a propriedade do aparelho.
O parágrafo único, inciso I, destaca o crime de “apropriação de tesouro”. Ele ocorre quando “[…] quem acha tesouro em prédio alheio […] se apropria, no todo ou em parte, da quota a que tem direito o proprietário do prédio”. O inciso II, do mesmo parágrafo, fala sobre a “apropriação de coisa achada”, a qual se materializa no ato daquele que “[…] acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, […]” e acaba por não “[…] restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de quinze dias”.
Aos cinco tipos penais relacionados à apropriação indébita, o CP afirma que cabe a observância do que vem contido no artigo 155, parágrafo 2°:
Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Em relação ao disposto no artigo supracitado, incide ainda, o atendimento favorável às circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59, caput, do CP: “culpabilidade, […] antecedentes, […] conduta social, […] personalidade do agente, […] motivos, circunstâncias e consequências do crime, bem como […]” o “[…] comportamento da vítima”.
Existe diferença entre apropriação indébita e furto?
Apesar de ambos os crimes envolverem, em seu foco de ação, uma coisa que seja de outra pessoa, eles se diferem em diversos aspectos.
Conforme explanado anteriormente neste artigo, a apropriação indébita pressupõe que o indivíduo que comete o delito (o agente ativo) tem a posse da coisa. Já no furto, quem praticou o ato não detém a posse da rés. Ou seja, houve a subtração de algo sem a anuência da pessoa que tem a evidente propriedade da coisa (o sujeito passivo da ação).
Lembrando: o furto será “qualificado” no caso de, no momento do crime, o agente empregar “[…] destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; […] abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; […] emprego de chave falsa e […] mediante concurso de duas ou mais pessoas”, tal como preceitua, respectivamente, o artigo 155, parágrafo 4°, incisos I ao IV, do CP.
Entendimento jurisprudencial sobre apropriação indébita e suas espécies
Ementa 1: APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. PRESCRIÇÃO OPERADA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECURSO PREJUDICADO. OBSERVA-SE QUE ENTRE A DATA DO FATO 10/10/2008 E DO RECEBIMENTO DO DENÚNCIA – 20/03/2015 (EVENTO 3 – PROCJUDIC2 – FL. 03). TRANSCORREU LAPSO TEMPORAL DE MAIS DE 04 (QUATRO) ANOS E NÃO HÁ RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, O QUE SIGNIFICA QUE A PENA NÃO PODE SER AUMENTADA. CONSIDERANDO QUE O RÉU FOI CONDENADO A PENA DE 01 (UM) ANO DE RECLUSÃO E QUE O PRAZO PRESCRICIONAL SE REGULA PELA PENA APLICADA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA, A TEOR DO ARTIGO 109, INCISO V, DO CÓDIGO PENAL, PRESCREVE EM QUATRO ANOS, TRANSCORRIDO ESTE LAPSO ENTRE A DATA DO FATO E DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, CONFORME A LEI N.º 12.234/2010 E O ARTIGO 117, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. CONSTATA-SE, PORTANTO, QUE SE OPEROU A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO. ASSIM, É DE SER DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE DO ACUSADO, PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO, COM BASE NO ARTIGO 109, INCISO V E ARTIGO 117, INCISO I, TODOS DO CÓDIGO PENAL, RESTANDO PREJUDICADA A ANÁLISE DO MÉRITO DA APELAÇÃO. DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. (Apelação Criminal, Nº 50003268420148210045, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Volnei dos Santos Coelho, Julgado em: 31-03-2022)
(grifo nosso)
Na ementa acima, observa-se um importante aspecto relacionado ao crime de apropriação indébita: a prescrição. A possibilidade de punir o agente ativo poderá prescrever (e, portanto, abortar a punibilidade) caso se, antes da sentença transitar em julgado, incidir um dos prazos existentes no artigo 109, incisos I ao VI, do CP: “[…] vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; […] dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; […] doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; […] oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; […] quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; e […] 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano”.
EMENTA 2: PENAL E PROCESSO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A, § 1°, INCISO I, DO CP. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 337-A, INCISO I, DO CP. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1°, INCISO I, DA LEI N° 8.137/90. PRELIMINAR. INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA. AFASTADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. INDEPENDÊNCIA DE INSTÂNCIAS. CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DE CULPABILIDADE. DIFICULDADES FINANCEIRAS. INOCORRÊNCIA.
[…]
(grifo nosso)
As causas supralegais de exclusão da culpabilidade são aquelas que “não” estão normatizadas na legislação penal vigente. Na ementa em tela, a aplicação da “inexigibilidade de conduta diversa” – condicionada à comprovação da impossibilidade do pagamento – enaltece uma abertura maior para a construção do processo de ampla defesa da parte ré. Por isso, há de se ter a demonstração cabal de todos os elementos que atestem a imputação do crime carece de procedência (e, por óbvio, de culpa do agente). Para os estudiosos da área do Direito, Danilo César Basílio de Souza e Altair Resende de Alvarenga, “[…] negar a existência de uma causa supralegal é atentar contra o anseio de justiça, visto que a ausência desta dirimente acarreta condenações injustas […] em casos que não geram reprovação social”.
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