Resumo: O presente trabalho tem por escopo analisar o custo do sistema prisional brasileiro, partindo da premissa que todos os direitos têm um custo. Como o sistema prisional envolve o direito de punir do estado e direitos fundamentais do preso, necessariamente, seu custo será alto. Há uma grande dificuldade na alocação dos recursos públicos, notadamente para se determinar quanto e quais os direitos serão protegidos e no tocante ao sistema prisional, estas escolhas na aplicação dos recursos públicos também são dramáticas, mesmo porque o orçamento acaba comprometido pela prática da sonegação, pelo desrespeito a responsabilidade fiscal e pela improbidade administrativa dentro da esfera estatal. A opção pela cogestão privada dos presídios no Brasil não tem se apresentado como vantajosa para o Estado por representar um aumento no custo do preso. Os valores repassados pelo estado a iniciativa privada, por sua vez, tem contribuído para a lucratividade do negócio para estas empresas. Neste cenário, não há mudanças no sistema prisional, muito embora os custos sejam cada vez mais elevados e haja um lucro cada vez maior das empresas que prestam este serviço, o que leva a pensar se esta seria a saída mais eficiente para o estado brasileiro.
Palavras chave: Direitos. Custos. Sistema prisional. Eficiência. Privatização.
Abstract: This paper aims discusses about the costs of Brazilian prisional system, on the basis that all rights have a cost. As prisional system encompass the right to punish of the state and fundamentals rights of the prisoners, necessary, the cost will be high. There is great difficulty in the allocation of public resources, notably to determine how much and what rights will be protected and regarding the prison system, these choices in the use of public funds are also dramatic, if only because the budget has just committed by the practice of tax evasion, for the violation of fiscal responsibility and administrative misconduct within the state sphere. The option of co-management of private prisons in Brazil has not been presented as advantageous for the state to represent an increase in the cost of stuck. Amounts transferred by the state to the private sector, in turn, has contributed to the profitability of the business for these companies. In this scenario, there are no changes in the prison system, even though the costs are higher and higher and there is a growing profits of companies that provide this service, which leads to wonder if this would be the most efficient way out of the Brazilian state.
Keywords: Rights. Costs. Prisional system. Efficiency. Privatization.
Sumário: 1 Introdução.2 O custo dos direitos: o direito de punir estatal e os direitos individuais dos presos 2. 1 Direito de punir estatal 2.2 Direitos individuais do preso 3 Alocação dos recursos públicos para garantir o direito de punir estatal e os direitos individuais dos presos: as chamadas escolhas trágicas 3.1 A quebra da responsabilidade do contribuinte e desequilíbrio das contas 3.2 A quebra da responsabilidade do estado: responsabilidade fiscal e improbidade administrativa 4 Privatização dos presidíos: menor custo e maior eficiência 4.1 “O presídio é um bom negócio” 4.2 A comissão parlamentar de inquérito do sistema carcerário 5 Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Todos os direitos têm um custo financeiro para o Estado. Daí iniciamos este trabalho analisando que o sistema prisional engloba de um lado os direitos individuais do preso e de outra banda o direito de punir do Estado. Por sua estrutura, já fica evidenciada que o sistema prisional é caro, mas necessário, sendo indispensável a aplicação eficiente dos recursos públicos na sua implementação.
A segunda parte dedica-se a tratar sobre a alocação dos recursos públicos pelo Estado, a dificuldade de eleger o que será protegido pelo amparo estatal e quanto será destinado a cada direito a ser assegurado. Destaca-se que os comparativos entre o valor gasto com o preso e o valor gasto por estudante por mês no país são vazios e não levam em consideração a especificidade de cada direito posto em debate. Ainda examina a população carcerária no Brasil e os números apresentados pelo CNJ em relação aos outros países do ranking das maiores populações carcerárias no mundo. Examina também as posturas irresponsáveis do cidadão/contribuinte e do estado que concorrem negativamente para o equilíbrio das contas públicas: sonegação, improbidade e responsabilidade fiscal.
Em seguida, a terceira parte do texto volta-se para a privatização dos presídios no Brasil. As opiniões mais diversas sobre o tema foram compiladas para retratar o quadro atual da cogestão privada nos presídios. Os altos custos para o Estado e os lucros para as empresas privadas suscitam sérios questionamentos sobre a viabilidade e a prestabilidade deste sistema para o contexto brasileiro. No afã de encontrar uma solução para as mazelas do sistema prisional são adotadas medidas que não se revelam eficientes no sentido econômico, na medida que geram maior custo para o estado.
Conclui-se que ao estado não é dado pagar qualquer preço para a satisfação dos direitos, é necessário um exame cuidadoso dos dados e valores a serem empregados na garantia e salvaguarda dos direitos fundamentais.
2. O custo dos direitos: o direito de punir estatal e os direitos individuais dos presos
A concepção de que os direitos representam custos e são garantidos pelo pagamento de tributos é a ideia nuclear do estudo da análise econômica do direito, disciplina que se dedica a estudar a aplicação da teoria e dos conceitos da ciência econômica no âmbito do direito. Tal concepção foi melhor estruturada a partir da edição do livro “The cost of rights – why liberty depends on taxes”, de autoria de Stephen Holmes e Cass Sustein, publicado em 1999. Neste livro, é proposto o estudo da natureza do direito, bem assim para se avaliar como a proteção aos direitos é reflexo dos recursos orçamentários empregados com este propósito.
É importante ter em mira que quando se fala que os direitos representam um custo para o estado, este custo pode ser de diversas ordens, como por exemplo, o custo social, já que a violação de um direito atinge seu titular, mas reflexamente atinge toda a coletividade. Há também um custo humano, uma vez que a inobservância de um direito pode sacrificar o direito máximo – o direito à vida. Aliado a isto, há um custo político, tendo em vista que a eleição dos direitos a serem protegidos decorrem de uma discussão política. Mas, o custo financeiro ou orçamentário é, sobremaneira, o que mais se destaca dentre todos estes, porquanto os direitos custam dinheiro, devendo o Estado através do seu atuar responsável diante do orçamento, primar pela arrecadação de tributos.
Holmes e Sustein defendem que todos os direitos são positivos, afastando-se da dicotomia entre direitos positivos e negativos, sendo aqueles primeiros os que exigem um fazer (atividade positiva) do Estado e estes últimos, os que imporiam um não fazer estatal (atividade negativa). Asseveram que:
“‘Where there is a right, there is a remedy’ is a classical legal maxim. Individuals enjoy rights, in a legal as opposed to a moral sense, only if the wrongs they suffer are fair1y and predictably redressed by their government. This simple point goes a long way toward disclosing the inadequacy of the negative rights/positive rights distinction. What it shows is that all legally enforced rights are necessarily positive rights”[1].
Como se vê, Holmes e Sustein valem-se da clássica máxima legal que enuncia que onde há um direito deve haver um remédio, para afirmar que o gozo de direitos individuais, no sentido jurídico, em oposição ao sentido moral, somente é possível se os males sofrem uma adequada e previsível atuação por seu governo. Deste ponto se percorre um longo caminho em direção a revelar a inadequação da dicotomia entre os direitos negativos e direitos positivos, para, segundo eles, demonstrar que todos os direitos legalmente forçados são necessariamente os direitos positivos.
Na linha da compreensão de Holmes e Sustein, os direitos são caros e todos eles pressupõem o financiamento por parte dos cidadãos, que é feito a partir do recolhimento dos tributos. Nesta mesma linha, asseveram que todos os direitos, sem distinção, dependem de gastos públicos para a sua proteção e são estes gastos públicos que determinarão a extensão e o alcance da proteção de determinada gama de direitos. Daí porque, é de grande relevância a cooperação social, bem assim a compreensão por parte do Estado em relação às escolhas da sociedade, que funcionará como elemento orientador para alocação dos recursos necessários a proteção aos direitos.
Outra compreensão relevante introduzida por Holmes e Sustein diz respeito a pensar mais responsavelmente sobre a responsabilidade:
“We should think more responsible about responsibility. Have increases in criminal behavior resulted from the enforcement of rights or from, say, demographic, technological, economic, educational, and cultural changes largely independent of rights? Even if certain rights have, on balance, increased irresponsible behavior in some domains, sweeping causal generalizations are dubious. "Responsible behavior" may be defined as conduct that reduces harm to both self and others. Can we plausibly claim that there has been a general reorientation of American society from responsibilities (thus understood) to rights?”[2]
Isto é, questionam, portanto, se o aumento do comportamento criminoso decorre do cumprimento dos direitos ou das mudanças demográficas, tecnológicas, econômicas, educacionais e culturais que ocorrem independentemente do direito. Para eles, o comportamento responsável, é por assim dizer, aquela conduta que reduz os danos que possam recair sobre si mesmo e dos outros.
A resposta ao questionamento formulado por Holmes e Sustein, sob a perspectiva da sociedade brasileira leva a reflexão sobre todos os fatores sociais citados, como é o caso do crescimento desordenado das cidades, da pouca atenção destinada ao setor da educação, a mudança de valores culturais, notadamente a valorização das figuras de antítese – o traficante, o dono do morro – dentro das comunidades, em detrimento do papel desempenhado pelo policial, além de outras tantas mudanças que ocorreram e continuam ocorrendo no cenário brasileiro.
Estas mudanças repercutem nas escolhas estatais relativas aos gastos públicos, mesmo porque o comportamento da sociedade de uma forma geral é que dará o tom para que a administração possa eleger para onde serão destinados os recursos oriundos dos tributos que foram pagos por aquela mesma sociedade. Por outro lado, a ausência de cooperação social e o descomprometimento da população que deixa de pagar os seus tributos também influenciarão na satisfação e cumprimento dos direitos.
Nos últimos anos, a imprensa vem destacando através das notícias veiculadas em diferentes meios de comunicação que um preso custa mais para o Governo brasileiro que um estudante de ensino superior. Manchetes verberaram que o Brasil gasta com um detento quase o triplo do que gasta com um aluno e que um preso federal chega a custar cerca de cinco salários mínimos por mês. O certo é que todos os direitos tem um custo, de modo que não poderia ser diferente com o direito de punir do estado, pois também ele vai exigir emprego de recursos públicos para a sua salvaguarda.
A partir do momento em que o estado toma para si o direito de punir os cidadãos que praticam crimes e assim substitui a justiça privada, assume para si todos os encargos financeiros necessários para garantir este direito. Estes custos dizem respeito não só a construção de presídios como comumente se imagina, mas também a uma série de outros gastos e investimentos que vão desde o pagamento dos agentes penitenciários e da polícia, a infraestrutura dos presídios referente às despesas com a água, esgoto e energia elétrica até o aparato de segurança e tecnologia para a segurança do sistema prisional, e a lista ainda não termina por aqui.
Na doutrina, algumas vozes autorizadas se debruçaram sobre o custo do direito penal. Quinney e Pazukanis, citados por Zaffaroni[3], associam a crise do direito penal, muito bem representada pela falência do sistema prisional, com a crise do sistema econômico capitalista. Enquanto para Quinney compreender o delito começa ao reconhecer que o fenômeno decisivo não é o crime, senão o desenvolvimento histórico e a forma como atua a sociedade capitalista, e também um sinal da crise do capitalismo, cuja revolução socialista poderia levar a uma sociedade sem delinquência; Pazukanis sustenta que o direito penal desaparecerá com o desaparecimento do capitalismo.
Já para Zaffaroni[4], o direito penal mínimo seria a lei do mais frágil. A pena se justificaria como um mal menor, devendo ser estabelecido sempre um cálculo entre os custos: o custo do direito penal e o custo da anarquia punitiva.
Ao lado do direito de punir do estado convive pari passu os direitos do preso e cada um destes direitos também representam, por sua vez, um custo para a sua garantia, exigindo assim a alocação de recursos públicos com este propósito. A questão é saber se estes recursos estão sendo empregados de forma eficiente no sentido propugnado pela ciência econômica.
Para a economia, eficiência é extraída do sopesamento entre o custo empregado e o benefício auferido, de modo que quanto menor o custo e maior o benefício conquistado, estar-se-á diante de uma maior eficiência, ao passo que sendo maior o custo e menor o benefício, evidente será a ineficiência. Estabelecidas tais premissas, cumpre examinar os direitos que estão relacionados com a sobrevivência do sistema prisional e assim verificar qual o custo destes direitos para o governo brasileiro.
2.1 Direito de punir estatal
Analisar detidamente e com profundidade o conceito do direito de punir do estado extrapola os limites e os propósitos do presente trabalho[5], no entanto, é necessário situar o direito de punir estatal enquanto direito assegurado pelo ordenamento jurídico brasileiro e tecer algumas breves considerações em seu derredor.
O direito de punir pode ser compreendido, em linhas gerais, como o poder conferido pela Constituição ao estado de prever, aplicar e executar as penas diante da comprovação da prática de condutas criminosas pelos cidadãos em detrimento dos valores protegidos pela sociedade, que deve observar aos princípios previstos na própria constituição, como é o caso do princípio da legalidade, da culpabilidade, do devido processo legal, citando estes para exemplificar.
Este poder foi inaugurado pela instauração do Estado moderno, obviamente sem as garantias atualmente vigentes, evoluindo ao longo dos anos até ganhar a conformação que dos dias atuais. Em sua origem, o próprio particular ofendido poderia adotar a medida que entendia necessária para a punição do agente delituoso, sendo institucionalizada a vingança individual e coletiva.
“A vingança, não padece dúvida, constitui o modo primitivo de ‘solução’ do conflito penal (aliás, a vingança encontra-se verdadeiramente imersa na formação do direito penal, máxime na ideia de retributividade), de modo que nos primórdios civilizacionais eram os próprios particulares que reagiam as ofensas que lhes eram produzidas. Prevaleciam reações espontâneas (impulsos de retaliação) que implicavam quase sempre emprego de força e em uma exacerbada violência. A outro tanto, os excessos retributivos importavam de modo assaz frequente, no surgimento de renovadas necessidades de retaliação (pondo a girar uma viciosa cadeia de vinganças). Aliás, ‘a vingança não é um drama de um só ato”’[6].
Ultrapassadas etapas, a visão da justiça privada foi sendo substituída pela justiça pública, prevalecendo hoje que o direito de punir pertence exclusivamente ao estado, não podendo ser delegado ao particular, sob pena de assim se regressar à vingança privada outrora admitida.
Sobre esta fase de transição, Guilherme Costa Câmara ainda destaca:
“Merece ser sublinhado que a ‘substituição histórica da vitima pelo Estado teve apenas como medida a dimensão dos interesses do Estado’, daí que ao assumir o monopólio da reação criminal não o fez com a intencionalidade de proteção das vitimas individuais. Antes a assunção do monopólio do jus puniendi exigiu, exatamente, a superação da ordem anterior baseada nas reações privadas”[7].
A adoção da justiça pública como consequência do processo histórico e das mudanças da própria sociedade implicam na assunção de responsabilidade pelo Estado perante cada um dos cidadãos de que irá punir os agentes criminosos que perpetrarem infração penal. Esta atividade estatal será custeada pelos impostos, como já afirmado e a aplicação destes recursos exige responsabilidade e respeito ao orçamento.
Vale dizer, todos os gastos para o exercício do direito de punir dependem por um lado da existência de verbas públicas e de outro lado da correta aplicação destes recursos. Demais disso, ao contrário do que inopinadamente se imagina, o direito de punir não envolve apenas a construção e manutenção de presídios envolve outros gastos, que quando não são considerados, tornam insustentável o sistema prisional.
A falência do sistema diz mais respeito aos gastos necessários ao fortalecimento e garantia do direito de punir, do que propriamente das falhas do sistema penitenciário, enquanto estrutura e instituição. Importante observar que o processo judiciário necessário para a aplicação da pena já envolve, por si só, o dispêndio de grande monta de recursos para o seu desenvolvimento, porém os gastos não se encerram com a conclusão do processo e a execução da pena, em verdade, estes valores são ainda mais incrementados, não se podendo criticar o sistema sem levar em consideração o custo do direito de punir estatal.
Para exercer o jus puniendi, o estado depende da cooperação social: sem que a sociedade compreenda que também diz respeito a ela garantir que o sistema prisional funcione, é impossível que o estado atue sozinho. É aqui, portanto, muito válida a expressão de comportamento responsável já referida linhas acima, como conduta que se preocupa em reduzir os danos para si e para os outros. Todas as críticas lançadas ao sistema prisional nunca levam em consideração o descompromisso social com o encarcerado e com as políticas públicas destinadas a manutenção do sistema e da sua população. Não é despiciendo, portanto lembrar que é dever do estado, mas também é de responsabilidade de todos, como bem evidencia o teor do art. 144 da Constituição Federal: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e do patrimônio”[8].
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ[9], o Brasil possui hoje a quarta maior população carcerária do mundo, com cerca de 563.526 pessoas presas no país. Quando acrescidos a este número a quantidade de prisões domiciliares, o total alcança o patamar de 711.463 pessoas. Um número tão elevado, certamente, demanda maiores custos para o Estado, pois em relação a cada um destes presos, o estado manifesta o seu direito de punir.
2.2 Direitos individuais dos presos
A limitação do direito à liberdade de ir e vir do preso não conduz a negação dos demais direitos individuais e fundamentais de que é titular, quando não atingidos pela sentença condenatória. Ao ingressar no sistema prisional, o preso opõe ao Estado um feixe de direitos, dentre os quais, os direitos à vida, integridade física, segurança, saúde, alimentação, educação, lazer, trabalho. Nesta linha, eis o que dispõe o art. 41 da Lei de Execuções Penais:
“Art. 41 – Constituem direitos do preso:
I – alimentação suficiente e vestuário;
II – atribuição de trabalho e sua remuneração;
III – Previdência Social;
IV – constituição de pecúlio;
V – proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
VI – exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII – assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII – proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
X – entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X – visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI – chamamento nominal;
XII – igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XIII – audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV – representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003)
Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.”[10]
A questão fica mais clara quando se atribui valores a cada um destes direitos e na ausência de números confirmados, procura-se ao menos estimar quanto representa a garantia de cada um destes direitos para cada preso. Seja qual o valor que se atribua em relação a eles, este número necessariamente será multiplicado pelo total da população carcerária, ou seja, considerando os quantitativos atuais os custos representam milhões para os cofres públicos mensalmente.
Desta breve análise, já permite rechaçar as manchetes de jornal, pois afirmar singelamente que um preso custa mais que um estudante de ensino superior ao Estado não tem a profundidade necessária para exame econômico do direito em questão. Tanto o estudante como o preso são titulares de direito a serem assegurados pelo Estado, o custo que cada um deles representa traduz a opção da sociedade pela sua proteção e a necessidade do Estado de alocar mais recursos para também assegurar o seu direito de punir.
Todos os direitos são relevantes e todos eles são custosos para o Estado. Acontece, porém, de um exigir que sejam desembolsados mais recursos que outros, sem que isso signifique que o Estado gastando mais com determinado direito, atenda-o e garanta-o mais plenamente que outro, com o qual tenha investido aparentemente menos. No campo do ensino superior, segundo dados do Censo da Educação Superior[11], o número de estudantes de ensino superior no Brasil, em 2012, totalizou cerca de 7 milhões de alunos. No mesmo ano, o número de presos no Brasil, de acordo com os dados coletados pelo InfoPen[12] 548.003 pessoas. Resta evidente que o valor individual para garantia do direito do preso, por constituir um divisor menor, ainda que o orçamento destinasse o mesmo valor para os dois setores, necessariamente se apresentaria superior, o que não implica ser o mais valorizado.
Holmes e Sustein, analisando a realidade norte-americana retratam que o direito do preso é caro por exigir um aporte de recursos bastante significativo, seja para reduzir a atuação imprópria dos funcionários que atuam no sistema prisional, seja para frear a atuação do Ministério Público, bem assim para garantir as condições minimamente humanas do confinamento. Concluem que o sistema é caro porque visa evitar a condenação de inocentes e a atuação policial e dos agentes penitenciários que violem a integridade dos presos mediante maus tratos.
“Protecting prisoners' rights, even quite modestly, is costly. To avoid degrading treatment, prison cells must be ventilated, heated, lit, and cleaned. Prison food must provide minimal nutrition. The Eighth Amendment demands that prison wardens and guards provide minimally humane conditions of confinement. A prison official violates a constitutional right where the deprivation alleged is, objectively, 'sufficiently serious’, and if he acts with ‘deliberate indifference’ to inmate health and safety. In the federal prison system alone, medical care costs ran to $53 million in 1996”[13].
É importante perceber que não se trata de uma questão brasileira e regionalizada. O direito do preso, dentro de um sistema democrático, que apregoe o respeito aos direitos humanos e fundamentais, representa um alto custo para a sua manutenção. A escolha pela liberdade, pela democracia e pela dignidade do homem, uma vez manifestada, exigirá da atuação estatal o desempenho de atividades que não poderão ser supridas sem que sejam aplicados altos valores para tanto, afinal a segurança deve ser paga e junto com ela é agregado um feixe de direitos que também representa custos para o Estado. Assim, certo é dizer que dentro do sistema prisional, o direito do punir do estado e os direitos fundamentais do preso precisam ser economicamente pensados para que sejam efetivamente assegurados, havendo uma relação sine qua non entre o direito assegurado e o custo de sua efetivação.
3. Alocação dos recursos públicos para garantir o direito de punir estatal e os direitos individuais dos presos: as chamadas escolhas trágicas.
Como definir o quanto e para onde serão destinadas as verbas públicas é uma questão bastante tormentosa na seara política, não só por exigir probidade administrativa na gestão dos recursos públicos, mas principalmente por são ser fácil identificar a real necessidade e quantificar de forma certeira o suficiente para atender a cada direito. Demais disso, enquanto as despesas são certas de sua existência, as receitas não são tão simples de se estimar. A alta carga tributária brasileira é devidamente acompanhada de altos níveis de sonegação, restando ao Estado equilibrar esta balança.
No tocante ao sistema prisional, o projeto de Lei Orçamentária anual – LOA para o exercício 2015[14] previu para as ações de saúde destinada a população carcerária no Brasil o valor de R$48.000.000,00 (quarenta e oito milhões de reais). Em relação às despesas para infraestrutura e modernização do sistema prisional a previsão de custo foi de R$188.100.000,00 (cento e oitenta e oito milhões e cem mil reais). Já para garantir políticas de humanização e implementação de ações de reintegração social ao egresso da prisão, os valores previstos foram de R$49.000.000,00 (quarenta e nove milhões de reais).
Para chegar a estes números, o percurso da Administração é árduo. Primeiro porque é necessário definir quanto se deseja gastar. Neste processo, o estado depara-se com recursos escassos e necessidades infinitas e precisa dizer previamente qual o valor que pretende desembolsar. Segundo, cabe-lhe ainda delimitar quais os direitos a serem a atendidos. A tarefa não é fácil, porque os direitos são formulações genéricas, que muitas vezes atraem outros tantos formando um verdadeiro bloco de pretensões, todos sempre representando um custo. Terceiro, cumpre ainda ao Estado atuar de forma eficiente, visando dar maior proteção a um menor custo.
Revela-se de todo recomendável que não se veja o poder de punir do estado como a única solução das mazelas sociais. O sistema prisional é necessário por outras tantas razões, mas não única e exclusivamente como forma de tratar do fenômeno criminógeno. É apenas um instrumento e não um fim em si mesmo. Como bem observa Zaffaroni:
“[…] Pode-se afirmar que a história do poder punitivo é a das emergências invocadas em seu curso, que sempre são sérios problemas sociais. A esse respeito falou-se, com acerto, de uma emergência perene ou continua, o que é facilmente verificável: o poder punitivo pretendeu resolver o problema do mal cósmico (bruxarias), da heresia, da prostituição, do alcoolismo, da sífilis, do aborto, da rebelião, do anarquismo, do comunismo, da dependência de tóxicos, da destruição ecológica, da economia informal, da corrupção, da especulação, da ameaça nuclear etc. cada um desses conflitos problemas dissolveu-se, foi resolvido por outros meios ou não foi resolvido por ninguém, mas nenhum deles foi solucionado pelo poder punitivo. Entretanto, todos suscitaram emergências em que nasceram ou ressuscitaram as mesmas instituições repressoras para as quais em cada onda emergente anterior se apelara, e que não variam desde o século XII até a presente data”[15].
Partindo-se das premissas de que o poder punitivo não é suficiente para atender a todas as mazelas sociais e de que é importante para a proteção de direitos tanto do próprio estado como do preso, a alocação de recursos para seu atendimento pode levar o estado às chamadas escolhas trágicas, na expressão de Guido Calabresi e Phillip Bobbitt[16].
De acordo com Gustavo Amaral, as decisões alocativas “são de duas ordens: quanto a disponibilizar e a quem atender”[17]. Embora dê ênfase à saúde dentre as necessidades públicas, a escassez e a escolha são elementos a serem analisados também na seara dos demais direitos fundamentais, pois é neste terreno árido que se tomará as decisões acerca da alocação de recursos públicos.
“Firmado que há menos recursos do que o necessário para o atendimento das demandas e que a escassez não é acidental, mas essencial, toma vulto a alocação de recursos. As decisões alocativas são, como bem captado por Calabresi e Bobbitt, escolhas trágicas, pois, em última instância, implicam na negação de direitos […]”.[18]
As críticas ao montante gasto pelo governo federal com o sistema prisional brasileiro, em alguns aspectos, estão relacionadas justamente a escassez. Como não há recursos suficientes para atender a todas as necessidades, num primeiro momento é comum questionar porque gastar com aquele que quebrou o contrato social e perpetrou um delito. Mas a questão não é simplista como parece ser e vai bem mais além do que isso. A escolha por atender esta necessidade do preso não tem conteúdo individualista, em verdade, resulta de uma necessidade da comunidade que de forma geral e coletiva, imprescinde do funcionamento do sistema tal como hoje posto.
3.1 A quebra da responsabilidade do contribuinte e desequilíbrio das contas
O sistema prisional não é depósito de pessoas indesejáveis, muito embora assim possa parecer a alguns. Neste contexto, é importante reconhecer que a sua existência decorre da opção política pela legalidade e pelo estado democrático de direito, de modo que toda a sociedade responde por esta escolha que é determinante para a estruturação, não se podendo admitir o pensamento e a adoção de comportamentos irresponsáveis por parte da população.
A implementação e o funcionamento do sistema prisional depende da atuação responsável daquele que está fora do sistema prisional, encarregado do aporte de recursos, a ser constituído pelo recolhimento dos tributos, pois, repise-se, qualquer política pública para que tenha êxito, dependerá da receita decorrente dos tributos que serão destinados a consecução dos seus fins. Quando estes recursos não são atingidos a consequência lógica é justamente o não atendimento da necessidade, no caso, o bom funcionamento do sistema carcerário.
Consoante se extrai do diagnóstico de pessoas presas no Brasil divulgado pelo CNJ[19], o número de vagas no sistema é muito inferior ao total da população carcerária existente. Questão a saber é se esta insuficiência de vagas está relacionada com a insuficiência dos recursos públicos auferidos pelo Estado ou se decorre da má gestão administrativa. Antes, porém, importa salientar que o déficit de vagas no sistema prisional também não é um problema exclusivo do Brasil. Segundo o CNJ[20], num comparativo entre Brasil, Argentina, México, África do Sul e Alemanha, apenas esta última não possui déficit de vagas, contando com apenas 82% da ocupação das 76.556 vagas disponíveis.
Nesta linha de intelecção, parece-nos falho o argumento de que o problema do sistema prisional brasileiro seja a falta de vagas, já que esta experiência é repetida em outros países que gozam de uma posição mais favorável no ranking dos países com maior população carcerária do mundo. Também não se sustenta a ideia de que faltam recursos públicos, uma vez que o Brasil possui uma das maiores cargas tributárias do mundo e, por esta razão, deveria ostentar uma das maiores arrecadações também.
Ocorre que, há um desvio relevante que desencadeia o desequilíbrio das contas públicas: a sonegação de impostos. Ao deixar de contribuir, assume-se o risco de não ver atendidas as necessidades públicas, tampouco ver implementadas as políticas públicas destinadas a supri-las, ainda que parcialmente. Deste modo, não é possível ao Estado cumprir com a previsão orçamentária, se a receita esperada não é recolhida ao erário.
Quando há sonegação, o Estado é forçado a fazer uma nova escolha para determinar a alocação dos recursos públicos disponíveis, mas neste segundo momento as escolhas precisam rever o que já tinha sido ponderado inicialmente sobre o que atender e quanto atender. Aqui, sem dúvidas, a possibilidade de não se atender mais a eficiência é muito grande, já que dificilmente irá se alcançar o menor custo e o maior benefício.
As razões da sonegação são as mais diversas, no entanto, isto pode ser contemporizado pela maior confiança do cidadão na figura do Estado, bem assim pelo reconhecimento de que é de sua responsabilidade arcar com os custos dos direitos que pretende ver afirmados e garantidos. Obviamente, esta confiança é uma via de mão dupla, tendo em vista que quanto mais o cidadão confiar que o Estado irá atuar eficientemente e atender as necessidades públicas, menos ele irá sonegar. De igual modo, quanto mais o cidadão compreender seu papel de agente de cooperação com o estado na implementação de políticas públicas, mais responsavelmente agirá, deixando de se desincumbir de um ônus que é seu e com o qual deve adimplir para benefício próprio e da coletividade.
3.2. A quebra da responsabilidade do estado: responsabilidade fiscal e improbidade administrativa
Se de um lado atuação irresponsável do particular causa desequilíbrio para as contas públicas e repercute negativamente na consecução das políticas públicas, também é causa de desequilíbrio a irresponsabilidade estatal. Na alocação de recursos públicos exige-se responsabilidade fiscal do agente público que não poderá gastar mais do que aquilo que efetivamente auferiu, demais disso deverá prestar contas dos seus gastos, não podendo se desviar dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
De acordo com o parágrafo 1º do art. 1º da Lei de Responsabilidade Fiscal[21]:
“A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.”
Para que aja com responsabilidade fiscal, o agente público deve apresentar uma gestão planejada, eficiente, proba e transparente, de modo a garantir o equilíbrio das contas públicas; as receitas e despesas devem guardar entre si uma relação de coerência. Válido lembrar que o desatendimento pelo administrador pode ensejar a persecução criminal[22], no entanto, a principal consequência desta atuação é, de fato, frustrar o atendimento das necessidades públicas.
Recentemente dois estados do Nordeste passaram por rebeliões de presos e em ambos a responsabilidade fiscal foi apontada como causa da crise do sistema prisional. No Estado do Maranhão[23] apontou-se que nos últimos dez anos houve devolução de verbas públicas que deveriam ser empregadas na infraestrutura e ampliação do sistema prisional daquele estado da federação. Já no Estado do Rio Grande do Norte, o Secretário de Segurança Pública afirmou que a Lei de responsabilidade fiscal não seria mais importante que a segurança pública e que os valores envolvidos[24].
Malgrado a perda de controle do sistema prisional não seja uma medida querida e desejada pela sociedade, a exigência de responsabilidade fiscal não pode ser vista como óbice ao seu regular funcionamento. Em verdade, a Lei de responsabilidade fiscal regulamenta o art. 165 da Constituição Federal, devendo haver um equilíbrio entre o que se faz com o dinheiro público e as necessidades da população. É dizer, não é possível culpar o controle fiscal pela ineficiência do sistema prisional.
Outra causa de desequilíbrio das contas públicas e que repercute no sistema prisional é a improbidade administrativa. Não só o desvio de poder, o enriquecimento ilício e a corrupção devem ser levados em consideração, mas também a atuação lesiva aos princípios da administração por parte dos agente penitenciários, seja aqueles que permitem a entrada de celulares e drogas, seja aqueles que praticam atos de violência contra os encarcerados, pois todos estes elementos conjugados concorrem para o aumento dos custos dos direitos que envolvem o sistema prisional.
Jônica Marques Coura Aragão e Maria Marques Moreira Vieira defendem que a necessária efetividade do sistema prisional exige do Ministério Público uma atuação direcionada a adotar medidas de combate à improbidade administrativa. Para elas, as condutas de improbidade dentro do sistema prisional são responsáveis por causar lesão à sociedade que financia o sistema, ponderando que:
“O cenário fica ainda mais tenebroso quando dentro desse sistema, caótico, por si mesmo, operam agentes públicos capazes de cometer atos de desvios ou de excesso, implicando em condutas que se contrapõem aos princípios da Administração Pública. Nesse caso, a comunidade é duplamente lesada: pois financia um sistema para atuar repressiva e preventivamente contra o crime e ele falha. Falhando, igualmente, o corpo administrativo mantido para bem gerir esse sistema”[25].
Com efeito, a improbidade gera um incremento dos custos do sistema prisional, na medida em que as violações ocorridas causam danos materiais na estrutura, que implicam em gastos com a manutenção, o monitoramento e a segurança. Por outro lado, também representam aumento das despesas com a saúde dos encarcerados, quando ocorrem violências e agressões no interior do presídio, fazendo com que a conta não feche ao final do exercício financeiro. Onde há aumento de custos, necessariamente está ausente a eficiência.
4. Privatização dos presídios: menor custo e maior eficiência?
A ideia de que a gestão privada é mais eficiente é trazida à tona sempre que um serviço público prestado pelo Estado está em crise. Não se tratam dos sintomas, nem se buscam as causas do problema, elege-se a privatização como uma fórmula incontestável de solução do problema, ao passo que o debate sobre os aspectos mais profundos em torno do tema fica relegado para um outro momento, que não se sabe quando e se, de fato, irá chegar.
A primeira questão que se impõe é saber se é possível privatizar o sistema prisional, bem como se o que está sendo proposto e implantado no país é privatização ou terceirização, cada um com seu conceito e tratamento diferentes na legislação brasileira.
Marcelo Kuehne destaca que a expressão “privatização de presídios” pode conduzir aos seguintes enfoques: a uma administração total pela empresa privada; a construção do presídio pela empresa privada e subsequente locação pelo Estado; a utilização pela empresa privada do trabalho do preso. Entende não ser compatível como ordenamento jurídico pátrio o primeiro enfoque, defendendo, contudo, ser possível a terceirização de serviços.
“Com o enfoque do problema da terceirização, quer por imperativo constitucional, quer por imperativo legal, não podemos compactuar. Ousaria afirmar que, em termos do elenco dos direitos e garantias individuais contidos em nossa Constituição, os eventuais projetos, como o Projeto de Emenda Constitucional, que visa possibilitar que o Brasil possa trabalhar com a privatização dos presídios, na sua modalidade básica e fundamental – citamos como exemplo os Estados Unidos – eu afasto, porque existem cláusulas pétreas a fazer com que o respeito à dignidade do ser humano deva existir. Mas na terceirização, no enfoque de que em determinados setores aqueles relacionados a administração da pena, materialmente falando, não o aspecto da segurança, de jurisdição, mas, por exemplo, o serviço de alimentação poderia ser terceirizado? Poderia, perfeitamente”[26].
A privatização tem conceito em sentido amplo e em sentido restrito. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em sentido amplo, "abrange todas de medidas com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado e que compreendem, fundamentalmente: a) desregulação (diminuição da intervenção do Estado no domínio econômico); b) desmonopolização de atividades econômicas; c) a venda de ações de empresas estatais ao setor privado (desnacionalização ou desestatização) d) a concessão de serviços públicos (com a devolução da qualidade de concessionário à empresa privada e não mais a empresas estatais, como vinha ocorrendo); e) os contracting out (como forma pela qual a Administração Pública celebra acordos de variados tipos para buscar a colaboração do setor privado, podendo-se mencionar, como exemplos, os convênios e os contratos de obras e prestação de serviços); é nesta última formula que entra o instituto da terceirização"[27]. Já em sentido restrito, "abrange apenas a transferência de ativos ou de ações de empresas estatais para o setor privado"[28].
A parceria público-privada é modalidade de concessão, instituída pela Lei 11.079/2004[29], que pode ser realizada sob a forma patrocinada ou na modalidade administrativa. A princípio algumas vozes se opuseram a implantação de parcerias público-privadas no sistema prisional sob o argumento de que o poder punitivo do estado é indelegável e, por esta razão não seria possível a privatização das penitenciárias, concluindo pela inconstitucionalidade da medida. Ocorre que, o poder punitivo do estado não sofre qualquer alteração quando a atividade administrativa dos presídios é delegada a um particular, afinal de contas o poder punitivo está na aplicação e execução da pena, não está na forma como será gerido administrativamente o sistema prisional.
O sistema prisional engloba os estabelecimentos que se destinam a execução penal, bem assim a organização administrativa do serviço de segurança pública dentro dos presídios, das penitenciárias, dos hospitais de custódia e tratamento para a aplicação de medida de segurança e das casas de detenção e albergado. Além das instituições prisionais, o sistema é composto por agentes e medidas administrativas direcionadas a execução da pena.
Atualmente, o Brasil conta com 2.773 estabelecimentos prisionais, destes cerca de 30 estabelecimentos são privatizados/terceirizados, distribuídos nos estados da Bahia. Minas Gerais, Santa Catarina, Espírito Santo, Tocantins, Alagoas e Amazonas. Ainda, o estado de São Paulo pretende construir três presídios privados e o Rio de Janeiro (re)inaugurou o primeiro presídio privado, no município de Resende, após a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa ter constatado uma série de problemas naquela unidade.
Conhecido como primeiro presídio privado no Brasil, o Complexo Penitenciário Público Privado, localizado na cidade de Ribeirão das Neves, no Estado de Minas Gerais, na verdade, é uma parceria público-privada, cuja proposta teve como base o slogan “menor custo e maior eficiência”. Passados quase três anos desde a sua inauguração, os custos são altos, a eficiência é questionável e a sua ocupação também torna duvidosa a sua prestabilidade.
4.1 “O presídio é um bom negócio”
Como bem observa o artigo publicado no Boletim IBCRIM, a administração e gestão de presídio é um negócio e dos mais lucrativos, notadamente quando este serviço está nas mãos do particular:
“Em 1834, Jeremy Bentham foi o primeiro autor a propor a concessão de contrato de administração de penitenciárias a fim de satisfazer interesses econômicos privados. Tal idéia não prosperou, tendo voltado à baila, novamente, nos anos 80 do século passado durante o Governo Reagan. Nos últimos 25 anos, a população carcerária americana cresceu continuamente (2,3% em 2007), chegando ao astronômico patamar de mais de 2.300.000 pessoas encarceradas (um em cada 99 adultos está preso). Tal fenômeno criou um sistema, chamado por Nils Christie, de a “indústria do controle do crime”. Cadeia é um negócio — e dos lucrativos —, o que talvez explique o interesse em se continuar a encarcerar pessoas por fatos muitas vezes irrelevantes. Cá como lá, o interesse empresarial na construção de cárceres privados atende a uma demanda. Ou, se preferirmos, a demanda é criada por esses interesses. Se o produto é o resultado dos fatores, cuja ordem é irrelevante, o fato é que temos mais de 430.000 presos nas penitenciárias e cadeias do Brasil. Isso dá um índice de 227 presos por 100.000 habitantes” (conforme dados do Depen, consolidados em julho de 2007)[30].
De acordo com matéria veiculada no Opera Mundi[31], os presídios norte-americanos geram um lucro considerável para as empresas responsáveis por sua administração. Movidos pelo lucro, as empresas fazem lobby junto ao governo federal para garantir que a legislação atenda aos seus interesses, obtendo assim não só o apoio legislativo, mas também o crescimento do encarceramento naquele país, endurecimento das penas e da repressão policial:
“Desde a inauguração em 1983, a empresa passou a fazer parte do seleto grupo das multibilionárias dos EUA com um "produto" no mínimo controverso: prender pessoas. A lógica de mercado é simples: quanto mais presos os centros penitenciários abrigam, mais verbas federais são repassadas para a CCA e outras prisões, aumentando gradativamente os lucros. Segundo o instituto Pew Charitable Trusts, o setor registra recordes consecutivos de lucro no decorrer dos últimos anos e é o segundo mais rentável aos investidores do país”[32].
A preocupação da Pastoral Carcerária Nacional é que esse modelo lucrativo norte-americano que inspira as propostas de mudança do sistema prisional brasileiro seja absorvido por nosso país, sob o fundamento distorcido de que se trata de uma política para sanar a superpopulação nos presídios, quando a realidade aponta justamente para o fomento do encarceramento.
Segundo o estudo da Pastoral Carcerária Nacional, o custo das prisões privatizadas importa aumento do custo do preso pago com o dinheiro público, sem com isso haver um maior benefício para a sociedade. Os benefícios, em verdade, são garantidos as empresas que exploram a atividade e fazem dela um grande negócio:
“O custo aproximado do repasse do estado à iniciativa privada, por preso, é de R$ 3000,00/mês. Esse valor não inclui gastos com escolta e guarda externa, despesas da administração penitenciária, despesas com supervisão dos contratos, despesas processuais, despesas com internação médica e eventuais diligências policiais. Os opositores à privatização argumentam que o valor gasto com o preso, em unidades privatizadas, é excessivamente alto, o que tornaria inviável a privatização. Por sua vez, os defensores argumentam que há melhor qualidade dos serviços assistenciais e melhor uso dos recursos, principalmente na compra de material, o que terminaria em menor custo final para o Estado. Além disso, as empresas estariam mais interessadas em buscar meios para que os presos trabalhem, gerar renda para eles, custear os gastos com a administração prisional e reduzir o tempo da pena por meio da remição por trabalho. Como se verá nos achados dos relatórios, o alto gasto com presos efetivamente apresenta bons resultados em termos de benefícios assistenciais: saúde, alimentação e serviços jurídicos, mas não eleva a empregabilidade dos detentos”[33].
Com efeito, as experiências até então vivenciadas no Brasil quanto às parcerias público-privadas em presídios levam a estes e outros questionamentos. Economicamente, se a ideia é reduzir custos e aumentar benefícios, a fim de alcançar a eficiência, não faz qualquer sentido duplicar o custo do sistema prisional para o Estado e gerar lucro para o particular, deixando de atender as necessidades públicas que grassam ao redor da questão em debate.
Este incremento do custo é salientado por Paula Sachetta em matéria que analisa o complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves, onde o custo mensal do preso aproxima-se de três mil reais, ao passo que o valor gasto com um preso nos presídios públicos é de cerca de mil e trezentos reais[34]. Na reportagem, Sachetta apurou que existe uma manipulação do perfil dos presos para que seja direcionado para o complexo apenas aqueles com bom comportamento para manter a imagem de sucesso do projeto.
Outro aspecto relevante investigado pela reportagem diz respeito ao trabalho do preso que custaria 54% mais barato do que qualquer outro trabalhador assalariado, tornando esta mão de obra bastante lucrativa. O ganho da empresa, contudo, não é direto, já que não pode contratar diretamente o trabalho do preso, mas sim indireto, haja vista que os presos são consumidores dos produtos que eles mesmos fabricam dentro do sistema prisional[35].
Este cenário lucrativo repete-se também no Estado da Bahia. A empresa privada responsável pelas unidades prisionais em cogestão tem recebido parcelas cada vez maiores do governo estadual, como apurou a Pastoral Carcerária Nacional:
“Através do Portal da Transparência de alguns estados, foi possível identificar o total pago à empresas de cogestão, porém ainda não fica esclarecido o valor repassado às empresas por preso nas unidades. Na Bahia, verificou-se que em 2011, 2012 e 2013 foram pagos R$ 12.051.157,49 (R$ 11.103.980,24 + 947.177,25), R$ 29.801.527,72 (R$ 22.745.501,32 + R$ 7.056.026,40) e R$ 47.429.888,96, respectivamente, a título de compras, serviços e obras e outros para a empresa Reviver. Em 2013, as unidades administradas pela Reviver cuidavam de 3.573 presos, sendo 1.968 presos no estado da Bahia. A SEAP gastou, em 2013, R$ 285.728.303,82. A Bahia tem 24 unidades prisionais, sendo 6 delas em modelo de cogestão e 4 sob administração da Reviver”[36].
Não há nada de ilícito no fato de as empresas obterem lucro, uma vez que esta é a lógica do capitalismo. De igual modo, não seria factível exigir altruísmo da atividade empresarial, cujo objetivo final sempre será o lucro. O que realmente fica fragilizado diante deste quadro é o argumento de que a “privatização” dos presídios apresenta-se como uma solução para as mazelas do sistema carcerário, quando sua existência depende necessariamente que o sistema continue ineficiente: o maior lucro depende da superpopulação (quanto mais pessoas presas melhor), do aumento das penas e da insatisfação com o serviço público. Questões como ressocialização, humanização e dignidade são apenas coadjuvantes que são suscitados como um véu legitimador do benefício individual em detrimento do prejuízo coletivo.
4.2 A Comissão parlamentar de inquérito do sistema carcerário
A insuficiência e a ineficiência do sistema prisional motivaram a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito – CPI na Câmara dos Deputados, no ano de 2015, cujo relatório final apresentou 20 propostas com vistas a solucionar a falência do sistema carcerário. Numa tentativa anterior, ocorrida em 2008[37], a comissão parlamentar de inquérito elaborou cerca de 12 projetos de lei e nenhum deles foi aprovado.
Do relatório final da CPI do sistema carcerário de 2015[38] dentre os 20 projetos de lei, a maior parte deles representam aumento de custo do sistema prisional. No relatório foram considerados os dados que indicam o valor mensal do preso em comparativo com a estrutura privada e pública, bem assim os custos para a construção de presídios e de instrumentos de segurança e monitoramento. Não obstante, todos os outros custos financeiros que circundam o sistema prisional foram olvidados, assim como os custos que serão gerados pelos projetos de lei que resultaram do trabalho da comissão.
A princípio, este relatório final de 2015 terá mais êxito que o primeiro ocorrido em 2008. Das 20 propostas sinalizadas[39], pelo menos uma já foi acolhida pelo CNJ e adotada por alguns tribunais estaduais pelos Tribunais regionais federais, referente à audiência de custódia. A medida é simples e se bem utilizada pode vir a reduzir custos dentro do sistema, uma vez que o preso é de imediato apresentado ao Juiz que avaliará a necessidade e o cabimento da prisão em flagrante, evitando o encarceramento ilegal e desproporcional, sendo ouvidos de logo o Ministério público e a defesa.
Já os demais projetos merecem uma análise de custos mais detalhada, mormente porque quando se trata de transferir dinheiro público para a iniciativa privada ou de redução de receitas com a dedução de encargos devidos pelas empresas privadas, os reflexos no equilíbrio das contas públicas pode colocar em risco direitos que são por ele custeados e que serão reflexamente atingidos.
Para que não fique em mais do mesmo, o trabalho da CPI pode ser melhor aproveitado se a ele forem agregados dados mais específicos sobre a realidade dos presídios em cogestão privada, notadamente sobre os custos, para assim munir o estado de elementos mais concretos e precisos para orientar sua escolha pelo modelo publico-privado.
Não existe um modelo que irá solucionar todos os problemas. Se assim fosse, os outros países que historicamente já possuem mais experiência nos modelos privados de gestão de presídios não possuiriam um número tão alto de encarcerados, nem problemas com a criminalidade. É utópico pensar numa sociedade sem crimes e, neste contexto, a prisão é um mal necessário, mas nem por isso significa que deve ser financeiramente um bom negócio para o particular e mal para o estado. O nó górdio está em equilibrar esta balança e manter as contas públicas em superávit, na mesma medida em que as garantias dos direitos.
5. Conclusão
O custo do sistema prisional brasileiro é alto porque engloba um feixe de direitos fundamentais do preso aliado ao próprio direito de punir do estado, demandando ambos o dispêndio de capital para a sua garantia e exercício pleno.
Uma série de fatores corrobora para que este valor seja incrementado, a principal delas diz respeito a falta de responsabilidade e consciência que o cidadão brasileiro tem relação ao direito do outro, que desrespeitado, acaba por atingir reflexamente o seu próprio. Como o estado depende da cooperação social e dos tributos para garantir os direitos fundamentais, condutas sonegadoras desequilibram as contas e o orçamento público, comprometendo indiretamente a salvaguarda dos direitos. Por outro lado, a improbidade administrativa e o desatendimento as diretrizes de responsabilidade fiscal por parte dos agentes públicos também concorrem negativamente para atenção aos direitos fundamentais, não sendo diferente na administração carcerária pública.
A adoção da cogestão privada dos presídios no Brasil apresenta mais desvantagens do que vantagens. Os valores gastos com o preso são duplicados, quando não triplicados, nesta modalidade de gestão. Além disso, a lucratividade para as empresas cria um terreno fértil para o fomento das leis que pregam pelo do aumento das penas e do endurecimento da repressão, culminando na manutenção do quadro crescente da população carcerária.
Em contraposição, o estado ao ter um custo maior com o preso não resolve os problemas que são indicadores da falência do sistema prisional e ainda compromete mais recursos públicos para atender ao sistema carcerário. A quebra do paradigma de que a cogestão privada dos presídios garantiria menor custo e maior eficiência demonstra que esta solução está longe de atender as expectativas da população e do estado e convida a reflexão: a quem atende e a quem favorece o sistema prisional brasileiro?
Enquanto houver favorecidos “invisíveis” aos olhos da sociedade e do estado, nenhuma mudança e nenhuma proposta produzirá qualquer efeito, que não seja aquele que atende à manutenção do status quo.
Notas:
Bacharela em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. É especialista em direito processual civil pela UniJorge/Juspodivm. Mestranda em direito público pela Universidade Federal da Bahia. Analista Judiciária do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, lotada na seção judiciária da Bahia
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