O artigo 225 da Constituição Federal impõe à coletividade e ao Poder Público o dever de preservar o meio ambiente. O presente artigo aborda a atuação da Administração Pública na consecução desta tarefa, que deve ter suas ações orientadas pelos princípios expressos no artigo 37 da CF/88 e também àqueles que orientam o Direito Ambiental, em especial, o Princípio da Precaução[1]
Introdução
Os direitos humanos fundamentais não são estanques e restritos, ao contrário, acompanham as transformações políticas, sociais e econômicas que ocorrem na sociedade, favorecendo o surgimento de novos direitos. Assim, o Direito Ambiental se tornou, nas últimas décadas, uma preocupação latente na sociedade, o que impulsionou a elaboração de normas que regulam a proteção do meio ambiente. Na verdade, é uma resposta da sociedade que tem consciência do dever de buscar alternativas para, senão a solução, pelo menos a minimização dos efeitos da degradação ambiental.
O caput do artigo 225 da Constituição Federal dispõe:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Pode-se, assim, afirmar que o direito ambiental é um Direito humano fundamental.
Desta forma, ao mesmo tempo em que o Direito Ambiental emergiu e fora reconhecido pela Constituição Federal como um Direito Humano Fundamental, surge a necessidade de que este seja implementado. A eficácia deste novo direito não prescinde apenas do cumprimento de normas do direito ambiental; ela pressupõe a cidadania ecológica, ou seja, a participação da sociedade nas discussões referentes ao meio ambiente e também a reorganização do Estado, em última análise, da Administração Pública, a fim de que esta utilize o aparato estatal disponível no intuito de assegurar a todos o direito de viver num ambiente ecologicamente equilibrado.
Derani afirma que:
[…] O desenvolvimento de práticas privadas deve estar fundado na orientação de práticas públicas, as quais teriam a vocação de efetivamente realizar os objetivos básicos previstos no capitulo do meio ambiente, tendo presente os demais princípios norteadores da sociedade brasileira.pela orientação do comportamento coletivo, garante-se uma prática privada gratificante ao investidor e a sociedade.[2]
Nesta perspectiva, o Princípio da Precaução aparece como condição para a implementação das políticas ambientais, o que significa dizer que a Administração Pública deve priorizar medidas de precaução perante uma atividade potencialmente causadora de danos ao meio ambiente. As políticas públicas urgem como uma necessidade no combate aos efeitos da devastação do meio ambiente e, sobretudo, como forma de implementar as normas que regulamentam o direito ambiental, fundamentadas no Princípio da Precaução.
1 Princípio da Precaução
O direito ambiental, sob o prisma de uma ciência dotada de autonomia científica, em que pese seu caráter interdisciplinar, observa na aplicação de suas normas, princípios específicos de proteção ao meio ambiente. Neste sentido, os princípios que informam o direito ambiental orientam a interpretação e aplicação da legislação e também da política ambiental.
Salienta-se, no que concerne à importância dos princípios, a lição de Canotilho, ao destacar que a utilidade dos mesmos reside: 1) em serem um padrão que permite aferir a validade das leis, tornando inconstitucionais ou ilegais as disposições legais ou regulamentares ou atos que o contrariem; 2) no seu potencial como auxiliares da interpretação de outras normas jurídicas; 3) na sua capacidade de integração de lacunas.[3]
Assim, os princípios do direito ambiental adotado pela Constituição Federal sofreram fortes influências da doutrina alemã. Correia destaca que:
Seguindo de perto a doutrina alemã, poderemos dizer que o direito do ambiente é caracterizado por três princípios fundamentais: o princípio da prevenção (vorsorge prinzip), o princípio do poluidor-pagador ou princípio da responsabilização (verursacher prinzip) e o princípio da cooperação ou da participação (koopegrotions prinzip). Estes três princípios estão condensados, ao lado de outros, no código 3o da Lei de Bases do Ambiente e estão presentes em várias disposições.[4]
A título de conhecimento, o referido princípio fora mencionado pela primeira vez na Declaração de Wingspread (1970): “Quando uma atividade representa ameaças de danos ao meio ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se algumas relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidos cientificamente.”[5]
Desta forma, é pacífico entre os doutrinadores que o Princípio da Precaução se constitui no principal orientador das políticas ambientais, além de ser o princípio estruturante do direito ambiental. No Direito Positivo Brasileiro, o Princípio da Precaução tem seu fundamento na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), mais especificadamente no seu artigo 4°, I e IV, que expressa a necessidade de haver um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a utilização dos recursos naturais, e também introduz a avaliação do impacto ambiental como requisito para a instalação da atividade industrial.
A Constituição Federal incorporou o Princípio da Precaução no artigo 225, § 1°, V, ao asseverar que:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1o – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[…]
IV – Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio do impacto ambiental.
A consagração do Princípio da Precaução no ordenamento jurídico brasileiro representa um novo posicionamento do Estado e da coletividade em relação às questões ambientais. Ou seja, a precaução exige que sejam adotadas medidas ambientais que, num primeiro momento, obstem o início de uma atividade potencialmente e/ou lesiva ao meio ambiente, atuando também quando o dano ambiental já está concretizado, para que os efeitos danosos sejam minimizados ou cessados.
Nesta linha de pensamento, Machado aponta que:
A precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar o futuro. A precaução não só deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões humanas, como deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental através da prevenção no tempo certo.[6]
Verifica-se que a precaução está presente não apenas na política ambiental, exigindo que as bases naturais sejam utilizadas de forma parciniosa, mas também requer uma melhor alocação dos recursos naturais, a partir da adoção de instrumentos eficazes no controle do uso destes recursos, em razão da escassez de alguns bens naturais presentes na natureza.
A política ambiental preventiva não se limita à eliminação dos efeitos lesivos ao meio ambiente, antes de tudo, ela deve se antecipar e prevenir a ocorrência de uma atividade potencialmente danosa, isto é, previne já uma suspeição de perigo. A precaução implica numa ação antecipatória, sugerindo cautela para que uma ação não resulte em efeitos negativos para a proteção ambiental.
Convém, para a melhor compreensão do conceito de precaução, citar Derani:
Precaução é cuidado. O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o risco eminente de uma determinada atividade, como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade […].[7]
Milne posiciona-se desfavoravelmente à aplicação do Princípio da Precaução, classificando-o como uma abordagem totalmente errada: “É pior, alega ele, do que o princípio legal da Alice no País das Maravilhas, onde o padrão foi sentenciado primeiro, e o veredito veio depois; aqui é o veredito primeiro, o julgamento depois e não há nenhuma necessidade de prova.”[8]
Acrescenta-se que a resistência por parte dos Estados na aplicação do Princí-pio da Precaução reside no fato de que os mesmos consideram as normas relativas ao meio ambiente um fator que impulsiona a estagnação econômica, como se não fosse possível conciliar desenvolvimento sustentável com crescimento econômico.
1.1 O Princípio da Precaução x Prevenção
Feitas estas colocações preliminares sobre a definição e os posicionamentos pró e contra a aplicação do Princípio da Precaução, pontua-se que apesar dos termos prevenção e precaução apresentarem significados semelhantes, é preciso fazer uma distinção entre ambos para que se possa compreender de forma correta a expressão precaução.
Assim, conforme Machado:
No Princípio da Prevenção previne-se porque se sabe quais as conseqüências de se iniciar determinado ato, prosseguir com ele ou suprimi-lo. O nexo causal é cientificamente comprovado, é certo, decorre muitas vezes até da lógica. No Princípio da Precaução previne-se porque não se pode saber quais as conseqüências que determinado ato, ou empreendimento, ou aplicação científica causarão ao meio ambiente no espaço e/ou no tempo, quais os reflexos ou conseqüências. Há incerteza científica não dirimida.[9]
O termo prevenção nos remete à frase do senso comum “mais vale prevenir do que remediar”, ou seja, o dano ao meio ambiente deve ser evitado antes de sua concretização, porque se conhece a conseqüência que surgirá em decorrência de uma determinada atividade. Já a precaução é prioritariamente aplicada quando há o risco de degradação do meio ambiente, mesmo que o nexo causal não tenha sido ainda estabelecido, porque (via de regra) os danos ambientais são de difícil reparação.
Comparando-se o Princípio da Precaução com o da atuação preventiva, observa-se que o segundo exige que os perigos comprovados sejam eliminados. Já o Princípio da Precaução determina que a ação para eliminar possíveis impactos danosos ao ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com evidência científica absoluta.[10]
No panorama do direito estrangeiro, a União Européia faz a seguinte distinção da expressão prevenção/precaução:
Prevenir significaria evitar ou reduzir tanto o volume de resíduos quanto do risco (“avaid or reduce both volume of waste and associateal hazard”), enquanto que precaucionar seria uma obrigação de interveniência quando há suspeitas para o meio ambiente (“obligation to intervene once there is supcionus to the enviromment”), devendo neste último caso ocorrer intervenção estatal em relação ao risco.[11]
Desta forma, a partir da consagração do Princípio da Precaução no ordenamento jurídico brasileiro e na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro (1992), ecoou a discussão em relação à obrigatoriedade da comprovação científica do dano ambiental. Quando uma atividade representa perigo de dano ao meio ambiente, independentemente da certeza científica, as medidas ambientais devem ser implementadas.
Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção.[12]
Com efeito, a certeza científica do dano, quando possível de ser demonstrada, acarreta a aplicação imediata das medidas ambientais. Mas se deixássemos de aplicá-las quando houvesse incerteza científica, estaríamos incorrendo num grave erro, que é o da inércia diante dos problemas ambientais, pois os efeitos do dano em potencial, provavelmente, seriam irreversíveis.
De fato, a aplicação de medidas ambientais diante da incerteza científica de um dano ao meio ambiente, prevenindo-se um risco incerto, representa um avanço significativo no que se refere à efetivação do Princípio da Precaução e a atuação preventiva. Desta forma, consubstancia-se a substituição do critério da certeza pelo critério da probabilidade, ou seja, a ausência da certeza científica absoluta no que se refere à ocorrência de um dano ambiental não pode ser vista como um impeditivo para a aplicação das medidas ambientais.
O jurista Jean-Marc Lavieille reafirma o entendimento de que se deve agir antes que a ciência nos diga, com certeza absoluta, se determinada atividade é nociva ou não ao meio ambiente ao expressar que: “O princípio da precaução consiste em dizer que não somente somos responsáveis sobre o que nós sabemos, sobre o que nós deveríamos ter sabido, mas também sobre o de que nós deveríamos duvidar.”[13]
Assim, o Princípio da Precaução abrange o risco ou perigo do dano ambiental, mesmo que houver incerteza científica, o que significa dizer que sua aplicação é anterior ao prejuízo ambiental que pode resultar das ações ou omissões humanas. Uma política ambiental adequada ao referido princípio deve prever o controle ou afastamento do risco ambiental e também do perigo ambiental, necessário para a proteção do meio ambiente.
Winter diferencia perigo ambiental de risco ambiental, ao afirmar que “os perigos são geralmente proibidos, o mesmo não acontece com os riscos. Os riscos não podem ser excluídos, porque permanece a probabilidade de um dano menor.”[14] E justamente por haver sempre o risco de que ocorra um dano é que o Princípio da Precaução deve ser aplicado, uma vez que as agressões ao meio ambiente são de difícil reparação.
Outro fato a ser mencionado refere-se à inversão do ônus da prova. Na esfera ambiental, diferentemente do que se verifica nas outras áreas do direito, vigora a responsabilidade civil objetiva. Este fora inserido pelo artigo 14 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 9391/81) e recepcionada pelo artigo 225, § 3o da Constituição Federal, que expressa: “O poluidor é obrigado, independentemente da existência da culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por esta atividade.”
O Princípio da Precaução traz consigo a idéia da inversão do ônus da prova em favor do meio ambiente. Como enfatiza Milaré, “[…] a incerteza científica milita em favor do meio ambiente, carregando-se ao interessado o ônus de provar que as intervenções pretendidas não trarão conseqüências indesejadas ao meio considerado.”[15] Isto é, o provável autor do dano precisa demonstrar que sua atividade não ocasionará dano ao meio ambiente, para que seja dispensado da obrigação de implementar as medidas de prevenção/precaução.
A jurisprudência também se manifesta de forma favorável em relação à inversão do ônus da prova, solidificando a teoria objetiva da responsabilidade civil:
Para o reconhecimento da responsabilidade civil da indústria poluente, é irrelevante a circunstância de estar ela funcionando com a autorização das autoridades municipais, ou fato de nunca ter sofrido autuações dos órgãos públicos encarregados do controle do meio ambiente. Mesmo sem levar em conta a notória deficiência dos serviços públicos, neste particular, forçoso é concluir que demonstrada a relação causa e efeito entre a exagerada missão de poluentes e os danos experimentados pelo autor, emerge clara e inafastável a responsabilidade civil da ré.[16]
Assim sendo, o Princípio da Precaução impõe ao sujeito que desenvolve uma atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente o ônus de provar que a atividade não oferece riscos à degradação do meio ambiente, o que implica dizer que a inversão do ônus da prova, na questão ambiental, abarca a certeza científica e o risco incerto do dano ambiental.
Sampaio enfatiza:
A inversão do ônus da prova permite ao aplicador da lei superar obstáculos que surgem para a formação de sua convicção. Assim, ao se certificar da existência do fato imputado, potencialmente causador de dano ambiental, o magistrado não estará obrigado a condicionar o acolhimento do pedido de reparação à comprovação do dano e do meio de causalidade como usualmente ocorre. Poderá pressupor existência de um desses requisitos, desde que autorizado por lei a fazê-lo, nos limites que o bom senso indicar, e verificar se a prova produzida pela parte ré foi suficiente para elidi-la.[17]
Nesse sentido, o Princípio da Precaução consagra o critério da probabilidade na tomada de decisões que envolvam a questão ambiental, em detrimento do critério da certeza. Ou seja, enquanto que ao demandado incumbe o dever de demonstrar, efetivamente, que a atividade desenvolvida não é lesiva ao meio ambiente, exigindo-se, portanto, certeza absoluta da inofensividade de sua prática, ao demandante cabe demonstrar que há probabilidade da ocorrência do dano.
Não há como refutar, portanto, que a legislação ambiental interna do Brasil, como também de outros países, tem sua política fundamentada no Princípio da Precaução. Mas outros princípios, como o da responsabilidade ambiental, também foram inseridos nos textos dos tratados e/ou convenções, o que nos leva a pontuar que esses têm influência direta no ordenamento jurídico interno do Brasil.
De um lado, se todos os países têm responsabilidade de proteger o meio ambiente e de reparar os efeitos nocivos dos danos ambientais, de outra banda é preciso considerar que os custos das medidas de prevenção devem ser analisados em relação ao país em que serão implementadas. Analisa-se a relação custo-eficácia das medidas ambientais adotadas em função do Princípio da Precaução e também da realidade econômica, social e tecnológica do local em que se verifica a probabilidade da ocorrência do dano ambiental.
A título de exemplo, a Convenção “Quadro sobre a Mudança do Clima” expressa que “as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar os benefícios mundiais ao menor custo possível.”[18]
A orientação é que os custos das medidas ambientais que devem ser imple-mentadas para prevenir a ocorrência do dano ambiental, sejam compatíveis com a capacidade econômica de cada país, o que não afasta a responsabilidade e o compromisso que os Estados têm de adotar políticas ambientais necessárias à preservação do meio ambiente e, conseqüentemente, da espécie humana.
Nessa linha de pensamento, Ayala afirma que:
[…] é verdade que se utilize a incapacidade econômica para que se poster-gue ou mesmo não se lance mão de medidas orientadas à prevenção da ameaça de agressividade ao patrimônio ambiental. É no custo ambiental da medida que será sim, indispensável, a vinculação à capacidade econômica estatal que será obrigatoriamente discriminada e diferenciada em atenção a maior ou menor possibilidade de emprego da tecnologia adequada.[19]
Assim, apesar de os custos das ações preventivas e também das “tecnologias mais limpas” terem, muitas vezes, um custo elevado, não há como postergar a implementação das medidas ambientais diante da certeza ou probabilidade da concretização do dano ambiental, porque as lesões ao meio ambiente são (na sua grande maioria) irreparáveis e trazem conseqüências que interferem na qualidade de vida da população.
A decisão de agir antecipadamente ao dano ambiental é premissa fundamental para garantir a eficácia da aplicação do Princípio da Precaução, que tem como um dos seus instrumentos a avaliação do impacto ambiental, determinando que ao ser identificado ameaça de danos sérios ou irreversíveis, prescindindo do critério da absoluta certeza científica, medidas ambientais devem ser tomadas a fim de proteger o meio ambiente.
1.2 Administração Pública e o Princípio da Precaução
A Administração Pública também tem o dever de contribuir para a implementação do Princípio da Precaução, dispondo de meios adequados e eficazes para o cumprimento da obrigação de preservar o meio ambiente. Nesta perspectiva, Amaral assevera que a Administração Pública não se limita ao Estado: inclui-o, mas comporta muitas outras entidades e organismos. Por isso também nem toda a atividade administrativa é uma atividade estatal: a administração pública não é uma atividade exclusiva do Estado.[20]
Para o jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
O Poder Público é fruto do Estado de Direito, aquele Estado constitucionalmente organizado, respeitador de uma determinada ordem jurídica, que garante um mínimo de previsibilidade aos seus atos e generaliza o campo de ação de todos os cidadãos. É o modus agendi desse Estado, uma vez que não há e nem pode haver Estado sem poder. Este é o princípio unificador da ordem jurídica e, como tal, evidentemente é uno.[21]
Assim, é imprescindível que se faça uma análise dos princípios que norteiam as atividades da Administração Pública, expressos no art. 37, caput, da Constituição Federal, face à relação existente entre eles e os princípios do Direito Ambiental.
Primeiramente, destacam-se os princípio da legalidade e da moralidade. O primeiro preconiza que a Administração Pública somente pode agir de acordo com os preceitos legais, ou seja, somente pode fazer o que a lei permitir. Já o segundo significa dizer que os agentes e a própria administração devem agir de acordo com a ética, alicerçada na lealdade e na boa-fé.
Deste teor resulta que a Administração Pública não pode, arbitrariamente, adiar a aplicação de medidas necessárias à preservação do meio ambiente. Caso isso venha ocorrer, haveria a violação não somente dos princípios da legalidade e o da moralidade como também o Princípio da Precaução, que tem como uma de suas características a aplicabilidade imediata das medidas ambientais diante da certeza ou incerteza científica de danos ao meio ambiente.
Num segundo momento deverão ser destacados os princípios da publicidade e o da impessoalidade (artigo 37 da CF/88). Enquanto que o princípio da publicidade requer que as atividades realizadas pela Administração Pública sejam levadas ao conhecimento da população, para permitir que esta exerça um controle externo dos atos realizados pelo poder público, o da impessoalidade traz consigo a idéia de que a Administração Pública deve tratar a todos sem discriminação, independente de divergências políticas, religiosas ou ideológicas.[22]
De plano, para uma melhor compreensão da relação entre estes princípios e aqueles que norteiam o direito ambiental, cita-se o exemplo dado pelo professor Machado:
Viola o princípio da impessoalidade e publicidade administrativa os acordos e/ou licenciamentos em que o cronograma de execução de projetos não é apresentado previamente ao público, possibilitando que os setores interessados possam participar do procedimento das decisões.[23]
Sendo assim, a omissão da Administração Pública, no que tange ao poder-dever de evitar os danos ao meio ambiente, isto é, se não aplicar o Princípio da Precaução, incidirá sobre ela a responsabilidade administrativa. É o que determina o art. 70 da Lei 9.605/99: “Infração administrativa ambiental, toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de usos, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.”
Da mesma forma, se a Administração Pública, nas hipóteses previstas em lei, não implementar a Avaliação do Impacto Ambiental, incorrerá na violação do preceito constitucional. No dizer de Antunes:
O princípio de direito que deve ser observado é que, em havendo risco potencial ou atual, o meio ambiente deve ser preservado através da elaboração do estudo do impacto ambiental. A dispensa imotivada ou em fraude à Constituição, do estudo do impacto ambiental, deve ser considerado falta grave do servidor que a autorizar. Assim, é porque, na hipótese, trata-se de violação cabal da Constituição.[24]
Se por um lado, a Constituição Federal atribui também à Administração Pública o dever de preservar o meio ambiente, de outra banda, a participação da sociedade nas decisões ambientais tem a função de respaldar e fiscalizar os atos realizados pelo administrador público.
Benjamim pontua que:
A participação pública reprime a tendência dos órgãos administrativos, quando ninguém mais participa do processo decisório, de favorecer as indústrias que fiscalizam. E acrescenta: O administrador público, até de boa-fé, agride o ambiente ou é conveniente com a degradação ambiental em razão de não ter à sua disposição elementos informativos que contrariem os dados e os fatos unilateralmente trazidos pelos agentes econômicos.[25]
O texto do art. 225 da Constituição Federal, portanto, estabelece a obrigação do Estado em proteger o meio ambiente, exigindo a implementação tanto de medidas preventivas e de precaução quanto aquelas necessárias à reparação do bem ambiental lesado.
Dentro deste quadro, observa-se que o poder público regula e protege a liberdade individual e a propriedade privada. No entanto, em nenhum momento pode arbitrariamente deixar de resguardar os interesses da coletividade, razão pela qual são instituídas normas impositivas que fixam as medidas que devem ser implementadas pelo Estado.
Para Canotilho:
As normas constitucionais impositivas apresentam-se em estreita conexão com as normas determinadoras de fins e tarefas com princípios constitucionalmente impositivos. Especificamente no caso do capítulo do meio ambiente, este inter-relacionamento é bastante evidente, por estarem agrupadas estas três espécies de norma num único artigo.[26]
Ressalta-se que o Poder Público encontra-se numa situação de superioridade ou de supremacia em relação ao particular, condição que se faz necessária para a consecução dos fins sociais e coletivos a ele imputado por lei. Em relação à administração pública, a supremacia do interesse público sobre o privado se manifesta através de benefícios concedidos ao Poder Público, responsável pela proteção dos interesses sociais e execução dos preceitos constitucionais.
Nesta perspectiva, não é facultado ao poder público transigir em matéria que diga respeito ao meio ambiente, pois como afirma Mirra, “torna-se possível exigir coativamente até, e inclusive pela via judicial, de todos os entes federados o cumprimento de suas tarefas na proteção do meio ambiente”[27], o que reforça a idéia da indisponibilidade do bem ambiental e do dever do Estado em assegurar o exercício do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado.
O princípio da supremacia do interesse público sob o privado, que rege o Direito Administrativo, mantém uma estreita ligação com o Direito Ambiental, porque sendo o meio ambiente bem público, de uso comum do povo, infere-se que os direitos individuais de caráter privativo nem sempre prevalecem sobre os direitos difusos; na dúvida, via de regra, resolve-se in dúbio pró-ambiente.
Desta forma, o Estado desenvolve uma função essencial no que diz respeito à preservação do meio ambiente e também na aplicação de políticas ambientais. No entanto, o próprio Estado interfere de forma negativa no meio ambiente, seja omitindo-se de suas responsabilidades e/ou dispensando (de forma arbitrária) a Avaliação do Impacto Ambiental, em prol dos interesses econômicos enraizados nas normas de direito ambiental.
O Brasil tem uma Política Ambiental que se expressa principalmente através da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81). Em contrapartida, constata-se que a referida lei é pouco conhecida pela população, o que dificulta a participação dos cidadãos, seja de forma direta, interferindo nas decisões que envolvam a questão ambiental, ou indiretamente, fiscalizando a atuação do Poder Público.
A política ambiental não prescinde apenas da atuação do poder público, ela depende de uma ação que envolva tanto o Estado quanto a coletividade, tanto que:
[…] os administradores, de meros beneficiários do exercício da função ambiental pelo Estado que eram passam a ocupar a posição de destinatários do dever poder de desenvolver comportamentos positivos, visando àqueles fins. Assim, o traço que distingue a função ambiental pública das demais funções estatais é a não exclusividade do seu exercício pelo Estado.[28]
Canotilho diz que:
[…] à política do ambiente, esta deve ser conformada de modo a evitar agressões ambientais, impondo-se: 1) a adoção de medidas preventivo-antecipatórias em vez de medidas repressivo-mediadoras; 2) o controle da poluição na fonte, ou seja, na origem (especial e temporal); quanto à polícia do ambiente esta deve ser exercida no sentido de obrigar o poluidor a corrigir e recuperar o ambiente.[29]
Verifica-se, portanto, mesmo que as atividades potencialmente lesivas ao meio ambiente estejam sujeitas à fiscalização, vigilância e controle do Poder Público, não há uma garantia de que o meio ambiente será preservado. Isto porque ocorre um déficit de execução no sistema de controle e comando público ambiental, perceptível quando ocorrem acidentes ambientais de grandes proporções, mesmo sendo observadas a legislação ambiental.
A eficiência de uma política ambiental está associada a um suporte social, ou mais especificadamente, à iniciativa do cidadão e do setor privado. “Todo problema da política ambiental só pode ser resolvido quando reconhecida a unidade entre cidadãos, Estado e meio ambiente e garantidos os instrumentos de ação conjunta.”[30]
Assim, o Estado precisa estar comprometido com uma política ambiental orientada pelos Princípios da Precaução, do Poluidor-Pagador e da Cooperação, o que exige, em alguns casos, a atuação intervencionista do Estado na ordem econômica. Uma vez reconhecido o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado são definidos os instrumentos, preceitos normativos e até mesmo penalizações reconhecimento, são definidos contra a resistência de interesses e objetivos políticos conflitantes.[31]
Pontua-se que o setor privado também deve participar ativamente na concretização da meta de realizar os objetivos visados pelas normas de proteção do meio ambiente. Desta forma, as empresas precisam adotar um sistema de gestão ambiental, de forma a conjugar o desenvolvimento econômico e a utilização racional dos recursos naturais.
Nesta linha de pensamento, Derani leciona que:
[…] o desenvolvimento de práticas privadas deve estar fundado na orientação de políticas públicas, as quais teriam a vocação de efetivamente realizar os objetivos básicos previstos no capítulo do meio ambiente, tendo presente os demais princípios norteadores da sociedade brasileira. Pela orientação do comportamento coletivo, garante-se uma prática privada gratificante ao investidor e à sociedade.[32]
Entretanto, a atuação do Estado é limitada por determinados fatores que conduzem à ineficácia de suas ações. Com muita propriedade, Beckenbach aponta os fatores que limitam a ação do Estado: “A globalidade dos problemas ecológicos e seu efeito na base de reprodução social; o caráter social e cultural da crise ecológica; o caráter inédito, irreversível e de impossível repetição dos experimentos ecológicos; o caráter histórico e mundial que tomou a crise ambiental.”[33]
Paralelamente ao fato de que a elaboração das políticas públicas ambientais é indispensável tanto para a prevenção quanto para a reparação dos danos ao meio ambiente, evidencia-se que um dos elementos estruturantes da política ambiental é a capacidade da Administração Pública de executá-la. Assim, em razão do Princípio da Precaução, dispõe a Administração Pública brasileira de mecanismos para prevenir o desenvolvimento de uma atividade que ofereça riscos ao meio ambiente, a saber, a Avaliação do Impacto Ambiental em consonância com o direito à informação ambiental.
1.2.1 A Aplicação do Princípio da Precaução e o Impacto Ambiental
O conceito normativo de Impacto Ambiental está expresso no artigo 1o da Resolução n° 001186, do Conselho Normativo do Meio Ambiente – CONAMA, que o define do seguinte modo:
Considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, que, direta ou indireta-mente, afetam a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as ativi-dades sociais e econômicas; a biota (flora e fauna); as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente, e a qualidade dos recursos naturais.
O que deve ser destacado no conceito de Impacto Ambiental é o fato de que este nada mais é do que o resultado da atividade do homem sobre o meio ambiente. A ação humana sobre o meio ambiente produz impactos ambientais benéficos ou negativos, quando resultar na alteração de aspectos físicos, químicos e biológicos do meio ambiente, afetando a qualidade de vida do homem e a qualidade ambiental.
É oportuno mencionar que o art. 225, parágrafo 1o da Constituição Federal estabelece a obrigatoriedade do Estudo do Impacto Ambiental, ao expressar que:
Para assegurar a efetividade deste direito, incumbe ao Poder Público:
[…]
IV – exigir na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, Estudo Prévio de Impacto Ambiental, o que se dará publicidade.
Salienta-se que a jurisprudência tem-se manifestado pela obrigatoriedade de ser realizado o Estudo Prévio do Impacto Ambiental antes da instalação da obra ou atividade, ao expressar que é inadmissível a sua realização simultânea com o edital:
Meio-Ambiente – obra e atividade causadora de degradação – Estudo prévio de impacto ambiental e relatório – Obrigatoriedade – Abertura de Edital de licitação simultaneamente com a elaboração do projeto executivo e dos estudos ambientais – Inadmissibilidade (IJ-MG. Ap.n° 62043/5, 5o con.j.em 22/08/1996, Oliveira, R.T. 7381376).
Pontua-se que o dispositivo constitucional exige que seja realizada a Avaliação do Impacto Ambiental nas hipóteses em que for verificado que a atividade a ser desenvolvida ofereça riscos ao meio ambiente. Neste sentido, “trata-se de um meio de atuação preventiva, que visa a evitar as conseqüências danosas sobre o ambiente, de um projeto de obras, de urbanização ou de qualquer atividade.”[34]
Assim, o estudo do Impacto Ambiental auxilia na aplicação do Princípio da Precaução, à medida que possibilita reconhecer antecipadamente os riscos ambientais provenientes da instalação de obra ou atividade e determinar as medidas ambientais cabíveis para a prevenção da degradação ambiental. “O objetivo do procedimento de avaliação é dar às administrações públicas uma base séria de informação, de modo a poder pesar os interesses em jogo quando da tomada de decisão, inclusive aqueles do ambiente, tendo em vista uma finalidade superior.”[35]
Reconhece-se, dessa forma, que com efeito, a aplicação da Avaliação do Impacto Ambiental demonstra a preocupação do Estado em torno da defesa do meio ambiente, à medida que possibilita determinar as atividades causadoras de alterações significativas na qualidade ambiental, condicionando a implantação dos mesmos ao desenvolvimento de medidas mitigadoras dos impactos negativos da ação humana sobre o meio ambiente.
É importante consignar que esta avaliação fundamenta-se no princípio da publicidade, o que pressupõe a participação da comunidade em geral na tomada de decisões que envolvem a exigência do RIMA, com o intuito de que haja efetividade das medidas ambientais adotadas.
Deste teor resulta que a Avaliação do Impacto Ambiental tem caráter público e se traduz num dos instrumentos da política ambiental, que tem como pressuposto fundamental o Princípio da Precaução. Assim, o prévio diagnóstico do risco de degradação ambiental está em consonância com a proteção jurídica do meio ambiente, que se encontra voltada à busca do equilíbrio ecológico e do desenvolvimento sustentado.
Considerações Finais
No decorrer deste estudo ficou evidenciado que o direito ambiental está em constante evolução e modificação. Nesta perspectiva, a preservação do meio ambiente não é de responsabilidade apenas dos governos ou de determinado indivíduo. Pelo contrário, este é um problema coletivo e, como tal, deve ser encarado e resolvido. Ademais, a própria Constituição Federal de 1998, no seu artigo 225, caput, impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Pontua-se, também, que apesar de termos uma legislação ambiental avançada, se comparada a outros países, e que assegura de modo satisfatório a preservação do meio ambiente, é necessário que a mesma seja aplicada, sob pena de se tornar inócua e figurativa em nosso ordenamento jurídico.
Desta forma, a legislação ambiental brasileira é orientada pelo Princípio da Precaução, embora se utiliza também dos princípios da cooperação, do poluidor-pagador, eqüidade e participação. É inegável que a aplicação isolada desses princípios não traz resultados satisfatórios no que tange à proteção ambiental, uma vez que esta pressupõe o acesso irrestrito dos cidadãos à informação ambiental e à educação ambiental, o que permitirá a participação consciente dos mesmos nas questões relativas ao meio ambiente.
Com efeito, o Poder Público deve intensificar a fiscalização no cumprimento da legislação ambiental, realizando um processo com o mínimo de burocracia possível para dar uma solução rápida e adequada nos casos em que houver danos ao meio ambiente, priorizando a recomposição do bem lesado ao estado anterior quando possível e/ou o sistema de indenização.
De fato, a preservação do meio ambiente é uma tarefa contínua e complexa, mas imprescindível para aqueles que almejam garantir o direito de viver num ambiente ecologicamente equilibrado, pois, acima de tudo, prevenir a degradação do meio ambiente implica na efetivação dos direitos do próprio homem. Há de ser considerado que o homem e o meio ambiente estão concomitantemente interagindo, o que significa dizer que a ação humana pode interferir negativa ou positivamente sobre o meio ambiente e, conseqüentemente, nas condições de vida dos mesmos.
Por fim, não se pode olvidar que tanto o Poder Público como as empresas e a sociedade civil devem estar engajadas na questão ambiental para que a ocorrência dos danos ecológicos seja evitada. A preservação do meio ambiente, no Brasil e/ou no mundo, perpassa indubitavelmente pelo processo de conscientização, informação e educação ambiental. Somente assim a política ambiental implementada pelo Estado cumpre com a tarefa não apenas de preservar o meio ambiente como também de formar cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres para com o meio ambiente.
Advogada, Mestre em Direito Ambiental pela UCS/RS, professora do Curso de Direito da Faculdade Dom Alberto, Faculdade da Serra Gaúcha (FSG) e UNOESC/SC.
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